Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 245/2017-T
Data da decisão: 2017-11-27  Selo  
Valor do pedido: € 17.466,10
Tema: Imposto do Selo – Propriedade vertical
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.         RELATÓRIO

1.      A…, Lda., pessoa coletiva n o…, com sede na …, n.º…, …, … Lisboa, doravante designada como “Requerente”, vem, ao abrigo do disposto n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de tribunal arbitral e submeter pedido de pronúncia arbitral em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”), o qual tem por objeto os atos de liquidação de Imposto do Selo (doravante “IS”) emitidos ao abrigo da Verba n o 28 da Tabela Geral do Imposto do selo (adiante apenas TGIS), respeitantes ao ano de 2015, com vista à sua anulação, porquanto os mesmos estarão feridos de ilegalidade.

2.      O pedido de constituição de tribunal arbitral, correspondente ao registo n.º 4115 foi validado e aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 6 de abril de 2017, tendo sido notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”) em 19 de abril de 2017.

3.      O Requerente optou por não designar árbitro, tendo o Conselho Deontológico, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º e do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, designado como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, a qual aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.

4.      As partes foram devidamente notificadas da designação do árbitro em 5 de junho de 2017, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma.

5.      O tribunal arbitral singular ficou, assim, constituído em 21 de junho de 2017, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 artigo 11.º do RJAT.

6.      Em 23 de junho de 2017, a Requerida foi notificada do despacho proferido pelo tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, para apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e remeter o processo administrativo.

7.      As ilustres representantes da Requerida juntaram a resposta da AT aos autos, em 8 de setembro de 2017, na qual pugnaram pela improcedência integral do pedido de pronúncia arbitral. Segundo as mesmas, as liquidações de IS emitidas ao abrigo da verba 28.1 da TGIS consubstanciariam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida dos pedidos. Solicitaram, ainda, a dispensa da realização da reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de alegações, considerando o princípio da livre condução do processo pelo tribunal arbitral, estando fixados os factos sobre os quais é requerida a decisão e julgando-se estar em litígio matéria exclusivamente de direito.

8.      No seguimento da resposta da Requerida, em 11 de setembro de 2017, o Tribunal arbitral emitiu despacho, dispensando a realização da primeira reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, considerando a autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, prevista designadamente na alínea c) do artigo 16º do RJAT, por razões de economia processual, tendo em conta a simplicidade das questões em apreço. Adicionalmente, em obediência ao princípio do contraditório, solicitou a notificação da Requerente para se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre o pedido da Requerida de dispensa de produção de alegações escritas.

9.      Em resposta ao despacho arbitral supra, a Ilustre Mandatária da Requerente informou o tribunal arbitral, em 15 de setembro de 2017, que nada tinha a opor à dispensa de produção de alegações escritas.

II.      PRETENSÕES DAS PARTES

 

A.     Pretensão da Requerente

10.  A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo referentes ao ano 2015, dado que nenhum dos andares/divisões suscetíveis de utilização independente do prédio inscrito na matriz predial urbano sob o artigo … tinha um valor patrimonial tributário de €1.000.000. Em consequência, requer a anulação dos referidos atos, com todas as consequências legais, devendo ser devolvido à Requerente o imposto pago, no montante total de € 17.466,10, acrescido de juros indemnizatórios.

B. Pretensão da Requerida

11.  A Requerida, por seu turno, sustenta que, para efeitos da verba 28.1 da TGIS, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando suscetíveis de utilização independente. Concluindo, assim, pela legalidade das liquidações impugnadas, devendo ser considerada como improcedente a pretensão da Requerente e absolvida a Requerida.

III.             SANEAMENTO

12.  O Tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído.

13.  A Requerente cumula pedidos, relativamente a liquidações de Imposto do Selo do ano de 2015, o que, nos termos do artigo 104.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário e do n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, é admissível dada a identidade das circunstâncias de facto e a aplicação dos mesmos princípios e regras de direito,

14.  As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 3.º, 6.º e 15.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.ºdo RJAT).

15.  Não se verificam quaisquer nulidades, nem foram alegadas pelas partes quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da questão.

 

IV.             MATÉRIA DE FACTO

A.    Factos dados como provados

16.  Com interesse para a decisão da causa, dão-se como provados os seguintes factos.

a)      A Requerente é dona e legítima proprietária do prédio urbano, sito na Rua …, números …, … e …, Rua … n.º … e esquina para as …, em Lisboa, …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … da Freguesia de …, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa.

b)      O prédio estava inscrito na matriz predial urbana como prédio em propriedade total com 14 divisões suscetíveis de utilização independente, com afetação a habitação, com um valor patrimonial total de € 1.746.610.

c)      Os andares ou divisões suscetíveis de utilização independente têm um valor patrimonial tributário de:

 

Andar / divisão

VPT

1A

110,410.00 €

1B

151,030.00 €

1C

119,080.00 €

O/D

165,550.00 €

O/E

106,860.00 €

O/F

150,420.00 €

O/L

75,820.00 €

1M

73,100.00 €

1G

125,580.00 €

1H

154,850.00 €

2/3K

184,390.00 €

2/I

125,580.00 €

2/J

127,010.00 €

2/N

76,930.00 €

Total

€ 1,746,610.00

 

 

d)      Em 13 de outubro de 2015, a Requerente entregou uma declaração Modelo 1 de IMI para comunicar a conclusão das obras de reconstrução e remodelação total do edifício.

e)      Em 2016, o prédio foi submetido ao regime de propriedade horizontal, mediante escritura pública de 19 de julho de 2016, tendo sido inscrito na matriz predial urbana como prédio em regime de propriedade horizontal em dezembro de 2016.

f)       Em 20 de dezembro de 2016, o prédio foi objeto de liquidação de Imposto do Selo ao abrigo da Verba 28.1 da TGIS, relativo ao ano 2015, tendo a AT emitido 14 notas de cobrança, uma para cada parte ou divisão suscetível de utilização independente, considerando para o efeito como valor tributável o valor patrimonial tributário total do prédio, ou seja, € 1.746.610:

 

 

 

 

Andar / divisão

VPT

Documento de cobrança

Imposto do Selo

1A

     110.410,00 €

2016…

       1.104,10 €

1B

     151.030,00 €

2016…

       1.510,30 €

1C

     119.080,00 €

2016…

       1.190,80 €

O/D

     165.550,00 €

2016…

       1.655,50 €

O/E

     106.860,00 €

2016…

       1.068,60 €

O/F

     150.420,00 €

2016…

       1.504,20 €

O/L

       75.820,00 €

2016…

          758,20 €

1M

       73.100,00 €

2016…

          731,00 €

1G

     125.580,00 €

2016…

       1.255,80 €

1H

     154.850,00 €

2016…

       1.548,50 €

2/3K

     184.390,00 €

2016…

       1.843,90 €

2/I

     125.580,00 €

2016…

       1.255,80 €

2/J

     127.010,00 €

2016…

       1.270,10 €

2/N

       76.930,00 €

2016…

          769,30 €

Total

  1.746.610,00 €

 

     17.466,10 €

 

 

g)      As notas de cobrança supra referidas, referentes às liquidação de Imposto do Selo de 2015, foram pagas em 31 de Março de 2017.

h)      No entanto, por não se conformar com as liquidações de Imposto do Selo, a Requerente apresentou o presente Pedido de constituição do tribunal arbitral / pronúncia Arbitral.

B.     Factos não provados

37.  Não existem outros factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.

C.    Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

38.  A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou de todo o exame dos documentos juntos aos autos, bem como na apreciação do teor dos articulados e do processo administrativo.

 

 

 

V.                mATÉRIA DE DIREITO

  1. Da aplicação da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo aos prédios em regime de propriedade total

Em sede de IS, estabelece o artigo 1.º do Código que “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.

Assim, para efeitos de norma de incidência, haverá que analisar o conjunto de atos, contratos, documentos, etc, elencados na TGIS, anexa ao CIS.

A referida TGIS foi alterada em 2012 pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, que aditou uma nova verba com a seguinte redação:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional - 1 %”

A redação supra esteve em vigor até ao final de 2013, tendo sido alterada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014[1]:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1. Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%.” (negrito nosso).

No que respeita à verba 28, existe uma remissão genérica para o CIMI (no n.º 2 do artigo 67.º), e uma remissão específica relativamente à liquidação do imposto (no n.º 7 do artigo 23.º).

Não existe, assim, uma definição no CIS de “prédio com afetação habitacional”, na redação em vigor até ao final de 2013, ou de “prédio habitacional”, na redação em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2014.

Assim, para efeito de interpretação da verba 28.1 da TGIS, haverá que recorrer às regras do CIMI, cujas disposições mais relevantes se elencam em seguida.

O artigo 2.º do CIMI contem a definição de prédio como sendo “1 – (…) toda a fração de território, abrangendo (…) edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como (…) edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados(…) 4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.

Por seu turno, a definição de prédios urbanos resulta do artigo 4.º que indica que serão “(…) todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)” e do n.º 1 do artigo 6.º do CIMI que estabelece que “(…) os prédios urbanos dividem-se em: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros.”.

Ainda a propósito desta classificação, o n.º 2 do mesmo artigo 6.º esclarece que “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

Com utilidade para a decisão do pleito, refiram-se, ainda, as seguintes disposições relativas à inscrição matricial dos prédios e à liquidação de cobrança do IMI.

Assim, o n.º 3 do artigo 12.º do CIMI, que estabelece que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”.

O n.º 2 do artigo 80.º do CIMI estipula que “(…) a cada prédio corresponde um único artigo na matriz”, com as exceções previstas nos artigos 84.º (prédios mistos) e 92.º (prédio em regime de propriedade horizontal) do mesmo código, em que se prevê que um mesmo prédio possa ter mais do que uma inscrição matricial (prédios mistos) ou que um edifício tenha uma só inscrição na matriz, sendo cada uma das frações autónomas descritas e individualizadas pela letra maiúscula que lhe corresponder (prédio em regime de propriedade horizontal).

Relativamente ao documento de cobrança, o n.º 1 do artigo 119.º do CIMI, esclarece que “Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário e da coleta imputada a cada município da localização dos prédios.”

Face ao supra exposto, cumpre decidir sobre qual a melhor interpretação que deverá ser dada à verba 28.1 da TGIS, se a que defende Requerente: o prédio em apreço, apesar de constituído em propriedade total, é composto por apartamentos autónomos, destinados a habitação, e como tal deverá dar-se relevância a cada um destes apartamentos. Ou se, pelo contrário, se deverá seguir a interpretação da Requerida, que sustenta que, no caso de prédios em propriedade total, para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade, dado que as referidas divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédios nos termos do CIMI, facto que somente releva para os prédios em propriedade horizontal.

Para o efeito, recorde-se que a verba 28.1 da TGIS dispõe que incidirá IS sobre:

i)     Propriedade, usufruto ou direito de superfície;

ii)    De prédio (com afetação) habitacional;

iii)   Com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00.

Sobre o conceito de prédio habitacional relevante para efeitos da verba 28.1 da TGIS, o Acórdão do STA n.º 01870/13[2] sintetiza desta forma as dúvidas resultantes da redação inicial da verba 28.1 em apreço e a clarificação posterior dada pela Lei do Orçamento para 2014[3]: “O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. (…). E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação – teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.”.

Assim, para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS, deverá existir um prédio habitacional, ou seja, um prédio licenciado para habitação ou, na falta de licença, um prédio cujo destino normal seja a habitação.

No caso em apreço, estamos perante um prédio em regime de propriedade total, ainda que com divisões ou andares suscetíveis de utilização independente, que se destinam a habitação, conforme resulta da respetiva certidão matricial.

Resta saber qual o VPT que relevará para efeito da norma de incidência, se o valor patrimonial total do prédio, que é superior a €1.000.000, ou o valor patrimonial de cada andar, suscetível de utilização independente, sendo que nenhuma divisão ou parte suscetível de utilização independente tem um VPT superior a €1.000.000.

A este respeito, veja-se por todos a decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 724/2014-T, citada pelo Acórdão do STA 047/2015 de 9 de Setembro de 2015, que acompanhamos: “Consultado o CIMI verifica-se que o seu artigo 6º apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (…) Daqui podemos concluir que, na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio. Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.”[4][5]

Não colhe assim a argumentação da Requerida de que, para efeitos da verba 28.1 da TGIS, contrariamente às regras do CIMI, aplicáveis ao IS e mais concretamente a esta verba por remissão do artigo 67.º do CIMI, relevaria o prédio na sua totalidade, independentemente da existência de divisões ou partes suscetíveis de utilização independente, dada a existência de um prédio em propriedade total e não um prédio em propriedade horizontal.

Conforme referido supra, esta distinção não releva para efeitos de IMI e não deverá relevar para efeitos de IS, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária estabelecido constitucionalmente.

Com efeito, nos termos do n.º 3 do artigo 12.º do CIMI, cada andar ou parte suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, que discrimina o respetivo valor patrimonial tributário, e, nos termos do no n.º 1 do artigo 119.º do CIMI, o documento de cobrança é enviado com discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente e respetivo valor patrimonial tributário.

Assim sendo, não pode a Requerida dar relevância às divisões ou partes suscetíveis de utilização independente no caso de um prédio em propriedade total para efeitos de emissão da nota de cobrança do IS, mas considerar que se trata de um único prédio para verificação dos restantes requisitos da norma de incidência, nomeadamente o VPT relevante.

Voltando à decisão supra citada para concluir: “(…) Ora, o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI estabelece que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”. (…)  Refira-se que a própria ATA parece concordar com o critério exposto, razão pela qual as liquidações que a própria emite são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada um dos andares e as liquidações individualizadas. Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto. Assim, só haveria lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00. Não podendo a ATA considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de IMI (e, tal como anteriormente mencionado, este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28 da TGIS). Em conclusão, o regime jurídico actual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, pelo que a actuação da ATA traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal. De facto, não pode a ATA distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.” (negrito nosso)[6].

No mesmo sentido, veja-se, por todos, o mais recente acórdão do STA[7]: “A questão, nestes termos suscitada, é, em tudo idêntica, até nos pressupostos de facto, à que foi objecto de acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido em 09/09/2015 no processo nº 047/15, a que se seguiram muitos outros no mesmo sentido, nomeadamente os Acórdãos de 02.03.2016, recurso 1354/15, de 04.05.2016, recurso 166/14, de 30.11.2016, recurso 1097/16, de 01.02.2017, recurso 711/16, de 15.02.2017, recurso 1447/16, para além do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário citado pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, jurisprudência essa que sufragamos por inteiro e que também aqui acompanharemos e em que se decidiu que, tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.” (negrito nosso).

Acrescente-se que, a decisão arbitral citada pela Requerida, é uma das poucas decisões que seguiu doutrina diversa da seguida pela maioria dos arestos dos tribunais superiores e das decisões arbitrais emitidas no CAAD. A larga maioria das decisões arbitrais, incluindo as citadas pela Requerente e as decisões arbitrais mais recentes infra referenciadas[8], sustentam a tese que, para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS sobre prédios em propriedade total, o VPT a considerar é o de cada divisão ou andar suscetível de utilização independente e não o VPT resultante da soma das partes.

Por outro lado, refira-se que a posição da ATA transcrita na resposta da Requerida, emitida em sede de pedido de informação vinculativa, com despacho concordante do Sr. Substituto Legal do Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datada de 11.02.2013, somente vincula a AT perante o contribuinte que a solicitou, ao abrigo do disposto no artigo 68.º da LGT.

Assim, no caso dos autos, o prédio em apreço encontrava-se, à data relevante dos factos, constituído em propriedade total, mas tinha partes, andares ou divisões com utilização independente destinados a habitação.

Nenhuma dessas partes, andar ou divisão com utilização independente e afeto a habitação possuía um valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, em 2015, conforme se comprovou supra.

Pelo que, somos a concluir que não se verifica um dos pressupostos da norma de incidência prevista na verba 28.1 da TGIS, pelo que as liquidações de IS de 2015 deverão ser declaradas ilegais.

Nessa medida, não se verificando os requisitos da norma de incidência constante na verba 28.1 da TGIS, as liquidações controvertidas padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito quanto ao disposto na verba 28.1 da TGIS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.

 

 

  1. Do direito aos juros indemnizatórios

No que concerne ao pedido formulado pela Requerente de juros indemnizatórios, atente-seno disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”):

“1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Com efeito, nos termos do artigo 100.º da LGT: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

Acrescenta o artigo 61.º do CPPT que:

“(…) 2 - Em caso de anulação judicial do acto tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar.

3 - Os juros indemnizatórios serão liquidados e pagos no prazo de 90 dias contados a partir da decisão que reconheceu o respectivo direito ou do dia seguinte ao termo do prazo legal de restituição oficiosa do tributo.

4 - Se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea. 

5 - Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos. (…)”

Por seu turno, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, refere-se que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, estabelecendo-se, assim, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Pelo que, a Requerente terá direito a juros indemnizatórios, nos termos das normas supra citadas, calculados sobre a quantia paga indevidamente, à taxa dos juros legais[9] prevista no artigo 559.º do Código Civil (n.º 10 do artigo 35.º ex vi n.º 4 do artigo 43.º ambos da LGT)

Os juros indemnizatórios serão devidos a partir da data de pagamento indevido das liquidações de IS até à execução da presente decisão arbitral.

Assim sendo, para além do reembolso do montante total das liquidações de Imposto do Selo, a Requerida deverá a liquidar juros indemnizatórios à Requerente.

 

 

VI.   DECISÃO

Termos em que decide este tribunal arbitral:

  1. Anular as liquidações de IS de 2015, por vício de violação de lei quanto à norma constante na verba 28.1. da TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, e consequente reembolso pela Requerida à Requerente do imposto do selo pago relativamente aos atos tributários objeto dos presentes autos;
  2. Julgar procedente, por provado, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios pela Requerida à Requerente, em conformidade com o estatuído no artigo 43° da LGT e no artigo 61° do CPPT.
  3. Condenar a Requerida em custas processuais.

 

VII.VALOR DA CAUSA

Em conformidade com o disposto no n.º 1 e n.º 2 do artigo 306.º do CPC e da alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 97.°-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPTA), fixa-se ao processo o valor de € 17.466,10 (dezassete mil quatrocentos e sessenta e seis euros e dez cêntimos).

VIII.       CUSTAS

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 4 do artigo 4.º, do citado Regulamento, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos a Tabela I do RCPTA, a cargo da Requerida, dada a procedência do pedido de anulação dos atos tributários objeto dos autos.

Notifique-se esta decisão arbitral às partes.

Lisboa, 27 de novembro de 2017

O Árbitro Singular,

(Vera Figueiredo)

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131º, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, redigido segundo a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de Agosto.



[1] Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2014.

 

[2] Acórdão do STA n.º 01870/13, 9 de Abril de 2014

[3] Vide nota supra.

[4] Acórdão do STA no processo n.º 047/2015, de 9 de Setembro de 2015, publicado em www.dgsi.pt.

[5] Decisão do CAAD no processo n.º 724/2014, de 29 de Abril de 2015, publicada em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/

[6] Ver nota 4 supra.

[7] Acórdão do STA no processo n.º 0826/17, de 18 de Outubro de 2017, publicado em www.dgsi.pt.

 

[8] Decisões do CAAD nos processos n.º 77/2017-T, de 8 de setembro 2017, n.º 82/2017-T, de 17 de julho de 2017, n.º 93/2017-T, de 26 de junho de 2017, n.º 123/2017-T, de 24 de julho de 2017, n.º 124/2017-T, de 9 de outubro de 2017, n.º 147/2017-T, de 14 de julho de 2017, n.º 164/2017-T, de 21 de setembro de 2017, n.º 315/2017-T, de 12 de outubro de 2017,  publicada em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/

 

[9] Taxa de juros legais prevista atualmente na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.