Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 765/2016-T
Data da decisão: 2017-10-27  IVA  
Valor do pedido: € 117.002,79
Tema: IVA – Direito à dedução – Pressupostos - Factura.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Paulo Lourenço e António Alberto Franco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 29 de Dezembro de 2016, A…, Lda, NIPC…, com sede na …, …, …, …-… Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos de liquidação de IVA e juros, no valor de € 117.002,79:

 

 

                                     

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que se verifica erro sobre os pressupostos, considerando que os serviços de inspecção procederam à correcção de IVA indevidamente deduzido por falta de verificação de requisitos formais nas facturas, desrespeitando o princípio da neutralidade.

Alega ainda, relativamente à liquidação do período 1/2013, a falta de notificação da mesma.

Por requerimento de 30-06-2017, alegou a Requerente, ainda, a caducidade do direito à liquidação, por falta de notificação da mesma dentro do prazo a que alude o artigo 45.º/1 do CPPT.

 

  1. No dia 30-12-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 14-02-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 28-03-2017.

 

  1. No dia 11-05-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações pela Requerida.

 

  1. Nos termos e para os efeitos do art.º 21.º/2 do RJAT, prorrogou-se por dois meses o prazo para emissão e notificação da decisão final, a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo, e por 30 dias o prazo oportunamente indicado nos termos e para os efeitos do art.º 18.º/2 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente está, e estava em 2012 e 2013, enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal, como sujeito passivo que realiza operações que conferem direito à dedução, e que desenvolve como actividade principal “Outras actividades consultoria para os negócios e a gestão”, com o CAE 70220 e, como actividade secundária, “Salões de Cabeleireiro”, com o CAE 96021 e foi objecto de Procedimento Inspectivo levado a cabo pela Direcção de Finanças de Lisboa, credenciado pela ordem de serviço Ordem de Serviço n.º OI2014…, com despacho de 03 de Fevereiro de 2016, tendo como objectivo o controlo declarativo em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) com referência ao período de tributação de 2012.
  2. Para efeitos do disposto no artigo 49.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA) foi enviada a correspondente carta-aviso (ofício n.º…, de 03-02-2016, com registo dos CTT n.º RD …PT).
  3. Os actos inspectivos iniciaram-se em 15-04-2016 e foram concluídos em 07-07-2016, com a assinatura da ordem de serviço e da nota de diligência, respectivamente.
  4. A A… é, e eram em 2012 e 2103, detida na totalidade pela empresa B… SGPS, S.A, NIPC … .
  5. No decurso do procedimento inspectivo foram detectadas divergências entre os anexos O e P entregues pelo sujeito passivo e os mesmos anexos entregues pelos clientes e pelos fornecedores.
  6. As divergências detectadas, no preenchimento dos anexos O e P, por parte da A…, foram as seguintes:

 

 

 

  1. Na parte «III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável», fez-se constar do RIT que não foram detectadas incorrecções quanto ao IVA liquidado.
  2. Quanto ao IVA dedutível, consta do RIT o seguinte:

“As contas 24321132011 e 24321132121 encontram-se debitadas com valores correspondentes ao IVA suportado pelo sujeito passivo, na aquisição de mercadorias e de serviços que lhe foram prestados. Os montantes do IVA suportado encontram-se declarados nos campos 22 e 24 das declarações periódicas de imposto.

III.1.1. Requisitos da alínea a) do n.º 5 do artigo 36.p do CIVA (Anexo, fls. 10)

O sujeito passivo considerou dedutível, o IVA indicado nas faturas discriminadas no quadro seguinte:

Estes documentos não contêm o número de identificação fiscal e a sede do prestador de serviços, obrigação imposta pela alínea a) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA.

Na nota de débito n.º 2/2012, os elementos relativos à denominação social e ao número de identificação fiscal do prestador não foram inseridos informaticamente e as mercadorias adquiridas não foram discriminadas.

Pelo disposto, nos termos do n.º 2 do art.º 19.º do CIVA, não pode ser considerado dedutível IVA no montante de € 1.720,52, por incumprimento do disposto na alínea a) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA.

III.1.2. Requisitos da alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA (Anexo, fls. 11 a 22)

Da análise documental verifica-se que alguns dos documentos que servem de suporte ao IVA dedutível não cumprem com os requisitos de emissão de fatura previstos no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, mais especificamente com o previsto na alínea b).

O CIVA estabelece, por regra, a obrigatoriedade dos sujeitos passivos procederem à emissão de uma fatura pelas prestações de serviços que efetuarem, estabelecendo no art.º 36.º os requisitos a que a mesma deverá obedecer, sendo o seu cumprimento determinante para considerar os documentos assim emitidos processados em forma legal.

A lei estabelece determinadas exigências relativas à emissão de faturas, nomeadamente, o n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, dispõe que as faturas devem conter a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, especificando os elementos necessários à determinação da taxa aplicável, ou seja, devem conter todos os elementos necessários a uma correta identificação dos bens vendidos ou dos serviços prestados.

A doutrina administrativa já se pronunciou na questão das faturas emitidas pela prestação de serviços. O ofício-circulado n.º 181 044 de 1991-12-06 informa no ponto 1.3 que «A faturação das prestações de serviços deverá sempre quantificar e especificar as operações, não podendo aceitar-se, por exemplo, a mera indicação de ”serviços prestados”».

Também a ficha doutrinária relativa ao processo n.º 2976, com despacho do SDG dos Impostos, em 2012-02-29, vem indicar que as faturas emitidas devem, em conformidade com o ponto 6 do art.º 226.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, conter a «quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão dos serviços prestados», para que as mesmas se possam considerar passadas na forma legal.

A jurisprudência tem o mesmo entendimento sobre esta matéria, referindo que as faturas que não preencham todos os requisitos legais enunciados no art.º 36.º do CIVA, designadamente por não discriminarem os serviços que foram concretamente prestados, não podem considerar-se passadas em forma legal. Esta falta não fica sanada com a junção de declarações que atestem os elementos ora omitidos, dado não constituírem documentos equivalentes (Acórdão do STA de 2004-11-11, proc. 00105/04).

A consequência das faturas não preencherem todos os requisitos legais previstos no art.º 36.º do CIVA é não serem suporte válido para a dedução de imposto de harmonia com o n.º 2 do art.º 19.º do mesmo diploma.

Face ao exposto não é de aceitar a dedução efetuada pela A… do imposto refletido nos documentos indicados no quadro seguinte, sendo de corrigir o valor de € 100.333,84, respeitante a IVA dedutível.

 

 

III.1.3. IVA não dedutível, por período

Tendo em conta o exposto nos pontos III.1.1. e III.1.2., encontra-se em falta imposto no montante de € 102.054,36.

  1. Nos termos do artigo 60.º da LGT e do artigo 60.º do RCPIT, através do ofício n.º … de 2016-07-25, com o registo dos CTT n.º RD…PT, a Requerente foi notificada, das propostas de correcção constantes do Projecto de Relatório de Inspecção para exercer o Direito de Audição.
  2. No dia 09 de agosto, a Requerente apresentou direito de audição, relativamente às correcções propostas relativamente ao IVA dedutível, no montante de € 102.054,36.
  3. Sobre o alegado pela Requerente em sede de direito de audição, consideraram os SIT no RIT final o seguinte:

VIII.1. Da falta de aposição de NIF e denominação social por meios informáticos

A correção contestada pela A… refere-se ao IVA de € 110,52, contido na nota de débito n.º …/2012, emitida em 29-02-2012, por programa de faturação certificado.

A Lei do Orçamento de Estado de 2009 (Lei n.º 64-A/2008 de 31 de Dezembro) introduziu uma alteração ao art.º 115.º (atual art.º 123.º) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), tornando obrigatória a certificação prévia dos programas de faturação, por parte da AT.

Os sujeitos passivos, não se enquadrando em nenhuma das exceções contidas no n.º 2 do art.º 2.º da Portaria 363/2010 de 23 de junho, encontram-se obrigados à utilização de programas informáticos certificados, para a emissão de faturas.

Nos termos da alínea d) do art.º 3.º daquela Portaria, a certificação dos programas informáticos, só é atribuída, entre outras situações, quando se verificar não ser possível alterar a informação de natureza fiscal, o que implica que, qualquer dos elementos fiscais obrigatórios que devem estar contidos nas faturas, sejam inscritos informaticamente, para não serem passiveis de alteração. O princípio da Portaria é «[...] definir regras para que os programas de faturação observem requisitos que garantam a inviolabilidade da informação inicialmente prestada [...]», por forma a evitar situações de evasão fiscal.

A Respondente entende que os serviços de inspeção tributária não têm razão ao desconsiderar o direito à dedução do IVA, já que considera que a obrigação de inserir informaticamente a denominação social e o NIF do prestador, se encontra estabelecida no n.º 14 do artigo 36.º do CIVA, o qual foi aditado pelo Decreto-Lei 197/2012 de 24/08 e a fatura, cujo IVA suportado está a ser desconsiderado por estes Serviços, para efeitos de dedução, ter sido emitida em fevereiro de 2012.

De facto o Decreto-Lei que introduziu o n.º 14 ao art.º 36.º do CIVA é posterior à emissão da fatura. Por se ter consciência dessa situação, em projeto de relatório não se invocou este normativo.

Aliás tal não era necessário, pois como já foi indicado, a inscrição informática do NIF e da denominação social foi imposta em 2009, com a utilização obrigatória de programa certificado de faturação pela A… .

O Decreto-Lei 197/2012, apenas veio «[...] explicitar que nas faturas emitidas por meios eletrónicos todo o seu conteúdo deve ser processado eletronicamente [...], visando esta medida combater a economia informal, a fraude e a evasão fiscais (preâmbulo do Decreto-Lei 197/2012, quarto parágrafo).

Pelo exposto, dado que o NIF e a denominação social do prestador, devem constar das faturas, de acordo com a alínea a) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA e como estes elementos devem ser processados informaticamente, nos termos do art.º 123.º do CIRC em conjugação com a Portaria 363/2010 de 23 de junho, a pretensão do sujeito passivo não pode ser atendida, mantendo-se a correção ao IVA dedutível.

Relativamente ao documento de suporte, com o número interno 2.144, chama-se, ainda, atenção para o facto do IVA suportado e registado na conta 24321132011, também não ser dedutível, por falta de discriminação das mercadorias adquiridas, nos termos da alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA.

VIII.2. Da falta de discriminação das mercadorias adquiridas e dos serviços prestados

VIII.2.1. Das mercadorias adquiridas

As faturas que suportam o IVA dedutível corrigido têm inscrito “PRES/PT Mercadorias, na descrição do artigo transacionado.

A utilização da expressão “mercadorias” é genérica, pelo que não permite identificar os bens transacionados e, assim, aferir se a taxa de IVA aplicada foi a correta.

De acordo com a alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, as faturas devem mencionar a quantidade, a denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, reforçando ainda o legislador que, os elementos necessários à determinação da taxa aplicável devem ser especificados.

Na alínea 6) do art.º 226.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, também se indica que «A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados», «[...] devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas [...]».

A Respondente alega que, normalmente detalha os vários tipos e referências das mercadorias transacionadas, nos documentos que acompanham as mercadorias e nos documentos de suporte à operação de aquisição de mercadorias, não o fazendo nas faturas, por se tratar de mercadorias com elevado detalhe de informação.

De facto, verificou-se que as faturas em causa não discriminam os bens adquiridos pela A…, nem existe documento anexo que os discrimine.

O sujeito passivo expressa que não compreende o motivo dos serviços de inspeção tributária terem desprezado, na avaliação ao IVA dedutível, os elementos contidos naqueles documentos (entenda-se documentos de transporte e notas de encomenda), até porque no que diz respeito à documentação que acompanha a circulação das mercadorias, devem ser cumpridas as regras consagradas no Decreto- Lei n.º 147/2013, de 11/07.

Chama-se a atenção de que o CIVA e o Regime de Bens em Circulação Objeto de Transações entre Sujeitos Passivos de IVA são diplomas distintos e ambos têm relevância fiscal, sendo que o art.º 36.º do CIVA se aplica às faturas e o artigo 4 do Decreto-Lei n.º 147/2013, de 11/07, se aplica às faturas quando utilizadas como documentos de transporte, às guias de remessa ou documentos equivalentes.

Os documentos de suporte não substituem as faturas, até porque carecem de menos elementos (vidé n.º 2 do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 147/2013, de 11/07). As faturas podem substituir os documentos de transporte mas, ainda assim, é necessário que contenham todos os elementos referenciados no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA (vidé n.º 1 do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 147/2013, de 11/07).

Refira-se ainda que, para se avaliar o direito à dedução, deve-se verificar o cumprimento da condição formal prevista no n.º 2 do art.º 19.º do CIVA, que determina que só pode ser deduzido imposto mencionado em faturas passadas na forma legal, isto é, passadas em conformidade com o art.º 36.º do CIVA (n.º 6 do art.º 19.º do CIVA). O n.º 2 do art.º 19.º do CIVA refere expressamente faturas e não documentos de transporte ou documentos de suporte à operação de aquisição de mercadorias.

Uma vez que não foi inscrita na fatura a denominação usual dos bens adquiridos, o IVA suportado não pode ser dedutível, de acordo com o estipulado no n.º 2 do art.º 19.º do CIVA e na alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, não se atendendo por isso a pretensão do sujeito passivo em considerar dedutível o imposto corrigido.

VIII.2.2. Dos serviços prestados

Também a falta de inscrição na fatura, da denominação usual dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável impede que para efeitos fiscais o IVA suportado possa ser dedutível (n.º 2 e n.º 6 do art.º 19.º do CIVA, em conjugação com a alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA).

A Respondente menciona que as «[a]s faturas em causa apenas fazem referência a “prestação de serviços”. No entanto atendendo à extensão e diversidade dos serviços que estão subjacentes às referidas faturas, foi celebrado entre o prestador do serviço e a Respondente contrato de prestação de serviços com o objetivo de nele se incluírem com detalhe a natureza dos serviços, os termos e condições dessa prestação de serviços. E como neste contrato já se encontra o detalhe da operação de prestação de serviços entre as partes, a fatura associada a estes serviços já não vai fazer referência a todo esse detalhe, uma vez que já se encontra discriminado num documento legal.».

A A… estranha que não tenham sido considerados, para efeitos de avaliação do IVA dedutível, os contratos de prestação de serviço disponibilizados.

Os contratos1 não foram mencionados, porque não poderiam ser utilizados para aferir a dedutibilidade do IVA, dado não se tratarem de faturas passadas em forma legal.

Assim, face à formalidade exigida pelo n.º 2 e n.º 6 do art.º 19.º do CIVA, para que possa ocorrer a dedução do imposto, a remissão para o contrato de prestação de serviços não é suficiente, para se considerar sanada a falta de discriminação dos serviços adquiridos e para se considerarem cumpridos os requisitos legais do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA.

Conforme se faz referência no Acórdão do STA de 2009-04-15, proc. 0951/08, o IVA tem um carácter formalista, «[...] em ordem nomeadamente a evitar o mais possível, a evasão fiscal, pelo que as respectivas formalidades o são ad substanciam, que não meramente ad probationem». Significa isto que o legislador, para evitar a fuga e a fraude fiscal, exigiu várias formalidades aos documentos que atestam a existência de factos tributários.

Como o facto tributário em causa é a prestação de serviços, os documentos relevantes para efeito de liquidação do IVA são as faturas.

O elevado grau de formalização exigido confere às faturas valor probatório para efeitos de dedução de IVA.

Mais uma vez se indica que, a jurisprudência tem o mesmo entendimento sobre esta matéria, referindo que as faturas que não preencham todos os requisitos legais enunciados no art.º 36.º do CIVA, designadamente por não discriminarem os serviços que foram concretamente prestados, não podem considerar-se passadas em forma legal. Esta falta não fica sanada com a junção de declarações que atestem os elementos ora omitidos, dado não constituírem documentos equivalentes (Acórdão do STA de 2004-11-11, proc. 00105/04).

Acresce que não sendo possível identificar o serviço prestado, não é possível confirmar a dedutibilidade do IVA contido nas faturas, por se desconhecer se o serviço foi adquirido para a realização das operações elencadas no n.º 1 do art.º 20.º do CIVA.

Pelo exposto, a pretensão do sujeito passivo não pode ser atendida, quanto ao IVA suportado na aquisição de serviços.

Mantém-se as correções propostas em Projeto de Relatório.

1 Apenas foram disponibilizados contratos em que a A… é a prestadora dos serviços”

 

  1. Na sequência do RIT final, foram emitidas as liquidações acima identificadas, objecto da presenta acção arbitral.
  2. Por via de citação pessoal efectuada em 04-10-2016 no processo de execução fiscal n.º …2016… e, bem assim, da notificação de juros moratórios com o n.º 2016…, teve conhecimento da existência da Liquidação com o n.º…, referente ao período tributário de 01/2013, da qual a Requerente não tinha sido notificada.
  3. A Requerente apresentou as guias de entrada e guias de saída das mercadorias a que se referem as facturas elencadas no RIT, e relativamente às quais lhe foi negado o direito à dedução, contendo a identificação e as quantidades e valor dos produtos transaccionados.
  4. A Requerente apresentou igualmente os seguintes contratos de prestação de serviços:
    1. Contrato entre a B… SGPS, SA e a Requerente, de 01 de Janeiro de 2011, pelo qual a primeira se obrigou a prestar à segunda serviços técnicos de administração e gestão, pelo período de um ano, renovável automaticamente, sendo paga pelo número de horas afectas à prestação de serviços, em cada ano;
    2. Contratos entre a Requerente e a D…, Ld.ª, a H…, Ld.ª, a F…, Ld.ª, a T…, Ld.ª, todos de 01 de Janeiro de 2011, pelo qual a primeira se obrigou a prestar às restantes serviços de formação de pessoal técnico, serviços de acessória na área de marketing e comercial, e serviços de apoio à gestão, pelo período de um ano, renovável automaticamente, sendo paga pelo número de horas afectas à prestação de serviços, em cada ano;
    3. Contrato entre a R…, Ld.ª  e a Requerente, de 12 de Janeiro de 2012, pelo qual a primeira se obrigou a prestar à segunda serviços de concepção de novos projectos na área da beleza, desenvolvimento e prospecção de mercados nacionais, desenvolvimento de soluções de marketing e publicidade e lançamento e suporte de campanhas nacionais, até 31-12-2012, renovável automaticamente por períodos de um ano, sendo paga pelo número de horas à prestação de serviços, no valor de €125,00/hora, a pagar mensalmente.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

i. da matéria de excepção

            Começa a Requerida por arguir que no que concerne ao período de tributação 1/2013, o presente meio processual não só é inadequado como inexiste acto impugnável nos termos do artigo 84.º, n.º 4, alínea i) do CPTA, aplicável “ex vi” artigo 29.º, n.º 1 alínea a) do RJAT, uma vez que a Requerente refere que inexiste qualquer liquidação que lhe tenha sido validamente notificada pelo que não existindo liquidação, carecerá a presente acção de objecto e, por outro lado, no que concerne à cobrança, é através do meio de oposição à execução o meio processual adequado da Requerente exercer o direito.

            Ressalvado o respeito devido, julga-se não assistir qualquer razão à Requerida.

            Com efeito, e desde logo, não tem qualquer cabimento a alegação da inexistência de liquidação, que é um facto do conhecimento pessoal da própria requerida, para além de estar documentalmente provado[2], e de, por qualquer forma, não resultar sequer ter a Requerente alegado tal circunstância.

            De resto, a alegação, efectivamente formulada pela Requerente, e devidamente compreendida pela Requerida, de falta de notificação da liquidação em causa, pressupõe a existência dessa mesma liquidação, de resto demonstrada pela Requerida.

            Quanto à inidoneidade do meio processual, não assiste, igualmente, qualquer razão à Requerida já que a propriedade daquele se afere, consabidamente, pelo pedido formulado, e aquilo que a Requerente peticiona é a anulação da liquidação em questão, efeito para o qual a presente acção arbitral é, evidentemente, meio próprio, e não, como especula a Requerente, o arquivamento do processo de execução fiscal.

            Improcedem, deste modo, as excepções invocadas pela Requerida.

 

***

ii. do fundo da causa

            a. da  falta de notificação e caducidade do direito à liquidação

            Relativamente à liquidação respeitante ao período 1/2013, no seu requerimento inicial, a Requerente invoca (artigos 15º a 22º) a sua falta de notificação e, por isso, a sua ineficácia, considerando que não lhe podendo ser exigido o seu pagamento.

            Conforme é consabido, a impugnação judicial, na qual se molda o processo arbitral tributário, tem por objecto a (i)legalidade de um acto de liquidação, e não a sua ineficácia, que não se confunde com aquela.

            Com efeito, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 27-04-2017, proferido no processo 1284/08.1BESNT, “De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, há muito se fixou o entendimento de que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição a enquadrar no artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário (cfr.artº.286, nº.1, al.h), do C.P.Tributário), dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação”.

            Também o TCA-Norte refere que “Sendo a notificação um acto exterior e posterior ao acto tributário impugnado, os vícios que afectem a notificação em si, podendo embora determinar a ineficácia do acto tributário notificado, são insusceptíveis de gerar a invalidade do acto impugnado e de determinar a sua anulação.”[3].

            Tudo em consonância com o STA que afirma que “O acto de notificação de um acto tributário, é um acto exterior e posterior a este e os vícios que afectem a notificação, podendo determinar a ineficácia do acto notificado, são insusceptíveis de produzir sua invalidade por não terem a ver com o próprio acto nem com os seus pressupostos”[4].

            E, como aponta o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa[5], “Não poderão, em regra, ser utilizados como fundamento de impugnação judicial, factos que não afectem a validade dos actos, mas apenas tenham a ver com a sua eficácia, como é o caso da falta ou irregularidade da sua notificação.”.

            Em coerência, toda a jurisprudência que confere relevância à falta de notificação da liquidação em sede de processo de impugnação judicial, restringe-se a situações de falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, que gerará, essa sim, a invalidade do acto, por caducidade do direito a liquidar.

            Não sendo esse o caso, como se viu, alegado no requerimento inicial, ou seja, não estando aí em causa a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, mas a mera falta de notificação, que é causa de ineficácia, e não de invalidade, não poderá, nessa parte, proceder o pedido arbitral.

Apenas no seu requerimento de 10-07-2017, a Requerente suscitou a falta notificação da mesma, dentro do prazo de caducidade, e não no seu Requerimento inicial, onde se limitou a referir que “que o pagamento do IVA respeitante ao período tributário de 01/2013 não lhe pode ser exigível, porquanto nem sequer lhe foi notificada a liquidação, afetando dessa forma a legalidade do próprio ato tributário”, provando-se nos autos que:

Por via de citação pessoal efectuada em 04-10-2016 no processo de execução fiscal n.º …2016… e, bem assim, da notificação de juros moratórios com o n.º 2016…, teve conhecimento da existência da Liquidação com o n.º…, referente ao período tributário de 01/2013, da qual a Requerente não tinha sido notificada.”.

            A Requerente apenas alegou a caducidade do direito à liquidação através do requerimento apresentado a 10-07-2017, sendo que, quer aquando da apresentação do seu requerimento inicial (apresentado a 29-12-2016), quer aquando da apresentação daquele requerimento, não havia ainda decorrido o prazo de caducidade em questão, tal como ainda não decorreu.

Com efeito, tratando-se de IVA relativo ao período de 1/2013, o prazo de caducidade não expirará antes de 01/01/2018 face ao disposto no artigo 45.º/4 da LGT.

Como referiu o STA no seu Ac. de 25-02-2015, proferido no processo 0871/13, “o prazo de caducidade do direito de liquidação conta-se de acordo com a regra especial do artº 45º, nº 4 da LGT, ou seja, não obstante o IVA deva ser considerado um imposto de obrigação única, conta-se a partir do início do ano seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto”.

            Acresce que, como se escreveu no Ac. do STA de 14-09-2011, proferido no processo 0559/11:

“...era manifesto que o prazo de caducidade ainda não decorrera quando apresentou a petição inicial de impugnação em 7/8/2000 (ponto 6 do probatório).

E convém ter em conta que, mesmo em matéria de facto alegada, com rigor o que a impugnante alega é que até à data em que apresentou a impugnação nunca fora notificada daquela liquidação.

Daí que, para que o tribunal concluísse pela verificação da caducidade do direito de liquidação sempre teria que apurar que a impugnante nem até essa data, nem posteriormente até à data em que considerou verificada a aludida caducidade, fora efectivamente notificada da liquidação em causa, ou seja, sempre teria que alargar o âmbito da matéria de facto por ser insuficiente a alegada.

Assim (...) os factos alegados não eram suficientes para consubstanciar um vício cujo prazo de verificação ainda não decorrera.”

            Assim se sumariando, no mesmo aresto, que:

“II – É na petição inicial que devem ser alegados os factos integrantes da causa de pedir e formulado o pedido que daquela decorre, sendo que os poderes do tribunal estão por tal delimitados, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso.”.

            Esta jurisprudência é, de resto, coerente com a que entende que “No processo de impugnação judicial o impugnante deve invocar na petição inicial todos os factos integradores dos vícios que imputa ao acto impugnado, salvo se supervenientes ou de conhecimento oficioso.”[6].

            Deste modo, e em obediência à jurisprudência citada, deverá improceder o vício em análise.

 

*

            Relativamente às restantes liquidações, as correcções em que as mesmas assentam, fundam-se, em suma, no seguinte:

  • Relativamente ao IVA titulado pelos documentos a que se reporta o Quadro V do RIT, foi considerado violado o disposto pela alínea a) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, porquanto não contêm o número de identificação fiscal e a sede do prestador de serviços, sendo que na nota de débito n.º …/2012, os elementos relativos à denominação social e ao número de identificação fiscal do prestador não foram inseridos informaticamente e as mercadorias adquiridas não foram discriminadas;
  • Relativamente ao IVA titulado pelos documentos a que se reporta o Quadro VI do RIT, foi considerado que os mesmos não cumprem com os requisitos de emissão de factura previstos na alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA.

Vejamos então.

 

*

            Dispõem as alíneas a) e b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA aplicável que:

“5 - As facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;”.

            Entendeu a AT, em suma que “a consequência das facturas não preencherem todos os requisitos legais previstos no art.º 36.º do CIVA é não serem suporte válido para a dedução de imposto de harmonia com o n.º 2 do art.º 19.º do mesmo diploma”, pelo que “para se avaliar o direito à dedução, deve-se verificar o cumprimento da condição formal prevista no n.º 2 do art.º 19.º do CIVA, que determina que só pode ser deduzido imposto mencionado em faturas passadas na forma legal, isto é, passadas em conformidade com o art.º 36.º do CIVA (n.º 6 do art.º 19.º do CIVA)

            O entendimento sustentado no RIT assenta em jurisprudência, datada[7], do STA, que em acórdão citado naquele[8], chegou mesmo a afirmar que:

“I – A factura ou documento equivalente passado em forma legal exigida pelo artigo 19.º, n.º 2 do CIVA para a dedução do imposto é a que respeite todas as exigências do artigo 35.º, n.º 5 do mesmo Código.

II – A exigência desse formalismo constitui um verdadeiro requisito substancial do direito à dedução do imposto, apesar de o sujeito passivo estar isento de IVA.”.

            Este entendimento, que considera que a factura é uma formalidade ad substanciam do direito à dedução do IVA, deve considerar-se actualmente ultrapassada, face ao que tem sido a jurisprudência do TJUE na matéria, que entende “que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais.[9].

            Como refere o TJUE, no mesmo acórdão, “a finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da fatura consiste em permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA. É, portanto, à luz desta finalidade que importa analisar se faturas (...) respeitam as exigências do artigo 226.°, n.° 6, da Diretiva 2006/112.”.

            Prosseguindo, aponta-se que “a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.ºs 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.

A este respeito, a Administração Fiscal não deve limitarse ao exame da própria fatura. Deve igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo. Esta constatação é confirmada pelo artigo 219.° da Diretiva 2006/112 que equipara a fatura qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca.”.

            Lembra, ainda o TJUE que “que os EstadosMembros são competentes para prever sanções em caso de violação dos requisitos formais relativos ao exercício do direito a dedução do IVA. Nos termos do artigo 273.° da Diretiva 2006/112, os EstadosMembros têm a faculdade de adotar medidas para assegurar a cobrança exata do imposto e evitar a fraude, desde que tais medidas não vão além do que é necessário para atingir tais objetivos nem ponham em causa a neutralidade do IVA (...).

Nomeadamente, o direito da União não impede os EstadosMembros de aplicarem, sendo caso disso, uma multa ou uma sanção pecuniária proporcionada à gravidade da infração, a fim de punir a violação das exigências formais

Ou seja, e desde logo, ao contrário do que se entendeu no RIT, a consequência das facturas não preencherem todos os requisitos legais previstos no art.º 36.º do CIVA não é não serem suporte válido para a dedução de imposto, sendo o TJUE taxativo no sentido de que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a factura não preencher os requisitos.

A referida consequência apenas será legítima, portanto, se a AT não dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos, em termos de não lhe permitir a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA não se devendo a AT limitar ao exame da própria factura, mas devendo igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo.

É, portanto, à luz destes critérios que cumpre aferir a legalidade das correcções efectuadas.

 

*

Tendo em conta o quanto se expôs, relativamente ao  IVA titulado pelos documentos a que se reporta o Quadro V do RIT, considera-se que as deficiências formais detectadas pela AT não são, em concreto, idóneas a, de per si, afastarem o direito da Requerente à dedução do imposto nelas mencionado, uma vez que, conforme resulta do próprio RIT, a AT dispõe de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos, em termos de lhe permitir a realização de controlos do pagamento do imposto devido e da existência do direito a dedução do IVA.

Efectivamente, o próprio quadro V do RIT indica os dados em falta, verificando-se, portanto, que a AT facilmente apurou quer o número de identificação fiscal e a sede e denominação social do vendedor/prestador de serviços.

Deste modo, e sem prejuízo das eventuais sanções que possam caber ao caso, pela violação dos normativos que regem o formalismo das facturas, está a AT na posse da informação necessária a assegurar o controle da verificação dos requisitos substanciais do direito à dedução da Requerente, não lhe sendo lícito, por isso, afastar tal direito com fundamento nas referidas deficiências formais.

Relativamente à circunstância de os elementos relativos à denominação social e ao número de identificação fiscal do prestador não foram inseridos informaticamente, são válidos, por maioria de razão, dado que tal exigência não se fundamenta nem no regime comunitário do IVA, nem nas próprias norma nacionais, então vigentes, relativas aos elementos obrigatórios das facturas.

Sem prejuízo, sempre se dirá, ainda, relativamente a esta matéria, que não se acolhe também o entendimento veiculado no RIT, segundo o qual será legítimo retirar consequências ao nível do direito à dedução do IVA do regime do art.º 115.º (actual art.º 123.º) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), tornando vazia de conteúdo a introdução do n.º 14 do artigo 36.º do CIVA, o que, desde logo, é contrário à presunção de legislador razoável.

Relativamente à circunstância de na nota de débito n.º …/2012 não constar a menção às mercadorias adquiridas não foram discriminadas, será a mesma analisada de seguida.

 

*

            As restantes correcções em questão na presente acção arbitral, relativas aos documentos constantes do quadro VI e à nota de débito n.º …/2012, na parte não atrás apreciada, assentam na ausência de discriminação, nos documentos em questão, das mercadorias ou serviços adquiridos pela Requerente.

            No Acórdão do TJUE supra-citado, concluiu-se que “o artigo 226.°, n.º 6, da Diretiva 2006/112 exige que a fatura contenha a menção da extensão e natureza dos serviços prestados. A redação desta disposição indica assim que é obrigatório especificar a extensão e natureza dos serviços prestados, sem contudo precisar que é necessário descrever os serviços específicos prestados de forma exaustiva.”.

            Mais se concluiu, no mesmo lugar, que “embora as faturas em causa qualifiquem os serviços prestados de «serviços jurídicos», não deixa de ser verdade, conforme salientou o Governo português nas suas observações, que este conceito abrange um vasto acervo de prestações de serviços e, nomeadamente, prestações que não assumem necessariamente um âmbito empresarial. Daqui resulta que a menção «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente» ou «serviços jurídicos prestados até ao presente» não parece indicar, de forma suficientemente detalhada, a natureza dos serviços em causa. Além disso, esta menção é tão genérica que não permite pôr em evidência a extensão dos serviços prestados, pelas razões referidas pela advogadageral nos n.ºs 60 a 63 das suas conclusões. Por conseguinte, a dita menção não cumpre, em princípio, os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.º 6, da Diretiva 2006/112”.

            Neste sentido, haverá que considerar que assiste razão à AT quando entende que as menções “Mercadorias” e “Prestação de serviços” ou “Prestação de serviços de consultoria” não cumprem com as exigências formais legalmente impostas para efeitos de IVA.

Cumpre, todavia, como indica o TJUE, não limitar a aferição da existência dos pressupostos do direito à dedução que a Requerente pretende fazer valer ao exame da própria factura, mas devendo igualmente ter-se em conta as informações complementares prestadas pelo sujeito passivo.

Assim, relativamente às mercadorias adquiridas, a Requerente apresentou as guias de transporte relativas a todas as facturas em questão nos presentes autos de processo arbitral.

Ora, tendo em conta esses elementos, sem dúvida que, não obstante o incumprimento dos requisitos formais legalmente impostos à facturação em IVA, dispõe a AT dos dados necessários para verificar se os requisitos substantivos relativos ao direito à dedução do IVA se encontram satisfeitos, em termos de lhe permitir a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA.

Já relativamente às facturas respeitantes a serviços prestados, a mesma conclusão já não será possível, estando aí em causa as seguintes facturas:

Com efeito, a este propósito a Requerente limitou-se a juntar os contratos a que se refere o ponto 14 dos factos dados como provados.

Ora, e desde logo, o contrato com a R…, Ld.ª, é a absolutamente irrelevante para a questão, já que não está em causa nenhuma factura emitida por aquela entidade.

Relativamente às facturas emitidas pelas D…, H…, F… e T…, nada adiantam, igualmente, os contratos juntos, na medida em que nos mesmos a Requerente figura como prestadora de serviços, e dos quais não resulta a obrigação de qualquer pagamento da sua parte.

Deste modo, a documentação apresentada pela Requerente apenas assume alguma relevância para efeitos da apreciação do acerto das correcções relativas ao IVA contido nas facturas emitidas pela B… SGPS, SA.

Tal documentação, todavia, é de reputar insuficiente para que se possa afirmar que os requisitos substantivos relativos ao direito à dedução do IVA se encontram satisfeitos, em termos de permitir à AT a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA.

Com efeito, mesmo face ao contrato apresentado, fica-se sem saber e sem poder determinar quais os serviços concretos que foram facturados, de entre os vários previstos contratualmente, qual a altura em que foram prestados, e qual a sua quantificação, tudo elementos essenciais à prossecução da finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da factura, nomeadamente, e como se concluiu já, permitir à Administração Fiscal a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA.

Note-se, aliás, especialmente, que, de acordo com o contrato, o valor devido pela Requerente seria calculado com base no número de horas e não só em parte alguma se consegue descortinar qual o número de horas que terá sido facturado, como também não resulta do contrato, nem de qualquer outro elemento disponível, o valor hora que incumbiria à Requerente pagar.

 

*

Deste modo, e face a todo o exposto, deverá o pedido arbitral proceder relativamente às seguintes correcções, no valor total de imposto de €2.923,66, que enfermam de erro nos respectivos pressupostos de direito, devendo, como tal, ser anuladas:

 

 

 

            Na parte restante, também pelo exposto, deverão, por legais, ser mantidas as correcções, no valor total de imposto de € 99.130,00, que são as seguintes:

 

 

*

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, os erros que afectam a liquidação, e que acima se indicou, são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou o acto de liquidação parcialmente ilegal por sua iniciativa.

Tem, pois, direito a ser reembolsado a Requerente da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

***

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular as correcções atrás identificadas, no valor total de imposto de € 2.923,66, e respectivos juros compensatórios;
  2. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, sobre os valores indevidamente pagos, nos termos acima indicados;
  3. Julgar improcedente a parte restante do pedido arbitral;
  4. Condenar as partes nas custas do processo na proporção do respectivo decaimento, fixando-se em € 2.972,00 a parte a pagar pela Requerente, e em €88,00 a parte a pagar pela Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 117.002,79, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa 27 de Outubro de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Paulo Lourenço)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(António Alberto Franco – com declaração de voto)

 


Declaração de voto:

 

 

Subscrevo a decisão, mas julgaria procedente o pedido formulado no requerimento inicial sob o ponto “II. Da falta de notificação da liquidação de IVA respeitante ao período tributário de 01/2013”, pelas seguintes razões:

  1. Os poderes do tribunal estão delimitados pela petição inicial, onde devem ser alegados os factos integrantes da causa de pedir e formulado o pedido que dela decorre.

Nesse enquadramento, entendo que a requerente nunca nele suscitou a questão da caducidade do direito à liquidação. O que a requerente invoca - art. 15º a 22º - é a inexistência de notificação de liquidação e, por isso, a sua ineficácia, não lhe podendo ser exigido o seu pagamento. Ou seja, invocou o facto de a liquidação ter sido efectuada mas não lhe ter sido validamente notificada, no caso, dentro do prazo de caducidade – ainda em curso, aliás -, o que resultaria na sua ineficácia. Conclusão que me parece resultar, com meridiana evidência, do texto que apresentou.

Estará, por isso, devidamente identificada no requerimento inicial a questão e o vício, bem como a matéria de facto necessária para o efeito.

  1. É certo que a ausência de notificação do acto de liquidação, antes do decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, configura ineficácia desse acto tributário e constitui, por isso, fundamento de oposição à execução fiscal. Este entendimento não contende com um outro traduzido na possibilidade de, com esse mesmo fundamento ser deduzida impugnação judicial, como parece resultar da interpretação conjugada dos Ac. do Pleno do STA de 18-9-2013 – Proc nº 0578/13, de 7-7-2010 - Proc nº 545/09 e de 20-1-2010 - Proc nº 832/08.

Na mesma linha se pronunciou o STA em decisões mais recentes – vide Acórdãos de 18-06-2014 - Proc. 0344/13 e de 27-10-2016 – Proc. 09810 – dizendo-se no de 18-06-2014 que: “À semelhança do que sucede com a ilegalidade abstracta e a duplicação de colecta, também a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade constitui vício invocável tanto em sede de oposição à execução fiscal como em sede de impugnação judicial, não ocorrendo, pois, erro na forma do processo se invocado em impugnação”.

  1. Assim, tendo em consideração o pedido arbitral e a matéria dada por provada, julgaria procedente o ponto em questão.

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(António Alberto Franco)

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Com efeito, a citação da Requerente para o processo de execução fiscal identifica a liquidação pelo número, imposto e período de tributação a que aquela respeita.

[3] Acórdão de 28-04-2016, proferido no processo 00352/13.2BEPNF.

[4] Acórdão de 06-04-2011, proferido no processo 037/11.

[5] “CPPPT – Anotado e Comentado”, Áreas Editora, 2006, p.706.

[6] Ac. do STA de 25-11-2009, proferido no processo 0761/09.

[7] O próprio STA tem, já de algum tempo a esta parte, enveredado por entendimento diferente, afirmando, por exemplo, no Ac. de 22-04-2015, proferido no processo 0879/14, que “o facto de não terem sido estritamente cumpridos os formalismos legalmente previstos para a resolução da questão em discussão nos autos, na perspectiva da AT, isso não a autoriza a manter uma liquidação e a proceder à cobrança coerciva de um imposto que se sabe não ser devido”.

[8] Acórdão do STA de 15-04-2009, proferido no processo 0951/08.