DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
Em 9 de abril de 2017, A…, com o NIF…, representada fiscalmente por B…, com o NIF … e com domicílio fiscal na Rua …, …–…, …-…, em Lisboa (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e 102.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS) referentes ao ano de 2013 e ao prédio inscrito, à data das mesmas liquidações, na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de …, distrito de Lisboa, sob o artigo …, no valor global de € 10 323,20 (dez mil, trezentos e vinte e três euros e vinte cêntimos), valor económico que atribui ao pedido.
Mais pede a Requerente a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações impugnadas, que lhe foi notificado em 9 de janeiro de 2017, bem como a condenação da Requerida na restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios.
Síntese da posição das Partes
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Da Requerente:
A fundamentar o pedido de anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) referentes ao ano de 2013 e ao prédio identificado no pedido de pronúncia arbitral, invoca a Requerente os seguintes argumentos de facto e de direito:
O prédio urbano a que respeitam as liquidações de Imposto do Selo impugnadas encontrava-se, no ano de 2013, em propriedade total ou vertical, sendo composto por 15 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, todas destinadas a habitação, cujo valor patrimonial tributário agregado era de € 1 032 320,00.
Sobre o Valor Patrimonial Tributário (VPT) de cada um dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, destinados a habitação, a Autoridade Tributária liquidou o Imposto do Selo da Verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), à taxa de 1%, por entender que o critério utilizado pela norma de incidência é o de considerar o VPT global do prédio, desde que superior a € 1 000 000,00.
Pelo contrário, é entendimento da Requerente que o VPT a ter em conta para efeito de incidência do Imposto do Selo da Verba 28.1, da TGIS, é o VPT isoladamente atribuído a cada um dos andares ou divisões de utilização independente, dada a remissão do n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo (CIS) para as disposições do Código do IMI, no qual se não prevê qualquer VPT global para os prédios em propriedade total, cujas divisões de utilização independente se destinem exclusivamente a habitação.
Conclui a Requerente que o critério utilizado pela AT é ilegal e mesmo inconstitucional, pois esta não pode considerar como valor de referência para a incidência de Imposto do Selo, da Verba 28.1, da TGIS, um critério diverso do que é utilizado em sede de IMI.
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Da Requerida:
Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta e fez juntar o processo administrativo (PA), defendendo a legalidade e a manutenção dos atos de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:
À data das liquidações objeto dos autos, a Requerente era proprietária do prédio urbano identificado na petição inicial, em regime de propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e com um VPT superior a € 1 000 000,00.
As liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013 foram emitidas em cumprimento da verba n.º 28.1 da TGIS, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, cuja norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do CIMI, com VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, de afetação habitacional.
O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2.º, n.º 1, do Código do IMI, estatuindo o seu n.º 4 que, no regime de propriedade horizontal, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio, donde decorre que um prédio em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, por vários prédios.
O artigo 12.º, n.º 3, do CIMI, respeita, exclusivamente, à forma de registar os dados matriciais e, quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o valor que serve de base ao seu cálculo, será o inscrito na caderneta predial como “valor patrimonial total”, embora o documento de cobrança seja enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes suscetíveis de utilização independente e respetivo valor patrimonial tributário (artigo 119.º, n.º 1, do CIMI).
A tese defendida pela Requerente carece de sustentação legal, pois nas situações previstas na verba nº 28.1, da TGIS, o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações, como é o caso dos prédios em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente em que, apesar de o IMI ser liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente, para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade, pois que as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio.
Assim, resulta do facto do IS Verba 28.1 incidir sobre a propriedade de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00, que o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, claramente, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o compõem, ainda quando suscetíveis de utilização independente.
O facto de a Requerente discordar da interpretação dada pela AT à norma da Verba 28.1., da TGIS, não implica a violação de qualquer princípio de direito fiscal ou constitucional, antes sendo o que melhor se coaduna com o princípio da legalidade ínsito no artigo 8.º, da Lei Geral Tributária.
Termina a AT por requerer a dispensa de realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, e da inquirição da testemunha arrolada pela Requerente, por se encontrarem fixados os factos sobre os quais é requerida a decisão e estar em causa matéria exclusivamente de direito.
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Tendo a Requerente prescindido da produção de prova testemunhal, bem como da realização da reunião do tribunal arbitral, foram as Partes convidadas a produzir alegações escritas sucessivas, por dez dias, e designada a data de 20 de novembro de 2017 para prolação da decisão arbitral, advertindo-se a Requerente de que, até àquela data, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.
Nas suas Alegações escritas, vieram as Partes reiterar as posições assumidas mas peças processuais iniciais.
II. SANEAMENTO
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O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 27 de junho de 2017, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
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O processo não padece de vícios que o invalidem.
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A cumulação de pedidos é admissível, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, na medida em que os pedidos e a respetiva procedência dependem da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, no caso concreto, a verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo.
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Não foram invocas exceções que cumpra apreciar.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1 MATÉRIA DE FACTO
Factos provados:
A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, motivada pelo exame crítico da prova documental anexa à P. I. e do processo administrativo (PA), fixa-se como segue:
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À data da produção do facto tributário (31 de dezembro de 2013), a Requerente era proprietária do prédio urbano então inscrito sob o artigo … da freguesia e concelho de …, distrito de Lisboa, com o Valor Patrimonial Tributário (VPT) global de € 1 032 320,00, correspondente ao atual artigo … da mesma freguesia, após constituição em propriedade horizontal, em 17 de fevereiro de 2014 (cfr. certidão do registo predial – Doc. 2, junto à P. I.);
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O referido prédio, que em 31de dezembro de 2013 de encontrava no regime de propriedade total, era composto por 15 andares ou divisões de utilização independente, todas destinadas a habitação;
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Nenhum dos andares ou divisões de utilização independente tinha um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1 000 000,00 (cfr. cópias das notas de cobrança juntas à P. I.);
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A Requerente foi notificada pela AT da emissão das liquidações de Imposto do Selo da verba 28.1, da TGIS, à taxa de 1%, sobre o valor patrimonial tributário de cada um dos andares ou divisões de utilização independente, constando de cada documento de cobrança o “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto: 1 032 320,00” (cfr. cópias das notas de cobrança juntas à P. I.);
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A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações identificadas nos autos, em 2 de abril de 2014, no valor de € 3514,90, em 17 de julho de 2014, no valor de € 3 514,75 e em 20 de novembro de 2014, no valor de € 3 293,55, pela quantia total de € 10 323,20;
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Em 19 de agosto de 2016, foi apresentado, no Serviço de Finanças de Lisboa …, um pedido de revisão dos atos tributários ora impugnados, reencaminhado para o Serviço de Finanças de …, onde deu entrada em 30 de agosto de 2016, e aí registado sob o n.º…;
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A decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, conforme o despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de …, de 22 de dezembro de 2016, foi notificada à Requerente, na pessoa do seu Ilustre Mandatário, através do ofício n.º…, daquele Serviço de Finanças, rececionado em 9 de janeiro de 2017 (Registo dos CTT n.º RD…PT).
Factos não provados:
Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.
III.2 DO DIREITO
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A questão decidenda
A principal questão trazida aos autos pela Requerente é a de saber se a sujeição a Imposto do Selo, nos termos da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, é determinada pelo Valor Patrimonial Tributário (VPT) que corresponde a cada uma das partes do prédio, economicamente independentes e com afetação habitacional, como defende, ou se é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório de todos os VPT dos andares ou divisões de utilização independente e com afetação habitacional que o compõem, conforme a interpretação dada pela AT à referida norma.
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Do mérito das liquidações Imposto do Selo do ano de 2013
A verba 28.1, da TGIS, na sua redação inicial, dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, aplicável às liquidações impugnadas, estabelece a sujeição a Imposto do Selo da “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %”
Os conceitos de prédio urbano e de prédio urbano habitacional encontram-se definidos no CIMI, de aplicação subsidiária às matérias relativas à verba 28, da TGIS, por força da remissão efetuada pelo n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo, na redação introduzida pela mesma Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro.
Prédio é, na definição do artigo 2.º, do CIMI, “toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (n.º 1) e, ainda, as frações autónomas dos prédios constituídos sob o regime de propriedade horizontal (n.º 4).
Os prédios podem ser rústicos, urbanos ou mistos, sendo os prédios urbanos definidos, de modo residual, pelo artigo 4.º, do CIMI, como sendo todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do que se dispõe quanto aos prédios mistos.
Existem, no entanto, diversas espécies de prédios urbanos, cuja classificação é estabelecida pelo n.º 1 do artigo 6.º, do CIMI, como a) habitacionais, b) comerciais, industriais ou para serviços, c) terrenos para construção e, d) outros, delimitando os n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo artigo, o que deve entender-se por cada uma daquelas designações.
Prédios habitacionais ou de “afetação habitacional” são, pois, os edifícios ou construções licenciados para habitação ou que, na falta de licença, tenham como destino normal a habitação (fins habitacionais).
Ora, o prédio de que a Requerente é proprietária, era, à data das liquidações impugnadas, um prédio urbano não constituído sob o regime de propriedade horizontal, que integrava andares ou divisões de utilização independente, todos destinados a habitação.
No que respeita à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios com partes enquadráveis em mais do que de uma das classificações do n.º 1 do artigo 6.º, do CIMI, rege o artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do mesmo Código, em que se determina que “Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.”.
E é esta a única norma do Código do IMI em que se faz referência ao “valor [global] do prédio”, sem que, contudo, este tenha qualquer relevância ao nível da liquidação do imposto, pois que cada andar ou parte suscetível de utilização independente “é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário” (artigo 12.º, n.º 3, do CIMI), tendo a AT emitido liquidações individualizadas para cada andar ou divisão de utilização independente e não uma única liquidação sobre o “valor global” de cada prédio.
Todavia, no que respeita ao prédio da Requerente, constituído exclusivamente por partes ou divisões independentes com afetação habitacional, não existe qualquer VPT global, por não lhe ser aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 7.º, do CIMI, de aplicação apenas aos prédios urbanos “com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior”.
O que se julga resultar da ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/2012 de 29 de outubro, é que o legislador tenha querido tributar a propriedade, usufruto e direito de superfície de unidades habitacionais de VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, enquanto índice de elevada capacidade contributiva.
Ora, como decorre da factualidade provada, nenhum dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e de afetação habitacional (unidade habitacional) do prédio urbano de que a Requerente é proprietária tinha um VPT igual ou superior ao que vem definido na norma de incidência.
De resto, tem sido jurisprudência constante, quer dos tribunais arbitrais tributários, quer do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito da redação inicial da verba 28.1, da TGIS, à qual se adere, a de que, “I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.
II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.” – Cfr. o sumário do recente Acórdão do STA, de 18/10/2017, Processo n.º 0826/17, disponível em http://www.dgsi.pt, em cuja parte decisória se dispõe que “Se fosse intenção do legislador tributar os imóveis que tendo um único artigo matricial, constituídos por partes susceptíveis de utilização independente as quais têm atribuídos diversos valores patrimoniais tributários, e pretendesse que para efeitos de tributação em sede de imposto de selo, neste caso, se atendesse à soma desses diversos valores patrimoniais tributários, não teria acrescentado a parte final do preceito: sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, pois, para efeitos de liquidação e arrecadação de IMI tais partes com utilização independente são tidas como independentes e, a circunstância de estarem de facto reunidas no mesmo imóvel nenhuma diferença introduz na sua determinação, não havendo um IMI total, a liquidar por correspondência à soma dos diversos VPT a que respeite o mesmo artigo matricial, como decorre do art. 12.º do n.º 3 do Código do IMI”.
Pelos motivos expostos, tendo-se por verificado o vício de violação de lei, por erro na aplicação do direito, decorrente da errónea interpretação dada pela AT à norma de incidência da verba n.º 28.1, da TGIS, forçoso é concluir-se pela ilegalidade das liquidações impugnadas, que não poderão manter-se na ordem jurídica.
A mesma sorte terá o ato de segundo grau, consubstanciado pelo indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações ora impugnadas, enquanto ato subsequente aos atos tributários anulados, que constituem o verdadeiro objeto do processo arbitral tributário.
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Do pedido de juros indemnizatórios
Determina a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que incluiu “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.
De igual modo, o artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previsto na lei.”.
Por seu turno, dispõe o n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
Nas situações enquadráveis na previsão do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, o termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios a favor do contribuinte é, nos termos do n.º 5 do artigo 61.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), “a data do pagamento indevido do imposto”.
Porém, a amplitude do direito a juros indemnizatórios, em caso de pedido de revisão oficiosa do ato tributário, não é tão abrangente como a que decorre do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, antes se reconduzindo à previsão do n.º 3, alínea c), do mesmo artigo, sendo devidos “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.
A justificação para a distinção quanto ao termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios devidos ao contribuinte num caso e no outro, decorre do facto de, nas situações em que a ilegalidade do ato tributário, por erro imputável aos serviços, é invocada em pedido de revisão, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, ainda que posteriormente seja deduzida impugnação judicial, tal como acontece no caso dos presentes autos, ter decorrido “(…) um extenso período em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não desenvolveu, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte, suscita a questão da ilegalidade do ato de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão”, por isso, “O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.
Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus atos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir.” – cfr. o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 28 de janeiro de 2015 (Processo n.º 0722/14, disponível em http://www.dgsi.pt).
Assim, embora considerando que as liquidações impugnadas nos autos padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, imputável à Requerida, o que justifica a sua anulação, apenas se reconhece à Requerente o direito a juros indemnizatórios sobre as quantias pagas, a partir do decurso do prazo de um ano a contar da data do pedido da sua revisão oficiosa, apresentada em 16 de agosto de 2016.
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Questões de conhecimento prejudicado
Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Em face da solução dada às questões relativas à determinação do VPT relevante para aplicação da norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS, e ao pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelas Partes, nomeadamente as da inconstitucionalidade da referida norma, por a mesma não ser passível da interpretação que, no caso, foi feita pela AT.
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DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:
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Declarar a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) do ano de 2013, impugnadas nos autos, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação;
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Condenar a AT à restituição das quantias indevidamente pagas pela Requerente a título de Imposto do Selo de 2013, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 10 323,20 (dez mil, trezentos e vinte e três euros e vinte cêntimos).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 20 de novembro de 2017.
O Árbitro,
/Mariana Vargas/
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.