Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 121/2017-T
Data da decisão: 2017-11-14  Selo  
Valor do pedido: € 15.582,56
Tema: Imposto do Selo – Verba 28.1 TGIS – propriedade vertical.
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Decisão Arbitral

 

RELATÓRIO

 

  1. Em 16 de Fevereiro de 2017, a A…, S.A., NIPC …, adiante designada por Requerente, com sede em Portugal, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).
  2. A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. B…, e a Requerida é representada pelas juristas, Dr.ª C… e Dr.ª D… .
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 24 de Fevereiro de 2017.
  4. Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende, a título principal, que seja declarada a ilegalidade, e respectiva anulação, dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, relativos ao ano de 2015, que se discriminam:
  1. Doc. n.º 2016…, referente ao 1.º andar, no montante de € 825,86;
  2. Doc. n.º 2016…, referente ao 2.º andar, no montante de € 825,86;
  3. Doc. n.º 2016…, referente ao 3.º andar, no montante de € 850,63;
  4. Doc. n.º 2016… referente ao 4.º andar, no montante de € 850,63;
  5. Doc. n.º 2016… referente ao 5.º andar, no montante de € 858,90;
  6. Doc. n.º 2016… referente ao 6.º andar, no montante de € 858,90;
  7. Doc. n.º 2016… referente ao 7.º andar, no montante de € 185,05, tudo num total de € 5.255,83 (cinco mil, duzentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e três cêntimos), incidentes sobre o prédio inscrito sob o artigo … da freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa, em propriedade vertical/total, respeitante aos andares ou divisões com utilização independente correspondente ao primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto e sétimo andar, e a título subsidiário, a declaração de ilegalidade, e respectiva anulação, do acto de liquidação de Imposto do Selo, referente ao ano de 2015, no montante de € 15.582,56 (quinze mil, quinhentos e oitenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos).
  1. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.
  2. O Árbitro aceitou a designação efectuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 22 de Maio de 2017, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme ata da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.
  3. Depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou, a 23 de Junho de 2017, a sua resposta, na qual invocou uma excepção que o Tribunal entendeu conhecer apenas aquando da decisão final, tendo, em consequência, notificado por despacho de 25.08.2017, as partes, desta decisão preliminar, bem como, da dispensa da reunião do artigo 18.º do RJAT e da produção de alegações, solicitada pela Requerida, em caso de concordância da Requerente. Face ao silêncio desta, considerou, assim, o tribunal arbitral ser de dispensar a aludida reunião, bem como as mencionadas alegações, atendendo à inexistência de necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis.
  4. O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 22 de Novembro de 2017 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido a Requerente, no despacho de 25 de Agosto de 2017, de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

A Requerente sustenta os pedidos (principal e subsidiário) de anulação das liquidações de Imposto do Selo referente ao ano de 2015, constantes dos documentos com os n.ºs 2016…; n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016… e n.º 2016…, no valor total de € 5.255,83 (cinco mil, duzentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e três cêntimos), e a título subsidiário, «caso o tribunal entenda que o imposto de selo só pode ser impugnado na sua globalidade», de anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2015, no montante de € 15.582,56 (quinze mil, quinhentos e oitenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos) a que foi sujeita, relativamente aos andares ou partes susceptíveis de utilização independente, afectos a habitação, do prédio inscrito sob o artigo … na respectiva matriz, sito na …, n.º…, em Lisboa, freguesia de …, concelho de Lisboa, que se encontra em propriedade vertical, por ilegais, por enfermarem nos seguintes vícios:

  1. Erro sobre os pressupostos de aplicação da verba 28.1 da TGIS, porquanto, entende a Requerente que «[a] sujeição ao imposto do selo contido na verba n.º 28.1 da TGIS, é determinado pela conjugação de dois critérios. A afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000,00. No caso de um prédio com características idênticas às descritas nos presentes autos, a sujeição a imposto do selo é determinada não pelo VPT do prédio, mas pelo VPT atribuído a cada um dos andares ou divisões.(…) Só haveria lugar a liquidação do imposto do selo se alguma das partes ou andares com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.»
  2. Continua, a Requerente referindo que: «[p]ara o legislador o fator determinante é a utilização normal do prédio, ou seja, o fim a que o mesmo se destina. O legislador não fez nenhuma distinção entre os prédios em propriedade vertical e os prédios sujeitos ao regime da propriedade horizontal. No caso em apreço só pode relevar a verdade material subjacente ao prédio e à respectiva utilização.»
  3. Aduz, ainda, que: «[a] AT não pode considerar como valor de referência do novo imposto o valor total do prédio, uma vez que o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI, sendo este o Código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba 28 TGIS. O critério pretendido pela AT carece de fundamento legal e é contrário ao critério adotado em sede de CIMI, aplicável aos casos do imposto do selo que não se encontrem regulados.»
  4.  Vício de violação de Lei constitucional, mormente do princípio da igualdade e da proporcionalidade fiscal, por entender a Requerente que se «considerar como valor de referência o somatório dos valores patrimoniais atribuídos a cada um dos andares (…) [o] legislador não pode tratar situações iguais de forma diferenciada, pois se fosse um prédio submetido ao regime da propriedade horizontal, nenhuma das fracções estaria sujeita ao novo imposto do selo
  5. Sumariando a sua posição, menciona que «Em suma a verdade material é que deverá prevalecer como critério da capacidade contributiva, e não uma realidade meramente formal do prédio», para concluir no sentido de que «os atos de liquidação da autoridade tributária são manifestamente ilegais e devem ser anulados
  6. Subsidiariamente, aduz a Requerente o pedido, de que, caso assim se considere «que o imposto do selo só pode ser impugnado na sua globalidade, (…) a Requerente, desde já, requer que sejam anulados todos os actos de liquidação de imposto do selo do ano de 2015(…)» no montante de € 15.582,56 (quinze mil, quinhentos e oitenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos), com os fundamentos acima indicados.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

Por seu lado, a AT vem, na sua resposta, defender-se, por excepção e por impugnação: 

  1. Por excepção, invoca, a Requerida, por um lado, a incompetência material do tribunal arbitral e a inimpugnabilidade dos actos, por entender, por um lado, que «a Requerente não impugna um ato tributário, mas impugna, antes, o pagamento de uma prestação (3.ª) de um ato tributário constante de um documento que é uma nota de cobrança. (…) Matéria esta, que não consta, em absoluto, do conjunto de normas que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do art.º 2.º do RJAT. Donde o ato objeto do pedido de pronúncia arbitral sub judice extravasa a competência do Tribunal Arbitral, tendo em conta que o mesmo é materialmente incompetente, face ao disposto no art.º 2.º do RJAT, para apreciar a legalidade de uma prestação do ato de liquidação, que não é em si nenhum ato tributário.»,
  2. … e por outro, por considerar que: « (…) o Imposto do Selo a que se refere a verba 28 da TGIS é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial. Razão pela qual, o pagamento de uma das prestações da liquidação efetuada ao abrigo o disposto na verba 28.1 da TGIS não é um pagamento parcial daquela liquidação, mas tão só uma técnica de cobrança do imposto liquidado. (…) Assim, verifica-se que existe uma única liquidação e o seu pagamento é concretizado em prestações, o que não permite a impugnação de uma só prestação ou documento de cobrança nesse valor parcelar.»
  3. Por impugnação e no que toca ao alegado erro sobre os pressupostos das liquidações, entende a Requerida que: [à] data a Requerente detinha a propriedade plena do prédio urbano em análise, avaliado nos termos do CIMI, no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos, descrito como «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente», com valor patrimonial tributário (VP) superior a € 1.000.000,00
  4. Ora, «[o] que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária, (…).De acordo com as regras do CIMI, concretamente o artigo 113º, n.º 1, a liquidação efectua-se com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que as mesmas respeitam (no caso do imposto de 2015)», pelo que «[r]elativamente aos prédios em regime de propriedade total, que não possuem fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, ( n.º 4 do citado artigo 2º do CIMI), o valor patrimonial a atender é ao do prédio no seu conjunto.».
  5. Concluindo, assim, no sentido de que «(…) deve o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações de imposto de selo ora impugnadas, por configurarem uma correcta aplicação da lei aos factos.»
  6. No que ao alegado vício de violação de Lei constitucional refere a Requerida que «não se vislumbra como é que a tributação em causa possa ter violado qualquer princípio nomeadamente o da igualdade ou proporcionalidade tributárias (…)«, porquanto e no que toca à alegada violação do princípio da igualdade, manifesta a Requerida o entendimento de que: «(…) a previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação deste princípio constitucional, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações, porque “são institutos jurídicos diferenciados.”
  7. Mais entende que ” [a] constituição da propriedade horizontal implica, é um facto, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma avaliação (ofício – circulado n.º 40.025, de 11.08.200, da DSCA), mas o legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, em especial beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente e apenas por isso, arbitrária. Esta discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal. (…)». Ademais, «a inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta de uma discrição na matriz do prédio na sua totalidade – veja-se a caderneta predial deste prédio que representam o documento do proprietário contendo os elementos matriciais do prédio.»
  8. Continuando, a sua tese, manifesta, a Requerida o entendimento que «estas normas e procedimentos de avaliação, as normas sobre a inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação das partes susceptíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime de propriedade vertical, isto, porque, e como já se referiu, seria ilegal e inconstitucional. Estes regimes jurídico-civilísticos são diferentes, e a lei fiscal respeita-os.
  9. Acrescentando, ainda, que: « [p]or isso mesmo o facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. consiste na propriedade (ou usufruto), de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, de o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto ser o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente.»
  10. Com efeito, esta «(…) é uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os respectivos pressupostos de facto e de direito. Também a diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total face a um imóvel constituído em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras. Com efeito, a constituição em propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das fracções que a constituem, para todos os efeitos legais, nos termos do nº 2, do art. 4º, do CIMI, e do art.º 1414º e seguintes do CC, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária. Deste modo, não se pode concluir por uma alegada discriminação em violação do princípio da igualdade quando, na verdade, estamos perante realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente.»
  11. Pelo que, entende ser «necessariamente de concluir que os actos tributários em causa não violaram qualquer princípio legal ou constitucional, devendo assim ser mantidos.»

 

 IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de Facto

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente, em 2015, era proprietária do prédio urbano sito na …, n.º…, freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo… . (cfr. fls 9 a 16 do processo administrativo);
  2. O prédio compreendia um total de 10 andares ou divisões com utilização independente, sendo que apenas 7 se encontram afectas a habitação, cujo valor patrimonial tributário (VPT), determinado ao abrigo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), varia entre € 37.010,00 e € 257.670,00 (cfr. fls 9 a 16 do processo administrativo);
  3. O prédio em causa encontra-se em regime de propriedade vertical ou total. (cfr. fls 9 a 16 do processo administrativo);
  4. O somatório dos VPT das mencionadas frações autónomas afectas a habitação ascende a € 1.558.250,00 (um milhão, quinhentos e cinquenta e oito mil, duzentos e cinquenta euros), tendo cada uma delas individualmente, um VPT inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) (cfr. fls 9 a 16 do processo administrativo);
  5. A inscrição matricial n.º … identifica separadamente cada uma das unidade autónomas de utilização independente, encontrando-se também discriminado o respetivo VPT resultante da avaliação geral (cfr. fls 9 a 16 do processo administrativo);
  6. O Imposto do Selo referente ao ano de 2015, efectuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sobre os andares e divisões com utilização independente afectas a habitação, no valor global de € 15.582,56 foi liquidado a 05.04.2016. (cfr. fls. 1 do processo administrativo);
  7. A Requerente foi notificada das três prestações (Abril, Julho e Novembro) relativas ao acto de liquidação de Imposto do Selo respeitantes ao ano de 2015, efectuados ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sobre os andares e divisões com utilização independente afectas a habitação, no valor global de € 15.582,56 (acordo das partes);
  8. Em Novembro de 2016, a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento da 3.ª prestação do imposto do selo (cfr. Doc. n.º 1 a 7 juntos com a petição inicial);
  9. A Requerente procedeu ao pagamento das notas de cobrança emitidas para pagamento do Imposto do Selo sindicado, no montante global de € 15.582,56 (cfr. fls 19 do processo administrativo);
  10. No dia 16 de Fevereiro de 2017, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral no qual peticionou, a título principal, a declaração de ilegalidade das, por ela denominadas, liquidações n.ºs 2016…; n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016… e n.º 2016…, no valor total de € 5.255,83 (cinco mil, duzentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e três cêntimos), e a sua respectiva anulação, e a título subsidiário, a declaração de ilegalidade do acto de liquidação do Imposto do Selo do ano de 2015, «na sua globalidade», no montante de € 15.582,56 (quinze mil, quinhentos e oitenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos).

 

VI. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

VII. Motivação da matéria de facto dada como provada

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral.

 

VIII. Questão prévia

 

  1. A Requerida, na sua resposta, defende-se invocando a excepção de incompetência do tribunal arbitral e a inimpugnabilidade dos actos, atendendo que, na sua perspetiva, constituem as terceiras prestações aqui sindicadas a um valor unitário de imposto.
  2. Afere a Requerida quanto a esta matéria, por um lado, que «a Requerente não impugna um ato tributário, mas impugna, antes, o pagamento de uma prestação (3.ª) de um ato tributário constante de um documento que é uma nota de cobrança. (…) Matéria esta, que não consta, em absoluto, do conjunto de normas que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do art.º 2.º do RJAT. Donde o ato objeto do pedido de pronúncia arbitral sub judice extravasa a competência do Tribunal Arbitral, tendo em conta que o mesmo é materialmente incompetente, face ao disposto no art.º 2.º do RJAT, para apreciar a legalidade de uma prestação do ato de liquidação, que não é em si nenhum ato tributário.»,
  3. … e por outro, considera que: « (…) o Imposto do Selo a que se refere a verba 28 da TGIS é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial. Razão pela qual, o pagamento de uma das prestações da liquidação efetuada ao abrigo o disposto na verba 28.1 da TGIS não é um pagamento parcial daquela liquidação, mas tão só uma técnica de cobrança do imposto liquidado. (…) Assim, verifica-se que existe uma única liquidação e o seu pagamento é concretizado em prestações, o que não permite a impugnação de uma só prestação ou documento de cobrança nesse valor parcelar.»

 

Vejamos se lhe assiste razão.

 

  1. Antes de mais, cumpre mencionar que, nos termos do artigo 16.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT)[1], aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. a) e e) do RJAT:

 «1. A infracção das regras de competência em razão da hierarquia e da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal.

2. A incompetência absoluta é de conhecimento oficioso e pode ser arguida pelos interessados ou suscitada pelo Ministério Público ou pelo representante da Fazenda Pública até ao trânsito em julgado da decisão final

  1. Na verdade, e segundo a doutrina[2] «as questões de competência absoluta são de conhecimento oficioso e o seu conhecimento precede o de qualquer outra questão (arts. 16, n.º 2 do CPPT e 13.º do CPTA). Assim, as incompetências em razão da matéria e em razão da hierarquia, em processos judiciais, devem ser conhecidas oficiosamente, precedendo o conhecimento de quaisquer outras questões (…)
  2. No entanto, e porque estamos no âmbito de um pedido de pronúncia arbitral, torna-se absolutamente necessário recorrer ao Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).
  3. Assim compulsando o n.º 1 do artigo 2.º deste diploma, podemos constatar que:

«A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;».

  1. Com efeito, o processo judicial tributário compreende, nos termos do artigo 97.º do CPPT:

«a) A impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;».

  1. Na verdade, a primeira conclusão que se poderia retirar da leitura destes normativos legais é que a pretensão de declaração de ilegalidade de actos de liquidação pode ser objecto de impugnação judicial ou, em alternativa, de pedido de pronúncia arbitral.
  2. Porém, questiona-se, face ao caso em concreto, nomeadamente, no que toca em particular ao pedido principal formulado na presente pronúncia arbitral: se podem ser objecto do pedido de pronúncia arbitral as notas de cobrança da 3.ª prestação relativas às liquidações de Imposto do Selo do ano de 2015?
  3. Ora, a resposta a esta questão, respectivo raciocínio lógico e fundamento de direito, – no caso em concreto, não quanto à 3.ª prestação, mas à 1.ª do Imposto do Selo referente ao ano de 2015, onde a Requerente foi já parte – foi já facultada na decisão arbitral proferida no processo 358/2016-T, de 16.01.2017, que aqui trazemos à colação pelo seu manifesto interesse e aplicação ao caso em concreto, a qual acompanhamos na íntegra.
  4. Assim, para a cabal resposta à questão colocada supra, fez constar aquela decisão arbitral a necessidade de recortar o conceito de liquidação para aferir a competência do tribunal, tendo-o feito do seguinte modo:

«Em concretização de tal conceito ensinava VÍTOR FAVEIRO: «…trata-se de um acto administrativo, de aplicação de norma de incidência e da respectiva taxa de quotidade, à matéria colectável prévia ou supostamente determinada; da expressão aritmética do valor pecuniário da obrigação tributária correspondente, e sua imputação à pessoa do contribuinte; e da declaração, substantiva e formal, de tal operação e sua notificação ao contribuinte, com efeitos definitivos e executórios de efectiva obrigação do contribuinte e direito subjectivo de crédito do Estado».

Nesta linha, acrescenta BRAZ TEIXEIRA: «É necessário não confundir as prestações periódicas, que, embora realizando-se por actos sucessivos, em momentos diversos, têm origem numa mesma obrigação e constituem as várias parcelas de uma mesma prestação que se cindiu, com as prestações que devem efectuar-se periodicamente, não devido a uma divisão da prestação global, mas sim ao nascimento, também periódico, de novas obrigações, pela permanência dos pressupostos de facto da tributação».

 

  1. Nesta sequência, considerou aquele aresto que «(…) tais definições partilham de um denominador comum, isto é, que existirá uma única liquidação por cada facto tributário, através da qual se apurará o valor da colecta. Consequentemente, se assim o é, cada liquidação pode ser objecto de uma única impugnação.»
  2. Sucede que, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 23.º do Código do Imposto do Selo (CIS), em vigor à data dos factos, segundo o qual: «Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, (…) aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI».
  3. Dispondo para o efeito, o n.º 1 do artigo 113.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI): «O imposto é liquidado anualmente…» e o n.º 2 acrescenta que: «A liquidação referida no número anterior é efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte».
  4. Com efeito, resulta da conjugação destas normas que, não obstante, o valor resultante da liquidação poder ser pago em prestações, a verdade é que tal «não significa que, por via de regra, tenham sido praticadas várias liquidações. Em bom rigor, a liquidação é una e, se assim o é, apenas pode alicerçar um único pedido de impugnação»[3].
  5. Ora, no caso dos autos, a Requerente formula como pedido principal que seja «declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de imposto do selo (n.º 2016…; n.º 2016…; n.º 2016…; n.º 2016…; n.º 2016…; n.º 2016… e n.º 2016… sobre os andares que constituem prédio urbano sito na …, número…, sob a ficha n.º … da freguesia do … inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….º da freguesia de … de Doc. 1 a Doc7»., o que, depois de compulsar os documentos mencionados, constatamos que respeitam à 3.ª prestação do Imposto do Selo do ano de 2015.
  6. Ademais, e por forma a evidenciar a sua pretensão quanto à declaração de ilegalidade, e respectiva anulação, das notas de cobrança respeitantes à 3.ª prestação do Imposto do Selo, aduz a Requerente, nos artigos 30.º a 32.º do requerimento inicial que: «A Requerente pode impugnar autonomamente a liquidação de cada uma das prestações de imposto do selo, quanto ao mesmo imóvel e quanto ao mesmo imposto do selo. (artigo 30.º)

Em Novembro de 2016 a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento da 3.ª prestação do imposto do selo, o que não deixa de consubstanciar um ato tributário. (artigo 31.º)

Ao ser notificada para pagamento de cada uma das prestações (1.ª, 2.ª e 3.ª prestações), a Requerente é notificada da liquidação de actos tribuários isolados e com prazos de impugnação autónomos;»(artigo 32.º da douta petição inicial)

  1. Assim, resulta claro que a Requerente subsume a 3.ª prestação de imposto a uma liquidação, pretendendo a sua anulação, por ilegal, quando na realidade, é a mesma a notificação para proceder ao pagamento da última prestação do acto de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2015.
  2. Deste modo, e tendo em consideração esta posição da Requerente – pedido que se consubstancia na declaração de ilegalidade, e respectiva anulação, de uma nota de cobrança referente à 3.ª prestação de Imposto do Selo, constata o tribunal que se verifica a excepção dilatória de incompetência absoluta, por via da incompetência do tribunal em razão da matéria, pelo facto de os actos subjacentes ao pedido de pronúncia arbitral não constituírem «actos de liquidação de tributos», na acepção na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, pelo que, se declara a identificada e arguida excepção dilatória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 16.º do CPPT, o que determina, como consequência a absolvição da instância da Requerida, cfr. artigo 99.º, n.º 1 e artigo 576.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicáveis por via do artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.
  3. Assim, o reconhecimento da incompetência deste tribunal inviabiliza a apreciação do mérito da causa, no que ao pedido principal respeita.

 

II –Do pedido subsidiário

 

  1. Introito:
  1. A requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral no dia 16.02.2017, pretendendo, quanto ao que ao pedido subsidiário diz respeito, a anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo, relativo ao ano de 2015, no valor de € 15.582,56 (quinze mil, quinhentos e oitenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos), incidente sobre o prédio urbano inscrito sob o artigo …, fracções a que corresponde o primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto e sétimo andar, da freguesia de …, que discrimina da seguinte forma:

 

● € 825,88 referente ao primeiro andar (n.º 2016…);

● € 825,88 referente ao segundo andar (n.º 2016…);

● € 850,64 referente ao terceiro andar (n.º 2016…);

● € 850,64 referente ao quarto andar (n.º 2016…);

● € 858,90 referente ao quinto andar (n.º 2016…);

● € 858,90 referente ao sexto andar (n.º 2016…);

● € 185,05 referente ao sétimo andar (n.º 2016…);

 

● € 825,86 referente ao primeiro andar (n.º 2016…);

● € 825,86 referente ao segundo andar (n.º 2016…);

● € 850,63 referente ao terceiro andar (n.º 2016…);

● € 850,63 referente ao quarto andar (n.º 2016…);

● € 858,90 referente ao quinto andar (n.º 2016…);

● € 858,90 referente ao sexto andar (n.º 2016…);

● € 185,05 referente ao sétimo andar (n.º 2016…);

 

● € 825,86 referente ao primeiro andar (n.º 20160…);

● € 825,86 referente ao segundo andar (n.º 2016…);

● € 850,63 referente ao terceiro andar (n.º 2016…);

● € 850,6 referente ao quarto andar (n.º 2016…);

● € 858,90 referente ao quinto andar (n.º 2016…);

● € 858,90 referente ao sexto andar (n.º 2016…);

● € 185,05 referente ao sétimo andar (n.º 2016…).»

 

  1. Com efeito, formula a Requerente o pedido subsidiário que aduz, da seguinte forma:

 «Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária os tribunais arbitrais tem competência para decidir sobre os atos de liquidação de tributos e sobre os atos de determinação da matéria coletável.

Com base no ato de liquidação emitido, o mesmo procede a três atos:

  1. A determinação da coleta;
  2. A determinação do valor patrimonial do prédio; e
  3. A liquidação de um tributo (ainda que em 3 prestações).

(…)

Dispondo de um prazo de 90 dias, contados da notificação de cada uma das prestações do imposto do selo para o efeito – cfr. artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária e n.º 1 e n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário.

 

Caso o tribunal entenda que o imposto de selo só pode ser impugnado na sua globalidade – o que apenas se equaciona por cautela de patrocínio – a Requerente desde já requer que sejam anulados todos os atos de liquidação de imposto do selo do ano de 2015 (…)» discriminados supra.

 

Vejamos se lhe assiste razão.

 

  1. Da matéria de facto dada como provada com interesse:

 

  1. O Imposto do Selo referente ao ano de 2015, efectuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sobre os andares e divisões com utilização independente afectas a habitação, no valor global de € 15.582,56 foi liquidado a 05.04.2016. (cfr. fls. 1 do processo administrativo);
  2. A Requerente foi notificada das três prestações (Abril, Julho e Novembro) relativas ao acto de liquidação de Imposto do Selo respeitantes ao ano de 2015, efectuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sobre os andares e divisões com utilização independente afectas a habitação, no valor global de € 15.582,56 (acordo das partes.);
  3. Em Novembro de 2016, a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento da 3.ª prestação do imposto do selo (cfr. Doc. n.º 1 a 7 juntos com a petição inicial);
  4. A Requerente procedeu ao pagamento das notas de cobrança emitidas para pagamento do Imposto do Selo sindicado, no montante global de € 15.582,56 (cfr. fls 19 do processo administrativo);
  5. No dia 16 de Fevereiro de 2017, a Requerente apresentou o presente pedido de pronuncia arbitral no qual peticionou,

 

Apreciação

 

  1. Ora, é verdade, como refere e bem a Requerente que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, o tribunal arbitral tem competência para apreciar a «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.», e que nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do mesmo diploma «O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado: no prazo de 90 dias , contado a partir dos factos previstos nos n.º 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos factos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;».
  2. Este preceito legal remete claramente para o disposto no artigo 102.º do CPPT, o qual prevê, por seu turno, na alínea a) do seu n.º 1 que: “A impugnação será apresentada no prazo de 3 meses contados a partir dos factos seguintes: a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações notificadas ao contribuinte.”
  3. Sendo manifesto que o legislador pretendeu com esta norma legal conceder um prazo de 3 meses para o sujeito passivo impugnar um acto de liquidação do qual seja notificado e com o qual não concorde, devendo para o efeito fundamentá-lo numa ilegalidade prevista no artigo 99.º do CPPT.
  4. Na verdade, no caso em concreto, pretende a Requerente, a título subsidiário como aludido, a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo, referente ao ano de 2015, no montante de € 15.582,56, que lhe foi notificado em Abril de 2016, cujo prazo para proceder ao seu pagamento voluntário terminou a 30.04.2016.
  5. Com efeito, e conforme dispõe o já referido n.º 7 do artigo 23.º do CIS, à data dos factos, que: «Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, (…) aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI».
  6. …e, seguindo, por remissão daquela norma, para o disposto no n.º 1 do artigo 113.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), nos termos do qual: «O imposto é liquidado anualmente…», é o seu pagamento, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 120.º do CIMI, aplicável por força do disposto no n.º 2 do artigo 67.º do CIS, à data dos factos, - atendendo ao valor do imposto apurado no caso em concreto - efectuado, «em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro (…)».
  7. Entende o presente tribunal que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, o prazo para impugnar o acto de liquidação de Imposto do Selo, notificado à Requerente, em Abril de 2016, teve início com o término do prazo para o pagamento voluntário, ou seja, a 30.04.2016,
  8. …pelo que, e atendendo que «I – O prazo da impugnação judicial é de natureza substantiva e não um prazo judicial contando-se nos termos do art. 279º do CC, como expressamente se refere no nº 1 do art. 20º do CPPT, correndo continuamente, sem qualquer interrupção ou suspensão.
    II – Na contagem do prazo não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr (notificação, citação ou formação de indeferimento tácito),
    (…)»[4]
  9. … o prazo de 90 dias previsto naquela norma legal do RJAT teve início no dia 01.05.2016, e o seu término no dia 29.07.2016.
  10. Ora, tendo presente que a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral teve lugar somente a 16.02.2017, há muito que caducou o seu direito do impugnar, por ultrapassados os 90 dias previstos no artigo 10.º do RJAT.
  11. Na verdade, e não obstante, a caducidade do direito de impugnar não tenha sido arguida pela Requerida, na sua resposta, a verdade é que é a mesma de conhecimento oficioso, conforme refere Jorge Lopes de Sousa[5], em anotação ao seu artigo 102.º CPPT, com aplicação ao presente pedido de pronúncia arbitral, por força do disposto no artigo 29.º do RJAT:

«Conhecimento oficioso da caducidade do direito de impugnação de actos anuláveis

Na falta de dedução de impugnação judicial dentro do prazo legal aplicável, os interessados perdem o direito de impugnar o acto respectivo, se o vício do acto é gerador de anulabilidade. Como resulta do disposto no art. 135.º do CPA, a sanção da anulabilidade é residual, sendo aplicável sempre que a lei não preveja outra sanção para os actos administrativos (em que se incluem os tributários) praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis.

A impugnação dos actos anuláveis tem se de fazer no prazo que estiver previsto na lei, para cada caso. Se a impugnação não for deduzida nesse prazo, caduca o direito de impugnar com fundamento em vícios geradores de anulabilidade.

A caducidade do direito de impugnar é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, uma vez que os direitos do Estado consubstanciados em actos tributáveis não são direitos disponíveis e a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes (art.333.º, n.º 1 do CC).»

 

  1. Mais sustentando este autor que[6]:

«Consequência da intempestividade da petição -Absolvição da instância e absolvição do pedido.

No caso de a petição ter sido apresentada fora do prazo legal, ela deverá ser liminarmente indeferida, quando o processo é apresentado ao juiz para efeitos do disposto no art.110, n.º 1 do CPPT.

No entanto, se a decisão no sentido da intempestividade (caducidade do direito de impugnar) não for proferida liminarmente, não há obstáculo a que seja apreciada posteriormente, designadamente na decisão final, pois não há no processo de impugnação judicial a proibição de conhecimento, após o despacho saneador, das questões que possam obstar ao conhecimento do mérito que se prevêem, para a acção administrativa especial, no n.º 2 do art. 87.º do CPTA.

A consequência da intempestividade da petição, quando não é objecto de despacho liminar, parece que deve ser, em processos impugnatórios tributários, a absolvição da instância e não absolvição do pedido.

As excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (art. 493, n.º 2 do CPC)».

 

  1. Deste modo, e tendo em consideração que a Requerente apresentou o pedido de constituição do presente tribunal arbitral, a 16.02.2017, no sentido da declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2015, no montante de € 15.582,56, notificado em Abril de 2016, cujo prazo para o pagamento voluntário terminou a 30.04.2016,
  2. Iniciando-se, em consequência, o direito de impugnar a 01.05.2016, não pode o tribunal arbitral deixar de concluir que o prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, se verificou a 29.07.2016, tendo nesta data caducado o direito do Requerente de impugnar aquele acto de liquidação, determinando-se, em consequência, a absolvição da instância da Requerida, cfr. artigo 102.º do CPPT, aplicável por via do artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.

 

DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

  1. Considerar procedente a excepção de “incompetência do tribunal arbitral e a inimpugnabilidade dos actos” invocada pela Requerida, face à incompetência absoluta do tribunal, e em consequência, absolver a Requerida da instância, quanto ao pedido principal.
  2. Dar por verificada a caducidade do direito de impugnar o acto de liquidação de Imposto do Selo impugnado pela Requerente, relativo ao ano de 2015, no montante de € 15.582,56, e em consequência, absolver a Requerida da instância, também, quanto ao pedido subsidiário.

Valor do Processo

 

Apesar de a Requerente ter formulado o seu pedido principal através das notas de cobrança da 3.ª prestação de Imposto do Selo do ano de 2015, efectuada ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, a verdade é que a utilidade económica do pedido determina-se pelo valor da liquidação, como estabelece o artigo 97.º - A do CPPT, aplicável ex-vi do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT, sendo, no caso em concreto, o valor de € 15.582,56 (quinze mil, quinhentos e oitenta e dois euros e cinquenta e seis euros), constante do pedido subsidiário.

 

Assim sendo, deve ser este o montante a considerar para efeitos de determinação do valor do processo, e respectiva utilidade económica do pedido, face ao dever de o tribunal atender a todos os elementos constantes nos autos, cfr. artigo 308.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.

 

Fixa-se, deste modo, o valor do processo em € 15 582,56, nos termos do artigo 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT). 

 

Custas

Custas a cargo da Requerente de acordo com o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 918,00.

 

Notifique-se.

Lisboa, 14 de Novembro de 2017

***

O Árbitro

 

 

 

 

(Jorge Carita)

 



[1] Conteúdo constante, igualmente, dos artigos 577.º, al. a) e 578.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), também aqui aplicável por força das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

[2] In Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol.I, 6.º Edição, 2011, Jorge Lopes de Sousa, pág. 218

[3] Posição assumida na decisão arbitral proferida no âmbito dos processos n.º 358/2016-T, 346/2015-T e 736/2014-T

[4] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 01213/12, de 27.02.2013

[5] In Código do Processo e do Procedimento Tributário Anotado e Comentado, volume II, 2011, 6.ª Edição, Áreas Editora, pág. 155

[6] In obra citada, pág. 163