Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 319/2017-T
Data da decisão: 2019-03-11  Selo  
Valor do pedido: € 49.834,30
Tema: IS –Verba 28.1 da TGIS. Terrenos para construção. – Reforma da Decisão Arbitral (anexa à decisão).
*Substitui a Decisão Arbitral de 07 de dezembro de 2017.
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DECISÃO ARBITRAL

 

A Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da decisão arbitral, proferida em 7 de dezembro de 2017, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional .

O Tribunal Constitucional, através da Decisão Sumária n.º 738/2018, de 7 de novembro de 2018, proferida nos autos de recurso n.º 105/2018, a qual transitou em julgado, em 22 de novembro de 2018, decidiu “a) Não julgar inconstitucional a norma constante Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00; b)Conceder provimento ao recurso, determinando que os autos baixem ao Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a fim de que este reforme a decisão em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade.”

De acordo com o disposto no artigo 2.º da Lei do Tribunal Constitucional “As decisões do Tribunal Constitucional são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as dos restantes tribunais e de quaisquer outras autoridades”.

Assim, procede-se à reforma da decisão arbitral nos termos que se seguem.

 

I - RELATÓRIO

1. Em 8 de maio de 2017, a sociedade A..., S.A. com o número de identificação fiscal ... e com sede na Avenida ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, (doravante designada por “Requerente”) apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”).

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou a “Requerida”) em 19 de maio de 2017.

3. A Requerente pretende que seja determinada a anulação das liquidações de Imposto do Selo referentes ao ano de 2014 efetuadas com base na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (a seguir “TGIS”) sobre os terrenos para construção inscritos na matriz sob os artigos ..., ..., ... e ... sitos na freguesia de ..., concelho de Portimão.

4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

5. As partes foram notificadas, em 4 de julho de 2017, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

6. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 19 de julho de 2017.

7. Em 3 de outubro de 2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta e o Processo Administrativo respetivo.

8. Em 24 de outubro de 2017, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por não haver lugar à produção de prova constituenda, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (vd., artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT). O Tribunal mandou notificar as partes para, no prazo de 5 dias, declararem se pretendiam produzir alegações escritas. O Tribunal fixou, ainda, o dia 4 de dezembro de 2017 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

9. As alegações escritas foram apresentadas pela Requerente, em 6 de novembro, e pela Requerida, em 17 de novembro de 2017.

 

10. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto na petição de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações escritas, é, em síntese, a seguinte:

10.1. As liquidações efetuadas sobre os lotes A1, A2 e K incidem sobre terrenos nos quais não existe qualquer edificação licenciada ou autorizada, nem qualquer licença, autorização ou decisão administrativa que permita edificar nos mesmos.

10.2. É ilegal sujeitar a Imposto do Selo uma construção hipotética, nem sequer é ou foi projetada pela Requerente uma edificação habitacional, uma vez que a venda de habitações não constitui o seu objeto e que o empreendimento ... foi concebido para finalidades turísticas.

10.3. Relativamente ao lote ..., o erro imputável aos serviços resulta do facto de o mesmo não constituir um terreno para construção cuja edificação licenciada ou autorizada seja destinada a habitação, pelo que não pode ser alvo de incidência do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS.

10.4. Efetivamente, a Câmara Municipal de Portimão emitiu uma licença para construção no lote ... de um núcleo urbano de moradias em banda constituído por 44 fogos e posteriormente, em 2013, emitiu uma licença especial para a conclusão de obras inacabadas no referido terreno.

10.5. Apesar de os alvarás correspondentes indicarem como uso “habitação”, as moradias do lote ..., quando ficarem concluídas, destinar-se-ão ao alojamento de turistas e não a servir de local de residência de particulares.

10.6. Na hipótese de a edificação a construir ou em construção no terreno ser afeta a uma atividade com conteúdo económico, como é o caso do alojamento local, e não à satisfação de necessidades pessoais, como a habitação, não pode haver lugar à tributação em Imposto do Selo pela verba 28.1 da TGIS.

10.7. A aplicação da verba 28.1 da TGIS ofende princípios estruturantes do direito fiscal, como o da capacidade contributiva e do Estado de direito democrático, como os da boa-fé, da imparcialidade e da confiança.

 

10.8. Além disso, a exigência de Imposto do Selo sobre os terrenos para construção pela verba n.º 28.1 da TGIS nasce de um facto tributário inapto a revelar uma manifestação de capacidade contributiva o que fere o princípio da legalidade fiscal, consubstancia uma situação de dupla tributação jurídica que é constitucionalmente vedada pelos princípios da capacidade contributiva, do non bis idem e da igualdade, e, por fim, viola os princípios da boa fé, da confiança e da imparcialidade.

 

11. A posição da Requerida, expressa na Resposta e nas alegações escritas, pode ser sintetizada no seguinte:

11.1. O facto de a Requerente referir que pretende destinar as moradias a alojamento local não retira que, de acordo com o Alvará de Construção a afetação do terreno de construção seja habitacional. 

11.2. Também, o facto de a Requerente poder usar as moradias em construção como unidades individuais de “alojamento local” não é suscetível de alterar a qualificação, em termos fiscais, do prédio como terreno para construção de afetação habitacional.

11.3. Todos documentos juntos aos autos evidenciam que os prédios em causa são terrenos para construção com afetação habitacional, nos termos do artigo 6.º, n.º 3, do CIMI, e nessa medida, cabem no âmbito da incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS.

11.4. Assim, a determinação do VPT dos terrenos para construção tem como pressuposto a determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas, o que impõe, nos termos do disposto no artigo 38.º do CIMI, atender-se à afetação dessas mesmas edificações.

11.5. De acordo com os documentos trazidos aos autos, a edificação autorizada no terreno destinada a habitação, foi considerada na avaliação efetuada ao terreno a que foi atribuído o VPT superior a € 1.000.000,00.

11.6. Assim, afigura-se claro que os prédios em causa subsumem-se cabalmente na definição de terreno para construção para efeitos da verba 28.1 da TGIS.

11.7. O facto de a Requerente poder vir a usar futuramente as moradias em construção como unidades individuais de “alojamento local” não é suscetível de alterar a qualificação, em termos fiscais, do prédio como terreno para construção de afetação habitacional. Nessa medida, atento o quadro legal em vigor, não é pelo facto de o prédio poder alojar temporariamente turistas mediante contrapartida que deixa de ser considerado uma “habitação” para passar a ser um “hotel” ou um “aldeamento turístico” ou qualquer outra unidade prevista no Decreto-Lei nº 39/2008”.

11.8. A norma da verba 28.1 da TGIS não pode deixar de se enquadrar no objetivo expresso do legislador de onerar adicionalmente os prédios habitacionais de valor mais elevado na consecução de repartir, para além dos titulares de rendimentos e pensões, também pelos titulares de determinado património imobiliário, os sacrifícios impostos pela austeridade numa conjuntura económica e financeira concreta do país. Atendendo à ratio da Verba 28.1 da TGIS, à natureza e estrutura do imposto, bem como a manifestação de riqueza ou rendimento que o legislador teve em vista capturar, não consubstancia violação do princípio constitucional da capacidade contributiva em todas as suas vertentes.

II – SANEAMENTO

12. O tribunal arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., n.º 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.

13. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março.

14. Não foram suscitadas exceções de que cumpra conhecer.

15. O processo não enferma de quaisquer vícios que o invalidem.

III – MATÉRIA DE FACTO

16. Factos provados

 

16.1. Com base na prova documental junto aos autos consideram-se provados os seguintes factos:

A) A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial U-... sito na freguesia de ..., concelho de Portimão, que é um terreno para construção, designado lote ..., tendo o valor patrimonial tributário (“VPT”) de €1.336.820,00.

B) A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial U-... sito na freguesia de ..., concelho de Portimão, que é um terreno para construção, designado lote ..., tendo o VPT de € 1.456.820,00.

C) A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial U-... sito na freguesia de ..., concelho de Portimão, que é um terreno para construção, designado lote ..., tendo o VPT de €1.141.380,00.

D) A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial U-... sito na freguesia de ..., concelho de Portimão, que é um terreno para construção, designado lote..., tendo o VPT de €1.048.410,00

E) Os terrenos para construção supra identificados tiveram origem no Alvará de Loteamento n.º .../89, de 10/01/1989, emitido pela Câmara Municipal de Portimão à Requerente, e que se encontra a fls 86 a 91 do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais. O referido Alvará estabeleceu o seguinte:

“A realização do loteamento fica sujeito às seguintes prescrições:

1)É autorizada a constituição de dezassete lotes de terreno para construção urbana, designados por A1, A2, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, O, P, Q e U, dois lotes de terreno para fins agrícolas, designados por M1 e M2 e um lote de terreno para zona paisagística designado por R, com as áreas, localização e tipologia de construção indicados na planta anexa, a qual rubriquei e fiz autenticar com o selo branco desta Câmara Municipal.”(vd., fls. 88 do Processo Administrativo). (sublinhado nosso)

 

F) Relativamente ao prédio identificado na alínea A) (artigo U-...-Lote ...), foram emitidas pelo Serviço de Finanças de Lisboa-... as seguintes liquidações de Imposto do Selo, respeitantes ao ano de 2014, que se encontram juntas ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral, cujos teores se dão por reproduzidos:

- Liquidação n.º 2015 ... no montante de €4.456,08.

- Liquidação n.º 2015 ... no montante de €4.456,06.

- Liquidação n.º 2015 ... no montante de €4.456,06.

 

G) Relativamente ao prédio identificado na alínea B) (artigo U-...-Lote...), foram emitidas pelo Serviço de Finanças de Lisboa-... as seguintes liquidações de Imposto do Selo, respeitantes ao ano de 2014, que se encontram juntas ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral, cujos teores se dão por reproduzidos:

- Liquidação n.º 2015... no montante de €4.856,08.

- Liquidação n.º 2015... no montante de €4.856,06.

- Liquidação n.º 2015... no montante de €4.856,06.

 

H) Relativamente ao terreno para construção identificado na alínea C) (artigo U-...-Lote...), foram emitidas pelo Serviço de Finanças de Lisboa-... as seguintes liquidações de Imposto do Selo, respeitantes ao ano de 2014, que se encontram juntas ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral, cujos teores se dão por reproduzidos:

- Liquidação n.º 2015 ... no montante de €3.804,60.

- Liquidação n.º 2015 ... no montante de €3.804,60.

- Liquidação n.º 2015 ... no montante de €3.804,60.

 

I) O terreno para construção identificado na alínea C) (artigo U...-Lote...) obteve os seguintes Alvarás emitidos pela Câmara Municipal de Portimão, conforme documentos que se encontram junto ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral e no Processo Administrativo: (i) Alvará de Obras de Construção n.º .../08, proc. n.º .../87,  autoriza área de construção de 5336 m2, volumetria 15994 m3, n.º de pisos 2, e uso  “Habitação (construção de um núcleo urbano de moradias em banda num total de 44 fogos)”; (ii) Alvará de Obras de Construção n.º .../13, proc. n.º 118/07, as obras foram aprovadas com as características seguintes: “uso -Habitação (Licença Especial Para Conclusão de Obras Inacabadas)”;

 “Pisos:habitação”;“n.º de fogos 44”.

 

J) Relativamente ao prédio identificado na alínea D) (artigo U-...-Lote...), foram emitidas pelo Serviço de Finanças de Lisboa-... as seguintes liquidações de Imposto do Selo, respeitantes ao ano de 2014, que se encontram juntas ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral, cujos teores se dão por reproduzidos:

- Liquidação n.º 2015 ... no montante de €3.494,70.

- Liquidação n.º 2015 ... no montante de €3.494,70.

- Liquidação n.º 2015 ... no montante de €3.494,70.

K) O terreno para construção identificado na alínea C) (artigo U-...-Lote...) integra o empreendimento para fins turísticos designado ... tendo a Equipa Multidisciplinar de Alojamento Local do Turismo de Portugal, I.P., por mensagem de correio eletrónico, de 16 de julho de 2015, afirmado que “(…)nada parece obstar a que as unidades de alojamento (moradias)previstas no projeto imobiliário ... possam vir a ser registadas e exploradas como estabelecimentos de alojamento local.”, conforme documento que se encontra junto ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

L) Relativamente às liquidações identificadas nas alíneas F), G), H) e J), a Requerente apresentou, em 7 de março de 2016, o pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT, que correu os seus termos sob o n.º ...2016... .

M) O pedido de revisão oficiosa, identificado na alínea anterior, foi indeferido por despacho da Diretora de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais, de 27 de janeiro de 2017, exarado na Informação..., de 25 de janeiro de 2017.

16.2. Os factos enunciados no n.º anterior integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

17. Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

IV – MATÉRIA DE DIREITO

 

18. A questão decidenda nos presentes autos consiste em saber se os atos de liquidação de Imposto do Selo se basearam na errónea interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS.

19. O enquadramento legal desta questão é o seguinte:

19.1. A Verba 28 aditada à TGIS pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro tinha a redação seguinte:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional– 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”

19.2. O artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, deu uma nova redação à verba 28.1 da TGIS que passou a ter o seguinte teor: “28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do Código do IMI– 1%;”.(sublinhado nosso)

19.3. De acordo com o artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”

19.4. Nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Código do IMI os prédios urbanos dividem-se em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.

19.5. O Código do IMI, no artigo 6.º, n.º 3, define terrenos para construção como  “(…) os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.” (sublinhado nosso).

 

20. A redação da verba 28.1 da TGIS resultante do disposto na Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, é aplicável ratione temporis à situação sub judice.

21. A nova redação dada à verba 28.1 da TGIS, pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, alargou o âmbito de incidência objetiva da norma ao incluir expressamente os terrenos para construção, desde que possuam edificação para habitação autorizada ou prevista.

22. A demonstração de que um prédio tem uma edificação para habitação autorizada ou prevista vai muito para além da inscrição matricial. Consequentemente, a mera inscrição matricial de um imóvel como sendo “terreno para construção” não legitima, por si, a aplicação da verba 28.1 da TGIS.

23. Sobre o sentido da verba 28.1 da TGIS, na redação dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, concordamos com a posição adotada no Acórdão do CAAD, de 19 de abril de 2016, proferido no proc. n.º 578/2015-T, e do qual transcrevemos (pp. 16):

“(…) a incidência do imposto do Selo aos terrenos para construção não se pode materializar com a mera inscrição dos mesmos, como tais, na matriz, mas antes, e de forma decisiva, pela verificação da efetiva potencialidade de edificação nos referidos terrenos (a qual deve ser apurada in casu e revelada através da existência dos documentos supra descritos). O mesmo é dizer, por outras palavras, que a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1, só se materializa com a verificação da “afetação efetiva”, para utilizar a feliz expressão de JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES (ob. cit., p. 507). Sem essa demonstração da efetiva potencialidade de edificação (…) não se mostram cumpridos os propósitos subjacentes à nova redação do texto legal da verba 28.1 da TGIS ”

 

24. A aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, aos terrenos para construção, depende da verificação de três requisitos cumulativos, a saber: i) Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos; ii) O VPT do prédio urbano ser igual ou superior a € 1.000.000,00; iii) O terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

 

25. Dos factos provados nos presentes autos arbitrais, verifica-se que os dois primeiros requisitos, referidos no n.º anterior, encontram-se preenchidos. Efetivamente, a Requerente é proprietária dos quatro terrenos para construção que têm todos VPT superiores a € 1.000.000,00 (vd., alíneas A), B), C), D) do n.º 16.1).

26. O terceiro requisito, referido no n.º 24, consiste na edificação, autorizada ou prevista, ser destinada à habitação. A inclusão de terrenos para construção na verba 28.1 da TGIS pressupõe que existe uma previsão ou expectativa de edificação para habitação que se concretiza através do cumprimento de exigências legais e administrativas necessárias á referida edificação. A este propósito ANTÓNIO SANTOS ROCHA e EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS (in Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotado e Comentado), Almedina, 2015, pp. 44) afirmam:

“No que se refere aos terrenos para construção, quer estejam ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma (CIMI), devem como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida:

•             licença para operação de loteamento,

•             licença para construção,

•             autorização para operação de loteamento,

•             autorização de construção,

•             admitida comunicação favorável de operação de loteamento ou de construção,

•             emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como

•             aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para este efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituado pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no artigo 875.º do CC.”

As exigências legais e administrativas, acima expostas, constituem requisitos necessários à inclusão dos terrenos para construção na verba 28.1 da TGIS.

De acordo com a factualidade provada nos presentes autos arbitrais, verifica-se que os quatro terrenos para construção tiveram origem no Alvará de Loteamento n.º .../89, de 10/01/1989, emitido pela Câmara Municipal de Portimão. O referido Alvará é muito claro, nos seus termos, a conferir autorização para edificação destinada a habitação nos lotes A1, A2, B e K (vd., alínea E) do n.º 16.1).

 

27. Relativamente ao lote B a autorização de construção para fins habitacionais é reiterada através do Alvará de Obras de Construção n.º .../08 e do Alvará de Obras de Construção n.º .../13 (vd., alínea I) do n.º 16.1).

 

28. A afetação para fins habitacionais conferida pelo Alvará de Loteamento supra identificado e reiterada, relativamente ao Lote B, por dois Alvarás de Obras e Construção não é posta em causa pela alegação da Requerente de que no referido Lote as moradias se destinam a alojamento local.

Importa referir que no documento apresentado pela Requerente o Turismo de Portugal exprime, com cautela, a possibilidade do projeto (as 44 moradias do lote B) poder vir a ser registado e explorado como estabelecimento de alojamento local. Essa comunicação do Turismo de Portugal, por mensagem de correio eletrónico, é datada de 16 de julho de 2015.

Acontece que o facto tributário, que originou as liquidações ora impugnadas, ocorreu em 31 de dezembro de 2014.

A possível utilização no futuro das moradias em construção como unidades de alojamento local não determina a alteração da qualificação, em termos fiscais do prédio, como terreno para construção com afetação habitacional.

 

29. Perante o exposto os terrenos para construção supra identificados encontram-se abrangidos pela verba 28.1 da TGIS.

 

30. Resta analisar as alegações da Requerente quanto à inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS.

 

31. A decisão proferida por este Tribunal Arbitral, em 07-12-2017, no que toca ao mérito da causa, considerou que a norma constante da Verba 28.1 da TGIS era materialmente inconstitucional e a sua aplicação “(…) consubstancia erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a sua anulação, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. Consequentemente, as liquidações que são objeto do presente processo arbitral enfermam de vício de violação de lei.” (vd., n.º 33 da decisão arbitral, de 07-12-2017).

 

32. A Decisão Sumária n.º 783/2018 do Tribunal Constitucional, que remeteu para os fundamentos do Acórdão n.º 378/2018 do Plenário do Tribunal Constitucional, não julgou inconstitucional a norma constante da Verba 28.1 da TGIS aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00.

 

33. Assim, tendo o decidido pelo Tribunal Constitucional força obrigatória no processo, tem de se concluir que as liquidações impugnadas, que aplicaram aquela verba 28.1 da TGIS, não enfermam dos vícios que são imputados pela Requerente.

 

V – DECISÃO

Termos em que acorda o presente Tribunal julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo referentes ao ano de 2014, atrás identificados, de que é Sujeito Passivo a Requerente.

 

VI – VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 49.834,30 (quarenta e nove mil oitocentos e trinta e quatro euros e trinta cêntimos).

VII – CUSTAS

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT e nos artigos 2.º, 3.º, n.º 1 e 4.º do RCPAT, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em €2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 11 de março de 2019

 

O árbitro

Olívio Mota Amador

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

I - RELATÓRIO

 

1. Em 8 de maio de 2017, a sociedade A..., S.A. com o número de identificação fiscal ... e com sede na Avenida ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, (doravante designada por “Requerente”) apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”).

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou a “Requerida”) em 19 de maio de 2017.

3. A Requerente pretende que seja determinada a anulação das liquidações de Imposto do Selo referentes ao ano de 2014 efetuadas com base na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (a seguir “TGIS”) sobre os terrenos para construção inscritos na matriz sob os artigos ..., ..., ... e ... sitos na freguesia de ..., concelho de Portimão.

4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

5. As partes foram notificadas, em 4 de julho de 2017, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

6. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 19 de julho de 2017.

7. Em 3 de outubro de 2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta e o Processo Administrativo respetivo.

8. Em 24 de outubro de 2017, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por não haver lugar à produção de prova constituenda, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (vd., artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT). O Tribunal mandou notificar as partes para, no prazo de 5 dias, declararem se pretendiam produzir alegações escritas. O Tribunal fixou, ainda, o dia 4 de dezembro de 2017 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

9. As alegações escritas foram apresentadas pela Requerente, em 6 de novembro, e pela Requerida, em 17 de novembro de 2017.

 

10. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto na petição de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações escritas, é, em síntese, a seguinte:

10.1. As liquidações efetuadas sobre os lotes ..., ... e ... incidem sobre terrenos nos quais não existe qualquer edificação licenciada ou autorizada, nem qualquer licença, autorização ou decisão administrativa que permita edificar nos mesmos.

10.2. É ilegal sujeitar a Imposto do Selo uma construção hipotética, nem sequer é ou foi projetada pela Requerente uma edificação habitacional, uma vez que a venda de habitações não constitui o seu objeto e que o empreendimento ... foi concebido para finalidades turísticas.

10.3. Relativamente ao lote ..., o erro imputável aos serviços resulta do facto de o mesmo não constituir um terreno para construção cuja edificação licenciada ou autorizada seja destinada a habitação, pelo que não pode ser alvo de incidência do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS.

10.4. Efetivamente, a Câmara Municipal de Portimão emitiu uma licença para construção no lote ... de um núcleo urbano de moradias em banda constituído por 44 fogos e posteriormente, em 2013, emitiu uma licença especial para a conclusão de obras inacabadas no referido terreno.

10.5. Apesar de os alvarás correspondentes indicarem como uso “habitação”, as moradias do lote ..., quando ficarem concluídas, destinar-se-ão ao alojamento de turistas e não a servir de local de residência de particulares.

10.6. Na hipótese de a edificação a construir ou em construção no terreno ser afeta a uma atividade com conteúdo económico, como é o caso do alojamento local, e não à satisfação de necessidades pessoais, como a habitação, não pode haver lugar à tributação em Imposto do Selo pela verba 28.1 da TGIS.

10.7. A aplicação da verba 28.1 da TGIS ofende princípios estruturantes do direito fiscal, como o da capacidade contributiva e do Estado de direito democrático, como os da boa-fé, da imparcialidade e da confiança.

 

10.8. Além disso, a exigência de Imposto do Selo sobre os terrenos para construção pela verba n.º 28.1 da TGIS nasce de um facto tributário inapto a revelar uma manifestação de capacidade contributiva o que fere o princípio da legalidade fiscal, consubstancia uma situação de dupla tributação jurídica que é constitucionalmente vedada pelos princípios da capacidade contributiva, do non bis idem e da igualdade, e, por fim, viola os princípios da boa fé, da confiança e da imparcialidade.

 

11. A posição da Requerida, expressa na Resposta e nas alegações escritas, pode ser sintetizada no seguinte:

11.1. O facto de a Requerente referir que pretende destinar as moradias a alojamento local não retira que, de acordo com o Alvará de Construção a afetação do terreno de construção seja habitacional. 

11.2. Também, o facto de a Requerente poder usar as moradias em construção como unidades individuais de “alojamento local” não é suscetível de alterar a qualificação, em termos fiscais, do prédio como terreno para construção de afetação habitacional.

11.3. Todos documentos juntos aos autos evidenciam que os prédios em causa são terrenos para construção com afetação habitacional, nos termos do artigo 6.º, n.º 3, do CIMI, e nessa medida, cabem no âmbito da incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS.

11.4. Assim, a determinação do VPT dos terrenos para construção tem como pressuposto a determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas, o que impõe, nos termos do disposto no artigo 38.º do CIMI, atender-se à afetação dessas mesmas edificações.

11.5. De acordo com os documentos trazidos aos autos, a edificação autorizada no terreno destinada a habitação, foi considerada na avaliação efetuada ao terreno a que foi atribuído o VPT superior a € 1.000.000,00.

11.6. Assim, afigura-se claro que os prédios em causa subsumem-se cabalmente na definição de terreno para construção para efeitos da verba 28.1 da TGIS.

11.7. O facto de a Requerente poder vir a usar futuramente as moradias em construção como unidades individuais de “alojamento local” não é suscetível de alterar a qualificação, em termos fiscais, do prédio como terreno para construção de afetação habitacional. Nessa medida, atento o quadro legal em vigor, não é pelo facto de o prédio poder alojar temporariamente turistas mediante contrapartida que deixa de ser considerado uma “habitação” para passar a ser um “hotel” ou um “aldeamento turístico” ou qualquer outra unidade prevista no Decreto-Lei nº 39/2008”.

11.8. A norma da verba 28.1 da TGIS não pode deixar de se enquadrar no objetivo expresso do legislador de onerar adicionalmente os prédios habitacionais de valor mais elevado na consecução de repartir, para além dos titulares de rendimentos e pensões, também pelos titulares de determinado património imobiliário, os sacrifícios impostos pela austeridade numa conjuntura económica e financeira concreta do país. Atendendo à ratio da Verba 28.1 da TGIS, à natureza e estrutura do imposto, bem como a manifestação de riqueza ou rendimento que o legislador teve em vista capturar, não consubstancia violação do princípio constitucional da capacidade contributiva em todas as suas vertentes.

II – SANEAMENTO

12. O tribunal arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., n.º 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.

13. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março.

14. Não foram suscitadas exceções de que cumpra conhecer.

15. O processo não enferma de quaisquer vícios que o invalidem.

III – MATÉRIA DE FACTO

16. Factos provados

 

16.1. Com base na prova documental junto aos autos consideram-se provados os seguintes factos:

A) A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial U-... sito na freguesia de ..., concelho de Portimão, que é um terreno para construção, designado lote ..., tendo o valor patrimonial tributário (“VPT”) de €1.336.820,00.

B) A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial U-... sito na freguesia de ..., concelho de Portimão, que é um terreno para construção, designado lote ..., tendo o VPT de € 1.456.820,00.

C) A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial U-... sito na freguesia de ..., concelho de Portimão, que é um terreno para construção, designado lote ..., tendo o VPT de €1.141.380,00.

D) A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial U-... sito na freguesia de ..., concelho de Portimão, que é um terreno para construção, designado lote ..., tendo o VPT de €1.048.410,00

E) Os terrenos para construção supra identificados tiveram origem no Alvará de Loteamento n.º .../89, de 10/01/1989, emitido pela Câmara Municipal de Portimão à Requerente, e que se encontra a fls 86 a 91 do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais. O referido Alvará estabeleceu o seguinte:

“A realização do loteamento fica sujeito às seguintes prescrições:

1)É autorizada a constituição de dezassete lotes de terreno para construção urbana, designados por ..., ..., B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, O, P, Q e U, dois lotes de terreno para fins agrícolas, designados por M1 e M2 e um lote de terreno para zona paisagística designado por R, com as áreas, localização e tipologia de construção indicados na planta anexa, a qual rubriquei e fiz autenticar com o selo branco desta Câmara Municipal.”(vd., fls. 88 do Processo Administrativo). (sublinhado nosso)

 

F) Relativamente ao prédio identificado na alínea A) (artigo U-...-Lote...), foram emitidas pelo Serviço de Finanças de Lisboa-... as seguintes liquidações de Imposto do Selo, respeitantes ao ano de 2014, que se encontram juntas ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral, cujos teores se dão por reproduzidos:

- Liquidação n.º 2015 ... no montante de €4.456,08.

- Liquidação n.º 2015 ... no montante de €4.456,06.

- Liquidação n.º 2015 ... no montante de €4.456,06.

 

G) Relativamente ao prédio identificado na alínea B) (artigo U-...-Lote...), foram emitidas pelo Serviço de Finanças de Lisboa-... as seguintes liquidações de Imposto do Selo, respeitantes ao ano de 2014, que se encontram juntas ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral, cujos teores se dão por reproduzidos:

- Liquidação n.º 2015... no montante de €4.856,08.

- Liquidação n.º 2015... no montante de €4.856,06.

- Liquidação n.º 2015... no montante de €4.856,06.

 

H) Relativamente ao terreno para construção identificado na alínea C) (artigo U-...-Lote ...), foram emitidas pelo Serviço de Finanças de Lisboa-... as seguintes liquidações de Imposto do Selo, respeitantes ao ano de 2014, que se encontram juntas ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral, cujos teores se dão por reproduzidos:

- Liquidação n.º 2015... no montante de €3.804,60.

- Liquidação n.º 2015... no montante de €3.804,60.

- Liquidação n.º 2015... no montante de €3.804,60.

 

I) O terreno para construção identificado na alínea C) (artigo U-...-Lote ...) obteve os seguintes Alvarás emitidos pela Câmara Municipal de Portimão, conforme documentos que se encontram junto ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral e no Processo Administrativo: (i) Alvará de Obras de Construção n.º .../08, proc. n.º .../87,  autoriza área de construção de 5336 m2, volumetria 15994 m3, n.º de pisos 2, e uso  “Habitação (construção de um núcleo urbano de moradias em banda num total de 44 fogos)”; (ii) Alvará de Obras de Construção n.º .../13, proc. n.º .../07, as obras foram aprovadas com as características seguintes: “uso -Habitação (Licença Especial Para Conclusão de Obras Inacabadas)”; “Pisos:habitação”;“n.º de fogos 44”.

 

J) Relativamente ao prédio identificado na alínea D) (artigo U-...-Lote ...), foram emitidas pelo Serviço de Finanças de Lisboa-... as seguintes liquidações de Imposto do Selo, respeitantes ao ano de 2014, que se encontram juntas ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral, cujos teores se dão por reproduzidos:

- Liquidação n.º 2015 ... no montante de €3.494,70.

- Liquidação n.º 2015 ... no montante de €3.494,70.

- Liquidação n.º 2015 ... no montante de €3.494,70.

K) O terreno para construção identificado na alínea C) (artigo U-...-Lote ...) integra o empreendimento para fins turísticos designado ... tendo a Equipa Multidisciplinar de Alojamento Local do Turismo de Portugal, I.P., por mensagem de correio eletrónico, de 16 de julho de 2015, afirmado que “(…)nada parece obstar a que as unidades de alojamento (moradias)previstas no projeto imobiliário ... possam vir a ser registadas e exploradas como estabelecimentos de alojamento local.”, conforme documento que se encontra junto ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

L) Relativamente às liquidações identificadas nas alíneas F), G), H) e J), a Requerente apresentou, em 7 de março de 2016, o pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT, que correu os seus termos sob o n.º...2016... .

M) O pedido de revisão oficiosa, identificado na alínea anterior, foi indeferido por despacho da Diretora de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais, de 27 de janeiro de 2017, exarado na Informação ..., de 25 de janeiro de 2017.

16.2. Os factos enunciados no n.º... anterior integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

17. Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

IV – MATÉRIA DE DIREITO

 

18. A questão decidenda nos presentes autos consiste em saber se os atos de liquidação de Imposto do Selo se basearam na errónea interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS.

19. O enquadramento legal desta questão é o seguinte:

19.1. A Verba 28 aditada à TGIS pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro tinha a redação seguinte:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional– 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”

19.2. O artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, deu uma nova redação à verba 28.1 da TGIS que passou a ter o seguinte teor: “28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do Código do IMI– 1%;”.(sublinhado nosso)

19.3. De acordo com o artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”

19.4. Nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Código do IMI os prédios urbanos dividem-se em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.

19.5. O Código do IMI, no artigo 6.º, n.º 3, define terrenos para construção como  “(…) os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.” (sublinhado nosso).

 

20. A redação da verba 28.1 da TGIS resultante do disposto na Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, é aplicável ratione temporis à situação sub judice.

21. A nova redação dada à verba 28.1 da TGIS, pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, alargou o âmbito de incidência objetiva da norma ao incluir expressamente os terrenos para construção, desde que possuam edificação para habitação autorizada ou prevista.

22. A demonstração de que um prédio tem uma edificação para habitação autorizada ou prevista vai muito para além da inscrição matricial. Consequentemente, a mera inscrição matricial de um imóvel como sendo “terreno para construção” não legitima, por si, a aplicação da verba 28.1 da TGIS.

23. Sobre o sentido da verba 28.1 da TGIS, na redação dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, concordamos com a posição adotada no Acórdão do CAAD, de 19 de abril de 2016, proferido no proc. n.º 578/2015-T, e do qual transcrevemos (pp. 16):

“(…) a incidência do imposto do Selo aos terrenos para construção não se pode materializar com a mera inscrição dos mesmos, como tais, na matriz, mas antes, e de forma decisiva, pela verificação da efetiva potencialidade de edificação nos referidos terrenos (a qual deve ser apurada in casu e revelada através da existência dos documentos supra descritos). O mesmo é dizer, por outras palavras, que a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1, só se materializa com a verificação da “afetação efetiva”, para utilizar a feliz expressão de JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES (ob. cit., p. 507). Sem essa demonstração da efetiva potencialidade de edificação (…) não se mostram cumpridos os propósitos subjacentes à nova redação do texto legal da verba 28.1 da TGIS ”

 

24. A aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, aos terrenos para construção, depende da verificação de três requisitos cumulativos, a saber: i) Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos; ii) O VPT do prédio urbano ser igual ou superior a € 1.000.000,00; iii) O terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

 

25. Dos factos provados nos presentes autos arbitrais, verifica-se que os dois primeiros requisitos, referidos no n.º anterior, encontram-se preenchidos. Efetivamente, a Requerente é proprietária dos quatro terrenos para construção que têm todos VPT superiores a € 1.000.000,00 (vd., alíneas A), B), C), D) do n.º 16.1).

26. O terceiro requisito, referido no n.º 24, consiste na edificação, autorizada ou prevista, ser destinada à habitação. A inclusão de terrenos para construção na verba 28.1 da TGIS pressupõe que existe uma previsão ou expectativa de edificação para habitação que se concretiza através do cumprimento de exigências legais e administrativas necessárias á referida edificação. A este propósito ANTÓNIO SANTOS ROCHA e EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS (in Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotado e Comentado), Almedina, 2015, pp. 44) afirmam:

“No que se refere aos terrenos para construção, quer estejam ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma (CIMI), devem como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida:

•             licença para operação de loteamento,

•             licença para construção,

•             autorização para operação de loteamento,

•             autorização de construção,

•             admitida comunição favorável de operação de loteamento ou de construção,

•             emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como

•             aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para este efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituado pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no artigo 875.º do CC.”

As exigências legais e administrativas, acima expostas, constituem requisitos necessários à inclusão dos terrenos para construção na verba 28.1 da TGIS.

De acordo com a factualidade provada nos presentes autos arbitrais, verifica-se que os quatro terrenos para construção tiveram origem no Alvará de Loteamento n.º .../89, de 10/01/1989, emitido pela Câmara Municipal de Portimão. O referido Alvará é muito claro, nos seus termos, a conferir autorização para edificação destinada a habitação nos lotes ..., ..., ... e ... (vd., alínea E) do n.º 16.1).

 

27. Relativamente ao lote B a autorização de construção para fins habitacionais é reiterada através do Alvará de Obras de Construção n.º .../08 e do Alvará de Obras de Construção n.º .../13 (vd., alínea I) do n.º 16.1).

 

28. A afetação para fins habitacionais conferida pelo Alvará de Loteamento supra identificado e reiterada, relativamente ao Lote ..., por dois Alvarás de Obras e Construção não é posta em causa pela alegação da Requerente de que no referido Lote as moradias se destinam a alojamento local.

Importa referir que no documento apresentado pela Requerente o Turismo de Portugal exprime, com cautela, a possibilidade do projeto (as 44 moradias do lote...) poder vir a ser registado e explorado como estabelecimento de alojamento local. Essa comunicação do Turismo de Portugal, por mensagem de correio eletrónico, é datada de 16 de julho de 2015.

Acontece que o facto tributário, que originou as liquidações ora impugnadas, ocorreu em 31 de dezembro de 2014.

A possível utilização no futuro das moradias em construção como unidades de alojamento local não determina a alteração da qualificação, em termos fiscais do prédio, como terreno para construção com afetação habitacional.

 

29. Perante o exposto os terrenos para construção supra identificados encontram-se abrangidos pela verba 28.1 da TGIS.

 

30. Resta analisar as alegações da Requerente quanto à inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS. A Requerente começa por alegar que a obrigação tributária subjacente à verba 28.1 da TGIS quando incide sobre terrenos para construção, nasce de um facto tributário inapto a revelar uma manifestação de capacidade contributiva o que fere o princípio da legalidade fiscal.

 

31. O Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre esta questão, através do Acórdão n.º 250/2017, para cujo teor desde já aqui remetemos (vd., www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos), tendo afirmado o seguinte:

“Há, de facto, um pecado original na verba 28.1 da TGIS, tal como ela foi concebida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e que, como veremos adiante, a Lei n.º 83-C/2013 agravou com o aditamento dos terrenos para construção à mencionada previsão normativa. É que, ao não alargar a base de tributação, pelo menos, ao conjunto do património imobiliário de cada contribuinte, não personalizando suficientemente o imposto, aquela verba não se revelou adequada a prosseguir “o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento”, como o legislador se propôs na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2ª, que esteve na origem da referida Lei n.º 55-A/2012.

 9. Como dissemos anteriormente, a alteração de redação feita pela Lei n.º 83-C/2013, que aditou à verba 28.1 da TGIS os terrenos para construção, introduziu um fator de distorção no regime de tributação do património imobiliário que representa, não apenas uma distorção na coerência interna do conjunto do sistema fiscal, ou mesmo do Imposto de Selo considerado isoladamente, mas uma distorção na própria coerência interna da norma tributária contida na referida verba.

De facto, ao reunir na mesma verba a tributação de casas de luxo e de terrenos para construção, no pressuposto de que ambos se subsumem genericamente à categoria de bens imóveis de elevado valor patrimonial tributário, a norma cuja validade se discute confundiu manifestações de riqueza com fatores de produção dessa mesma riqueza.

Tem sido salientado pela doutrina fiscal que, enquanto critério de igualdade tributária, o princípio da capacidade contributiva “exige, antes de mais, a personalização do imposto, que quando se tribute uma qualquer manifestação de riqueza se pergunte pela pessoa que está por trás dela e pelas condições em que se encontra” (cfr. Sérgio Vasques, Capacidade contributiva, rendimento e património, in Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 23, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 19).

Ora, se por trás do tributo imposto ao proprietário de uma casa de habitação de valor patrimonial superior a um milhão de euros poderá estar um contribuinte com força económica suficiente para suportar a respetiva carga fiscal, por trás do tributo imposto ao proprietário de um terreno para construção estará normalmente um empreendedor, em regra sob a forma de uma sociedade comercial dedicada à promoção imobiliária, sobre cuja força económica nada sabemos. Na verdade, não podemos presumir que aquele contribuinte tem uma força económica proporcional ao valor do terreno, que é meramente instrumental em relação à sua atividade económica. Desconhecemos qual a margem de lucro que retirará do seu exercício, se é que está em condições jurídicas e económicas de a desenvolver, ou se não terá mesmo uma situação líquida negativa.

O que nos leva a uma segunda perversão do princípio da capacidade contributiva, que exige que se tribute o rendimento líquido do contribuinte, depois de deduzidas as despesas necessárias à sua própria obtenção.

Dir-se-á que essa exigência só se aplica à tributação de rendimento, e não à tributação de património, mas esse argumento apenas evidencia a diferente realidade da tributação de terrenos para construção, que se repercute mais sobre a atividade económica desenvolvida pelo seu proprietário do que sobre o valor do bem em si mesmo. Com a agravante de que a respetiva carga fiscal, se não inviabilizar em definitivo aquela atividade, acabará por ser suportada pelo consumidor final dos produtos imobiliários que dela resultar, de cuja capacidade contributiva nada podemos presumir sem conhecer a respetiva tipologia edificatória e valor.

10. Num outro plano de argumentação, a alteração de redação feita pela Lei n.º 83-C/2013 à verba n.º 28.1 da TGIS também se afasta da ratio iuris da sua formulação inicial, na medida em que alarga a previsão normativa a realidades distintas, tanto no plano físico como jurídico, que correspondem por isso a factos tributários igualmente distintos.

Para efeitos fiscais, os prédios habitacionais distinguem-se claramente dos terrenos para construção, nos termos do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), sendo a primeira daquelas categorias constituída por edifícios ou construções já existentes e destinados a habitação, enquanto a segunda compõe-se exclusivamente de terrenos para os quais se encontra consolidado por um ato administrativo de controlo prévio de uma operação urbanística o direito de construir edifícios destinados àquele ou a outros fins.

Assim, enquanto que os edifícios habitacionais correspondem a uma edificabilidade real, definitivamente incorporada na esfera jurídica do seu titular, os terrenos para construção correspondem a uma edificabilidade meramente potencial, juridicamente consolidada na esfera jurídica do proprietário do terreno, mas ainda não materializada.

Ou seja, a tributação de prédios habitacionais incide sobre a realidade existente, sobre coisas corpóreas, ao contrário da tributação de terrenos para construção, que incide sobre direitos de construção, sobre coisas futuras, como aliás evidencia o artigo 45º do CIMI, ao estabelecer que o valor patrimonial destes últimos é determinado exclusivamente pelo volume e a qualidade da edificação a construir no terreno, e não pelas suas características atuais.

Dir-se-á, com acerto, que tanto uns como outros correspondem a património imobiliário afeto a um destino habitacional. E que, pelo seu valor imobiliário, ambos são aptos a traduzir uma certa forma de riqueza. Mas as comparações terminam aí, porque, precisamente, a diferente natureza destes bens não permite fazer equivaler a capacidade contributiva dos respetivos proprietários, atuais ou futuros, apenas com base na sua afetação e no seu valor patrimonial tributário (VPT).

Se os terrenos para construção valem essencialmente pelo conteúdo do seu aproveitamento urbanístico futuro, não é possível integrá-los na previsão normativa de um imposto que visa tributar casas de luxo, sem considerar, quer a tipologia edificatória, quer a estrutura jurídica dos edifícios que nele irão ser construídos. Tributando-os em função daquilo que aqueles terrenos virão a ser depois de materializada a construção, como sucede no IMI, e não em função daquilo que são antes de se desenvolver essa atividade.

Um terreno para construção com um valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros, mas destinado à construção de um edifício de habitação coletiva que será constituído por frações autónomas de pequena ou média dimensão, todas elas de valor muito inferior a um milhão de euros, não é comparável, nem exprime uma força económica equivalente ao de um terreno para construção destinado à construção de uma ou mais casas de luxo. E menos ainda se compara a uma casa de luxo já construída, qualquer que seja a sua tipologia.

Porque a verba 28.1, além do mais, desconsidera a natureza jurídica dos contribuintes, não distinguindo sujeitos individuais de pessoas coletivas, nem o fim específico prosseguido por estas últimas, ela incidirá indiscriminadamente, por exemplo, sobre uma moradia de luxo num empreendimento turístico do Algarve e sobre um terreno para construção de um edifício de habitação coletiva em regime cooperativo nos subúrbios metropolitanos de Lisboa ou do Porto.

11. Do que fica dito resulta evidente que, se o aditamento dos terrenos para construção feito pela Lei n.º 83-C/2013 à verba n.º 28.1 da TGIS não é arbitrário, ele é, em qualquer caso, violador do princípio da igualdade tributária consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, quer porque não respeita a diferente capacidade contributiva dos proprietários dos prédios sobre os quais incide, atingindo indiscriminadamente contribuintes com e sem a força contributiva necessária para suportar o imposto, quer porque as diferenciações que introduz entre os que são abrangidos e excluídos do seu âmbito de incidência não são proporcionais, sendo inadequadas para satisfazer o fim visado pela norma, que é o de tributar de forma agravada os patrimónios imobiliários de maior valor em termos que satisfaçam “o princípio da equidade social na austeridade”.

 

32. Concordamos com entendimento adotado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 250/2017, acima citado, e, em face do exposto, concluímos que a verba 28.1 da TGIS, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, na medida em que viola o princípio da igualdade tributária consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, por não respeitar a diferente capacidade contributiva dos proprietários dos prédios sobre os quais incide e por introduzir diferenciações não proporcionais no âmbito de incidência.

 

33. A aplicação de uma norma materialmente inconstitucional consubstancia erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a sua anulação, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. Consequentemente, as liquidações que são objeto do presente processo arbitral enfermam de vício de violação de lei.

 

34. Atendendo ao disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, a ordem de conhecimento de vícios pressupõe que julgado procedente um vício, que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes. Nestes termos, em consequência da declaração de ilegalidade das liquidações que são objeto do presente processo arbitral fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios arguidos pela Requerente.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente aos atos cuja declaração de ilegalidade pediu.

 

V – DECISÃO

Termos em que acorda o presente Tribunal julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando a anulação, com todos os efeitos legais, dos atos de liquidação de Imposto do Selo referentes ao ano de 2014, atrás identificados, de que é Sujeito Passivo a Requerente.

Comunique-se à Senhora Procuradora-Geral da República, para os fins do artigo 280.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

 

VI – VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 49.834,30 (quarenta e nove mil oitocentos e trinta e quatro euros e trinta cêntimos).

 

VII – CUSTAS

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT e nos artigos 2.º, 3.º, n.º 1 e 4.º do RCPAT, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em €2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 7 de dezembro de 2017

 

O árbitro

Olívio Mota Amador