Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 75/2017-T
Data da decisão: 2017-11-30  IRC  
Valor do pedido: € 850,15
Tema: IRC – Liquidação.
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Decisão Arbitral

                                                        

I. Relatório

 

1. No dia 19-01-2017, a sociedade “A…, Lda.”, NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas nº 2016…, no valor de € 744,44 e, bem assim, contra o acto de liquidação de juros compensatórios nº 2016…, no montante de € 106,01.

2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, notificando as partes.

3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral dos Requerentes são em súmula, as seguintes:

4.1. Na liquidação adicional de IRC notificada não são explicitados todos os seus fundamentos, quer de facto, quer de direito, apenas resultando da mesma que respeita a IRC do exercício de 2011, designadamente derrama municipal no valor de € 744,14.

4.2. Ou seja, do acto de liquidação adicional de IRC apenas resulta a identificação do período, do montante a pagar e dos meios de reacção, não resultando qualquer identificação quanto às correcções que terão estado na origem do apuramento do imposto, alegadamente, em falta.

4.3. De igual modo, não são identificadas as concretas disposições legais ao abrigo das quais o imposto, e os Juros Compensatórios, são liquidados.

4.4. Deste modo, deverá concluir-se que o acto de liquidação ora notificado é totalmente incompreensível para um destinatário normal e, naturalmente, também para a ora Autora.

4.5. Ora, impende sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira o dever legal de fazer referência expressa às razões de facto e disposições legais aplicáveis, sendo que a fundamentação que não contenha esta referência é sempre insuficiente e tem por consequência a anulabilidade do acto.

4.6. Só fazendo expressa referência aos elementos elencados no referido n° 2 do artigo 77,° da LGT se dará devido cumprimento à lei, razão pela qual não podem os serviços omitir os elementos de facto e as disposições legais aplicáveis, prejudicando as possibilidades de defesa do sujeito passivo, como efectivamente prejudicam no caso concreto.

4.7. O dever de motivação ou de fundamentação de qualquer acto administrativo ou tributário tem associadas duas finalidades; (i) por um lado, inteirar o respectivo destinatário das razões ou dos motivos que conduziram à tomada de decisão em determinado sentido; e (ii) por outro íado, permitir que se faça um controlo sobre a legalidade da decisão e sobre a validade dos motivos que subjazem a determinada decisão concreta.

4.8. Contudo, a liquidação de imposto e de juros compensatórios notificada à Autora é, como se demonstrou, omissa quanto à necessária fundamentação, de facto e de direito, pelo que está inquinada de vicio de forma, por falta de fundamentação, devendo ser anulada em conformidade (cf. artigo 135°do Código de Procedimento Administrativo).

4.9. E contra o exposto não pode ser invocada a fundamentação operada por via de remissão para anterior procedimento de Inspecção Tributária.

4.10. Desde logo, porque não há, sequer, qualquer remissão para qualquer documento concreto que contenha essa mesma fundamentação, ou seja, não há qualquer remissão para um concreto Relatório de Inspecção, nem identificado o respectivo procedimento de Inspecção Tributária.

4.11. Porém, mesmo que se admitisse que os actos de liquidação em apreço se podem fundamentar em algum outro documento externo, sem necessidade de respeitos pelos requisitos mínimos de fundamentação exigidos peio n.° 2 do artigo 77 da LGT, sempre se teria de exigir a expressa remissão nos próprios actos de liquidação, para esse mesmo documento, o que não ocorreu.

4.12. Este princípio, consagrado no n. ° 1 do artigo 77. ° da LGT, resulta também do próprio artigo 63. °, n.° 1 do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), que faz depender a fundamentação dos actos tributários ou em matéria tributária nas conclusões do Relatório da Inspecção da "adesão ou concordância com estas”.

4.13. Ou seja, mesmo quando se admite a fundamentação por adesão ou concordância, exige-se que o autor expressamente se refira e identifique o relatório, parecer, informação ou proposta com que manifesta essa mesma concordância (cfr. artigos 63. ° do RCPIT, 77. °, n° 1, da LGT e 125°, n° 1, do Código do Procedimento Administrativo).

4.14. Ora, no acto de liquidação que também constitui o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral não há qualquer referência, expressa, ou implícita, a Relatório da Inspecção Tributária ou outro qualquer documento concreto, pelo que não constando do próprio acto a fundamentação legalmente exigida - ou seja, a demonstração dos pressupostos de que depende a liquidação -, também não se pode entender, no caso vertente, que esta se tem por cumprida por remissão para um outro documento, que não vem identificado.

4.15. O acto de liquidação em causa é ilegal, por omissão da fundamentação legalmente exigida, assim resultando violados os artigos 268.°, n,° 3, da Constituição da República Portuguesa e 77° da LGT, devendo ser anulado em conformidade (cfr. artigo 135.° do Código de Procedimento Administrativo).

4.16. Foram, por outro lado, ultrapassados os prazos de liquidações dos tributos previstos nos 45°, n.° 1, e n.° 4, da Lei Geral Tributária.

4.17. Na verdade, estando em causa um acto de liquidação de IRC referente ao exercício de 2011, o direito da Autoridade Tributária e Aduaneira à liquidação deste tributo, caducou em 31 de Dezembro do ano de 2015.

4.18. Pelo que a caducidade do direito à liquidação contende com a legalidade em concreto da liquidação adicional por advir de uma errada aplicação, feita no acto de liquidação, relativamente a uma situação tributária concreta, que determina a anulabilidade daquele mesmo acto, pelo que não tendo as liquidações cuja legalidade também se contesta sido validamente notificadas à Autora no prazo legal, caducou o direito da Autoridade Tributária e Aduaneira a fazê-lo, nos termos do citado n.° 1, do artigo 45,°, da Lei Geral Tributária.

4.19. Não tendo tido a Autoridade Tributária e Aduaneira o cuidado de promover a prática e válida notificação dos actos de liquidação em análise à Autora no limite temporal legalmente previsto, a ordem jurídica, norteada pelos referidos princípios de certeza e segurança, sanciona-a através da ilegalidade dos actos praticados cuja anulação se impõe e desde já se requer (cfr. artigo 135. ° do Código do Procedimento Administrativo).

4.20. O dever de fundamentação dos actos tributários, resultad o artigo 268.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa, bem como do art. 77.° da Lei Geral Tributária.

4.21. No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira limita-se a elencar meros juízos conclusivos que, como pacifica e unanimemente é dito na doutrina e na jurisprudência, não representam a fundamentação legalmente exigida.

4.22 Ao longo do Relatório de Inspecção, no pressuposto de que este tenha qualquer relação com o acto de liquidação de IRC e de Juros Compensatórios que constitui o objecto do presente processo, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, limitam-se a afirmar que a diferença entre os valores depositados nas contas bancárias e os valores declarados para efeitos fiscais constitui rendimento omitido das declarações fiscais - o que se refuta por ser falso.

4.23. Isto num enquadramento em que a Autora explicou e demonstrou o porquê da utilização das referidas contas bancárias e explicou que um dos sócios exerce uma outra actividade profissional pela qual é remunerado.

4.24. Por outro lado, o acto de liquidação limita-se a liquidar adicionalmente derrama e juros compensatórios.

4.25. Ora, em parte alguma do relatório de conclusões da acção de inspecção - se relação tiver com este acto de liquidação -, é feita menção à intenção de liquidar derrama.

4.26. Não foi possível à Autora apreender o itinerário cognoscitivo dos Serviços de Inspecção Tributária em resultado do qual foram apuradas as correcções em sede de IRC, uma vez que os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira apenas baseiam as conclusões do Relatório de Inspecção em meras extrapolações e juízos conclusivos.

4.27. Em resultado desta análise, não sustentada, e não demonstrada com clara violação do disposto no artigo 74. ° da Lei geral Tributária, o que se invoca para todos os efeitos legais, os Serviços de Inspecção Tributária procederam correcções em sede de IRC.

4.28. Deverá, pois, concluir-se que, os Serviços de Inspecção Tributária não sustentaram, no Relatório de Inspecção, os factos em que se baseiam para concluírem que a Autora omitiu rendimentos, pelo que se deverá anular o acto de liquidação praticado.

4.29. Foi, por outro lado, desconsiderada a presunção do 75°, nº1, da Lei Geral Tributária, não sendo caso de aplicação do nº 2 a) da mesma disposição.

4.30. Deverá, pois, concluir-se que, os Serviços de Inspecção Tributária ao não explicarem no Relatório de Conclusões da Acção de Inspecção as conclusões em que supostamente se baseiam.

4.31. Deverá anular-se o acto de liquidação praticado, se alguma relação existir entre o referido relatório e este acto de liquidação o que se desconhece mas especula, por cautela.

4.32. A Autoridade Tributária e Aduaneira admite que as contas bancárias identificadas, sem prejuízo do respectivo titular, estavam afectas à actividade do sócio, quer através da Autora, quer através da sua actividade pessoal enquanto professor.

4.33. Ora, assim sendo, e não existindo qualquer evidência de subfacturação - porque inexistente -é manifesto que os valores aí constantes, e que não encontram correspondente na contabilidade da Autora, respeitam a outras realidades que não rendimentos da Autora - quanto muito do sócio.

4.34. O resultado fiscal foi corrigido através da presunção de que os valores depositados nas contas bancárias respeitam a actividade da Autora - o que não corresponde à verdade.

4.35. Sobre este aspecto, a Autora não pode deixar de alegar que os seus elementos e declarações beneficiam de presunção de veracidade.

4.36. Presunção esta que não foi abalada pelas “presunções" da Autoridade Tributária e Aduaneira.

4.37. Por outro lado, se a Autoridade Tributária e Aduaneira considerasse que a contabilidade da Autora não merecia credibilidade, designadamente por não reflectir a totalidade da facturação, deveria ter-se socorrido da tributação com recurso a métodos indirectos, tramitando o processo e adequando a fundamentação em conformidade.

4.38. Inexistindo no mês de Dezembro de 2011 o acréscimo patrimonial inerente à prática do acto de liquidação contestado, inexiste rendimento sujeito a tributação, com as necessárias consequências legais.

4.39. Por fim, mesmo que o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira pudesse proceder, no que não se concede, a verdade é que os valores apurados estão calculados em erro, sendo que os elementos bancários implicariam uma correcção de menor valor.

4.40. Com efeito, mesmo que a Autoridade Tributária e Aduaneira tivesse razão no que invoca, dos elementos utilizados resulta que, neste concreto ano, os "rendimentos” (sempre sem conceder), ascenderiam a um valor inferior ao apurado nas conclusões do relatório de inspecção, se alguma relação existir entre o referido relatório e os actos de liquidação, no que não se concede, sendo o acto de liquidação ilegal também por este motivo.

4.41. Por último, cumpre sublinhar que, de acordo com o princípio do inquisitório, consagrado no artigo 58. ° da Lei Geral Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material.

4.42. Ora, ao longo do procedimento de inspecção (no pressuposto de as Conclusões do Relatório de Inspecção apresentarem qualquer relação com os actos de liquidação em apreço) a Autora sempre refutou as acusações e apresentou sucessivamente elementos que contraiam o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira.

4.43. Cumpre pois concluir que os Serviços de Inspecção violaram o disposto no artigo 58.°, da Lei Geral Tributária e no artigo 6.°, do Regime Complementar de Inspecção Tributária, violação essa que, dado o seu contributo nas correcções operadas que subjazem à emissão dos actos tributários em crise, não pode deixar de inquiná-los e conduzir à respectiva anulação.

4.44. O artigo 35°, n.° 1, da Lei Geral Tributária, na esteira, aliás, do que já estatuía o anterior artigo 83.°, do Código de Processo Tributário, estabelece que só "(...) são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária".

4.45. Sucede, no entanto, que, em nenhum momento, no acto notificado e ora em crise, a Autoridade Tributária e Aduaneira logrou demonstrar, ou sequer invocar, os pressupostos de que depende a liquidação de juros compensatórios, nem sequer invocando qualquer disposição legal ao abrigo da qual actue.

4.46. Atento o disposto nos artigos 74.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária e 342.°, nº 1, do Código Civil, cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar e provar estes factos constitutivos do direito à liquidação de juros compensatórios, designadamente, a culpa do sujeito passivo no eventual atraso ou retardamento da liquidação do imposto.

4.47. Ora, esta culpa tem de ser apreciada ou, pelo menos, objecto de ponderação por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, e exteriorizada na fundamentação dos actos tributários.

4.48. Não foi, no entanto, o que fez a Autoridade Tributária e Aduaneira no caso sub judice, tendo-se limitado, ao invés, a exigir, de forma automática, o indicado valor a título de juros compensatórios, ultrapassando as formalidades legais estabelecidas para a respectiva liquidação, inquinando, assim, os actos tributários de liquidação de juros compensatórios em apreço, de vício de forma, por falta de fundamentação, e de violação de lei, por ofensa ao disposto no artigo 35 °, n.° 1, da Lei Geral Tributária.

4.49. Com efeito, da liquidação de Juros Compensatórios notificada à Autora e ora em questão não resulta a demonstração concreta da culpa do contribuinte no alegado retardamento da liquidação do imposto.

4.50. Acresce que, não contendo o Relatório Final de Inspecção Tributária qualquer referência a juros compensatórios, não foi dada à ora Autora a oportunidade de participar, em sede de audição prévia, na decisão de liquidação dos mesmos juros.

4.51. Assim, em cumprimento do artigo 267º, nº 5 da CRP, o artigo 60° da Lei Geral Tributária dispõe a obrigatoriedade de o órgão competente da Autoridade Tributária e Aduaneira promover a audição do contribuinte visado sobre todos os aspectos relevantes, seja matéria de facto ou de direito, previamente à prolação de uma decisão final.

4.52. Porém, a Lei n.° 16-A/2002, de 31 de Maio, introduziu uma nova redacção ao referido artigo 60°, n.° 3, da Lei Geral Tributária, passando a prever que, “(...) tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n° 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado".

4.53.  No caso concreto, a Autoridade Tributária e Aduaneira não cuidou de salvaguardar nem a letra nem a ratio das disposições combinadas dos artigos 267.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa, 60°, n.°s 1, alíneas a) e e), e 3, da Lei Geral Tributária e 45.°, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

4.54. Deverá assim ser anulada a liquidação de Juros Compensatórios também sub judice, por preterição de formalidade legal essencial no âmbito do procedimento tributário que lhe veio a dar origem.

4.55. Por outro lado, para que não subsistam quaisquer dúvidas sobre a invocada preterição de formalidade legal essencial, importa referir que a citada alteração à redacção do n. ° 3, do artigo 60° da Lei Geral Tributária, em nada diminuiu o sentido e o alcance do direito de audição.

4.56. De facto, a limitação imposta apenas opera nos casos em que o visado pela decisão a proferir já se tenha pronunciado sobre todos os aspectos, de facto e de direito, relevantes - o que não sucede.

4.57. A liquidação de Juros Compensatórios em análise é também ilegal, não apenas por força da respectiva falta de fundamentação e violação de lei, mas ainda por preterição de uma outra formalidade legal essencial, designadamente, por violação do disposto nos artigos 267.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa e 60°, n,° 1, alínea a) e n.°3, da Lei Geral Tributária.

4.58. Pelo que, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 135. ° do Código de Procedimento Administrativo, deverá a mesma, também por este motivo, ser anulada.

4.59. Ao manter vigente na ordem jurídica, os actos de liquidação contestados, a Senhora Chefe de Divisão agiu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, sendo que os vícios imputados aos actos de liquidação se transmitem à própria decisão que os mantém, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais.

4.60. Por outro lado, verifica-se que a Senhora Chefe de Divisão não se pronuncia sobre todas as questões suscitadas pela Autora, assim violando o disposto no artigo 56.°, da Lei Geral Tributária.

4.61. Deve, pois, o referido Despacho da Senhora Chefe de Divisão ser anulado porque praticado com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cfr. artigo 135,° do CPA).

5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:

5.1. Foi aberta a ordem de serviço 0I2013…, para o exercício de 2011, por proposta de inspecção n.º PIP2012… de 10 de Agosto de 2012, na sequência da informação de Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária, que se refere à prática de operações bancárias suspeitas, nomeadamente operações realizadas em conta bancária à ordem aberta na dependência de B… no … em 01-07-2011, titulada por C… de 19 anos de idade, e relacionadas com a actividade comercial desenvolvida pela sociedade “A…, Lda”, a ora Requerente, pertencente aos pais.

5.2. As Ordens de Serviço OI2014…/…, para os anos de 2012 e 2013, foram abertas na sequência da proposta de inspecção nº PIP2014…de 13 de Fevereiro de 2014, na qual se propôs a extensão do procedimento inspectivo aos exercícios de 2012 e 2013 por se constatar a continuação da prática de operações bancárias suspeitas.

5.3. A Requerente iniciou a actividade a 08 de maio de 2000, encontrando-se registada no Serviço de Finanças Cascais-… (…) para o exercício de “outras actividades educativas, N.E.” a que corresponde o CAE 85593.

5.4. A actividade desenvolvida pela “A…, Lda.” consiste essencialmente no acompanhamento escolar e preparação (explicações) para os exames do ensino secundário e ingresso no ensino superior e cursos de línguas, mas sem reconhecimento do ministério competente.

5.5. D… exercia à data dos factos as funções de gerente, prestando serviços à Requerente que, de acordo com os recibos por si emitidos, consistiam em lições ministradas a título pessoal sobre matérias do ensino secundário e superior, as quais declara como isentas de IVA, nos termos do nº 12 do art.º 9º do Código do IVA.

5.6. De acordo com as declarações prestadas a conta bancária com o n.º …/…titulada pelo C… é movimentada por D… (sócio-gerente da Requerente) como se da conta da sociedade se tratasse.

5.7. A Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária apurou ainda da análise efectuada aos movimentos a crédito que os cheques depositados foram emitidos por particulares, ao portador ou à ordem de D… e que as transferências foram ordenadas por particulares com contas em diversos bancos, com descritivos como “inscrição”, “pagamento”, “A…”, “mensalidade”, “explicações”, etc.

5.8. As transferências realizadas para as contas dos pais do titular da conta em causa foram utilizadas para pagamento de despesas diversas, compras e levantamentos em numerário através de cheques ao balcão.

5.9. A Divisão de Processos Criminais Fiscais solicitou junto do Ministério Público que diligenciasse junto do Banco de Portugal, a obtenção da informação sobre quais as contas bancárias tituladas e autorizadas a movimentar por D… (sócio e gerente), E… (sócia e gerente) e C… (filho dos sócios gerentes), bem como o envio dos movimentos constantes nas referidas contas.

5.10. Foram identificados diversos movimentos a crédito e a débito que sugerem por um lado, pagamentos à empresa em virtude do descritivo das transacções, e por outro lado, pagamentos a favor de indivíduos que prestaram serviços à mesma, sendo ainda de destacar o facto de a maior parte dos fundos creditados terem sido transferidos a favor de contas particulares dos dois sócios da mencionada A… .

5.11. Apurou-se ainda que D… e a esposa E… apresentaram conjuntamente a Declaração de Rendimentos - Mod.3 de IRS para os exercícios de 2011, 2012 e 2013 com indicação de rendimentos de categoria A – rendimentos de trabalho dependente (art. 2º CIRS) - pagos pela sociedade “A…, Lda.” nos montantes totais de 18.000,00 euros 18.317,52 euros e 17.748,24 euros, respectivamente.

5.12. A 27 de Setembro de 2010 D… iniciou a actividade em nome individual, enquadrando-se no regime de isenção nos termos do artº 9º do CIVA, e no regime simplificado de tributação conforme dispõe o artº 28º do CIRS, tendo declarado para os exercícios em análise, rendimentos de categoria B (rendimentos de trabalho independente - explicações) nos montantes de 86.092,75 euros, 32.156,38 euros e 35.903,75 euros, respectivamente.

5.13. Analisadas as declarações de rendimentos, constata-se que a “A…, Lda.”, apresentou em sede de IRC, nos anos de 2011, 2012 e 2012, os seguintes valores:

Rubricas

2011

2012

2013

 

Prestações de Serviços

102596,78

74920,78

93348,68

 

Resultado Líquido do Exercício

-32317,86

-40691,26

- 3 866,55

 

 

 

5.14. No período compreendido entre 2007 a 2014, o sujeito passivo apresentou os seguintes resultados fiscais:

Ano

Lucro Tributável

Prejuízo Fiscal

2007

____________________________

-86 532,07

2008

____________________________

-23 527,64

2009

____________________________

-67 349,04

2010

____________________________

-63 870,08

2011

____________________________

-26 219,13

2012

____________________________

-40 691,16

2013

____________________________

-3 866,55

2014

13.114,70

______________________

Total

13.114,70

-312 054,77

 

 

5.15. Questionado sobre o(s) motivo(s) da apresentação sucessiva dos resultados negativos, o sócio gerente justificou-se com o franchising da A… que correu mal.

5.16. O sócio-gerente, durante o procedimento inspectivo, informou que os valores transferidos para a conta da esposa, E…, eram usados para efectuar os pagamentos necessários ao funcionamento do centro de explicações.

5.17. Da análise dos registos contabilísticos, tendo em conta o facto de terem sido lançados todos os pagamentos por contrapartida de uma conta 11- caixa, podemos aferir que os lançamentos efectuados a crédito nessa conta correspondem aos pagamentos efectuados pela A… para fazer face às suas obrigações, demonstrando que as contas bancárias serviam como contas da sociedade, onde não só eram depositados os montantes recebidos como eram, da mesma forma, efectuados pagamentos necessários ao funcionamento do negócio.

5.18. Da análise efectuada aos extractos bancários titulados por D…, E… e C…, foi possível extrair as conclusões que se seguem.

5.19. No ano de 2011, as contas bancárias identificadas foram aprovisionadas com um montante total de 337 724,46 euros.

5.20. Considerando que, neste exercício, a sociedade declarou proveitos no montante de 102.596,78 € e que de acordo com os elementos existentes, os clientes pagam os montantes em divida quando lhes é emitida a fatura, então a sociedade obteve recebimentos no total de 126.194,03 €, a que corresponde a totalidade da faturação emitida, ou de outra forma à soma dos proveitos declarados com o IVA liquidado.

5.21. Da mesma forma, o sócio-gerente declarou, na sua esfera pessoal, rendimentos (isentos de IVA) no total de 86.092,75 euros.

5.22. Assim, retirando os valores declarados aos montantes creditados nas contas bancárias, ficamos com 125.436,54 euros, correspondente aos proveitos omitidos em 2011.

5.23. Os rendimentos omitidos, correspondentes a prestações de serviços de explicações para os quais não foram emitidas faturas nem documentos de quitação, são sujeitos a IRC, devendo ser acrescidos ao lucro tributável declarado em cada um dos exercícios em estudo.

5.24. A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição, o que foi apreciado no relatório final.

5.25. Não concordando com a liquidação adicional ora controvertida, a Requerente deduziu reclamação graciosa, a qual foi indeferida.

5.26. Sucede, porém, que importa distinguir a fundamentação dos actos, que consiste nas razões de facto e de direito que os sustentam, do acto de notificação dessa fundamentação ao contribuinte, sendo que essa notificação pode ocorrer com o acto de liquidação ou, como vem a ser o caso dos autos, ocorrer em momento anterior ao acto de liquidação porque efectuada com a notificação do relatório final da inspecção tributária.

5.27. Ou seja, a fundamentação de facto e de direito das liquidações controvertidas consta do teor do relatório final da inspecção tributária, facto que o Requerente não pode desconhecer uma vez que a notificação do relatório menciona expressamente que dará origem à emissão de liquidações, contra as quais poderá reagir via administrativa ou contenciosa.

5.28. Mas ainda que assim não fosse, ou seja, mesmo que o Requerente não fosse notificado do relatório final, ainda assim podia ao abrigo do art. 37º do CPPT requerer à AT que que o notificasse da fundamentação das liquidações controvertidas, o que não fez.

5.29. Contrariando o Requerente, não estamos perante uma fundamentação posterior ao acto de liquidação nem o Requerente podia desconhecer que as correcções promovidas pela inspecção tributária dariam origem àquelas liquidações, com os fundamentos de facto e de direito explicitados no relatório final.

5.30. Nos termos da al. a) do nº 1 do art.º 60º da LGT, constata-se que a Requerente foi notificada nos termos da al. e) do mesmo preceito legal, ou seja, a ora reclamante foi notificada para exercer o direito de audição prévia antes da conclusão do relatório de inspeção tributária.

5.31. Dispõe o nº 3 do mesmo preceito legal que “tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e), é dispensada a sua audição antes da liquidação (…)”.

5.32. Nos termos do artigo 77º da LGT e do artigo 153º do CPA, remete-se para o relatório de inspeção tributária, dando aqui por integralmente reproduzidas as razões de facto e de direito constantes da fundamentação do relatório de inspecção tributária, tendo em conta que “as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei”, tal como prevê o nº 1 do artigo 76º da LGT.

5.33. Quanto ao teor da fundamentação das liquidações controvertidas nos presentes autos, a mesma está em conformidade com o nº 2 do art.º 77 da LGT.

5.34. As disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo exigidas pelo nº 2 do art.º 77º da LGT, bem como os meios de reação, estão mencionadas nos documentos de cobrança / nota de liquidação.

5.35. Os referidos documentos de cobrança / notas de liquidação consideram-se notificados Via CTT, a 18-01-2016, referente à liquidação dos juros compensatórios, e a 10-02-2016, referente à liquidação adicional de IVA, nos termos do art.º 36º e dos nºs 9 e 10 do art. 39º do CPPT (cf. fls. 69, 70, 75 e 76 que se juntam aos presentes autos).

5.36. A Requerente foi validamente notificada, nos termos do art.º 36º do CPPT e do art.º 77º da LGT, e que resulta perfeitamente das notificações efetuadas a origem das liquidações controvertidas nos presentes autos.

5.37. Assim, não há vício de falta de fundamentação e o acto tributário de liquidação não é anulável porque a simples irregularidade, ou falta, de notificação dos fundamentos não gera invalidade do acto tributário de liquidação, dado que aquela é posterior e exterior a este, e a ilegalidade da notificação é diferente da ilegalidade do acto notificado.

5.38. Refira-se ainda que, não obstante o referido, a notificação é condição de eficácia da liquidação e não condição de validade, nos termos do nº 6 do artigo 77º da LGT, uma vez que a notificação de actos tributários é um acto distinto e posterior ao acto notificado, não podendo, por isso, os vícios da notificação afetar a validade do acto, mas apenas a sua eficácia, nos termos do nº 1 do artigo 36º do CPPT.

5.39. Nos termos supra expostos, deve ser julgado improcedente o vício de falta de fundamentação da liquidação de IRC e de juros compensatórios.

5.40. No que respeita à alegada caducidade do direito à liquidação, não tem o Requerente razão, uma vez que o prazo legal contido no nº 1 do art. 45º da LGT foi alargado ao abrigo do nº 5 do mesmo normativo legal em virtude de o direito à liquidação respeitar a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal.

5.41. Nos termos do supra exposto, deve ser julgada improcedente a caducidade do direito à liquidação por falta de sustentação legal.

5.42. Não se vislumbra em que possa a AT ter violado o disposto no art. 77º do CPPT, resultando clara, coerente e suficiente a fundamentação de facto e de direito das correcções controvertidas, pelo que deve ser julgado improcedente o vício de falta de fundamentação do relatório final.

5.43. Relativamente aos alegados erros sobre os pressupostos de facto e de direito, cumpre esclarecer que, contrariamente ao alegado pela Requerente, a Autoridade Tributária se baseou nos elementos de que dispunha para a partir de uma lógica facilmente perceptível concluir pelas correcções propostas.

5.44. Nos termos do art.º 75º da LGT, cessa a presunção de veracidade quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados que de não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.

5.45. Tal como consta do relatório de ação de inspecção, foram apurados rendimentos não declarados, tendo em conta os depósitos bancários e o facto de não terem sido emitidas faturas ou documentos de quitação referentes à prestação de serviços em causa nos presentes autos, pelo que, cessa a presunção de veracidade.

5.46. Apesar de a Requerente alegar erro nos valores apurados, já que os elementos bancários implicariam uma correção de menor valor, a Requerente não apresentou quaisquer fundamentos de facto ou de direito ou elementos de prova, nos termos do art.º 74º da LGT.

5.47. Relativamente à derrama municipal e ao argumento da Requerente de que não consta no Relatório de Inspeção Tributária qualquer referência à derrama municipal, salienta-se que a derrama municipal é um imposto municipal cuja taxa é fixada anualmente pelos Municípios e incide sobre o lucro tributável.

5.48. Tendo a Administração Fiscal apurado o montante de € 99.218,41 de lucro tributável, aplicando a taxa reduzida de 0,75%, referente ao ano de 2011, do Município de Cascais, no qual se encontra a sede social da ora reclamante, a derrama municipal é € 744,14.

5.49. Deve ser julgado improcedente o vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

5.50. É manifesto que todo o procedimento inspectivo, que antecedeu a liquidação adicional ora impugnada, procurou a verdade material, tendo os Serviços de Inspecção Tributária realizado todas as diligências que consideraram necessárias, para o seu apuramento, nomeadamente, através do cruzamento de informações e da cooperação de entidades terceiras, tendo também apreciado, fundamentadamente, os “elementos” trazidos à colação pela ora Requerente em sede de exercício, embora intempestivo, do direito de audição.

5.51. Resultou do exercício do direito de audição, como resulta dos presentes autos, que a Requerente não traz à colação qualquer meio probatório que possa sustentar a sua argumentação, não indica quais os meios probatórios que a AT poderia lançar mão para demonstrar as suas alegações, as quais são incompatíveis com a prova efectuada pela AT, a qual resulta também de informação obtida do auto de inquérito criminal que determinou a realização do procedimento inspectivo.

5.52. Assim, o Princípio do Inquisitório não pode ter um alcance tão alargado que substitua completamente as obrigações que recaem sobre os contribuintes, nomeadamente, a de apresentarem os documentos necessários a demonstrar a sua pretensão.

5.53. Não podendo assim, ser assacado ao acto o vício de ilegalidade por violação do princípio do inquisitório.

5.54. Quanto à fundamentação da liquidação de juros compensatórios, decorre das correcções efectuadas pela AT que o Requerente liquidou imposto em montante inferior ao legalmente devido, sendo imputável ao contribuinte o retardamento na entrega do imposto, nos termos do nº 1 do art. 35º da LGT.

5.55. Sobre o retardamento do imposto imputável ao contribuinte e consequente direito à liquidação de juros compensatórios, reitera-se o que se disse na reclamação graciosa.

5.56. Nos termos do art.º 35º da LGT dispõe que são “devidos juros compensatórios, quando por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido (…).”

5.57. Ora, no caso em apreço, verifica-se que a ora reclamante não cumpriu o disposto do art.º 27º do CIVA, dado que se constatou em sede de acção inspectiva, haver IVA não liquidado e não entregue nos Cofres do Estado.

5.58. A Administração Fiscal encontra-se sujeita ao Princípio da Legalidade Tributária, nos termos do art.º 8º da LGT, no que diz respeito à taxa, à base de cálculo e ao período de tempo a que se referem os juros compensatórios.

5.59. A liquidação dos juros compensatórios refere tratar-se de “Juros calculados nos termos do art.º 96º do CIVA e dos art.º 35 e 44º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto ou por se ter verificado atraso ou insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte”

5.60. Nos termos supra expostos, será de julgar improcedente a ilegalidade dos juros compensatórios, os quais foram liquidados ao abrigo do disposto no art. 35º da LGT.

6. No dia 31 de Maio de 2017, foi proferido despacho arbitral, designando o dia 19 de Junho às 15 horas para inquirição das testemunhas arroladas por ambas as partes.

7. No dia 16 de Junho de 2017, a Requerente requereu que a testemunha E… fosse inquirida enquanto declaração de parte, e o aproveitamento, no presente processo, da prova produzida no processo arbitral 69/2017-T, que corre termos neste centro de arbitragem, com a consequente extracção de certidão da acta de inquirição do dia 6 de Junho de 2017, bem como cópia da gravação dos depoimentos prestados.

8. No dia 19 de Junho de 2017, pelas 15 horas, teve lugar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

8.1. Não se tendo a Requerida oposto ao alegado pela Requerente, nos termos do artigo 421º do Código de Processo Civil, o Tribunal Arbitral determinou o aproveitamento da prova realizada.

8.2. A Requerida prescindiu da inquirição da sua testemunha.

8.3. As partes foram notificadas para, por ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente.

8.4. O Tribunal Arbitral designou até ao dia 30 de Setembro de 2017 para o efeito de prolação da decisão arbitral.

9. A Requerente apresentou alegações escritas, onde reafirmou o previamente alegado.

9.1 A Requerida apresentou alegações escritas, onde reafirmou o previamente alegado e se pronunciou sobre o depoimento feito por E… .

9.2 A Requerida juntou aos autos, com as alegações, dois documentos, para comprovar que, na actividade de explicações, alegadamente exercida a título pessoal, era utilizada uma fracção que é propriedade da Requerente.

9. No dia 21 de Setembro de 2017, foi proferido despacho arbitral prorrogando o prazo para a decisão em dois meses com fundamento na especial complexidade do processo, nos termos e para os efeitos do nº 2 do art. 21º do RJAT.

10. No dia 9 de Outubro de 2017, foi proferido despacho arbitral, solicitando à Requerente que juntasse nova procuração e ratificasse todo o processado nestes autos, o que foi efectuado.

 

 

II – Factos Provados

 

1. Foi aberta a ordem de serviço 0I2013…, para o exercício de 2011, por proposta de inspecção n.º PIP2012… de 10 de Agosto de 2012, na sequência da informação de Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária, que se refere à prática de operações bancárias suspeitas, nomeadamente operações realizadas em conta bancária à ordem aberta na dependência de B… no … em 01-07-2011, titulada por C… de 19 anos de idade, e relacionadas com a actividade comercial desenvolvida pela sociedade “A…, Lda”, a ora Requerente, pertencente aos pais;

2. As Ordens de Serviço OI2014…/…, para os anos de 2012 e 2013, foram abertas na sequência da proposta de inspecção nº PIP2014… de 13 de Fevereiro de 2014, na qual se propôs a extensão do procedimento inspectivo aos exercícios de 2012 e 2013 por se constatar a continuação da prática de operações bancárias suspeitas;

3. A Requerente iniciou a actividade a 08 de maio de 2000, encontrando-se registada no Serviço de Finanças Cascais-… (…) para o exercício de “outras actividades educativas, N.E.” a que corresponde o CAE 85593;

4. A actividade desenvolvida pela “A…, Lda.” consiste essencialmente no acompanhamento escolar e preparação (explicações) para os exames do  ensino secundário e ingresso no ensino superior e cursos de línguas, mas sem reconhecimento do ministério competente;

5. D… exercia à data dos factos as funções de gerente, prestando serviços à Requerente que, de acordo com os recibos por si emitidos, consistiam em lições ministradas a título pessoal sobre matérias do ensino secundário e superior, as quais declara como isentas de IVA, nos termos do nº 12 do art.º 9º do Código do IVA;

6. Estando em curso o processo de inquérito …/2013 …TDLSB, em 1 de Julho de 2015 foi autorizado pedido de extracção de certidão dos autos, tendo a Divisão de processos criminais Fiscais remetido aos Serviços de Inspecção Tributária, as cópias dos Autos de interrogatório, nos quais D… afirmou que “aproximadamente em Julho de 2011, quando o franchising da A… correu mal, o F… penhorou a casa de família, uma propriedade no Alentejo e os reembolsos de IRS, acharam que as suas contas iam ser penhoradas e abriram uma conta em nome do seu filho, C…, para onde todos os clientes começaram a fazer pagamentos dos serviços prestados pela A…”.

7. A conta bancária com o n.º…/… titulada pelo C… é movimentada por D… (sócio-gerente da Requerente) como se da conta da sociedade se tratasse;

8. A Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária apurou, através da análise efectuada aos movimentos a crédito que os cheques depositados foram emitidos por particulares, ao portador ou à ordem de D… e que as transferências foram ordenadas por particulares com contas em diversos bancos, com descritivos como “inscrição”, “pagamento”, “A…”, “mensalidade”, “explicações”.

9. As transferências realizadas para as contas dos pais do titular da conta em causa foram utilizadas para pagamento de despesas diversas, compras e levantamentos em numerário através de cheques ao balcão;

10. A Divisão de Processos Criminais Fiscais solicitou junto do Ministério Público que diligenciasse junto do Banco de Portugal, a obtenção da informação sobre quais as contas bancárias tituladas e autorizadas a movimentar por D… (sócio e gerente), E… (sócia e gerente) e C… (filho dos sócios gerentes), bem como o envio dos movimentos constantes nas referidas contas;

11. Em Fevereiro de 2015, a informação solicitada foi disponibilizada aos Serviços de Inspecção Tributária para efeitos de análise e apuramento da situação tributária da A…, Lda.;

12. C… é estudante e consta da declaração periódica de rendimentos dos pais (Mod.3 de IRS) como dependente sem rendimentos.

13. D… e a esposa E… apresentaram conjuntamente a Declaração de Rendimentos - Mod.3 de IRS para os exercícios de 2011, 2012 e 2013 com indicação de rendimentos de categoria A – rendimentos de trabalho dependente (artº 2º CIRS) - pagos pela sociedade “A…, Lda.” nos montantes totais de 18.000,00 euros 18.317,52 euros e 17.748,24 euros, respectivamente.

14. A 27 de Setembro de 2010 D… iniciou a actividade em nome individual, enquadrando-se no regime de isenção nos termos do artº 9º do CIVA, e no regime simplificado de tributação conforme dispõe o artº 28º do CIRS, tendo declarado para os exercícios em análise, rendimentos de categoria B (rendimentos de trabalho independente - explicações) nos montantes de 86.092,75 euros, 32.156,38 euros e 35.903,75 euros, respectivamente.

15. Analisadas as declarações de rendimentos, constatou a Autoridade Tributária que a “A…, Lda.”, apresentou em sede de IRC, nos anos de 2011, 2012 e 2012, os seguintes valores:

 

Rubricas

2011

2012

2013

 

Prestações de Serviços

102 596,78

74 920,78

93 348,68

 

Resultado Líquido do Exercício

- 32 317,86

- 40 691,26

- 3 866,55

 

 

 

16. No período compreendido entre 2007 a 2014, a Requerente apresentou os seguintes resultados fiscais:

Ano

Lucro Tributável

Prejuízo Fiscal

2007

____________________________

-86 532,07

2008

____________________________

-23 527,64

2009

____________________________

-67 349,04

2010

____________________________

-63 870,08

2011

____________________________

-26 219,13

2012

____________________________

-40 691,16

2013

____________________________

-3 866,55

2014

13.114,70

______________________

Total

13.114,70

-312 054,77

 

 

 

17. Questionado sobre o(s) motivo(s) da apresentação sucessiva dos resultados negativos, o sócio gerente justificou-se com o franchising da A… que correu mal, facto também referido no Auto de Interrogatório de Arguido;

18. O sócio-gerente, durante o procedimento inspectivo, informou que os valores transferidos para a conta da esposa, E…, eram usados para efectuar os pagamentos necessários ao funcionamento do centro de explicações;

19. Da análise dos registos contabilísticos, tendo em conta o facto de terem sido lançados todos os pagamentos por contrapartida de uma conta 11- caixa, foi aferido que que os lançamentos efectuados a crédito nessa conta correspondem aos pagamentos efectuados pela A… para fazer face às suas obrigações, demonstrando que as contas bancárias serviam como contas da sociedade, onde não só eram depositados os montantes recebidos como eram, da mesma forma, efectuados pagamentos necessários ao funcionamento do negócio; 

20. Da análise efectuada às contas de D…, E… e C…, a Autoridade Tributária extraiu as seguintes conclusões:

Entradas nas contas bancárias

 

2011

Conta Nº … - C…

 

130.463,10

Conta Nº …- D…

 

207.261,36

Total das Entradas

a

337.724,46

Proveitos declarados na A… (inclui IVA)

b

126.195,17

Rendimento de cat. B declarado por D…

c

86.092,75

Total dos Rendimentos não declarados

d=a-b-c

125.436,54

 

 

 

No ano de 2011, as contas bancárias identificadas foram aprovisionadas com um montante total de 337 724,46 euros.

Considerando que, neste exercício, a sociedade declarou proveitos no montante de 102.596,78 € e que de acordo com os elementos existentes, os clientes pagam os montantes em divida quando lhes é emitida a fatura, então a sociedade obteve recebimentos no total de 126.194,03 €, a que corresponde a totalidade da faturação emitida, ou de outra forma à soma dos proveitos declarados com o IVA liquidado. Da mesma forma, o sócio-gerente declarou, na sua esfera pessoal, rendimentos (isentos de IVA) no total de 86.092,75 euros. (Anexo 3)

Assim, retirando os valores declarados aos montantes creditados nas contas bancárias, ficamos com 125.436,54 euros, correspondente aos proveitos omitidos em 2011.

Os rendimentos omitidos, correspondentes a prestações de serviços de explicações para os quais não foram emitidas faturas nem documentos de quitação, são sujeitos a IRC, devendo ser acrescidos ao lucro tributável declarado em cada um dos exercícios em estudo.

 

IRC

2011

2012

2013

Rendimentos omitidos - Correcções à matéria Tributável

(1)

125.436,54

176.145,92

5.184,04

Resultado fiscal declarado

(2)

-  26.218,13

-  40.691,26

- 3.866,55

Resultado fiscal corrigido

(3)=(1)+(2)

99.218,41

135.454,66

1.317,49

Dedução de Prejuízos (art.º52º CIRC) - limite 75%

(4)=(3)x75%

74.413,81

101.591,00

988,12

Matéria colectável corrigida

(5)=(3)-(4)

24.804,60

33.863,67

329,37

Imposto em falta (MC corrigida x taxa - art.º 87º à data dos factos )

 

4.638,65

8.465,92

82,34

 

 

 

21. A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição.

 

22. A Autoridade Tributária procedeu à seguinte correcção:

 

 

IRC

2011

2012

2013

Rendimentos  omitidos

- Correcções à matéria Tributável

 

(1)

125.436,54

176.145,92

5.184,04

Resultado fiscal declarado

(2)

-  26.218,13

-  40.691,26

-            3.866,55

Resultado fiscal corrigido

(3)=(1)+(2)

99.218,41

135.454,66

1.317,49

Dedução de Prejuízos (art.º52º CIRC)

- limite 75% a partir de 2011

 

(4)=(3)x75%

99.218,41

101.591,00

988,12

Matéria colectável corrigida

(5)=(3)-(4)

-

33.863,67

329,37

Imposto em falta (MC corrigida x taxa - art.º 87º à data dos  factos )

 

-

8.465,92

82,34

 

 

23. A Requerente deduziu reclamação graciosa, que foi indeferida por despacho da Senhora Chefe de Divisão (em regime de substituição) notificado por despacho de 21 de Outubro de 2016.

 

III – Factos não provados

1. Os valores constantes das contas bancárias supra referidas, e que não encontram correspondente na contabilidade da Autora, respeitam a outras realidades que não rendimentos da Autora.

 

IV- Fundamentação

 

O Tribunal fundamentou a sua convicção nos documentos constantes do processo administrativo, designadamente no relatório da inspecção tributária, não tendo considerado a prova testemunhal suficiente para elidir a sua força probatória.

 

V – Do Direito

 

São as seguintes as questões a decidir pelo Tribunal Arbitral:

 

- Da falta de fundamentação dos actos de liquidação de IRC e juros compensatórios

- Da caducidade do direito à liquidação;

- Do erro sobre os pressupostos de facto e de direito;

- Da ilegalidade por violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material;

- Da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios.

 

Analisar-se-ão assim estas questões:

 

1) DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO DE IRC E JUROS COMPENSATÓRIOS

Verifica-se que a Requerente foi notificada para, querendo, exercer o direito de audição prévia sobre o projeto de relatório de inspeção tributária, tendo inclusive exercido esse faculdade.

Ora, nos termos do artigo 60º, nº 3 da Lei Geral Tributária, “tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado”.

Verifica-se ainda que a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, no qual consta que seria notificada, brevemente, da liquidação supra referida.

Como refere o artigo 76º, nº 1, da Lei Geral Tributária, “as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei”.

Acrescenta o artigo 77º, nº 1, do mesmo diploma que “a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.

Refere ainda o nº 2 do mesmo artigo que “a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Como afirma o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Julho de 2014, Proc. Nº 01074/13: “É inquestionável que a Administração tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou os legítimos interesses dos administrados – em harmonia com o princípio plasmado no artigo 268º da CRP e acolhido nos artigos 124º do CPA e 77º da LGT. Ora, como a doutrina e a jurisprudência têm vindo exaustivamente a repetir, a fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto; e congruente, de modo que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação. É também incontroverso que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido, bastando-se com a expressão clara das razões que levaram a determinada deliberação decisória. A determinação do âmbito da declaração fundamentadora pressupõe, portanto, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, num sentido amplo, o suficiente para suportar formalmente a decisão administrativa. Assim, a fundamentação deve ser entendida como a obrigação de enunciar expressamente (de modo directo ou por remissão) os motivos de facto e de direito que determinaram o agente ou órgão decisor, esclarecendo o seu destinatário das razões que o motivaram e do porquê do sentido decisório, visando proporcionar ao administrado o conhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto. Deste modo, o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o artigo 487º, nº 2, do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, por aceitar, ou não, o acto.”

De acordo com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24 de Maio de 2012, Proc. Nº 00731/09.0BEPNF: “(…) a fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. Utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro”.

Nos termos do artigo 77º da LGT e do artigo 153º do CPA, remete a Administração Tributária para o Relatório de Inspecção por esta elaborado.

Verifica-se que as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo exigidas pelo nº 2 do art.º 77º da LGT, bem como os meios de reacção, estão mencionadas nas notas de liquidação.

É por isso perfeitamente possível, a partir das informações disponibilizadas pela Administração Tributária, compreender o iter funcional cognoscitivo e valorativo da elaboração do acto.

Parece, por isso, claro que, ao contrário do que afirma a Requerente, não se verifica qualquer falta de fundamentação das liquidações controvertidas, sendo que qualquer destinatário normal, especialmente depois de conhecer o relatório da inspecção tributária compreende as razões dessas liquidações.

Em qualquer caso, o que dispõe o artigo 37º CPPT é que “se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento”.

Não obstante a notificação ser condição de eficácia da liquidação e não condição de validade, nos termos do nº 6 do artigo 77º da LGT, sublinha-se que a Requerente optou por nem sequer recorrer a esta via.

Verifica-se, portanto, que inexiste qualquer vício de falta de fundamento do acto tributário.

 

2) DA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO

Sustenta ainda a Requerente ter caducado o direito à liquidação do imposto.

Refere efectivamente o artigo 45º, nº 1 da Lei Geral Tributária que “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.

Acrescenta o nº 4 do mesmo artigo que “o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário”.

Sucede, porém, que consta do relatório inspectivo apresentado pela Autoridade Tributária que o procedimento inspectivo decorreu no âmbito do Processo de Inquérito …/2013… TDLSB.

Ora, como está disposto no nº 5 do artigo 45º da Lei Geral Tributária, “sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.

Pelo que teremos de entender, face à matéria de facto provada, que o prazo de caducidade é o disposto no nº 5 do artigo 45º da Lei Geral Tributária e não o disposto no nº 1 do mesmo artigo.

Inexiste, portanto, caducidade do direito à liquidação.

 

3) DO ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DIREITO

 

Considera a Requerente que existe erro sobre os pressupostos de facto de direito das liquidações, por não terem sido consideradas verdadeiras as suas declarações de rendimentos.

Refere efectivamente o artigo 75º, nº 1, da Lei Geral Tributária que “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.

Só que, conforme consta do nº 2 do mesmo artigo essa presunção “não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na presente lei.

d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A”.

Nos termos do nº 1 do artigo 63º-C da Lei Geral Tributária, “os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida”.

Ora, tendo verificado a Administração Tributária existirem divergências entre os montantes depositados e os rendimentos declarados em sede de IRC, cessa a presunção referida no artigo 75º, nº 1, da Lei Geral Tributária.

Conforme refere o artigo 74º, nº 1, da Lei Geral Tributária, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

Por um lado, nos termos do artigo 63º-C da Lei Geral Tributária, deveria a Requerente possuir uma conta bancária através da qual fossem exclusivamente movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes á sua actividade.

E além disso, não logrou a Requerente provar que os rendimentos constantes das contas bancárias estivessem afectos a outra actividade que não a sua.

Improcedendo, portanto, o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

4) DA ILEGALIDADE POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO E PROSSECUÇÃO DA VERDADE MATERIAL

 

Cabe agora apreciar a arguição da ilegalidade por violação do princípio do inquisitório e da prossecução da verdade material.

Refere efectivamente o artigo 58º da Lei Geral Tributária que “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.

E acrescenta o artigo 6º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira, que “o procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo”.

Como afirma o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 7 de Maio de 2013, proc. nº 06418/13, “O procedimento tributário de inspecção visa, como não podia deixar de ser, como sucede em qualquer procedimento administrativo, a descoberta da verdade material. O procedimento de inspecção, à semelhança de qualquer outro procedimento administrativo, tem de ser considerado como um instrumento que garanta e assegure o efectivo respeito pelos direitos fundamentais e garantias dos contribuintes por parte da Administração Tributária. Uma das formas de efectivar e concretizar este respeito pelos direitos e garantias dos contribuintes é através do princípio da verdade material enquanto concretizador dos princípios da prossecução do interesse público e da igualdade. Este princípio, consagrado no artº.6, do R.C.P.I.T., impõe que a Administração Tributária, no âmbito do procedimento de inspecção, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o acto tributário que venha a ser praticado. Trata-se de investigar e apurar o correcto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades. Concluindo, o princípio da verdade material fixa aquele que deve ser o objectivo do procedimento inspectivo - a descoberta da verdade material. Este princípio é uma concretização do examinado princípio do inquisitório (enunciado no artº.58, da L.G.T., como princípio geral do procedimento tributário), sendo postulado pela natureza pública e indisponível da relação jurídico-tributária, assim abrangendo, por isso, os seus elementos de facto (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 3ª. edição, Vislis Editores, 2003, pág.554; João Fernando Damião Caldeira, O Procedimento Tributário de Inspecção - Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais, Universidade do Minho, 2011, pág.183 e seg.). No caso “sub judice”, não vislumbra o Tribunal que a actuação da A. Fiscal no âmbito do procedimento inspectivo que fundamentou os actos tributários objecto do presente processo possa considerar-se violadora dos examinados princípios do inquisitório e da verdade material, violações estas que igualmente não são concretizadas pelo recorrente.”

Podemos verificar que a actuação da Administração Tributária realizou todas as diligências necessárias para se proceder à descoberta da verdade material, não tendo a Requerente apresentado qualquer prova dos factos que alega.

 

 

Nesses termos, improcede a violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material.

 

5) DA ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS

Cabe, por fim, apreciar a questão da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios.

Refere efectivamente o artigo 35º, nº 1 da Lei Geral Tributária que “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

Acrescenta o nº 3 do mesmo artigo que “os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, do termo do prazo de entrega do imposto a pagar antecipadamente ou retido ou a reter, até ao suprimento, correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação”.

Refere ainda o nº 6 do mesmo artigo que “para efeitos do presente artigo, considera-se haver sempre retardamento da liquidação quando as declarações de imposto forem apresentadas fora dos prazos legais”.

Verificou-se, que a fundamentação da liquidação de juros compensatórios decorre das correcções efectuadas pela Requerida, em que a Requerente liquidou imposto em montante inferior ao legalmente devido, sendo-lhe imputável o retardamento na entrega do imposto, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 35º da LGT.

Nos termos do artigo 35º, nº 10, da Lei Geral Tributária, “a taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil”.

Face à actuação da Requerente, teremos de entender que inexiste qualquer ilegalidade na liquidação de juros compensatórios, que são devidos, nos termos do artigo 35º da Lei Geral Tributária.

 

V – Decisão

 

Julgam-se improcedentes os pedidos de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas nº 2016…, no valor de € 744,44 e, bem assim, contra o acto de liquidação de juros compensatórios nº 2016…, no montante de € 106,01.

 

Fixa-se ao processo o valor de € 850,15 (valor indicado e não contestado), e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 306,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas pela Requerente.

 

 

Lisboa, 30 de Novembro de 2017

 

O Árbitro

 

 

 

(Luís Menezes Leitão)