Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 284/2017-T
Data da decisão: 2017-11-20  IRC  
Valor do pedido: € 316.468,93
Tema: IRC – art.º 36.º, Perdas por imparidade em créditos - art.º 18.º Periodização do lucro tributável - art.º 41.º Créditos incobráveis.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Carla Castelo Trindade e Leonor Fernandes Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 21 de 04 de 2017, A…, S.A, NIPC…, com sede na…, …, …– … (…-…), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRC n.º 2016…, 2016… e 2016…, referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014, respectivamente, no valor de € 316.468,93.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:

                                                              i.       que a correcção fiscal que incidiu sobre a perda por imparidade se revela ilegal e injusta;

                                                            ii.      que as correcções que respeitam aos créditos incobráveis, relativos aos exercícios dos anos de 2012 e 2013, não obstante não ter sido dado cumprimento ao n.º 2 do artigo 41.º do CIRC aplicável, “n.º 2, do citado artigo foi revogado em 2014, pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro”;

                                                          iii.      que as correcções que incidiram sobre os créditos incobráveis reconhecidos contabilisticamente no exercício de 2014, enfermam de falta de fundamentação, sendo que, em todo o caso, considera a Requerente que as mesmas carecem de fundamento de direito.

 

  1. No dia 24-04-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 14-06-2014, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 04-07-2017.

 

  1. No dia 25-09-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações pela Requerida.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A Requerente foi notificada, em 20 de Setembro de 2016, do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), levado a cabo pelos serviços de inspecção tributária da Direção de Finanças de Lisboa, com as ordens de serviço n.º OI2016…, OI2016…, OI2016…, propondo o mesmo as seguintes correcções:

2-      No que concerne ao ponto “Dívidas de clientes com processos em contencioso”, com referência ao exercício de 2012, a Requerente constituiu perdas por imparidade de dívidas a receber com processos em contencioso no montante de € 1.032.675,64.

3-      Aquele montante, de acordo com a informação prestada no decurso do procedimento inspetivo, estava repartido do seguinte modo:

a.       Processos com data de instauração anterior ao ano de 2012 no montante de € 862.642,23;

b.      Processos com data de instauração no ano de 2012 no montante de € 170.033,41.

4-      Entre os processos cuja data de instauração foi anterior ao ano de 2012 encontra-se o processo de insolvência n.º …/11… TYLSB, relativamente ao cliente B…, SA.

5-      Para este cliente foi constituída pela Requerente uma perda por imparidade no valor de € 754.951,42.

6-      O gasto com a constituição da perda por imparidade foi considerada relacionada com períodos fiscais anteriores – ano 2011 – ao período em análise – 2012 – pelo que não foi o gasto aceite pela AT, nos termos do artigo 18.º do CIRC, por se ter considerado feito em violação do princípio da especialização dos exercícios, e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 36.º do CIRC.

7-      Relativamente aos gastos reconhecidos como créditos incobráveis, foram considerados pela Requerente os montantes de € 84.098, 21, no ano de 2012, e € 73.354,83, no ano de 2013.

8-      De modo a aferir se o reconhecimento dos referidos gastos, nos períodos indicados, havia sido feito nos termos previstos nos n.º 1 e 2, do artigo 41º do CIRC, os serviços de inspeção tributária solicitaram à Requerente documentos passíveis de o comprovar.

9-      Após análise dos documentos requeridos, os serviços de inspeção tributária consideraram que os gastos contabilisticamente reconhecidos não cumpriam os requisitos legalmente previstos, naquele preceito legal, não tendo sido fiscalmente aceites.

10-  No ano de 2014, foram reconhecidos contabilisticamente pela Requerente gastos com créditos incobráveis no valor de € 147.977,16.

11-  Uma vez que os serviços de inspeção tributária consideraram que o montante indicado não havia sido acrescido no quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, o gasto concorreu para efeitos de apuramento do resultado fiscal.

12-  A Requerente exerceu o respectivo Direito de Audição, em 17 de Outubro de 2016, aceitando as seguintes alterações:

13-  Do RIT consta, para além do mais, que:

a.      “Mantendo o que já foi descrito em situações análogas, (...), nos processos cujos anos de instauração ocorreram em anos anteriores a 2012, por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 36º do CIRC em conjugação com o artigo 18º do CIRC, as perdas por imparidade deveriam ter sido constituídas em 100% nos respetivos exercícios de instauração.

Os factos previstos na alínea a) do no 1 do artigo 36º do CIRC incluem, entre outros, os devedores (clientes) que têm pendentes processos de insolvência, não especificando a lei, se os credores (ao caso, a A…) têm de ser requerentes da insolvência do devedor, nem que a mesma só se aplica a partir do momento em que o credor toma conhecimento da sentença de insolvência. Ou seja, basta apenas que exista uma sentença de insolvência.(...)

No caso em apreço, a publicidade do DRE da sentença de insolvência do cliente B…, ocorreu na II Série do Diário da República n.º … de 19-12-2011 sob o Anúncio 18926/2011.

Neste sentido, verifica-se que quer a sentença de insolvência, quer a publicidade da mesma em DRE ocorreu no período de 2011. Ressalva-se, que a alínea a) do n.º 1 do artigo 36° do CIRC não faz depender a constituição da perda por imparidade apenas a partir do conhecimento da data de insolvência do devedor (...).

Pelo exposto não será dado provimento à pretensão do sujeito passivo.”

b.      “III.3.3. Exercício de 2014

A conta “683 – Outros gastos e perdas – Dívidas incobráveis” apresenta em 2014 um saldo devedor no montante de 147.977,16 €. Adotando o procedimento descrito no ponto III.3.1. Exercício de 2012 verificou-se que no exercício de 2014, o valor de 143.620,87 € estava distribuído pelos seguintes clientes (Páginas 99 a 101 do Anexo IV):

 

No intuito de validar se os créditos considerados como incobráveis cumpriam os requisitos de dedutibilidade fiscal, foram solicitados, por amostragem, os documentos comprovativos dos clientes com perdas de montante mais significativo: C…, SA, D…, SA, E… e F…, Lda.

Em resposta foram apresentados os seguintes documentos:

a) C… SA

Foi remetida cópia de correio eletrónico da advogada da empresa a comunicar a esta, que a C…, SA, se encontrava em processo especial de revitalização, e como a A… não constava como credora, ía arquivar o processo como incobrável (Página 103 do Anexo IV). Por consulta ao portal Citius verificou-se que a empresa foi declarada insolvente em 18-07-2013 através do processo nº…/13… TBEVR, 2º Juízo Cível e que o processo encerrou em 07-04-2016 (Páginas 105 a 108 do Anexo IV). No que respeita à matéria em análise, o CIRC foi alterado e republicado pela Lei nº 2/2014 de 16-01. Em resultado deste diploma, o artigo 41º, no exercício de 2014, foi alterado, pelo que se transcreve a redação do artigo para os factos ocorridos neste ano:

“Artigo 41º Créditos incobráveis

1 — Os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação nas seguintes situações, desde que não tenha sido admitida perda por imparidade ou esta se mostre insuficiente:

a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código de Processo Civil;

b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado ou após a homologação da deliberação prevista no artigo 156.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;

c) Em processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º -F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;

d) Nos termos previstos no SIREVE, após celebração do acordo previsto no artigo 12.º desse regime;

e) No âmbito de litígios emergentes da prestação de serviços públicos essenciais, após decisão arbitral;

f) Nos termos do regime jurídico da prestação de serviços públicos essenciais, os créditos se encontrem prescritos e o seu valor não ultrapasse o montante de € 750.

2 — (Revogado.).”

Pelo exposto, e em virtude do processo apenas ter sido encerrado em 2016, o crédito incobrável apenas deverá ser reconhecido neste exercício e não em 2014, pelo que, o gasto não pode ser aceite para efeitos fiscais nos termos da alínea h) do nº 1 do artigo 23º em conjugação com o artigo 41º, todos do CIRC.

b) D…

Relativamente a este devedor, face à correspondência de correio eletrónica trocada entre a advogada da empresa e funcionários da A…, foi instaurado ação contra aquele mas cujos resultados foram infrutíferos. Surge ainda o aconselhamento de desistir da instância por o custo-benefício da mesma ser diminuto (Páginas 109 e 110 do Anexo IV).

Dado que tudo indica que foi essa a solução adotada, verifica-se que a mesma se equipara a um “perdão” de dívida, e este, não tem aplicação à luz do preceito legal previsto no artigo 41º do CIRC pelo que o gasto com a dívida incobrável não será aceite para efeitos fiscais.

c) E…

No que respeita a este cliente foi remetida cópia de correio eletrónico, datado de 19-02-2016, da advogada da empresa a comunicar que a E… Lda se encontrava em processo especial de revitalização (PER) desde 16-02-2016 e que ía proceder à reclamação de créditos no âmbito daquele processo (Página 111 do Anexo IV). Através do portal Citius constatou-se que decorrente do processo …/16.2T…VNF, V. N. Famalicão - Inst. Central - 2ª Sec.Comércio - J2, foi nomeado em 16-02-2016 o administrador judicial provisório e que em 17-03-2016 foi entregue por aquele uma lista provisória de créditos nela constando a A… (Páginas 112 a 122 do Anexo IV).

Conforme se verifica pelos negritos utilizados, o documento que o sujeito passivo apresenta para comprovar a incobrabilidade da dívida é de data posterior à ocorrência dos factos – 2014. Acresce ainda, que por consulta pública ao portal Citius, se verifica que todos os atos até agora efetuados no âmbito do PER são igualmente posteriores a 2014.

Assim, sendo, e não tendo sido apresentado qualquer outro documento constata-se pelo não cumprimento dos requisitos legais previstos, pelo que, o gasto não pode ser aceite para efeitos fiscais nos termos da alínea h) do nº 1 do artigo 23º em conjugação com o artigo 41º, todos do CIRC.

d) F…

Relativamente ao cliente “F…, Lda” foi remetida cópia de correio eletrónico da advogada da empresa a comunicar que foi instaurado um processo de execução contra a F…, Lda, mas cujas diligências foram infrutíferas, pelo que aconselhava à desistência do processo pela dificuldade quer em localizar a empresa, quer por falta de bens a penhorar (Página 123 do Anexo IV).

Indiciando que foi esta a decisão adotada, verifica-se que a mesma se equipara a um “perdão” de dívida, e este, não tem aplicação à luz do preceito legal previsto no artigo 41º do CIRC pelo que o gasto com a dívida incobrável não será aceite para efeitos fiscais.

Face ao exposto, não se encontrando cumpridos os requisitos previstos no CIRC para aceitação como gasto fiscal os créditos incobráveis contabilizados pelo sujeito passivo, o montante de 147.977,16 € será acrescido no campo 722 do quadro 07 da modelo 22.”

c.       “IX.1.5.2. Exercício de 2014 (§ 124 a 128)

No que respeita aos créditos incobráveis, foi proposta, para o exercício de 2014, uma correção no valor de 147.977,16 €. No exercício do direito de audição o sujeito passivo alega que “Ora, da análise da conta 683, no referido montante de € 147.977,16, conclui-se que está subdividido da seguinte forma: Conforme resulta da prova que ora se junta como Doc. nº 303, importa relevar que o montante de € 98.753,04 não pode ser corrigido (custo ser desconsiderado) dado que, no mesmo exercício de 2014, esses gastos foram revertidos (ou seja, foram proveito fiscal). Assim, da reversão total realizada no exercício de 2014, no total de € 538.384,94 (ver anexo “Mapa reversões” que foi agora junto como Doc. nº 30), é justificada da seguinte forma:

a. € 98.346,98 euros (note-se que existe uma diferença de 406,06 euros que não se conseguiu identificar – corresponde à “OBS. A” no anexo “Mapa reversões”) que correspondem aos valores revertidos;

b. € 440.037,96 euros que correspondem a pagamentos efetuados por clientes em mora/contencioso – corresponde à OBS B no anexo “Mapa reversões”. Assim, não tendo sido considerado custo no ano de 2014 o valor de € 98.753,04, não se pode aceitar como legítima a correção desse valor no exercício, sob pena de se corrigir/não aceitar um custo que “não existiu” ao ter sido comprovadamente revertido.” O Doc. nº 30 (Páginas 245 a 252 do Anexo VII) integra as seguintes cópias de documentos:

- Extrato da conta “683 – Outros gastos e perdas – Dívidas incobráveis” com um saldo de 147.977,16 €;

- Mapa com discriminação das reversões efetuadas em 2014 e no total de 538.384,94 €;

- Movimento contabilístico do documento DOD14.00716 de 31-12-2014.

Tendo por base os elementos facultados, verificou-se que o montante de 98.346,98 € classificado como crédito incobrável, foi revertido no próprio exercício. Na página 23 do Anexo VIII, junta-se mapa respeitante à discriminação por cliente e por documento. No entanto, pela análise do movimento contabilístico, em que é utilizado o método indireto para efeitos de reconhecimento da dívida considerada incobrável, o passivo movimentou a conta de gastos e de rendimentos pelo valor da respetiva dívida incobrável, resultando dessa forma que não houve impacto no resultado fiscal. Contudo, o impacto no resultado fiscal verificou-se no exercício em que foi constituída/reforçada a perda por imparidade, sendo que, o gasto considerado na conta 683 só será aceite fiscalmente se se verificar as condições previstas no artigo 41º do CIRC. Pelo exposto, o gasto evidenciado na conta 683 não será aceite fiscalmente nos termos do artigo 41º do CIRC, mantendo-se a correção proposta.”.

d.     “Tal como estabelece o n.º 2 do artigo 41.º, a aceitação fiscal das dívidas incobráveis está ainda pendente de existência de prova da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos de apuramento do lucro tributável. Pelo exposto, não se encontrando cumpridos os requisitos fiscais, o gasto não pode ser aceite para efeitos fiscais nos termos da alínea h) do artigo 23.º em conjugação com o artigo 41.º todos do CIRC (...)

Pelo exposto, verifica-se que relativamente às correções dos exercícios de 2012 de 2013 não foram apresentados quaisquer documentos que permitam aferir do cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 41.º do CIRC, exigível à data dos factos, para aceitação de gastos como créditos incobráveis.”

 

 

 

 

 

                      

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

14-  A Requerente foi notificada da decisão final constante do RIT, conforme o seguinte quadro:

15-  A AT aceitou a anulação de correcções propostas no montante de € 571.746,73 (que correspondem a € 391.827,35, no ano de 2012, € 113.114,05, no ano de 2013 e € 66.806,14, no ano de 2014, respectivamente), tendo o mesmo sido deduzido nas correcções finais.

16-  Na sequência, a Requerente foi notificada das seguintes liquidações:

a.       Liquidação adicional de IRC de 2012 no 2016…, no valor final de € 455.040,16, a que correspondem a demonstração de liquidação de juros compensatórios e Demonstração de Acerto de Contas nos 2016…, de que resultou uma quantia final a pagar de € 312.347,66;

b.      Liquidação adicional de IRC de 2013 n.º 2016…, no valor final de € 70.039,79, a que correspondem a demonstração de liquidação de juros compensatórios e Demonstração de Acerto de Contas nos 2016…, de que resultou uma quantia final a pagar de € 66.930,80;

c.       Liquidação adicional de IRC de 2014 n.º 2016…, no valor final de € 30.767,72, a que correspondem a demonstração de liquidação de juros compensatórios e Demonstração de Acerto de Contas nos 2016…, de que resultou uma quantia final a pagar de € 30.767,72.

17-  As referidas liquidações foram integralmente pagas pela Requerente, dentro do respectivo prazo legal.

18-  A Requerente só tomou conhecimento em 03/02/2012 que o cliente B… tinha sido considerado insolvente por Sentença datada de 19 de Dezembro de 2011, tendo a reclamação de créditos da Requerente sido apresentada no processo de insolvência em 08/02/2012.

19-  O referido crédito da Requerente foi judicialmente reconhecido no processo de insolvência em 2012.

20-  A consideração da correcção a que se referem os pontos 4 a 6 supra, tendo em conta as declarações Modelo 22 apresentadas pela Requerente e aceites pela AT, no exercício de 2011, teria os seguintes resultados:

21-  Das inscrições na conta 683, da contabilidade da Requerente, o montante de € 147.977,16, referido nos pontos 10 e 11 supra, conclui-se que está subdividido da seguinte forma:

 

 

 

 

22-  As reversões realizadas pela Requerente no exercício de 2014, no total de € 538.384,94, decompõem-se da seguinte forma:

a.       € 98.346,98 (incluindo uma diferença de € 406,06 correspondente à “OBS. A no anexo "Mapa reversões"), que foram proveito tributável, anulando o efeito da respectiva e prévia consideração como custo fiscal;

b.      € 440.037,96 que correspondem a pagamentos efetuados por clientes em mora/contencioso, correspondentes à OBS B no anexo "Mapa reversões".

23-  A diferença de €406,06 tem por base os seguintes documentos:

a.       DOD … ……….-74,97 €

b.      DOD … …………250,00 €

c.       DOD … ……….231,03 €

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

            Conforme expressamente declarado pela Requerente, em questão na presente acção arbitral a Requerente apenas pretende “impugnar o montante de € 278 041,59 de Imposto, valor ao qual acrescem os respetivos juros compensatórios liquidados e a anular - apurados no valor da ação indicada a final proporcionalmente em face das correções totais realizadas no RIT”.

Em concreto, as correcções operadas pela AT contra as quais a Requerente se insurge são as seguintes, relativas a dívidas de clientes com processos em contencioso consideradas incobráveis:

-                           exercício de 2012 (página 92 e seguintes do RIT, cliente B…), correspondente a um custo fiscal não aceite no montante de € 754.951,42;

-                           exercício de 2012 e 2013 (página 104 e seguintes do RIT), correspondente a um custo fiscal não aceite nos montantes de € 84.098,21, no ano de 2012, e € 73.354,83, no ano de 2013;

-                           exercício de 2014 (página 108 e seguintes do RIT), correspondente a um custo fiscal não aceite no montante de € 147.977,16.

Vejamos então cada uma das referidas situações.

 

*

            Relativamente à correcção operada no exercício de 2012, respeitante ao cliente da Requerente B…), correspondente a um custo fiscal não aceite no montante de € 754.951,42, considerou a AT que não se encontravam verificados em 2012 os requisitos para a sua dedutibilidade, conforme decorrem do artigo 18.º do CIRC aplicável, por violação do princípio da especialização dos exercícios, e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 36.º do CIRC aplicável.

            Dispõe o primeiro dos referidos artigos, no que para o caso releva, que:

“1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.”.

            Também no que para o caso releva, dispõe o segundo dos referidos normativos:

“1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos: 

a) O devedor tenha pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas ou processo de execução; b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;”

            Considerou a AT, conforme resulta da matéria de facto assente, que a publicidade do DRE da sentença de insolvência do cliente B…, ocorreu na II Série do Diário da República n.º … de 19-12-2011 sob o Anúncio 18926/2011, e que verificando-se que quer a sentença de insolvência, quer a publicidade da mesma em DRE ocorreu no período de 2011, deveria a perda por imparidade em questão ser reconhecida no exercício de 2011, e não, como ocorreu, no exercício de 2012.

            Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, considera-se não assistir, de todo, razão à AT.

            Com efeito, e desde logo, se é verdade, como aquela autoridade afirma, que a alínea a) do n.º 1 do artigo 36° do CIRC não faz depender a constituição da perda por imparidade apenas a partir do conhecimento da data de insolvência do devedor, o certo é que a mesma norma não faz depender aquele reconhecimento da data da sentença de insolvência ou da data da publicitação daquela no DRE, como também foi considerado pela entidade Requerida.

            Efectivamente, a prescrição normativa em causa vai no sentido de se considerarem créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, utilizando-se um sistema de exemplos padrão para densificar tal conceito, onde avultam, no que para o caso releva, os casos em que o devedor tenha pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas ou processo de execução, ou em que os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral.

            Assim, será à luz do critério fundamental assente no juízo de o risco de incobrabilidade estar devidamente justificado que se deverão ler e interpretar as alíneas que concretizam aquele juízo e não, como ocorreu no caso, através de uma aproximação formalista àquelas, assente nas tecnicidades próprias das realidades jurídicas para que remetem.

            Ou seja, e em suma, do ponto de vista fiscal, na matéria sub iudice, será a justificabilidade do juízo de incobrabilidade que deverá guiar a aplicação das alíneas do n.º 1 artigo 36.º em causa, sendo que, atenta a indeterminabilidade inerente ao conceito fundamentante do juízo em questão, será pela negativa que se deverá operar a aproximação à conclusão de cumprimento, ou não cumprimento, do normativo e causa.

            Dito de outro modo, e sendo o juízo de devida justificabilidade intrinsecamente de natureza subjectiva, não se poderá, sob a capa de uma pretensa objectividade[2], confinar a sua validade a uma interpretação estrita de conceitos próprios de outros ramos do direito, devendo considerar-se, portanto, devidamente justificada a incobrabilidade se, face a uma interpretação plausível do quadro jurídico extrafiscal aplicável, se apresentar como razoável o entendimento de que, num contexto de normalidade (ou seja, de inexistência de indícios de manipulação de resultados fiscais), a partir dessa altura, está evidenciado um grau de certeza sobre aquela, de intensidade e natureza compatíveis com os externados pelo legislador nas alíneas.

            No caso concreto verifica-se que a Requerente contabilizou em 2012 uma perda por imparidade de um crédito relativo a um devedor objecto de processo de insolvência, cuja sentença de insolvência foi objecto de publicação na II Série do Diário da República n.º … de 19-12-2011.

            O critério da AT de que tal determinará o momento relevante para fixação da imputação a um exercício da perda por imparidade subjacente mostra-se, desde logo, intrinsecamente infundado, na medida em que uma publicação, não constituindo um meio de levar factos juridicamente relevantes ao conhecimento de alguém, tem subjacente sempre, por natureza, um determinado prazo para a produção dos efeitos jurídicos de tal conhecimento.

            Por outro lado, quer o entendimento (lateral e não expressamente assumido) de que será a mera prolação da sentença de insolvência a determinar o exercício a que imputar a imparidade, quer o entendimento, que assoma como assumido, de que será, sem mais, a mera publicação daquela, para além de não terem mais apoio nos textos legais que os rejeitados pela AT, encerram irrazoável potencial de turbulência declarativa, já que propiciaria um considerável número de situações em que os contribuintes, tendo conhecimento dos factos tidos como relevantes pela AT (prolação da sentença ou sua simples publicação) após o fim do exercício em que aqueles se tenham dado, seriam compelidos à apresentação de declarações de substituição, com todas as indesejáveis perturbações e consumo desnecessário de meios, quer das organizações fiscais dos contribuintes, quer da própria AT.

            Posto isto, julga-se que, no caso, o critério adoptada pela Requerente, para considerar o risco de incobrabilidade devidamente justificado à luz da tramitação do processo de insolvência, nos termos subjacentes à al. a) do n.º do artigo 31.º do CIRC aplicável, se apresenta, a todas as luzes como razoáveis, considerando ainda, como se encontra demonstrado, que não existem quaisquer indícios de manipulação de resultados fiscais, pelo contrário.

            Deste modo, e face ao todo o exposto, enfermando de erro de direito a correcção em questão, deve a mesma ser anulada, procedendo, nesta parte, o pedido arbitral.

 

*

            Relativamente às correcções relativas aos exercícios de 2012 e 2013, correspondente a um custo fiscal não aceite nos montantes de € 84.098,21, no ano de 2012, e € 73.354,83, no ano de 2013, está exclusivamente em causa a aplicação do n.º 2 do artigo 41.º do CIRC aplicável, que dispunha que:

“Sem prejuízo da manutenção da obrigação para efeitos civis, a dedutibilidade dos créditos considerados incobráveis nos termos do número anterior ou ao abrigo do disposto no artigo 36.º fica ainda dependente da existência de prova da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, o qual deve reconhecer aquele montante como proveito para efeitos de apuramento do lucro tributável.”.

            Confessadamente, a Requerente contabilizou como dedutíveis os créditos incobráveis em questão, sem ter dado cumprimento à obrigação de prova da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais.

            Pretende a Requerente que uma vez que o “n.º 2, do citado artigo foi revogado em 2014, pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro”, se considere que “tal exigência despareceu da norma/letra da lei, precisamente por se tratar de um formalismo excessivo, por manifestamente injustificado, designadamente dado que pressupunha a existência de um processo em Tribunal em que o devedor era parte processual, logo, obviamente que saberia de tal crédito era considerado incobrável.”.

            Ressalvado o respeito devido, considera-se que não assiste qualquer razão à Requerente nesta matéria, que não invoca, sequer, qualquer preceito legal com que vise sustentar o seu entendimento.

            No presente caso, está em causa um incumprimento directo e inquestionado de uma norma clara e inequívoca, sem qualquer contextualização que ponha em causa, minimamente, os fundamentos do imperativo legal desacatado.

            Dessa forma, não tendo alteração legislativa assinalada pela Requerente efeitos retroactivos ou natureza interpretativa, inexistindo qualquer suporte legal para a sua pretensão e não sendo a evolução e, eventual, melhoramento da lei fundamento para a desaplicação da lei revogada, deverá, nesta parte, improceder o pedido arbitral.

 

*

            No que diz respeito às correcções relativas ao exercício de 2014, correspondente a um custo fiscal não aceite no montante de € 147.977,16, começa a Requerente por considerar que as mesmas enfermam de falta de fundamentação.

Como é sabido, a fundamentação é uma exigência dos actos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268.º da CRP) e legal (art.º 77.º da LGT).

            Resumidamente, pode dizer-se que é hoje pacífico, na doutrina e na jurisprudência nacionais, que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características:

1.                            Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;

2.                            Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do acto, não podendo haver fundamentações diferidas;

3.                            Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;

4.                            Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).

Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstracta e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um acto tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio. Esta será – julga-se – a pedra de toque do cumprimento do dever de fundamentação: quando, perante um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, o acto tributário se apresente, sob um ponto de vista de razoabilidade, como um produto do puro arbítrio da Administração, por não serem discerníveis os motivos de facto e/ou de direito em que assenta, o acto padecerá de falta de fundamentação.

            Descendo ao caso concreto, verifica-se que os actos de liquidação em questão ocorreram na sequência de acto inspectivo e em conformidade com o Relatório de Inspecção Tributária homologado por despacho, relatório esse onde constam os fundamentos das liquidações em causa, que a Requerente, demonstrou compreender, tomando, de maneira fundada, a decisão de não aceitar.

            Do RIT, que fundamenta a liquidação em causa, consta expressamente, para além do mais, que:

“Tendo por base os elementos facultados, verificou-se que o montante de 98.346,98 € classificado como crédito incobrável, foi revertido no próprio exercício. Na página 23 do Anexo VIII, junta-se mapa respeitante à discriminação por cliente e por documento. No entanto, pela análise do movimento contabilístico, em que é utilizado o método indireto para efeitos de reconhecimento da dívida considerada incobrável, o passivo movimentou a conta de gastos e de rendimentos pelo valor da respetiva dívida incobrável, resultando dessa forma que não houve impacto no resultado fiscal. Contudo, o impacto no resultado fiscal verificou-se no exercício em que foi constituída/reforçada a perda por imparidade, sendo que, o gasto considerado na conta 683 só será aceite fiscalmente se se verificar as condições previstas no artigo 41º do CIRC”.

            Tal considera-se perfeitamente suficiente para perceber as razões – certas ou erradas – que levaram a AT a liquidar o imposto, não se apresentando tal liquidação, sob qualquer ponto de vista razoável, como uma mera manifestação de arbítrio, devendo, por isso, improceder a arguida falta de fundamentação.

            Nesta matéria, considera ainda a Requerente que as correcções em causa carecem de fundamento de direito, porquanto se os valores em questão forem corrigidos - como resulta do RIT - tal significaria, para a Requerente, aceitar como legítimo que o registo desses custos seja duas vezes anulado (i.e, duas vezes proveito tributável), o que, não seria aceitável, nem aceite legalmente.

Dos elementos constantes do processo conclui-se que a Requerente constituíu/ reforçou imparidades sobre as dívidas dos quatro clientes (“D…”, “F…”, “C…” e “E…”) em anos anteriores a 2014, registando, portanto, gastos contabilísticos com relevância para efeitos fiscais.

Confirmam os mesmos elementos que as dívidas relativamente às quais foram registadas imparidades estavam isoladas/contabilizadas como dívidas de “cobrança duvidosa”, em subcontas de '217', bem como que a requerente fez esforço para cobrar essas dívidas, embora em relação a algumas delas tenha depois, aparentemente, cessado de continuar esse esforço.

Verifica-se, por fim, que a Requerente reverteu as referidas imparidades dos quatro clientes, tendo em 2014 registado um rendimento contabilístico em subconta de '76'.

Essas reversões de imparidades – em que a Requerente assenta o essencial da sua tese - têm correspondência com os gastos que tinham sido registados nos anos anteriores (2012 e 2013, nomeadamente).

Em termos de impacto no capital próprio, todavia, os gastos e os rendimentos referidos compensaram-se, embora o seu efeito aí tenha surgido em exercícios económicos diferentes: reconheceu-se primeiro o custo (redução do capital próprio, afectando negativamente o resultado do exercício) e depois o rendimento (aumento do capital próprio) noutro período.

É certo que a Requerente anulou em 2014 as dívidas de cobrança duvidosa, lançando-as em Gastos, mas, concomitantemente, classificou-as como créditos incobráveis, na conta 683 Créditos incobráveis (p.3, Doc. 7 em Anexo à PI).

Quer as perdas por imparidade quer os créditos incobráveis são gastos, sendo que os primeiros pressupõem/baseiam-se na incerteza da possibilidade de cobrança (reversível, portanto) e o segundo assenta na certeza da impossibilidade de cobrança (sendo irreversível).

Ora, dispõe o artigo 41.º do CIRC aplicável, onde, como se viu, assenta a correcção ora em crise:

“1 - Os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação desde que:

a) Tal resulte de processo de insolvência e de recuperação de empresas, de processo de execução, de procedimento extrajudicial de conciliação para viabilização de empresas em situação de insolvência ou em situação económica difícil mediado pelo IAPMEI - Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento, de decisão de tribunal arbitral no âmbito de litígios emergentes da prestação de serviços públicos essenciais ou de créditos que se encontrem prescritos de acordo com o respetivo regime jurídico da prestação de serviços públicos essenciais e, neste caso, o seu valor não ultrapasse o montante de € 750; e

b) Não tenha sido admitida perda por imparidade ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente.”

Deste modo, nos termos legais, a Requerente apenas poderia/ deveria anular as imparidades se:

i. os clientes cujas dívidas tivessem sido consideradas de cobrança duvidosa afinal viessem a pagar essas dívidas;

ii. os créditos fossem confirmados ‘incobráveis’, respeitando-se os requisitos mencionados no artigo 41.º do CIRC.

Ora nos quatro casos em análise a Requerente reverteu as imparidades, mas sem demonstrar reunir as condições para anular essas imparidades, por não se ter verificado nem o referido em i. nem o referido em ii., supra.

Assim, a Requerente não demonstra ter procedido bem, ao considerar os créditos incobráveis porquanto:

-                           relativamente a dois deles (“D…” e “F…”) não demonstrou a continuidade do esforço de cobrança, pelo que não se demonstram os pressupostos para não se manter a imparidade;

-                           Relativamente a outros dois casos (“E…” e “C…”), em PER, a Requerente não demonstra ter seguido o procedimento correcto, nem que o período de 2014, escolhido para registar a incobrabilidade dos créditos terá sido o adequado;

Com efeito, no que se refere à “E…”, a Requerente demonstrou ter já reclamado os créditos em 2014, mas só em 2016 a cliente iniciou o PER, pelo que não se demonstram os pressupostos para que o crédito pudesse ser considerado incobrável em 2014, sendo que a ausência da decisão do PER para confirmar se o crédito será ou não incobrável, será impeditivo da dedução do gasto como tal.

Quanto à “C…”, foi declarada insolvente em 2013 e a Requerente não constava como credora, sendo que o processo encerrou em 2016 (p.59 do RIT), tendo todavia sido reclamados os créditos, legitimando que o crédito pudesse considerar-se incobrável.

Todavia, para além daquele pressuposto, seria necessário demonstrar que o ano de 2014 (ou, pelo menos um anterior) o adequado para o fazer.

A este respeito, verifica-se que houve gasto em imparidade e houve rendimento de reversão da imparidade que se compensaram, e que ocorreram em anos diferentes.

Se fosse aceite o gasto com a incobrabilidade (saldo da conta 683), este sê-lo-ia só uma vez.

Para além disso, estamos perante situações que apresentam características de imparidade e não de incobrabilidade: a incobrabilidade exige, como se viu, os requisitos do artigo 41.º do CIRC e a 'certeza jurídica' da impossibilidade de cobrar, que não se demonstram respeitados, não sendo portanto, de aceitar o gasto fiscal registado na conta 683 Créditos incobráveis.

Os referidos quatro casos, relativamente a 2014, que a AT selecionou por amostragem perfazem € 61.248,61, do total de € 98.346,98 dos créditos incobráveis que a Requerente contabilizou, ou seja, 62,02% desse total. A parte remanescente, excluída a diferença referida de € 406,06 é de € 37.098,37 e respeita a 16 outros clientes em relação aos quais a AT, tendo actuado por amostragem, não pediu elementos adicionais para verificação das condições de incobrabilidade. No entanto, o volume da amostragem, bem como a ausência de qualquer esforço da Requerente em demonstrar os requisitos da dedutibilidade dos créditos em causa, como lhe competia, são objectivamente idóneos a, com base num juízo de normalidade, concluir pela não demonstração, também relativamente aos referidos 16 clientes, não estarão reunidos os pressupostos para a contabilização operada pela Requerente

            Deste modo, e em suma, não havendo dúvida que se verificou que o montante de € 98.346,98 classificado como crédito incobrável, foi revertido no próprio exercício, verifica-se que, como considerou a AT, uma vez que foi utilizado o método indirecto para efeitos de reconhecimento da dívida considerada incobrável, o sujeito passivo movimentou a conta de gastos e de rendimentos pelo valor da respetiva dívida incobrável, pelo que não houve dessa forma nenhum impacto no resultado fiscal.

Assim, porque o impacto no resultado fiscal se verificou unicamente no exercício em que foi constituída/reforçada a perda por imparidade, aquele gasto de 98.346,98 € não será aceite fiscalmente por não respeitar as condições previstas no artigo 41º do CIRC, improcedendo, nesta parte, portanto, o pedido arbitral.

 

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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta a liquidação relativa ao ano de 2012 é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou o acto de liquidação parcialmente ilegal por sua iniciativa.

Tem, pois, direito a ser reembolsada a Requerente da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e n.º 1 do artigo 24.º do RJAT) e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até ao reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Anular parcialmente o acto de liquidação de IRC n.º 2016…, referente ao ano de 2012, na parte relativa à correcção correspondente a um custo fiscal não aceite no montante de € 754.951,42;

b)      Condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago pela Requerente em cumprimento da liquidação parcialmente anulada, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados;

c)      Julgar improcedente os restantes pedidos formulados pela Requerente;

d)      Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de € 1.248,00, a cargo da Requerente, e de € 4.260,00, a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 316.468,93, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 5.508,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 20 de Novembro de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Carla Castelo Trindade)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Leonor Fernandes Ferreira)

 

 

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Que ao invés de contribuir para a certeza e segurança na aplicação do direito, redundará precisamente no efeito contrário, conduzindo a que, pelas abertura e variabilidade própria do processo de interpretação normativa, contribuintes e administração tributária, confrontados com várias interpretações plausíveis do quadro extrafiscal, se vejam na situação kafkiana de absoluta falta de critério orientador das suas actuações.