Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 190/2017-T
Data da decisão: 2017-10-28  IMT  
Valor do pedido: € 55.175,52
Tema: IMT – Isenção - Empreendimentos qualificados de utilidade turística - Nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro.
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Decisão Arbitral

 

PARTES

 

Requerentes

1º - A…, NF…; 2.ª -B…, NF…; 3.º - C…, NF…; 4.ª – D…, NF …; 5.º - E…, NF…; 6.ª – F… NF… .

Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

I - RELATÓRIO

 

  1. Em 21 de Março de 2017, A…, NF…; B…, NF…; C…, NF…; D…, NF…; E…, NF … e F…, NF…, apresentaram um pedido de constituição do tribunal arbitral singular (TAS), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

O PEDIDO

 

  1. Os Requerentes, em coligação, impugnam os seguintes os actos tributários de liquidação de IMT:

Sujeito passivo

Ofício de notificação do SF de …

Documento de liquidação

Montante liquidado

A…, NF …

Nº … de 25.11.2016

de 08.06.2017

9 664,20 euros

B…, NF …

Nº…

de 17.11.2016

de 08.06.2017

9 664,20 euros

C…, NF …

Nº … de 30.11.2016

de 08.06.2017

8 259,36 euros

D…, NF …

Nº … de 30.11.2016

de 08.06.2017

8 259,36 euros

E…, NF …

Nº … de 30.11.2016

de 08.06.2017

9 664,20 euros

F…, NF …

Nº … de 30.11.2016

de 08.06.2017

9 664,20 euros

 totalizando 55 175,52 euros.

  1. Terminam o pedido de pronúncia referindo que “deve ser declarada a ilegalidade das ordens de pagamento constantes dos ofícios n.ºs…, …, …, …, … e …, proferidos pelo Chefe do Serviço de Finanças de …”.

 

A CAUSA DE PEDIR

 

  1. Em Dezembro de 2008, os Requerentes adquiriram no Aldeamento Turístico designado por “…”, sito na freguesia do …, concelho de …, distrito de Leiria, fracções autónomas de imóvel em propriedade horizontal, correspondendo a um empreendimento turístico, em propriedade plural. Nas escrituras de aquisição foi reconhecida a isenção de IMT, pelo respectivo Notário, nos termos nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro.
  2.  Foram alvo de acções inspectivas, concluindo-se nos respectivos relatórios “... considera-se que a isenção de IMT, foi indevidamente reconhecida, uma vez que a aquisição da fracção em causa não se destinou à instalação do referido empreendimento, tratando-se antes de uma transmissão que, na mais abrangente das interpretações, terá que ver somente com a exploração”. “Releva-se que a aquisição desta fracção constitui, para o Sujeito Passivo do imposto (IMT), um investimento imobiliário e, ainda que esteja assegurada a exploração turística da fracção adquirida, a transmissão deste imóvel afasta-se do princípio orientador de atribuição deste benefício fiscal – contribuir para o desenvolvimento do sector, em particular no que respeita ao equipamento hoteleiro e similar, através do estímulo ao investimento na instalação de empreendimentos turísticos pelos promotores. Essa será a razão de ser e finalidade das isenções consagradas no art.º 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, conforme salientado no preâmbulo do diploma legal, bem como na jurisprudência já citada”. E acrescenta-se “... o reconhecimento indevido desta isenção originou a falta de liquidação de IMT, que deve ser liquidado de acordo com as regras dispostas nos artigos 12.º e 17.º, n.º 1, alínea d) do Código do IMT. Nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IMT, o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial do imóvel, consoante o que for maior”.
  3. Em dissonância com este entendimento e com as liquidações acima indicadas, os Requerentes pugnam no sentido de que é de considerar que a operação de reconhecimento da isenção prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, realizada pelo Notário e registada na escritura, se enquadra no procedimento de liquidação, tendo sido aferido se existia imposto a pagar, sem o qual não se realizaria a escritura.
  4. Pela razão de que “... na lei actual, os serviços de finanças são a entidade competente para reconhecer a isenção, emitindo uma guia a zeros, nos termos do artigo 10.º do CIMT”, “o contribuinte solicita no serviço de finanças o reconhecimento da isenção, sendo então determinado se o imposto é ou não devido e em que quantia”. “Apenas com a guia emitida, a zeros ou com um valor, é possível praticar os actos sujeitos a imposto”. “Essa operação de reconhecimento de isenção e emissão de guia com valor a zeros é a liquidação”.
  5. Concluindo que: “violaria o princípio da igualdade e da legalidade a consideração de que, em 2008, não foi liquidado o imposto e que, em 2013, numa situação idêntica, já se consideraria liquidado por força da emissão de uma guia por parte dos serviços”.
  6. Porque realizaram as escrituras em Dezembro de 2008 com reconhecimento da isenção pelo Notário, deve considerar-se que ocorreu liquidação de IMT, ainda que à taxa zero, pelo que as liquidações agora impugnadas devem considerar-se “adicionais” para os efeitos do nº 1 do artigo 78º da LGT e do nº 3 do artigo 31º do Código do IMT, concluindo-se que ocorreu “caducidade do direito de revisão dos actos tributários e da possibilidade de efectuar a liquidação adicional, nos termos dos artigos 78.º da LGT e 31.º do CIMT”.
  7. Mesmo que se considere que os actos de reconhecimento das isenções não são uma “liquidação”, propugnam no sentido de que se trata de um acto tributário que apenas pode ser revisto no prazo de 4 anos, nos termos do artigo 78º da LGT, ou um acto administrativo constitutivo de direitos cujos condicionalismos aplicáveis à revogação constam do nº 2 do artigo 167º do CPA (novo), concluindo que “... em circunstância alguma o acto praticado pelo Notário poderia ser revogado em 2016”, uma vez que tinha há muito decorrido o prazo dos nºs 1 e 4 do artigo 168º do CPA (novo).

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

  1. O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 30-03-2017.
  2. Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 17.05.2017. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  3. O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 07.06.2017, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
  4. Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 07.06.2017 que aqui se dá por reproduzida.
  5. Logo em 07-06-2017 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 13.07.2017 e juntou o Processo Administrativo (PA).
  6. Não se realizou a reunião de partes nos termos e para os efeitos do artigo 18º do RJAT tendo em conta a posição concordante (de forma implícita) das partes.
  7. Os Requerentes apresentaram alegações escritas em 29.09.2017 pugnando pela posição já assumida no pedido de pronúncia e a Requerida apresentou contra-alegações em 13.10.2017 pugnando pelo ponto de vista expresso na resposta.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

  1. Legitimidade, capacidade e representação – As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 
  2. Princípio do contraditório - Foi notificada a AT nos termos da alínea o) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes.
  3. Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.  Aliás, a AT não colocou em crise a tempestividade de apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DOS REQUERENTES

 

  1. Os Requerentes defendem que os actos impugnados não estão conforme a lei, partindo da comparação entre o regime de funcionamento dos benefícios fiscais automáticos que vigorou até Dezembro de 2008 e o que passou a vigorar após a alteração da redacção da alínea d) do nº 8 do artigo 10º do CIMT, pelo artigo 97º da Lei 64-A/2008, de 31.12, mediante o qual este tipo de isenções passaram a ser de “reconhecimento automático”.
  2. Referem que ocorre violação do princípio da igualdade tributária, comparando a intervenção do Notário (em Dezembro de 2008) com uma emissão de DUC “a zeros” emitida pelo Serviço de Finanças (que passou a vigorar a partir de 01.01.2009) mediante apresentação do Modelo 1 do IMT, para liquidação.
  3.  E que, no regime em vigor até 31.12.2008, a intervenção do Notário correspondia a um processo idêntico à intervenção da AT no regime em vigor a partir de 2009 e por isso deve considerar-se que existiu uma liquidação de IMT,
  4. Sustentam que ocorreram, em Dezembro de 2008, liquidações originárias e que, agora, as que aqui impugnam, só podem ser consideradas “adicionais”, pelo que ocorreu a caducidade do direito à liquidação, uma vez que só poderiam ter sido feitas nos quatro anos posteriores à primeira liquidação nos termos do artigo 31º n.º 3 do CIMT e do artigo 78º da LGT.
  5. Propugnam ainda os Requerentes no sentido de não ser possível aplicar a este caso, o artigo 35.º do CIMT, na parte respeitante à cessação dos efeitos da isenção, pois não foi alegada a falta de verificação de um facto acessório à manutenção da isenção.
  6. E que, caso se entenda que o acto de reconhecimento da isenção pelo Notário na escritura aquisitiva, não constitui uma liquidação IMT, então deverá considerar-se que constitui um acto tributário que apenas pode ser revisto no prazo de 4 anos, nos termos do artigo 78º da LGT, ou um acto administrativo constitutivo de direitos e aplicar-se o regime de revogação dos actos administrativos constantes do CPA.
  7. Entendem que no que respeita à revogação do acto administrativo, não se verifica nenhuma das situações previstas nas alíneas do n.º 2 do artigo 167.º do CPA, pelo que  não seria legalmente admissível e que em qualquer dos casos já estaria ultrapassado o respectivo prazo.
  8. Terminam pedindo nos termos já referidos na alínea c) deste Relatório.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

  1. A Requerida tem outra leitura dos factos e da lei e propugna pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
  2. No que respeita à invocada violação do princípio da igualdade tributária, comparando a intervenção do Notário (em 2008) com uma emissão de DUC “a zeros” emitida pelo Serviço de Finanças (regime que passou a vigorar a partir de 01.01.2009) mediante apresentação do Modelo 1 do IMT, para liquidação, refere, citando parte da decisão arbitral CAAD 648/2014 de 22.05.2017: “Não há, designadamente, qualquer violação do princípio da igualdade. A existência dos regimes de reconhecimento distintos, aplicáveis as situações diferentes, previstas expressamente na lei, não constitui (ao contrário do pretendido pelo Requerente ao citar o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2010, de 14 de Julho de 2010) afronta ao princípio da generalidade, porque nem se traduz em tratamento desigual de situações iguais, nem significa uma discriminação desprovida de racionalidade. Como em nada abala o princípio da igualdade a alteração de procedimento referente ao benefício de reconhecimento automático”.
  3. No que concerne à inexistência de acto originário de liquidação e de acto tributário de reconhecimento do benefício fiscal ou de acto administrativo de reconhecimento, refere: “... no caso em apreço, não existiu qualquer acto de reconhecimento de benefício fiscal, pois, o direito opera pela mera aplicação da lei aos factos, factos esses que o sujeito passivo declara perante a AT através do Modelo 1 de IMT, sendo emitido um documento, a fim o Requerente poder realizar a escritura de transmissão do bem com isenção de IMT” e acrescenta “o documento a que fazem referência: “liquidação a 0,00€” quando é emitido, não constitui uma liquidação no verdadeiro sentido do termo”, “... trata-se de antes de um documento que tem como objectivo fornecer ao contribuinte o documento necessário que lhe permita efectuar o contrato de aquisição (escritura publica ou outro)”. “É emitido com base na Declaração Modelo 1 entregue pelos SP, e não há, portanto, um acto de reconhecimento de isenção, mas sim, um efeito automático do benefício, em função apenas dessa declaração do sujeito passivo”.  E conclui:
  4. Pelo que, não havendo lugar a liquidação no momento da realização da escritura pública, estamos, no caso em apreço ... perante o exercício originário de uma liquidação”, invocando a decisão arbitral CAAD 648/2014-T de 22.05.2017 e o acórdão do STA, processo 0294/11 de 14.09.2011 relativamente ao termo inicial de contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto.
  5. Divergindo dos Requerentes quanto à qualificação das liquidações como adicionais, refere que “... de acordo com o art.º 35.º n.º 1 do CIMT, conjugado com o disposto nos n.ºs 1 e 4 do art.º 45.º da LGT, o prazo para praticar o acto tributário, sob pena de caducidade do respectivo direito é fixado em 8 anos, contados da data em que ocorra o facto tributário”, concluindo que, no caso em análise, a liquidação foi efectuada e notificada validamente, dentro do prazo legal.
  6. Especificamente quanto à aplicação do regime de revogação dos actos administrativos do CPA, expressa o seguinte: “... no caso dos autos, nem foi praticado nenhum acto de isenção - uma vez que estamos perante uma isenção automática - nem existiu nenhum acto de liquidação antes ou no momento da celebração das escrituras públicas de compra e venda”, concluindo que “por essa razão, não se pode defender, que terá existido um acto de concessão da isenção, nem que tenha sido praticado nenhum acto constitutivo de direitos”, invocando em defesa deste ponto de vista as decisões arbitrais CAAD nºs 512/2016-T, 514/2016-T, 518/2016T, 521/2016-T, 522/2016-T e 523/2016-T.
  7. Considera que “... as liquidações de imposto agora em causa, não podem ser consideradas uma revogação de isenção, conforme foi considerado também na decisão de 21/08/2015, no Processo 834/2014-T, tese à qual aderimos, e onde, estando em causa também um benefício automático, se concluiu: «que o procedimento ocorrido posteriormente à efectiva fiscalização dos pressupostos indicados na declaração como fundamento do benefício se configura como liquidação e não acto administrativo revogatório de acto anterior concedente de benefício fiscal.» “ 
  8. Conclui no sentido de ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

Cumpre aqui relembrar que os tribunais arbitrais ficais só podem decidir segundo o “direito constituído”.

 

De acordo com os artigos 123º e 124º do CPPT o TAS apreciará os vícios apontados pelos Requerentes pela seguinte ordem:

  • Em primeiro lugar cumpre apreciar se a verificação, pelo Notário, nas escrituras realizadas em Dezembro de 2008, dos pressupostos da isenção de IMT do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro (e o seu averbamento no título aquisitivo) corresponde a uma liquidação de IMT originária, à semelhança com o que ocorre a partir de Janeiro de 2009 (alterações ao CIMT resultantes do artigo 97º da Lei nº 64-A/2008, de 31.12).
  • Depois apreciar-se-á se as liquidações aqui em causa devem ser classificadas como “adicionais” e se lhes são aplicáveis o regime do nº 3 do artigo 31º do CIMT (prazo de 4 anos de caducidade).
  • Cumprirá de seguida averiguar se a verificação dos pressupostos da isenção pelo Notário (e o seu averbamento no título translativo da propriedade) no tempo e nas condições acima referidas, corresponde a um acto tributário ou a um acto administrativo constitutivo de direitos, com aplicação dos respectivos regimes de revogação do EBF ou do CPA, apreciando-se se ocorre ilegalidade na revogação ou anulação de actos.
  • Por último apreciar-se-á se ocorre violação do princípio da igualdade tributária e da legalidade ou de alguns princípios constitucionais.

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA.

FUNDAMENTAÇÃO

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.

 

Factos provados

 

  1. Em 05 de Dezembro de 2008, A… e B…, casados sob o regime de separação de bens inglês, celebraram uma escritura pública de compra e venda no Cartório Notarial de …, adquirindo pelo preço de € 297 360,00 00, a fracção autónoma designada pela letra “B”, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo …º, denominado por “…–…” (Aldeamento Turístico …), sito na freguesia do …, no concelho de…, distrito de Leiria – conforme artigo 5º do pedido de pronúncia arbitral (ppa); artigo 3º da resposta e documento nº 7 junto com o ppa.
  2. Em 18 de Dezembro de 2008 E…, e F…, casados sob o regime de separação de bens inglês, celebraram uma escritura pública de compra e venda no Cartório Notarial de …,  adquirindo pelo preço de € 297 360,00, a fracção autónoma designada pela letra “L”, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo …º, denominado por “…–…” (Aldeamento Turístico …), sito na freguesia do …, no concelho de …, distrito de Leiria – conforme artigo 5º do pedido de pronúncia arbitral (ppa); artigo 4º da resposta e documento nº 8 junto com o ppa.
  3. Em 29 de Dezembro de 2008 C… e D…, casados sob o regime de separação de bens inglês, celebraram uma escritura pública de compra e venda no Cartório Notarial de …, adquirindo pelo preço de € 245 134,00, a fracção autónoma designada pela letra “W”, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo …º, denominado por “…–…” (Aldeamento Turístico…), sito na freguesia do …, no concelho de …, distrito de Leiria –  conforme artigo 5º do pedido de pronúncia arbitral (ppa); artigo 5º da resposta e documento nº 9 junto com o ppa.
  4. Consta da parte final das escrituras o seguinte: “verifiquei a existência de título constitutivo da composição do "Aldeamento Turístico…” depositado, na Direcção-Geral do Turismo, por exibição de documento comprovativo, por esta emitido” e “arquivo: publicação, no "Diário da República" em 9 de Junho de 2008, do despacho no …/2008 do Secretário de Estado do Turismo, de 30 de Abril de 2008, com atribuição de utilidade turística a título prévio ao "Aldeamento Turístico …", pelo prazo de três anos” e ainda: “esta compra e venda está isenta do pagamento do Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis nos termos do artigo 20º , nº 1, do Decreto-Lei no 423/83 de 05/12 conforme no 6 do artigo 31º, do Decreto-Lei no 287/2003, de 12/11 – artigo 6º e 13º do ppa e documentos nºs 7 a 9 juntos com o ppa.
  5. No ano de 2015 a AT levou a efeito acções inspectivas inseridas no código de actividade 1212210214 (controlo da suspensão da tributação de IMT), com âmbito parcial em sede de IMT, relativamente ao exercício de 2008, tendo em vista a análise da situação tributária dos aqui Requerentes, no que respeita ao benefício de IMT pela aquisição de bens imóveis que beneficiaram da isenção do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), prevista no artigo 20.º do DL 423/83 de 05 de Dezembro – conforme artigo 8º da resposta e teor do PA.
  6. Os relatórios de inspecção foram notificados aos Requerentes, em sede de audição prévia, direito que não exerceram e posteriormente na sua versão final, neles constando, nomeadamente o seguinte: “... ao sujeito passivo não foi reconhecida a qualidade de instalador/promotor de qualquer empreendimento turístico, pelo que a transacção em causa não poderia beneficiar da isenção do IMT, prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, por este se aplicar às aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística. Assim, o reconhecimento indevido desta isenção originou a falta de liquidação de IMT, que deve ser liquidado de acordo com as regras dispostas nos artigos 12.º e 17.º, n.º 1, alínea d) do Código do IMT. Nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IMT, o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial do imóvel, consoante o que for maior” - conforme artigo 9º da resposta e relatórios de inspecção (concretamente a folha 8/10) que constam do PA.
  7. As informações constantes das escrituras referidas em 1, 2 e 3, nomeadamente a relativa à isenção reconhecida e averbada na escritura, foram oportunamente comunicadas à AT pelo Notário, através do Modelo 11 (nº 4 do artigo 49º do CIMT) – conforme relatórios de inspecção (concretamente folhas 5/10) e anexo 5 em
  8. Em 29 de Novembro de 2016 e em 21 de Novembro de 2016, A… e B… foram notificados, respectivamente, para procederem ao pagamento de IMT no valor de € 9.664,20 (nove mil seiscentos e sessenta e quatro euros e vinte cêntimos) cada um e para solicitarem no Serviço de Finanças de … as respectivas guias de pagamento -  conforme artigo 15º do ppa e documentos n.ºs 1 e 2  juntos com o ppa.
  9. Em 5 de Dezembro de 2016, C… e D… foram notificados para procederem ao pagamento de IMT no valor de € 8.259,36 (oito mil duzentos e cinquenta e nove euros e trinta e seis cêntimos) cada um e para solicitarem no Serviço de Finanças de … as respectivas guias de pagamento - conforme artigo 16º do ppa e documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o ppa.
  10. Em 2 de Dezembro de 2016, E…, e F… foram notificados para procederem ao pagamento de IMT no valor de €  9.664,20 (nove mil seiscentos e sessenta e quatro euros e vinte cêntimos) cada um e para solicitarem no Serviço de Finanças de … as respectivas guias de pagamento - conforme artigo 17º do ppa e documentos n.ºs 5 e 6  juntos com o ppa.
  11. As guias de pagamento emitidas pelo Serviço de Finanças de…, identificadas na alínea b) do Relatório desta decisão, têm como data limite de pagamento 2017-06-09 – conforme PA.
  12. Em 21 de Março de 2017 os Requerentes entregaram no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (ppa) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral (ppa).

 

 

 

 

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR

 

Benefícios fiscais automáticos versus benefícios fiscais dependentes de reconhecimento (prévio, automático, oficioso, etc.)

 

Referem os nºs 1 e 2 do artigo 5º do EBF o seguinte:

 

1 - Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento

...

3 - O procedimento de reconhecimento dos benefícios fiscais regula-se pelo disposto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

Por seu turno refere o nº 8 do 14º do EBF o seguinte:

 

8 - É proibida a renúncia aos benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento oficioso, sendo, porém, permitida aos benefícios fiscais dependentes de requerimento do interessado, bem como aos constantes de acordo, desde que aceite pela administração tributária”.

 

Um exemplo de um benefício fiscal automático será o caso que tratamos neste processo (regime em vigor em 2008 – verificação da isenção de IMT pelo Notário na escritura translativa da propriedade).

 

Um caso de um benefício fiscal de reconhecimento oficioso será o da isenção de IMI das Instituições de Solidariedade e de Utilidade Pública que consta das alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 44º do EBF, por força do respectivo artigo 4º.

 

Bastará uma simples leitura das disposições legais citadas para se tirar uma conclusão clara, face à irrenunciabilidade dos benefícios fiscais automáticos e aos de reconhecimento oficioso: é tão relevante, do ponto de vista da gradação de valores implícitos em causa, que eles sejam atribuídos, como o será a própria tributação em si mesma. Os seus beneficiários não têm o poder de a eles renunciar, tal como o direito à vida, o direito a férias no âmbito do contrato de trabalho dependente, entre outros direitos indisponíveis.

 

Esta gradação parece estar expressa no preâmbulo do Decreto-Lei nº 215/89, de 01 de Julho, que provou o EBF versão original:

 

“... introduzidos que foram nos Códigos do IRS, do IRC e da CA os desagravamentos caracterizados por uma máxima permanência e estabilidade, são incluídos no Estatuto dos Benefícios Fiscais aqueles que se caracterizam por um carácter menos estrutural, mas que revestem, ainda assim, relativa estabilidade. Os benefícios com finalidades marcadamente conjunturais ou requerendo uma regulação relativamente frequente serão, por sua vez, incluídos nos futuros Orçamentos do Estado”.

 

Parece lícito retirar desta indicação preambular do EBF, face à gradação implícita que resulta da leitura conjugada do artigo 5º do EBF e do nº 8º do artigo 14º do EBF, que:

  1. os benefícios fiscais automáticos e os dependentes de reconhecimento oficioso deveriam estar nos próprios códigos dos impostos, uma vez que só estes terão “máxima permanência e estabilidade” dados os valores extrafiscais implícitos que lhe estarão subjacentes;
  2. no EBF deveriam estar “aqueles que se caracterizam por um carácter menos estrutural, mas que revestem, ainda assim, relativa estabilidade”;
  3. e na legislação extravagante aos códigos e ao EBF, “aqueles com finalidades marcadamente conjunturais ou requerendo uma regulação relativamente frequente”.

 

Ora, desde logo se nota, que sendo o benefício fiscal aqui em causa neste processo “automático”, logo irrenunciável, até Dezembro de 2008 – e assim é caracterizado por ambas as partes – e sendo, por força dessa qualificação, de “máxima permanência e estabilidade”, ocorre uma incongruência da lei que se configura como sendo o fulcro deste conflito jurisdicional.

 

De facto, não deixará se ser incongruente que, ainda hoje, conste de legislação extravagante ao Código do IMT e seja qualificado, a partir de 01.01.2009 como sendo de “reconhecimento automático” (nº 8 do artigo 10º do CIMT). Ou seja, deixou de ser um benefício “automático” no sentido próprio que o termo tem por força do artigo 5º nº 1 do EBF (irrenunciável), e passou a ser qualificado como sendo sujeito a “reconhecimento”, na acepção que este termo tem no EBF (renunciável).

 

A verificação, pelo Notário, nas escrituras realizadas em Dezembro de 2008, dos pressupostos da isenção de IMT do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro (e o seu averbamento no título aquisitivo) corresponde a uma liquidação de IMT originária, à semelhança com o que ocorre a partir de Janeiro de 2009 (alterações ao CIMT resultantes do artigo 97º da Lei nº 64-A/2008, de 31.12)?

 

No Processo CAAD nº 425/2017-T, a propósito de uma situação em tudo semelhante, escrevemos o seguinte:

A isenção fiscal em causa ... consta de legislação extravagante ao Código do IMT (alínea d) do nº 8 do artigo 10º do Código do IMT).

Com a alteração da redacção da alínea d) do nº 8 do artigo 10º do CIMT, pelo artigo 97º da Lei 64-A/2008, de 31.12, a isenção passou a estar dependente de reconhecimento automático, consistindo na obrigatoriedade de apresentação da declaração de Modelo 1 do IMT, mesmo nas situações de isenção (artigo 19º nºs 1 e 3 do CIMT), com o conteúdo definido no artigo 20º do CIMT e competindo a liquidação ao Serviço de Finanças onde for apresentada (alínea a) do nº 1 do artigo 21º do CIMT).

Assim, afigura-se-nos que, quando na declaração Modelo 1 do IMT (para liquidação) o declarante invoca uma isenção (como foi o caso) coexistem dois procedimentos em coetaneidade: um de liquidação de IMT (que pode ser de 0,00 euros se a entidade competente para a liquidação verificar que ocorre um facto interruptivo da tributação, neste caso, uma isenção), outro de verificação dos pressupostos do benefício fiscal, pelo que, emitido pelo Serviço de Finanças, um documento único de cobrança (DUC) por 0,00 euros de IMT, tal documento contém, além do acto de liquidação, um outro acto que ultimou um procedimento de reconhecimento do benefício fiscal requerido, na acepção da primeira parte da alínea d) do nº 1 do artigo 54º da LGT e do artigo 65º do CPPT.

Tal acto de reconhecimento implícito da isenção (que no caso verificamos foi indevidamente conferida) é, salvo melhor opinião, constitutivo de direitos, logo sujeito à disciplina da parte final do nº 4 do artigo 14º do EBF e do nº 1 do artigo 141º do CPA (velho) e do acórdão do STA de 15.05.2013 (processo 0566/12, em www.dgsi.pt). E dado que foi conferido através de um procedimento previsto genericamente na alínea d) do nº 1 do artigo 54º da LGT (primeira parte) deveria ser afastado pelo procedimento tributário inverso (de extinção do benefício) e autónomo, previsto na segunda parte desta norma, uma vez que, não existe coetaneidade procedimental entre a data do acto de liquidação adicional de IMT (em 2015) e a data da aplicação da norma isentiva (em 2010) por altura da verificação do facto tributário (a aquisição do bem imóvel).

Com efeito, a isenção em causa, não se configura como sendo automática (como por exemplo é o caso da isenção de imposto do selo consagrada no artigo 6º do Código do Imposto do Selo que funciona ope legis nos termos do artigo 8º do CIS) mas sim de reconhecimento automático, nos termos da segunda parte do referido nº 1 do artigo 5º do EBF. Daí que esteja sujeita a um procedimento de reconhecimento onde é invocada e culmina na emissão de um documento de liquidação, com o sem reconhecimento implícito da isenção, gerando-se um acto (administrativo) nos termos da primeira parte do nº 2 do artigo 5º do EBF, caso a liquidação reflicta o reconhecimento do benefício fiscal”.

 

Não restam dúvidas a este TAS que se as escrituras aquisitivas celebradas pelos aqui Requerentes, tivessem sido outorgadas na vigência das alterações introduzidas no Código do IMT, pelo artigo 97º da Lei 64-A/2008, de 31.12 (Lei do OE para 2009), tinha ocorrido uma liquidação originária da IMT, mesmo que emitido um DUC à taxa zero, como aliás já se decidiu no Processo CAAD 379/2015-T.

 

No entanto, não foi isso que ocorreu. As escrituras foram realizadas em 2008.

 

Nessa conformidade e porque, como acima se referiu, os tribunais arbitrais fiscais só podem julgar segundo o direito constituído, sob pena das suas decisões ficarem sujeitas ao recurso do nº 2 do artigo 25º do RJAT, configura-se ser de respeitar o que é referido pelo STA no acórdão tirado no Processo 0294/11de 14.09.2011, 2ª Secção, que aborda esta questão em concreto, numa situação em tudo similar:

Na verdade, a aplicação do prazo de quatro anos só poderia encontrar justificação ao abrigo do n.º 3 do artigo 31.º do CIMT, que dispõe: «A liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, excepto se for por omissão de bens ou valores, caso em que poderá ainda fazer-se posteriormente, ficando ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 35º». Ou seja, só poderia aplicar-se o prazo de caducidade de quatro anos se a liquidação constituísse uma liquidação adicional (hipótese que a Juíza do Tribunal a quo expressamente afastou), sendo que então o prazo seria a contar da liquidação a corrigir (E sempre respeitando o prazo de oito anos fixado no art. 35.º do CIMT).

Seja como for, nada permite qualificar como liquidação adicional o acto tributário ... Na verdade, a liquidação adicional pressupõe que tenha havido uma liquidação anterior (relativamente ao mesmo facto tributário, ao mesmo sujeito passivo e ao mesmo período de tempo), que aquela se destina a corrigir ou rectificar porque, por erro de facto ou de direito ou por uma omissão ou inexactidão praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação, foi determinada a cobrança de um imposto inferior ao devido. Ou seja, a liquidação adicional não é mais do que a correcção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes (Neste sentido, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: – de 17 de Janeiro de 2007, proferido no processo com o n.º 909/06, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Fevereiro de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32210.pdf), págs. 96 a 102, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/da11decbc3b9dabd8025726d003b7579?OpenDocument); – de 18 de Maio de 2011, proferido no processo com o n.º 153/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em (http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/94e29e68a39ec0468025789a0039e45a?OpenDocument).

 

Ora, a liquidação ...  não foi efectuada em ordem a corrigir ou rectificar uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação. Desde logo porque, ... a transmissão do imóvel que constitui o facto tributário não havia dado lugar à liquidação do imposto porque, atento o valor e o destino declarados, dele estava isento.”

 

O STA apreciou no processo em causa uma isenção automática de IMT, porquanto na matéria de facto se refere “no caso sub judice o recorrido esteve isento de imposto atento o valor declarado”, aludindo certamente à isenção do artigo 9º do CIMT.

 

Em respeito pelo entendimento do STA acima expresso não é possível acolher o ponto de vista dos Requerentes, pelo que, nesta parte, terá que improceder o pedido de pronúncia.

 

A verificação, pelo Notário, nas escrituras realizadas em Dezembro de 2008, dos pressupostos da isenção de IMT do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro (e o seu averbamento no título aquisitivo) não correspondem, pois, a uma liquidação de IMT originária.

 

As liquidações aqui em causa devem ser classificadas como “adicionais” sujeitas ao regime do nº 3 do artigo 31º do CIMT (prazo de 4 anos de caducidade)?

 

Naturalmente considerando-se, como acima se considerou, que o reconhecimento do benefício fiscal pelo Notário, averbado na escritura, não correspondeu a uma liquidação de IMT originária, não poderá depois considerar-se que as liquidações aqui em causa, sejam “adicionais” e que estejam sujeitas à disciplina do nº 3 do artigo 31º do Código do IMT, pelas razões constantes do Acórdão do STA que,  parcialmente, acima se transcreveu, pelo que também nesta parte, terá que improceder o pedido de pronúncia.

 

A verificação dos pressupostos da isenção pelo Notário (e o seu averbamento no título translativo da propriedade) no tempo e nas condições acima referidas, corresponde a um acto tributário ou a um acto administrativo constitutivo de direitos, com aplicação dos respectivos regimes de revogação do EBF e/ou do CPA?

 

Também neste aspecto teremos que nos socorrer do Acórdão do STA acima citado (Acórdão do STA de 15-05-2013, P. 0566712, em www.dgsi.pt, Relator Dulce Neto).

 

O que aí se decidiu foi com base num benefício fiscal em sede de IRS (concedido em 03.07.2006 e revogado em 20.07.2007) de reconhecimento pelo Ministro das Finanças e não com base em benefício automático.

 

Já acima referimos a notória incongruência do ordenamento fiscal ao estabelecer para os benefícios fiscais automáticos (irrenunciáveis) um regime muitos menos garantístico e mais inseguro, que o dos benefícios fiscais sujeitos a reconhecimento (renunciáveis), o que não se coaduna com a sua maior relevância e gradação, face aos implícitos motivos extra-fiscais que determinam a sua atribuição, sem aparente controle directo e imediato da AT no acto de verificação de pressupostos.

 

Sendo que, neste caso, como se provou em 7 da matéria de facto assente “... as informações constantes das escrituras ..., nomeadamente a relativa à isenção reconhecida e averbada na escritura, foram oportunamente comunicadas à AT pelo Notário, através do Modelo 11 (nº 4 do artigo 49º do CIMT)” o que demonstra que a AT tinha, desde 2009, todos os meios para controlar - directa e mediatamente - os pressupostos da isenção como os teria se se tratasse de um benefício fiscal de reconhecimento gerador de um acto administrativo em matéria tributária, face à declaração Modelo 1 para liquidação do imposto.

 

Como resulta da posição do MP expressa no acórdão do STA, estamos perante um acto administrativo em matéria tributária e não um acto tributário strictu senu, ou seja, um acto de liquidação de obrigações tributárias.

 

O que resulta do acórdão do STA aqui em causa é que para que se possa falar em revogação de um acto administrativo em matéria tributária que tenha conferido um benefício fiscal, é mister que o acto revogado se tenha formado. E naturalmente isso não ocorre com a actividade do Notário de verificação dos pressupostos do benefício fiscal aqui em causa, que é automático, por resultar directamente da lei, ou assim era na data em que foram celebradas as escrituras.

 

Pela própria natureza do funcionamento dos benefícios fiscais automáticos – que resultam directamente da lei, como é o caso de que aqui tratamos – a verificação dos seus pressupostos não acarreta a formação de um acto administrativo em matéria tributária, não podendo ser aplicado o regime do artigo 14º-4 do EBF e dos artigos 136º e 141º do CPA (velho).

 

Não deixa de ser chocante a incerteza e insegurança que recai sobre os contribuintes aos quais é/foi conferido – sem poderem sequer a ele renunciar – um benefício fiscal automático em IMT que na prática pode ser retirado - se erradamente atribuído - no prazo de 8 anos (artigo 35º-1 do CIMT e nºs 1 e 4 do artigo 45º da LGT) face a um mesmo benefício fiscal do mesmo imposto, que seja de reconhecimento (expresso em acto administrativo), que na prática só pode ser retirado - se erradamente atribuído - no prazo de 1 ano (artigo 141º do CPA velho). Ainda por cima, percute-se, tratando-se de benefícios fiscais renunciáveis.

 

Não sendo possível subsumir a actividade de verificação dos pressupostos da isenção pelo Notário (e o seu averbamento no título translativo da propriedade) no tempo e nas condições acima referidas, a um acto tributário ou a um acto administrativo em matéria tributária, constitutivo de direitos, não pode, depois, defender-se que existe ilegalidade na sua revogação ou anulação, porque, simplesmente não existem na ordem jurídica.

 

Pelo que, também nesta parte, não é possível acolher o ponto de vista dos Requerentes, improcedendo o pedido de pronúncia.

 

Violação do princípio da igualdade tributária, da legalidade ou outros princípios constitucionais.

 

A este propósito referem os Requerentes:

  1. Nos artigos 37º e 38º do ppa: “O tratamento de situações iguais de forma diferente, sem qualquer fundamento legal, viola flagrantemente o princípio basilar de Direito Fiscal, que é o princípio da igualdade tributária.  Tal tratamento seria inconstitucional
  2. No artigo 43º do ppa: “O mesmo se tem de dizer relativamente à declaração realizada pela Notária, em que se verificou o reconhecimento da isenção, liquidando a zeros o imposto a pagar, sob pena de violação do princípio da legalidade fiscal e da Constituição da República Portuguesa”.
  3. No artigo 53º do ppa: “... no presente caso, é evidente que a AT viola flagrantemente o princípio basilar de Direito Fiscal, que é o princípio da igualdade tributária, e a Constituição da República Portuguesa, ao considerar que, na data da celebração da escritura de compra e venda, não ocorreu liquidação do imposto devido”.

 

Partindo do artigo 8º da LGT verifica-se que as matérias do nº 1 são da competência legislativa da AR ou do Governo, autorizado pela Assembleia da República.

 

Já quanto às matérias do nº 2 do artigo 8º da LGT o Governo pode legislar validamente.

 

Quanto à violação do princípio da legalidade (nº 2 do artigo 8º da LGT) não se vislumbra que o estabelecimento de regimes diferentes – por lei do Governo – para benefícios fiscais que à partida constam das definições constantes de um estatuto aprovado em 1989, que não foi colocado em causa, possa considerar-se violador deste princípio.

 

Quanto à dissonância das liquidações face ao princípio da igualdade tributária, sempre se poderá argumentar que o regime fiscal é diferente (benefícios verificados até 31.12.2008/automáticos versus os conferidos após esta data/dependentes de reconhecimento automático) e em ambos casos serão aplicáveis de forma geral e abstracta a todos os contribuintes, em razão da data em que ocorreram as aquisições.

 

De qualquer forma, os termos em que as desconformidades com a CRP são aduzidas, não são susceptíveis de constituírem para o TAS uma obrigação de apreciação destas questões, para além do que acima se expressa, sem prejuízo de se poder lançar mão do direito constante do nº 1 do artigo 25º do RJAT.

 

Não se verificam, nesta conformidade, quaisquer desconformidades com os princípios constitucionais, até porque as liquidações foram feitas com base em normas legais devidamente indicadas nos relatórios de inspecção e nos ofícios que notificaram os contribuintes das liquidações.

 

Termos em que, nos termos descritos, improcede, nesta parte, o pedido de pronúncia arbitral.

 

V - DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos, decide-se julgar improcedente o pedido de pronúncia e absolver a Requerida do pedido.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 55 175,52 euros.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2 142,00 segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo dos Requerentes.

 

Notifique.

 

Lisboa, 28 de Outubro de 2017

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

 

AugustoVieira

 

 

 

 

 Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.