Decisão Arbitral
I – Relatório
1.1. A…, associação desportiva de utilidade pública, NIF…, com sede no …, …, …, … (doravante designada por «Requerente»), tendo sido “alvo de duas liquidações de IVA e juros, no valor total de 24.833,88€”, relativas, especificamente, a IVA e juros compensatórios do terceiro e do quarto trimestres de 2012, apresentou, a 24/5/2017, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 6.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, al. a), e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista “o deferimento da pretensão [...] com a consequente anulação das liquidações impugnadas de IVA e juros (art. 1.º da PI) e reflexamente com a anulação dos atos de indeferimento do Recurso Hierárquico e Reclamação Graciosa descritos supra com todas as consequências legais, nomeadamente em matéria de juros”, por entender que as liquidações supra referidas “são ilegais por errada perceção dos factos relevantes, violação de lei e vícios de fundamentação”.
1.2. Em 4/8/2017 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.
1.3. Nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, como parte Requerida, para apresentar resposta. A AT apresentou a sua resposta em 28/9/2017, tendo argumentado, em síntese, no sentido da total improcedência do pedido da Requerente.
1.4. Por despacho de 2/11/2017, o Tribunal considerou, nos termos dos artigos 16.º, als. c) e e), e 19.º do RJAT, ser dispensável a produção da prova solicitada e a reunião do artigo 18.º do RJAT, e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 10/11/2017 para a prolação da decisão arbitral.
1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.
II – Alegações das Partes
2.1. Vem a ora Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “a requerente entende [que os outputs da actividade de natação efectuada pela requerente estão isentos de IVA] e não liquidou IVA nas mensalidades dos seus clientes pela utilização das atividades de natação. A AT, ao invés, entende que essa atividade estaria sujeita e não isenta de IVA – pelo que solicita o imposto correspondente aos períodos em causa”; b) “o pomo de discórdia é ainda mais preciso: a isenção de IVA do art. 9.º, n.º 8, do CIVA (para as prestações de serviços de entidades sem fins lucrativos que explorem atividades desportivas) exige, entre outros pressupostos, que essa atividade (natação do A…) não «entrem em concorrência direta com sujeitos passivos de imposto» (art. 10.º, al. d), do CIVA). A Requerente entende que a sua atividade de natação não concorre com ninguém; ao invés, o Fisco entende que a atividade de natação do A… entra em concorrência direta com os health clubs da cidade de …– e nega por isso a isenção de imposto”; c) “o Fisco entende que os requisitos inerentes à isenção de IVA nas prestações de serviços de natação fornecidos pelo A… preenchem a generalidade dos requisitos legais (nomeadamente, a requerente é uma instituição de utilidade pública sem finalidade lucrativa, desenvolve uma atividade desportiva, recreativa e de educação física em benefício dos seus praticantes…) – e esta matéria está fora do objeto deste processo. No entanto – e continua-se a decalcar a fundamentação – advoga que não se preenche um dos requisitos da isenção de IVA nestas prestações, porquanto a atividade de natação do A… entra em concorrência direta com outros sujeitos passivos de imposto – os health clubs da cidade de …, identificados na fundamentação: B…, C… e D... . E provocando assim, no entender do Fisco, distorções na concorrência, porque o A… não liquida IVA nas mensalidades de natação e os “concorrentes” liquidam IVA nessas prestações”; d) “para haver concorrência as prestações de serviços teriam de ter um grau de semelhança tal que um mesmo consumidor, para satisfazer as suas necessidades específicas, pudesse escolher indistintamente qualquer das entidades sob comparação. Os ginásios ou health clubs concorrem entre si – inegavelmente. Mas nenhum deles, ou todos no seu conjunto, concorrem com a natação do A…, por total diversidade do serviço prestado”; e) “na perspetiva de um consumidor médio a prestação de serviços de natação fornecida pelo A… é totalmente diversa da prestação de serviços do ginásio. [...]. As diferenças são tão grandes e abissais – não apenas em termos quantitativos, mas também e sobretudo da natureza do serviço – que os serviços não satisfazem a mesma necessidade, seja em termos efetivos ou sequer potenciais”; f) “o A… presta um serviço de natação de topo, com vocação de formação para a competição e competição, com atletas federados, em regime de exclusividade deste desporto, sobretudo para jovens e adultos que só querem praticar natação e competir. [...]. Já os ginásios fornecem um serviço de natação (junto com outros que nada têm que ver com as piscinas), para divertimento (natação livre e sem alas) e condimento físico básico (em multidesportos) e de diversão (hidroginástica e afins) e na aprendizagem a nadar (em concorrência com o Município e serviço nacional de educação física). Nos ginásios utiliza-se a piscina como recreação e condição física de base”; g) “entre a natação do A… e a natação dos ginásios não há concorrência, nem real nem potencial, pois o serviço prestado por ambos são totalmente díspares: aos olhos de um consumidor médio, as diferenças entre ambos são abissais que não são de utilização alternativa”; h) “[quanto às] atividades acessórias do A…: utilização por terceiros (em aluguer), hidroginástica, natação de bebés e de adultos. A utilização por terceiros (aluguer) tem uma expressão insignificante (1,5% dos proveitos) e não concorre com os ginásios – mas destina-se apenas à execução do serviço público, sem concorrência entre operadores, de permitir o acesso e contacto com a natação no sistema nacional de educação física do ministério da educação, saúde e solidariedade social. [...]. A natação de adultos do A… é em monodesporto – e visa a formação avançada da natação para competição – há hoje campeonatos e meetings para adultos, sejam ex-atletas, atletas adultos ou população em geral que deseja especializar-se fortemente na natação. [...]. A natação para bebés (com peso marginal no A… e nos ginásios) tem objetivos totalmente diversos em ambas as instituições. [...]. [No A…, este serviço] É a primeira janela de captação de nadadores para a formação, que começa pouco depois, logo a partir dos 4 anos (e provas a partir dos 6 anos). [...]. A hidroginástica é uma atividade marginal para o A…”; i) “em suma: a inexistência de concorrência faz consolidar a isenção de IVA, por preenchimento da condição do art. 10.º, al. a), do CIVA – com o que são ilegais as liquidações impugnadas, porque a AT advoga a existência de concorrência onde ela não existe, em termos reais e potenciais”; j) “todos os serviços de natação operados pelo A… (essenciais e acessórios) não entram em concorrência, sequer potencial, com os ginásios – e isso basta para provocar a imediata e total anulação dos atos impugnados”; l) “não existe concorrência direta; não existem distorções significativas de concorrência; as atividades acessórias (bebés, hidroginástica e adultos) não se destinam essencialmente a proporcionar receitas suplementares. [...]. E a falta de concorrência direta implica que não existam distorções significativas de concorrência”; m) “[quanto às actividades acessórias da requerente, estas] não se destinam essencialmente a gerar receitas suplementares, mas a interesses públicos (aluguer da piscina a instituições, com receitas residuais) e a atividades (de hidroginástica, bebes e adultos) sempre ligadas essencialmente à formação e competição dos alunos”; n) “o objetivo essencial e primordial para o A… com essas atividades acessórias – que decorre aliás da obediência aos seus estatutos – é ainda e sempre a promoção da natação de competição e sua formação. Não se querem angariar receitas suplementares em concorrência direta com os ginásios. Quer-se apenas promover a formação e competição, criando condições aos pais para facilitar o transporte, captação e motivação dos filhos – na formação e competição, e esse é o propósito do Clube”; o) “a fundamentação é totalmente omissa, insuficiente e conclusiva, constituindo-se como um claro vício de fundamentação que determina a anulação das liquidações impugnadas (como aliás foi sempre referido na Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico). A fundamentação (e todas as peças da AT sobre o tema) é meramente conclusiva: diz que a natação do A… concorre com os ginásios de … B…, C… e D…– mas sem introduzir quaisquer factos concretos e reais em que se estribe tal conclusão – exceto a inferência, nem sequer declarada, que tais ginásios terão uma piscina. Mas a AT não prova a existência de distorção da concorrência porque não carreia qualquer facto que a comprove, ainda que de forma sintética”; p) “a alegação de existência de concorrência é meramente conclusiva porque não se sustenta em factos concretos que a possam comprovar. E a alegação de concorrência direta e na atividade essencial – requisitos da lei – não é alegada nem provada pela AT”; q) “em suma: a fundamentação da AT é insuficiente e omissa quanto aos factos em que teria de alegar e provar para depois lhe ser legítima a aplicação do direito – vícios de violação de lei e de fundamentação de que não se prescinde.”
2.2. Vem a Requerente, em síntese, solicitar ao Tribunal Arbitral: “a) o deferimento da pretensão [...]”; “b) com a consequente anulação das liquidações impugnadas de IVA e juros (art. 1.º da PI) e reflexamente com a anulação dos atos de indeferimento do Recurso Hierárquico e Reclamação Graciosa descritos supra”; “c) com todas as consequências legais, nomeadamente em matéria de juros”.
2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que: a) “defende a Requerente, em síntese, que no desenvolvimento das suas actividades não actua de forma concorrencial, pois para haver concorrência os serviços teriam de ter um grau de semelhança, alegando que a sua prestação de serviços é totalmente diversa da prestação de serviços dos ginásios. Porém, a Requerente carece de razão”; b) “da análise efectuada pelos serviços de inspecção tributária às actividades desenvolvidas pelo Requerente, bem como da sua contabilização, constatou-se que na área da natação utiliza e explora piscinas para a prática da natação, que foram cedidas pelo Município de …”; c) “estabelece o Art.º 9.º, alínea 8), do CIVA, que estão isentas de imposto «as prestações de serviços efectuadas por organismos sem finalidade lucrativa que explorem estabelecimentos ou instalações destinadas à prática de actividades artísticas, desportivas, recreativas e de educação física a pessoas que pratiquem essas actividades.»”; d) “consideram-se organismos sem finalidade lucrativa os que reúnam os condicionalismos previstos no Art.º 10.º do CIVA, o qual dispõe o seguinte: «Para efeitos de isenção, apenas são considerados como organismos sem finalidade lucrativa os que, simultaneamente: a) Em caso algum distribuam lucros e os seus corpos gerentes não tenham, por si ou interposta pessoa, algum interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração; b) Disponham de escrituração que abranja todas as suas actividades e a ponham à disposição dos serviços fiscais, designadamente para comprovação do referido na alínea anterior; c) Pratiquem preços homologados pelas autoridades públicas ou, para as operações não susceptíveis de homologação, preços inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto; d) Não entrem em concorrência directa com sujeitos passivos do imposto.»”; e) “através da análise das condições de acesso, dos preços e dos serviços de natação oferecidos, foi apurado que, na prestação daqueles serviços, o Recorrente entra em concorrência directa com outros operadores económicos que desenvolvem, na mesma área geográfica, idêntica actividade, pois: • O acesso às piscinas não está limitado a atletas federados, nem se restringe aos sócios; • A piscina é municipal, é explorada pelo Requerente mediante pagamento do respectivo preço de tabela, sendo frequentada por todo e qualquer cidadão; • Os serviços prestados são, em tudo, similares aos oferecidos por outros sujeitos passivos geograficamente próximos e qualquer um deles os presta, na valência da natação, da mesma forma que sào disponibilizados pelo Requerente; • O Requerente não provou a prática de preços inferiores, para análogos serviços, aos praticados pelos outros sujeitos passivos na área da cidade de…; • Comprovando-se a existência de reais e potenciais riscos de que a situação de isenção da Requerente provocaria distorções de concorrência, não podia, por este facto, beneficiar da isensão prevista no n.º 8 do Art.º 9.º do CIVA”; f) “de acordo com alínea 8) do Art.º 9.º do CIVA, estão isentas de imposto as prestações de serviços efectuadas por organismos sem finalidade lucrativa que explorem estabelecimentos ou instalações destinadas à prática de actividades artísticas, desportivas, recreativas e de educação física a pessoas que pratiquem essas actividades, sendo que a isenção adveniente da exploração de estabelecimentos ou instalações destinados à prática de desporto ou actividade física, tem por base a alínea m) do n.º 1 do Art.º 132.º da Directiva do IVA que estabelece que os Estados membros isentam «Determinadas prestações de serviços estreitamente relacionadas com a prática de desporto ou de educação física, efectuados por organismos sem fins lucrativos a pessoas que pratiquem desporto ou educação física»”; g) “a principal característica dos organismos sem finalidade lucrativa deverá ser, como o nome indica, a não prossecução do lucro: podendo desenvolver actividades lucrativas, destinando os lucros aos seus fins sociais, mas não poderão estar em concorrência directa com empresas comerciais [alíneas c) e d) do Art.º 10.º do CIVA]. No caso vertente, não se verificam todas as condições elencadas no Art.º 10.º do CIVA, nomeadamente as previstas nas alineas c) e d), concluindo-se que o Requerente não pode ser considerado, para efeitos de isenção, um organismo sem fins lucrativos e, assim sendo, que não pode beneficiar da isenção prevista na alinea 8) do Art.º 9.º do CIVA”; h) “a argumentação do Requerente no sentido de que se distingue das empresas comerciais, na medida em que se dedica quase em exclusivo à preparação de atletas para competição não encontra correspondência nos seus Estatutos nem na informação que divulga no seu site, não tendo igualmente demonstrado que os destinatários dos serviços prestados auferissem dos mesmos em condições económicas mais vantajosas”; i) “as condições e os preços de acesso pelos utilizadores (sócios ou não sócios do clube), às actividades desenvolvidas nas piscinas/ natação entra em concorrência directa com os sujeitos passivos de imposto, na medida em que o acesso às piscinas não se encontra vedado a atletas federados, nem se restringe aos sócios, sendo os serviços prestados em tudo similares aos prestados por outros sujeitos passivos de IVA (C…; B…, D… entre outros). Com efeito, quer nos ginásios citados quer na Requerente, é possível frequentá-los unicamente na valência de natação, não fazendo qualquer sentido que, face à prestação do mesmo serviço, um cidadão do concelho de … fosse discriminado positivamente, não pagando IVA pela utilização da piscina explorada pela Requerente. Donde as correcções operadas pela Requerida estão corretas e conformes à lei”; j) “alega a Requerente que [...] a fundamentação é totalmente omissa, insuficiente e conclusiva, constituindo um vício de fundamentação que determina a anulação das liquidações em causa. [...]. Todavia, não lhe assiste razão”; l) “a jurisprudência do STA tem uniformemente vindo a entender que a fundamentação do acto é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do acto a decidir daquela maneira e não outra”; m) “não se compreende que a Requerente possa considerar que ocorreu falta de fundamentação, pois o que se denota no seu pedido arbitral, não é incompreensão dos fundamentos, mas sim desacordo com estes”; n) “por outro lado, a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação – hipótese que só em teoria e sem conceder se admite –, cabia à Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37.º do CPPT [...]. Não tendo a Requerente usado daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que os actos sub judice continham, e contêm, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que padecia ficou sanado”; o) “não é possível afirmar que determinado ato se encontra infundamentado quando, no caso concreto, a motivação contextual permitiu ao seu destinatário ficar a saber as razões de facto e de direito que levaram a Requerida a tomar a decisão em causa, com aquele sentido e conteúdo. [...]. No caso vertente, a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que a Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral e em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, demonstra ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, já que tenta rebater, ponto por ponto, toda a sua actuação.”
2.4. Conclui a AT que “deve ser julgado o presente pedido de pronúncia arbitral improcedente, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados.”
III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação
3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:
i) A Câmara Municipal de … tem a propriedade e gestão do complexo de piscinas de …– composta por duas piscinas cobertas, ambas de 25 metros de comprimento, uma de competição (8 pistas e mais funda) e outra de formação (5 pistas e “com pé”, entre 1 metro e 1,5 metros).
ii) Segundo informação da ora Requerente (não contestada pela Requerida), a Câmara Municipal de … explora directamente as referidas piscinas; fora do horário escolar, cede as instalações à ora Requerente para que esta, na prossecução das suas finalidades estatutárias e de interesse público, assegure a formação de alunos, tendo em vista, prioritariamente, a competição em provas e campeonatos federados; fora do horário escolar e também fora do “horário nobre” (o “fim de tarde aos dias de semana, das 17h às 21h”), a Requerente efectua, acessoriamente, outras valências de natação que estão essencialmente orientadas para fidelizar os familiares dos atletas que estão ao serviço da Requerente (ou, no caso das aulas para bebés, para facilitar a entrada na formação a partir dos 4 anos). Também segundo informação da ora Requerente (não contestada pela Requerida), “em 26 anos da natação do A…, o Clube formou 128 atletas internacionais, com 302 internacionalizações, e 3 atletas tiveram presença nos Jogos Olímpicos (E…, em Barcelona 1992 e Atlanta 1996; F… em Sidney 2000 e G…, no Rio 2016).”
iii) A Requerente é uma associação desportiva, com utilidade pública, que promove a prática do desporto de formação e de competição nas mais variadas modalidades (entre elas, a natação), na zona de … .
iv) A Requerente, na sequência de inspecção tributária, foi alvo de duas liquidações de IVA e juros compensatórios, no montante global ora impugnado de 24.833,88€: i) Liquidação 2015…, relativa ao IVA do 3.º trimestre de 2012, no valor de €11.063,80; ii) Liquidação 2015…, relativa a juros compensatórios do 3.º trimestre de 2012, no valor de €1227,02; iii) Liquidação 2015…, relativa ao IVA do 4.º trimestre de 2012, no valor de €11.394,27; e iv) Liquidação 2015…, relativa a juros compensatórios do 4.º trimestre de 2012, no valor de €1148,79.
v) Inconformada, a Requerente deduziu, em 24/3/2016, reclamação graciosa, a qual foi objecto de indeferimento expresso. Deduziu também recurso hierárquico, o qual foi indeferido de forma expressa (vd. Doc. 1 apenso aos autos).
vi) Na fundamentação das suas decisões (vd. RIT e fundamentação das decisões sobre a reclamação graciosa e sobre o recurso hierárquico), a AT escusou-se a indicar à Requerente as razões pelas quais considerou não se encontrar reunida a condição de isenção de IVA prevista na al. d) do art. 10.º do CIVA (nem explica por que é que considera que a actividade exercida pela Requerente deve ser tida como igual à dos alegados concorrentes nomeados). Com efeito, como pode ler-se no Doc. 1, apenso aos autos: “a IT apurou, como referido, que não se encontrava reunida condição de isenção de IVA prevista no artigo 10.º do Código do IVA, alínea d), sendo que esta exclusão de isenção não implica que a IT prove que ocorre distorção de concorrência [...]. De facto, as condições do artigo 10.º do CIVA são claras e nelas não se inclui que tenha de se avaliar ou provar que ocorre uma distorção de concorrência. Apesar do acima referido, tal como regem as regras da experiência comum, se um sujeito passivo está em concorrência direta com outros e um (a reclamante) tem isenção de IVA nos serviços que presta e os outros não a têm, então, lógica e inevitavelmente, existia uma distorção de concorrência caso se permitisse a isenção de IVA à ora reclamante.” (Itálico nosso.)
vii) Pela leitura dos autos (nomeadamente pela leitura do Doc. 1), verifica-se que não foi produzida uma demonstração técnica e satisfatoriamente minuciosa das razões apontadas para as correcções em causa. Com efeito, no mencionado Doc. 1 pode verificar-se: a) que se invoca a existência de uma “concorrência directa” sem, contudo, se explicar em que termos é que se considera que a mesma ocorre (não bastando, aí, a comparação de preços – que se pode ler no Doc. 1 – uma vez que esta só poderia relevar após a demonstração, fundamentada, de que as diversas entidades em causa “disputavam” um mesmo mercado); b) que se afirma que os serviços prestados “são, em tudo, similares” aos dos alegados concorrentes mas sem que tenham sido dadas razões detalhadas para alicerçar um juízo de similitude a ponto de permitir concluir que são “concorrentes directos” (i.e., análise ao nível dos critérios para a equiparação entre serviços prestados, ao nível da natureza das várias entidades prestadoras dos serviços, ou ao nível dos horários de funcionamento e objectivos das respectivas aulas, ou, ainda, sobre os requisitos usados para admissão de utilizadores); c) que se fala numa comprovada “existência de reais e potenciais riscos de que a situação de isenção da ora Recorrente provocava distorções de concorrência” sem que, contudo, provas cabais desta afirmação sejam elencadas e apresentadas à Requerente.
viii) Em 24/5/2017, a ora Requerente deduziu o presente pedido de pronúncia arbitral.
3.2. Consideram-se não provados os seguintes factos: não se provou que a Requerente tivesse procedido ao pagamento das quantias constantes das liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios ora em causa (i.e., a Requerente não apresentou prova de que tivessem ocorrido pagamentos por qualquer forma, nem também alegou quando e como ocorreram).
3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos presentes autos.
IV – Do Direito
No presente caso, as questões essenciais que se colocam são as de saber: 1) se, como invoca a ora requerente, as liquidações em causa são ilegais por falta de fundamentação; 2) se, como também alega a ora requerente, as liquidações em causa são ilegais porque a requerente não entra nem entrou “em concorrência directa com sujeitos passivos do imposto” (vd. alínea d) do art. 10.º do CIVA); e 3) se são devidos os juros peticionados pela ora requerente.
Vejamos, então.
1) Relativamente à primeira questão, cabe, desde logo, averiguar se os elementos que suportam as liquidações ora em causa são suficientes para se poder afirmar que os deveres de fundamentação dos actos estão devidamente preenchidos.
Genericamente, e como se nota no seguinte Acórdão, “se a fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado [...]. Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. [...]. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final.” (Acórdão do TCASul de 4/12/2012, proc. 6134/12).
Ora, a esta luz, constata-se que existe, neste caso, insuficiência da fundamentação, o que conduz, portanto, à conclusão de que os actos em causa devem ser considerados como não fundamentados. Neste mesmo sentido, ver, por exemplo, em casos similares, as seguintes decisões arbitrais: “De harmonia com o disposto no artigo 153.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, «equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto». A fundamentação do acto administrativo através de juízo conclusivo, de uma expressão vaga e meramente conclusiva, não é verdadeira fundamentação, pois não esclarece concretamente a sua motivação, como vem sendo jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo. No caso em apreço, a Requerente defende que: - quer quanto às piscinas, quer quanto à pista de atletismo, quer quanto aos demais pavilhões desportivos, a Administração Tributária, no seu relatório, não fundamenta nem explica por que motivo os serviços pelos outros operadores de mercado entram em concorrência com os serviços prestados pela requerente; - quer porque não indica que concretos serviços são prestados em concorrência; - em que condições físicas semelhantes tais serviços são prestados; [...]. É manifesto que a Requerente tem razão quanto a insuficiência do Relatório da Inspecção Tributária, em que assentam as liquidações de IVA impugnadas, quanto aos pontos que refere, sobre esta matéria da possibilidade de distorção da concorrência, que é essencial para sustentar as liquidações. [...]. [...] a Autoridade Tributária e Aduaneira não esclarece quais as características dos serviços prestados por cada uma das entidades que entendeu serem concorrentes nem quais os preços dos serviços prestados, nem porque é que entendeu que havia possibilidade de a isenção praticada pela Requerente poder provocar distorção da concorrência. Para se poder concluir pela existência de distorção da concorrência seria necessário conhecer os concretos serviços prestados e preços praticados pelas entidades que a Autoridade Tributária e Aduaneira considera concorrentes, pois poderão tratar-se de serviços distintos com preços distintos, destinados a tipos de público diferentes.” (Dec. Arb. de 9/2/2017, proferida no proc. 274/2016-T); “No caso sub juditio não se revela [a] distorsão de concorrência porquanto não está demonstrado, por um lado, a existência concreta de entidades com oferta de serviços equiparáveis aos prestados pela Requerente e, por outro, quais os preços praticados pelas entidades (e identificação das mesmas) que alegadamente disponibilizam os equipamentos adequados e idênticos aos da Requerente e quais as concretas condições de utilização e características das piscinas” (Dec. Arb. de 27/4/2016, proferida no proc. 209/2015-T).
Concordando-se com a argumentação acima citada, conclui-se, também nestes autos, e em linha com o que consta nos pontos vi) e vii) da factualidade provada (e que aqui se dão por reproduzidos), que ocorre vício de fundamentação nas liquidações ora impugnadas, razão pela qual se considera que as mesmas são ilegais.
Contudo, alega, ainda, a AT que, “a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação – hipótese que só em teoria e sem conceder se admite –, cabia ao Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37.º do CPPT. [...]. Ora, não tendo o Requerente usado daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que o ato sub judice continha, e contém, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que padecia ficou sanado.”
Note-se, no entanto, que a não solicitação da referida certidão não obsta à invocação do vício de falta de fundamentação. Como bem assinala o Acórdão do TCASul de 12/11/2002 (proc. 7002/02), “a possibilidade concedida pelo art. 22.º do CPT visa, exclusivamente, obter a sanação da deficiência da notificação, com diferimento do início do prazo para uso dos meios graciosos ou contenciosos de impugnação, não constituindo condição para o acesso a esses meios. Assim, nunca a falta de uso daquela faculdade terá como consequência a impossibilidade de invocar o vício de forma por falta de fundamentação como causa de pedir da impugnação judicial deduzida contra o acto cuja fundamentação não tenha sido comunicada ao contribuinte. [...]. Na verdade, no CPT, em vigor à data, como actualmente no Código de Procedimento e Processo Tributário, não conhecemos disposição legal que imponha condição alguma para a reclamação ou para a impugnação judicial deduzidas com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação. Assim, o facto de a Recorrida não ter usado da faculdade prevista no art. 22.º do CPT, contrariamente ao que sustenta a Recorrente, não a impede de impugnar a liquidação do acto tributário em causa com fundamento em falta de fundamentação.”
No mesmo sentido, ver, por ex., o seguinte Aresto: “Não pode extrair-se do não uso da faculdade prevista no n.º 1 do artigo 37.º do CPPT quaisquer consequências quanto à validade ou invalidade do acto notificado, pois o art. 37.º só tem a ver com a notificação dos actos, destinando-se a estabelecer as consequências das deficiências das notificações e não o regime dos vícios dos actos notificados, daí que no âmbito do art. 37.º a Administração apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do acto notificado.” (Acórdão do STA de 22/11/2012, proc. 736/12).
Improcede, pelo exposto, o argumento respeitante à alegada sanação “automática” do vício invocado pela Requerente. E o mesmo se diga quanto ao argumento seguinte, também invocado pela Requerida, de acordo com o qual: “não é possível afirmar que determinado ato se encontra infundamentado quando, no caso concreto, a motivação contextual permitiu ao seu destinatário ficar a saber as razões de facto e de direito que levaram a Requerida a tomar a decisão em causa, com aquele sentido e conteúdo. [...]. No caso vertente, a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que a Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral e em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, demonstra ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, já que tenta rebater, ponto por ponto, toda a sua actuação.”
Este argumento, tal como é apresentado, improcede e, a admitir-se, podia até conduzir, em tese, à inadmissibilidade da invocação (ou à irrelevância da consideração) do vício de falta de fundamentação dos actos caso o sujeito passivo recorresse aos Tribunais (fossem arbitrais ou judiciais). O facto de a Requerente ter apresentado um pedido de pronúncia não demonstra, por si, que os actos em causa estavam devidamente fundamentados.
Com efeito, como se salienta, a este respeito, no seguinte Acórdão: “[A] obrigação [de fundamentação dos actos] não tem por objectivo único a «protecção por essa via dos direitos e interesses dos administrados mas inclui, em primeira linha, a garantia de um procedimento decisório correcto» - José Carlos Vieira de Andrade, O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, pág. 43. Não se visa, pois, e apenas, que o particular fique ciente das razões por que a Administração decidiu de uma e não de outra maneira; quer-se, também, impor à Administração, por esta via, uma necessária reflexão e ponderação explícitas das razões e argumentos em confronto, que a fundamentação do acto deve patentear, assim tornando transparente a actividade administrativa. Daí que não baste dizer, em demonstração do cumprimento do dever de fundamentar, que o administrado reagiu contra o acto administrativo, revelando, com essa reacção, ter atingido o alcance e razões do acto. Por um lado, não é seguro que o administrado não tenha apenas «adivinhado» os fundamentos ocultos do acto administrativo, que dele mesmo, acto, devem transparecer. Por outro lado, o legislador quis que a administração não decidisse imponderadamente, obrigando-a a plasmar na fundamentação as razões da sua opção, de tal modo que a própria administração se aperceba, ao fundamentar, do bem ou mal fundado da sua escolha, a tempo de emendar a mão, se disso for caso, e que o acto se apresente transparente. Isto para concluir que não é decisivo o argumento, aliás, frequente, de acordo com o qual só o facto de o acto ter sido contenciosamente recorrido, com a decorrente imputação de vícios, já demonstra que ele estava devidamente fundamentado.” (Acórdão do TCASul de 28/2/2012, proc. 4893/11). (Itálicos nossos).
2) Mostrando-se procedente o entendimento da Requerente quanto à questão anterior, torna-se desnecessário verificar aqui da procedência de demais vícios imputados aos actos ora impugnados.
A este respeito, ver, por ex., os seguintes arestos: “Há omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio. Por força do disposto no n.º 2 do art. 124.º do CPPT deve conhecer-se, em primeiro lugar, dos vícios de violação de lei stricto sensu (salvo nos casos em que não possa apreender-se o conteúdo do acto, nomeadamente no caso de falta de fundamentação), assim se assegurando uma tutela mais eficaz dos direitos do contribuinte.” (Acórdão do STA de 7/9/2011, proc. 23/11); “o juiz [...] [tem] o dever que lhe é imposto – cf. art. 660.º, n.º 2 daquele primeiro diploma legal [CPC] – de resolver todas as questões que tenham sido submetidas à sua apreciação, exceptuadas apenas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” (Acórdão do STA de 22/3/2006, proc. 916/04).
3) À luz do que dispõe o n.º 5 do art. 24.º do RJAT – “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” –, tem-se entendido que esta norma permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais. Justifica-se, assim, a análise do presente pedido.
No entanto, e como resulta da análise feita da factualidade destes autos, não se provou que a Requerente tivesse procedido ao pagamento das quantias constantes das liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios em causa. Com efeito, a Requerente não apresentou, nestes autos, prova de que tivessem ocorrido pagamentos por qualquer forma, nem também alegou quando e como ocorreram.
Assim, não se provando que ocorreram pagamentos por qualquer forma, improcede o pedido da ora Requerente “em matéria de juros”, visto que, dependendo estes da ocorrência de pagamento de imposto indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT), a falta de comprovação desse pagamento implica, liminarmente, a improcedência de tal pedido.
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V – DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se:
– Declarar a ilegalidade das liquidações de IVA impugnadas (2015 … e 2015 …), bem como das liquidações de juros compensatórios impugnadas (2015 … e 2015 …), determinando a sua anulação.
– Julgar improcedente o pedido na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.
Fixa-se o valor do processo em €24.833,88 (vinte e quatro mil oitocentos e trinta e três euros e oitenta e oito cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas a cargo da requerida, no montante de €1530,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 10 de Novembro de 2017.
O Árbitro,
(Miguel Patrício)
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Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.