Decisão Arbitral
O árbitro, Dr. Henrique Nogueira Nunes, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 15 de Maio de 2017, acorda no seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A…, com o número de pessoa colectiva…, doravante designado por “Requerente”, requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).
1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto Municipal de Imóveis melhor identificado sob os documentos de cobrança emitidos com os números 2015…; 2015… e 2015…, no valor impugnado de € 5.081,85, referente ao ano de 2015.
1.3. A fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, o seguinte vício:
(i) Considera-se lesado pela AT, porquanto considera que ficou por reembolsar o IMI de 2015 referente a 24 fracções autónomas sitas no concelho de …, melhor identificadas no presente pedido arbitral.
(ii) Invoca que desconhece em absoluto os motivos pelos quais a AT conferiu aos imóveis sitos no concelho da … um tratamento diferente dos concedidos aos demais imóveis que fazem parte da sua carteira.
(iii) Invoca o que reputa de claro e gritante erro na liquidação do IMI sobre as supra identificadas fracções autónomas, gerador de prejuízos, tendo suportado indevidamente, e só com referência ao ano de 2015, o montante de € 5.081,85.
(iv) Considera que a liquidação impugnada está ferida de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 8.º do regime fiscal especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH) aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, aplicável ao FIEAE por força do artigo 117.º, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril e que tal ilegalidade gera a anulabilidade da liquidação do IMI referente ao ano de 2015 (artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo).
(v) Pugna pelo reembolso das quantias já pagas, no montante total de € 5.081,85, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, vencidos desde a data de pagamento de cada uma das mencionadas três prestações até integral reembolso destas importâncias.
1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:
(i) Vem defender-se suscitando matéria de excepção, por violação do caso julgado, da intempestividade e da incompetência material do Tribunal.
(ii) Consubstanciado no facto de que o Requerente, para o mesmo ano, e com referências às duas primeiras “prestações da liquidação”, ter apresentado anterior pedido de pronúncia arbitral, tendo, no seu entender, sido proferida decisão sobre o litígio objecto dos presentes autos, para o mesmo Requerente e relativamente ao mesmo período de tributação.
(iii) Verificando-se assim, entende, cumulativamente a tripla identidade – quanto às partes, ao pedido e à causa de pedir – pelo que no seu entender encontram-se preenchidos os requisitos necessários à verificação de caso julgado, que consubstancia uma excepção dilatória nos termos do art.577º al.i) do CPC aplicável, ex vi, art. 29º do RJAT, devendo ser absolvida da instância (cf. art. 576º do CPC).
(iv) Entende, assim, que atento o efetivamente peticionado pelo Requerente, não pode o Tribunal conhecer e decidir quanto ao pedido de declaração de ilegalidade, dado que incide sobre as três prestações de pagamento de imposto que, diz, não são autonomamente sindicáveis, o que consubstancia uma excepção dilatória nos termos do art.577º al.a) do CPC aplicável, ex vi, art. 29º do RJAT, devendo ser absolvida da instância (cf. art. 576º do CPC).
(v) Invoca, ainda, e adicionalmente que considerando o disposto no art. 10º nº1 al.a) do RJAT, o presente pedido de pronúncia arbitral é claramente intempestivo, porquanto o prazo de 90 dias ali determinado, para apresentação do pedido de pronúncia, foi largamente ultrapassado, Consequentemente, também por este motivo, alega que não pode ser aceite, devendo ser declarado improcedente, por intempestivo e, consequentemente ser absolvida da instância.
(vi) Vem, igualmente, defender-se por impugnação, alegando, no essencial, que quanto aos prédios que constituem o activo do FIEAE, para que o mesmo possa aproveitar da isenção em causa, impõe-se que seja feita a respectiva prova de que os mesmos foram adquiridos nos termos e para os efeitos do artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 104/2009, isto é, de que se está perante imóveis integrados no património das empresas e sejam utilizados no desenvolvimento das suas respectivas actividades, uma vez que a isenção em causa, atento o disposto nas normas legais acima citadas e à vocação dos FIEAE decorrente do seu regime legal, não será aplicável se o prédio respeitar ao activo do FIEAE, mas adquirido nos termos do n.º 3 daquele mesmo artigo 5.º
(vii) Pelo que, invoca, não tendo sido junta aos autos qualquer prova pelo Requerente no sentido de confirmar o por si afirmado, não se pode, como pretende o Requerente, que tais factos, só porque alegados, sejam dados como provados, cabendo-lhe a prova da verificação dos respectivos requisitos, seja esta prova a relativa aos contractos de arrendamento ou outra forma de cessão de exploração.
(viii) Alega, em suma, que não foi feita prova pelo Requerente de que se está perante prédios adquiridos, a título oneroso, no âmbito da sua política de recuperação de empresas económicas em dificuldades; e que foi cedida a utilização desses imóveis à empresa proponente mediante a celebração de contrato de arrendamento, sendo a prova desta condição imprescindível e prévia face à verificação das demais, o pedido de isenção e correspondente anulação da liquidação não podem proceder, devendo o pedido arbitral ser julgado improcedente.
(ix) Pugna, assim, pelo reconhecimento das excepções dilatórias invocadas de caso julgado, incompetência material e intempestividade e do tribunal arbitral, devendo, diz, ser absolvida da instância; ou, se assim se não entender, deve ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida nos termos peticionados, tudo com as devidas e legais consequências.
1.5. Entendeu o Tribunal, dispensar a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral, de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT, o que não mereceu qualquer oposição expressa das partes. Foi invocada em sede de Resposta, pela Requerida, matéria de excepção que será apreciada e decidida na presente decisão.
Foram as partes notificadas para apresentar alegações, querendo, tendo ambas decidido fazê-lo, e tendo o Requerente, no exercício do seu direito ao contraditório, respondido às excepções invocadas pela Requerida, pugnando pela improcedência total destas, tendo, no demais, ambas as partes mantido as posições anteriormente expressas.
Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral até ao dia 15 de Novembro de 2017.
* * *
1.6. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo.
2. QUESTÕES A DECIDIR
Na petição arbitral o Requerente formula a seguinte questão essencial:
-
O acto de liquidação de IMI em causa nos autos deve ser anulado, por ilegal, por erro nos pressupostos, ao abrigo do disposto no artigo 8.º do regime fiscal especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH) aplicável ex vi artigo 117.º, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril e com fundamento igualmente no artigo 99.º do CPPT.
Na sua Resposta, para além de se defender por impugnação, a Requerida vem invocar matéria de excepção, por violação do caso julgado, incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido e intempestividade, pugnando pela absolvição da instância.
3. MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:
A) O A… (A…), Requerente nos presentes autos, constitui um fundo de investimento imobiliário especial criado ao abrigo do DL 104/2009, de 12 de Maio.
B) O presente pedido de pronúncia arbitral têm como objecto o acto de liquidação do IMI referente ao ano de 2015, relativamente às fracções autónomas designadas pelas letras “AK”, “AL”, “AM”, “AN”, “AP”, “AQ”, “AR”, “AS”, “AT”, “AU”, “AV”, “AW”, “AX”, “AY”, “AZ”, “BA” e “BB”, destinadas a serviços, todas do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, nº…, freguesia e concelho de …, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo … e referente ao ano de 2015 (Cfr. Notas de cobrança juntas pela Requerente como Documentos n.ºs 1 a 6 e Processo Administrativo junto pela Requerida).
C) O Requerente recebeu, em 18 de Março de 2016, a nota de cobrança relativa à liquidação de IMI impugnada respeitante à 1.ª prestação do ano de 2015, tendo procedido ao seu pagamento em 6 de Abril de 2016 (Cfr. Documentos n.ºs 1 e 2 juntos pelo Requerente).
D) O Requerente, em 17 de Junho de 2016 recebeu a nota de cobrança relativa à liquidação de IMI impugnada respeitante à 2.ª prestação do ano de 2015, tendo procedido ao seu pagamento em 11 de Julho de 2016 (Cfr. Documentos n.ºs 3 e 4 juntos pelo Requerente).
E) O Requerente, em 12 de Outubro de 2016, recebeu a nota de cobrança relativa à liquidação de IMI impugnada respeitante à 3.ª prestação do ano de 2015, tendo procedido ao seu pagamento em 26 de Outubro de 2016 (Cfr. Documentos n.ºs 5 e 6 juntos pelo Requerente).
F) Por escritura pública de Compra e Venda, Promessas Unilaterais de Compra, Promessa Unilateral de Venda e Arrendamento, outorgada em 26 de Março de 2012, o Requerente, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 104/2009, adquiriu à sociedade B…, S.A., e simultaneamente deu de arrendamento àquela sociedade as fracções autónomas designadas pelas letras “AK”, “AL”, “AM”, “AN”, “AP”, “AQ”, “AR”, “AS”, “AT”, “AU”, “AV”, “AW”, “AX”, “AY”, “AZ”, “BA” e “BB”, destinadas a serviços, todas do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, nº…, freguesia e concelho de …, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo … (Cfr. Documento n.º 10 junto pelo Requerente).
G) Por requerimento datado de 28 de Março de 2012 endereçado ao Serviço de Finanças da … e subscrito pelos mandatários do Requerente, foi solicitado (i) o averbamento da aquisição das referidas fracções autónomas por parte do Requerente na respectiva matriz predial urbana e (ii) o reconhecimento da isenção do IMI com referência às aludidas fracções autónomas, nos termos previstos no artigo 8.º do Regime Especial Aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional - aprovado pelo art. 102.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro -, aplicável ao Fundo em causa nos autos por remissão do 117.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Cfr. Documento n.º 11 junto pelo Requerente).
H) O Requerente apresentou no CAAD um pedido de pronúncia arbitral, o qual correu os seus termos sob o nº 475/2016-T, processo esse já findo, no qual peticionou a anulação dos actos de liquidação nº 2015 … de 26.02.2016 e nº 2015 … de 01.04.2016, referentes ao IMI liquidado com referência ao ano de 2015. O Tribunal Arbitral constituído no âmbito deste processo proferiu decisão em que não conheceu deste pedido, porquanto considerou que como o mesmo incidiu sobre duas das três prestações de pagamento do imposto, não sendo estas autonomamente sindicáveis, não se considerou materialmente competente para apreciar o pedido (Cfr. Páginas 28 e 32 desta Decisão Arbitral acessível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/).
I) No dia 27-02-2017 o Requerente apresentou requerimento de constituição do Tribunal Arbitral junto do CAAD – cfr. requerimento electrónico no sistema do CAAD.
4. FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos com relevo para a decisão da causa que não se tenham provado.
5. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.
De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
6. DO DIREITO
De acordo com as questões enunciadas, que constam do ponto n.º 2 da presente Decisão, e tendo em conta a matéria de facto fixada no ponto n.º 3, importa agora determinar o Direito aplicável.
Desde logo cumpre, primeiramente, apreciar a matéria de excepção invocada pela Requerida na sua resposta, porquanto, em caso de procedência, tal implica a absolvição da instância por parte da Requerida e o não conhecimento do pedido por parte do Tribunal.
6.1. Da Excepção invocada do Caso Julgado.
Invoca a AT que, in casu, ocorre violação do caso julgado, pois “ sobre o litígio objecto dos presentes autos, para o mesmo Requerente e relativamente ao mesmo período de tributação, já o Tribunal se pronunciou.” e que “ Verifica-se assim, cumulativamente, a tripla identidade – quanto às partes, ao pedido e à causa de pedir – pelo que se encontram preenchidos os requisitos necessários à verificação de caso julgado, que consubstancia uma excepção dilatória nos termos do art.577º al.i) do CPC aplicável, ex vi, art. 29º do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida da instância (cf. art. 576º do CPC).”.
Já o Requerente vem defender-se dizendo que não ocorre violação do caso julgado, porquanto, diz, a lei distingue nos artigos 619.º e 620.º do CPC (aplicáveis ex vi art. 29º do RJAT), entre o caso julgado material e o caso julgado formal, conforme a sua eficácia se estenda ou não a processos diversos daqueles em que foram proferidos os despachos, as sentenças ou os acórdãos em causa.
E que, ao contrário do invocado pela AT, inexiste decisão prévia sobre a ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IMI relativa ao ano 2015 das fracções autónomas localizadas no concelho de …, objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, pelo que inexiste decisão judicial ou arbitral prévia sobre o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral não se verificando a excepção do caso julgado.
E que não se verifica, igualmente, a identidade de pedidos.
Vejamos.
Comecemos por analisar os preceitos aplicáveis do Código do Processo Civil (“ CPC”).
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 619.º do CPC, que regula o chamado caso julgado material, (aplicável ex vi art.º. 29.º do RJAT):
“Artigo 619.º
Valor da sentença transitada em julgado
1 - Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.”.
E quanto ao alcance do caso julgado, dispõe o artigo 621.º do CPC (aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT):
“A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.”.
Compulsados os autos arbitrais que tramitaram sob o n.º 475/2016-T, processo esse já findo, no qual o Requerente peticionou a anulação dos actos de liquidação nº 2015 … de 26.02.2016 e nº 2015 … de 01.04.2016, referentes ao IMI liquidado com referência ao ano de 2015, constata-se que o Tribunal Arbitral constituído no âmbito deste processo proferiu decisão em que não conheceu e decidiu sobre este pedido, porquanto considerou que como o mesmo incidiu sobre duas das três prestações de pagamento do imposto, não sendo estas autonomamente sindicáveis, não se considerou materialmente competente para apreciar o pedido formulado pelo Requerente (Cfr. Páginas 28 e 32 desta Decisão Arbitral acessível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/).
Ou seja, in casu, o Tribunal Arbitral que proferiu essa decisão não se pronunciou sobre o fundo da causa e, consequentemente, não decidiu o mérito desta, pelo que tem razão o Requerente quando afirma “Assim e ao contrário do invocado pela ATA, inexiste decisão prévia – logo não existe caso julgado – sobre a ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IMI relativa ao ano 2015 das fracções autónomas localizadas no concelho de …. Inexistindo decisão judicial ou arbitral prévia sobre o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral não se verifica, evidentemente, a excepção do caso julgado.”.
Pelo que a razão está do lado do Requerente, improcedendo a invocada excepção de caso julgado.
6.2. Da excepção invocada da incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do Pedido.
Entende a Requerida que “atento o efetivamente peticionado pelo Requerente, não pode o Tribunal conhecer e decidir quanto ao pedido de declaração de ilegalidade, dado que incide sobre as três prestações de pagamento de imposto que, como se viu, não são autonomamente sindicáveis.”.
E que a “viabilidade dos presentes autos apenas poderia passar pela impugnação da liquidação de Fevereiro de 2016, pois é aquela liquidação o único acto efectivamente sindicável.”.
Pugna, assim, pela verificação da excepção dilatória invocada nos termos do art.577º al.a) do CPC aplicável, ex vi, art. 29º do RJAT, com a cominação da sua absolvição da instância (cf. art. 576º do CPC).
Por seu turno o Requerente vem dizer que tal não corresponde à verdade, porquanto no seu pedido de pronúncia arbitral, peticionou a declaração de ilegalidade da liquidação de IMI relativo às fracções em causa nos autos e que a anulação das três notas de cobrança em causa é tão só uma consequência lógica e jurídica da impugnação da liquidação una de IMI referente ao ano de 2015.
Pelo que sustenta inexistir no presente pedido de pronúncia arbitral a impugnação autónoma de cada uma das prestações do imposto em causa.
Vejamos.
No seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente vem peticionar a declaração de ilegalidade da liquidação de IMI referente ao ano de 2015, desdobrada nos três actos de cobrança melhor identificados nos autos.
Aliás, tanto assim o é, que o Requerente, no artigo 3.º da sua Petição Arbitral, vem precisamente reconhecer expressamente que o IMI relativo ao ano de 2015 é pago em prestações, correspondendo tal a uma mera técnica de arrecadação do imposto e não a qualquer pagamento parcial.
Pelo que não corresponde à realidade o invocado pela Requerida quando vem dizer que o que o Requerente pretende é, tão somente, impugnar autonomamente as prestações do pagamento do IMI, isto porque decorre do pedido apresentado que o que se pretende é, efectivamente, e nas próprias palavras do Requerente a “declaração de ilegalidade da liquidação do IMI”.
Pelo que improcede o pedido da Requerida, tendo o Tribunal competência para apreciar e decidir sobre o pedido que lhe foi apresentado nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
6.3. Da excepção invocada da intempestividade do pedido de constituição de Tribunal Arbitral
Entrando, por fim, na questão da intempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral suscitada pela Requerida, entende esta que, in casu, ocorreu violação do disposto no artigo 10.º n.º 1 al.a) do RJAT, pois o prazo de 90 dias ali determinado para apresentação do pedido de pronúncia terá sido largamente ultrapassado, fundamentando-se, para tal, no art.129.º, n.º2 do CIMI, em vigor desde 02 de Agosto 2016, que dispõe que:
“Os prazos de reclamação e de impugnação contam-se a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da primeira ou da única prestação do imposto.”.
Assim, considera que como nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CIMI, o imposto referente à primeira prestação realiza-se no mês de Abril e tendo presente o termo do prazo da primeira prestação no final do mês de Abril de 2016, o pedido arbitral apresentado pelo Requerente, em 27-02-2017, era já manifestamente intempestivo, atento o prazo de 90 dias previsto no art. 10º nº1 al.a) do RJAT.
O Requerente, por seu turno, veio dizer que o entendimento perfilhado pela AT traduz-se numa gritante retroactividade da lei em matéria de direitos e garantias fundamentais e numa interpretação inconstitucional da alteração introduzida no artigo 129.º do CIMI pelo Decreto-Lei n,º 41/2016, de 1 de Agosto. Adicionalmente vem dizer que de acordo com a interpretação da AT, o seu direito de reclamar ou impugnar a liquidação de IMI referente ao ano de 2015 e incidente sobre as fracções autónomas localizadas no concelho da … teria terminado em Julho de 2016, ou seja, antes sequer da publicação do Decreto-Lei nº 41/2016, de 1 de Agosto, que alterou o mencionado artigo do Código do IMI.
E que no caso sub iudice o IMI relativo ao ano de 2015 é pago em três prestações cujo vencimento ocorre no final dos meses de Abril, Julho e Novembro de 2016, respectivamente, sendo que este pagamento em prestações não é mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um pagamento parcial propriamente dito.
Sustenta, assim, que a interpretação levada a cabo pela Requerida do mencionado artigo 129.º do Código do IMI é inconstitucional, nomeadamente por violação dos artigos 2.º, 14.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Entende que o prazo para a dedução do presente pedido de pronúncia arbitral relativo ao IMI referente ao ano de 2015 não se pode considerar reduzido pela alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 41/2016, de 1 de Agosto, mantendo-se o modo da sua contagem.
Até porque, diz, o artigo 10.º, nº 1, alínea a), do RJAT não remete para o artigo 129.º do CIMI, mas antes para os números 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, sendo que a alínea a), do nº 1 daquele artigo, determina que o prazo da impugnação se conta a partir do “Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”.
Pelo que, em suma, conclui que como o artigo do CCPT não foi alterado, para efeitos de contagem do prazo previsto no artigo 10º do RJAT, este deve continuar a ser aferido em função do “termo do prazo para pagamento de cada uma das prestações tributários legalmente notificadas” e, dado que a Lei não compreende a impugnação autónoma de cada uma das prestações de imposto em causa, o prazo de 90 dias deve poder continuar a contar-se do dia seguinte ao termo do prazo para pagamento da 3.ª prestação, ou seja, in casu, 30 de Novembro de 2016, pelo que o pedido arbitral é tempestivo.
Vejamos.
Só há, como se verá adiante, uma liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis. O imposto decorrente desta liquidação é que pode ser pago em três vezes.
Se um contribuinte pretende discutir a legalidade do imposto, o acto que está a ser sindicado é o acto de liquidação que lhe deu lugar, e o prazo de reacção, considerando o IMI relativo ao ano fiscal de 2015, é que se conta da data da primeira, da segunda ou da terceira prestação, como veremos.
Como se sabe, a liquidação constitui a operação através da qual se aplica a taxa de imposto à matéria tributável, apurando-se, assim, o valor devido por cada contribuinte.
Nos termos do disposto no artigo 113.º do Código do IMI, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária, em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o imposto respeita, sendo efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte.
Por sua vez, o artigo 120.º do Código do IMI, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo artigo 215.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2013), apresenta a seguinte redacção:
“Artigo 120.º - Prazo de pagamento
1 - O imposto deve ser pago:
a) Em uma prestação, no mês de abril, quando o seu montante seja igual ou inferior a € 250;
b) Em duas prestações, nos meses de abril e novembro, quando o seu montante seja superior a € 250 e igual ou inferior a € 500;
c) Em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro, quando o seu montante seja superior a € 500.
2 – (…).
3 – (…).
4 - No caso previsto nos n.ºs 1 e 3, o não pagamento de uma prestação ou de uma anuidade, no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes.
5 - Se o atraso na liquidação for imputável ao sujeito passivo é este notificado para proceder ao pagamento do imposto respeitante a todos os anos em atraso.”.
Das normas supra referidas decorre que existe apenas uma liquidação e que o seu pagamento deve ser feito em três prestações, nos meses de Abril, Julho e Novembro, quando o seu montante seja superior a € 500.
Ou seja, uma prestação não equivale a uma nova liquidação de imposto. Uma prestação é parte de uma liquidação de imposto que é dividida no tempo para efeitos do seu pagamento.
De facto, o momento da liquidação e o momento do pagamento são claramente individualizados na lei, como acima se apontou.
A divisão de uma liquidação em prestações não passa, assim, de uma mera técnica de arrecadação de receitas.
Do ponto de vista deste Tribunal a possibilidade de pagamento em prestações é uma técnica de cobrança de um determinado acto de liquidação que é único e só este poderá constituir um acto lesivo susceptível de impugnação. Qualquer prestação autonomamente considerada não é um acto de liquidação, nem tão pouco uma parte desse acto, é, como já se disse uma mera técnica de cobrança, o que não invalida que um acto de liquidação possa ser parcialmente anulado.
No caso concreto, o acto de liquidação do IMI é o acto único de apuramento total do tributo a pagar, a possibilidade desse valor ser pago em prestações não significa que ocorram tantas liquidações quantas as prestações.
Com referência à lei em vigor à data do facto tributário em causa nos autos, esse acto único de liquidação, poderia ser impugnado, quer após a notificação para pagamento da 1.ª, da 2.ª ou da 3.ª prestação, bastando, para tanto, que o pedido se dirija ao acto único de liquidação.
Ora, in casu, foi o que o Requerente fez, porquanto apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral, em 27/02/2017, antes de decorrido o prazo de 90 dias da data limite de pagamento da 3.ª prestação de imposto (Novembro de 2016) e, nesse acto, visou a impugnação arbitral do acto tributário de liquidação do IMI referente ao ano de 2015, como, de resto, aponta, desde logo, o cabeçalho do pedido de pronúncia arbitral apresentado.
Não obstante o acima referido o Tribunal não ignora as alterações introduzidas pelo disposto no Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01 de Agosto de 2016, o qual entrou em vigor no dia 02 de Agosto de 2016.
Nos termos do disposto neste Decreto-Lei o artigo 129.º, n.º 2 do CIMI passou a ter a seguinte redacção:
“Artigo 129.º
[...]
1 - (Anterior corpo do artigo.)
2 - Os prazos de reclamação e de impugnação contam-se a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da primeira ou da única prestação do imposto.”.
No intróito deste normativo pode ler-se que o “artigo 166.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autoriza, ainda, que se proceda a alterações ao Código do IMI, estando estas relacionadas com a necessidade de ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código. Assim, revelou-se necessário, designadamente, esclarecer a partir de que momento se contam os prazos definidos no artigo 129.º.”.
Entendeu o legislador não conferir natureza interpretativa a esta alteração, e podia tê-lo feito, pois neste mesmo Decreto-Lei conferiu natureza interpretativa às alterações introduzidas aos nºs 12 e 13 do artigo 106.º do Código do IRC.
Assim, importa aferir se as alterações produzidas por via deste diploma ao n.º 2 do artigo 129.º do CIMI se devem considerar imediatamente aplicáveis, mesmo a factos tributários por esta alteração aparentemente já consumados.
O artigo 12.º, n.º 3 da LGT dispõe que:
“3 - As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.”.
A alteração em causa, apesar de ocorrer no CIMI, tem uma evidente natureza procedimental e processual.
Dúvidas não há de que havia alguma dúvida sobre o momento a partir do qual se devia contar o prazo para reclamar ou impugnar uma liquidação de IMI, considerando que podem existir três prestações para pagamento deste imposto, cada uma delas prevendo um prazo de 120 dias para a sua reclamação e de 3 meses para a sua impugnação, nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70.º e 102.º do CPPT.
Foi sempre o entendimento deste Tribunal, e da maioria da jurisprudência arbitral, que o prazo se devia contar a partir da data do terminus do pagamento de cada uma das prestações, como acima se referiu, tendo o legislador, no entanto, optado com esta alteração por considerar que se devia contar esse prazo a partir da data da 1.ª prestação.
Nos termos do disposto no artigo 113.º do Código do IMI, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária, em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o imposto respeita, sendo efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte.
O facto tributário do IMI corresponde, assim, à propriedade do imóvel pelo sujeito passivo a 31 de Dezembro do ano a que respeita o imposto.
Entende o Tribunal que a interpretação que pretende dar a AT à alteração supra referida consistiria, efectivamente, numa solução claramente atentatória dos direitos fundamentais dos contribuintes, para não dizer que configuraria uma retroactividade inconstitucional por violação directa do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e, igualmente, do comando normativo imposto pela parte final do artigo 12.º, n.º 3 da LGT.
Como justamente nota o Requerente, a vingar esta tese da AT, tal significa que ainda antes da entrada em vigor do diploma que alterou o artigo 129.º do CIMI, o seu pedido de pronúncia arbitral já se consideraria extemporâneo, o que representaria uma insuportável violação dos seus direitos fundamentais.
Até considerando-se que o legislador optou (e a nosso ver bem) por não conferir natureza interpretativa a esta alteração legislativa.
Assim, entende o Tribunal que a solução que melhor se adequa ao espirito desta alteração legislativa e à intenção do legislador, embora não se negue ser a solução adoptada de conteúdo esclarecedor, pois alguma controvérsia existia sobre o modo de contagem deste prazo, é a de que esta alteração apenas se deve aplicar aos factos tributários que ocorram após a sua vigência, ou seja, em relação ao IMI referente ao ano fiscal de 2016 e anos seguintes.
Pelo que improcede a excepção dilatória aduzida pela Requerida.
6.4. Do pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IMI referente ao ano de 2015.
Entrando, agora, na matéria de impugnação, importa apreciar se o acto de liquidação de IMI em causa nos autos deve ser anulado, nos termos peticionados, por erro nos pressupostos, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 99.º do CPPT, e, consequentemente, fundamento de pedido de pronúncia arbitral, ex vi al. c) do n.º 2 do artigo 10.º do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
Vejamos.
O Requerente assume, como vimos, a natureza jurídica de um Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas (“FIEAE”), o qual, nos termos do seu regime jurídico, nomeadamente o disposto no Decreto-Lei n.º 104/2009, de 12 de Maio, tem entre os seus principais objectivos, tal como se encontra definido no seu artigo 2.º “o apoio de empresas economicamente viáveis, ainda que enfrentando eventuais dificuldades financeiras, apostando por este modo no seu saneamento, na sua estabilização e consolidação, na sua modernização e eventual redimensionamento e, em qualquer caso, na criação, manutenção e qualificação do respectivo emprego.”.
Por seu turno o n.º 1 do artigo 3.º deste regime dispõe que a “prossecução dos objectivos do FIEAE concretiza-se, essencialmente, através da aquisição pelo mesmo de imóveis a empresas, em especial PME, os quais são subsequentemente dados de arrendamento, ou outra forma de cessão onerosa da utilização, a essas mesmas empresas em termos que, sendo norteados por princípios de rigor, segurança, rendibilidade e diversificação de risco, assegurem a continuada utilização dos mesmos imóveis pelas empresas em causa, no exercício das respectivas actividades, e o adequado retorno do investimento feito pelo FIEAE.”.
O activo destes Fundos pode integrar, nos termos do disposto no artigo 5.º do seu regime jurídico “quaisquer imóveis, sejam estes fracções autónomas ou prédios urbanos, mistos ou rústicos, que estejam integrados no património das empresas e sejam utilizados no desenvolvimento das suas respectivas actividades.”.
Por outras palavras, na sua política de apoio à recuperação económica das empresas em dificuldades financeiras, o FIEAE, uma vez apresentado e aceite um projecto apresentado, adquire onerosamente os imóveis que se encontrem afectos à actividade económica prosseguida pela empresa proponente e simultaneamente cede a utilização desses mesmos imóveis à empresa proponente – mediante a celebração de contratos de arrendamento ou outras formas de cessão onerosa– estabelecendo, ainda, a possibilidade da sua posterior recompra.
O Decreto-Lei n.º 104/2009, de 12 de Maio, que criou o FIEAE, é omisso quanto ao regime tributário aplicável, razão pela qual, em 2010, com o Orçamento do Estado ( “Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril”) este veio no seu artigo 117.º dispor que: “Ao Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas (FIEAE), criado pelo Decreto-Lei n.º 104/2009, de 12 de Maio, aplica-se o regime fiscal especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.”.
Regime, esse, que, para efeitos de IMI, consagra no n.º 6 do seu artigo 8.º uma isenção total de IMI relativamente aos prédios que estejam afectos à actividade típica e principal dos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, a qual consiste no arrendamento de imóveis para habitação permanente.
Sucede, no entanto, que a actividade do Requerente, nos termos do disposto no seu regime jurídico, consiste na aquisição e subsequente arrendamento de imóveis afectos à actividade empresarial das empresas que se encontrem em dificuldades financeiras, e não, como justamente aponta o Requerente na sua petição e nas suas alegações, na aquisição a quaisquer particulares de imóveis afectos a sua habitação própria permanente.
Pretendeu o legislador, com a remissão operada, fazer aplicar ao FIEAE um regime de isenção em sede de IMI sobre os imóveis que componham o seu activo, conquanto os fins previstos e pretendidos pelo legislador com a criação deste regime sejam observados e, dentro desses fins, está precisamente o arrendamento ou outra forma de cessão onerosa da utilização dos imóveis adquiridos.
A AT, na sua Resposta, vem dizer que o Requerente não fez qualquer prova do cumprimento dos requisitos de acesso ao benefício, maxime do arrendamento dos prédios em causa sitos na…, e que como o Requerente não juntou qualquer prova o pedido de pronúncia arbitral não pode proceder.
Mas não tem razão.
O Requerente na sua petição arbitral prova, no Documento n.º 10 junto com a sua Petição, que as fracções em causa nos presentes autos arbitrais foram dadas de arrendamento à B…, S.A., nos termos da escritura pública de Compra e Venda, Promessas Unilaterais de Compra, Promessa Unilateral de Venda e Arrendamento, outorgada em 26/03/2012, e estão, por força do disposto no Documento Complementar o qual faz parte integrante desta Escritura, afectas à actividade típica e principal do FIEAE, sendo o arrendamento subsequente efectuado ocorrido no mesmo contexto, tal como resulta de modo inequívoco do artigo 18.º deste Documento Complementar sob a epígrafe “Fim do Arrendamento”.
Ora, a Escritura Pública é, como sabido, um documento autêntico.
O qual, nos termos do disposto no artigo 371.º do Código Civil, tem a seguinte força probatória:
“Artigo 371.º
(Força probatória)
1. Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.
2. Se o documento contiver palavras emendadas, truncadas ou escritas sobre rasuras ou entrelinhas, sem a devida ressalva, determinará o julgador livremente a medida em que os vícios externos do documento excluem ou reduzem a sua força probatória.”.
Sobre este mesmo Documento apresentado pelo Requerente entendeu a Requerida não tecer qualquer comentário sobre o mesmo ao longo do presente processo arbitral.
Mais: O Requerente apresentou, igualmente (cfr. Documento n.º 11 junto com a sua Petição) um Requerimento, datado de 28 de Março de 2012, endereçado ao Serviço de Finanças da … em que peticionava o reconhecimento desta isenção pela AT, juntando parte da supra referida escritura como prova.
O que significa que a AT teve conhecimento da transacção envolvendo as fracções em causa nos presentes autos arbitrais, podendo facilmente requerer mais alguma informação assim considerasse insuficiente e/ou incompleta a documentação junta pelo Requerente.
Decorre do exposto que ao contrário do que sustenta a Requerida, o Requerente fez prova do cumprimento dos requisitos de acesso ao benefício fiscal em causa, através da aquisição e subsequente arrendamento das fracções em causa no âmbito da sua actividade.
Invocado e comprovado pelo Requerente a verificação dos requisitos necessários à aplicação do benefício fiscal em causa, cabia à Requerida o ónus da prova da inexistência de algum ou de todos os requisitos, o que esta não fez.
Pelo que procede integralmente o pedido do Requerente.
Quanto ao direito a juros indemnizatórios, peticionado pelo Requerente, cumpre referir que dispõe a alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º, do RJAT que a Decisão Arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.
Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no art.º 100.º, da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”
Dispõe, por sua vez, o artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Da análise dos elementos probatórios constantes dos autos é possível concluir que a Requerida tinha conhecimento dos elementos factuais relevantes para proceder à correcta liquidação do imposto, não o tendo feito e optando por manter a liquidação inquinada de erro sobre os pressupostos, e por isso mesmo ilegal, estando, por isso, obrigada a indemnizar.
Assim sendo, atento o disposto no artigo 61.º, do CPPT e considerando que se encontram preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do artigo 43.º da LGT, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia que já pagou, no valor de € 5.081,85, a contar da data em que foi efectuado o pagamento até ao seu integral reembolso.
7. DECISÃO
Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:
- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a anulação do acto peticionado de liquidação de IMI, referente ao ano de 2015, por erro nos pressupostos, melhor identificado sob os documentos de cobrança emitidos com os números 2015…; 2015… e 2015…, e, em consequência, ordenar a restituição ao Requerente da quantia paga de € 5.081,85, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efectuado até à data do integral reembolso do mesmo.
* * *
Fixa-se o valor do processo em Euro 5.081,85, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
O montante das custas é fixado em Euro 612,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 13 de Novembro de 2017.
O Árbitro,
Dr. Henrique Nogueira Nunes
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.