DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A…- SGPS, S.A., doravante designada “A…” ou “Requerente”, pessoa coletiva número …, com sede no …, Lote …, … …, Lisboa, com o capital social de € 41.046.825,00, em 2012 e 2013 sociedade dominante de Grupo (o grupo fiscal B…) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto no (na numeração atual) artigo 69.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (Código do IRC), estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de Lisboa … veio requerer a constituição de tribunal arbitral coletivo e apresentar pedido de pronúncia arbitral.
Os atos objecto do presente pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral são concretamente os atos de liquidação de IRC n.ºs 2016 … e 2016…, relativos aos exercícios de 2012 e 2013 (Docs. n.ºs 1 e 2), e as correções da Inspeção tributária que os antecederam.
Em causa e objeto da presente impugnação, a legalidade daquelas liquidações de IRC e correções que as antecederam na medida em que desatendem [indevidamente, segundo alega a Requerente] a dedução de encargos financeiros nos montantes de € 607.860,62 (2012) e de € 760.015,51 (2013), com o consequente apuramento de matéria tributável em excesso e apuramento de prejuízo fiscal em défice nesse mesmo valor e bem assim, o consequente apuramento de € 47.500,97 a título de imposto reflexo sobre o excesso de base tributável de 2013 e € 4.528,84 em correspondentes juros compensatórios, num total de € 52.029,81.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada somente por “Requerida”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo o Juiz José Poças Falcão, o Doutor Henrique Nogueira Nunes e o Doutor Luís Baptista, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Foram ambas as partes oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 02-06-2017.
A demandante alegou, em síntese, a fundamentar o pedido:
Após inspeções ao nível individual das sociedades integrantes do Grupo Fiscal encimado pela requerente, esta foi notificada do Relatório final da Inspeção Tributária ao agregado (ao nível do RETGS/Grupo Fiscal), do qual constava uma correção para mais à base tributável em IRC da própria A… no montante de € 607.860,62 no que respeita a 2012, e no montante de € 760.015,51 no que respeita a 2013 (cfr. as págs. 7 a 9 do RIT agregado junto como Doc. n.º 4).
Estas correções foram feitas pela AT invocando como base legal o artigo 32.º, n.º 2, do EBF[1], mais concretamente a prescrição aí constante de que no caso das SGPS não são dedutíveis os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital (cfr. as págs. 7 e 8 do RIT individual atrás junto como Doc. n.º 3).
E a quantificação destas correções pela Inspeção Tributária aos exercícios de 2012 e 2013 foi por sua vez efetuada em aplicação da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços do IRC (DSIRC), quer na primeira quantificação efectuada (cfr. as págs. 7, 8 e 9 do RIT individual atrás junto como Doc. n.º 3), quer na segunda e definitiva quantificação desencadeada pela rectificação de alguns números relevantes em sede de aplicação da referida Circular (cfr. a pág. 15 do RIT individual atrás junto como Doc. n.º 3).
A efetivação de correções com recurso à fórmula da Circular n.º 7/2004 é ilegal, e mais ilegal ainda quando a Inspeção tributária ao invés de a adoptar como último recurso, começando primeiro por fazer uma afetação real, prescinde à cabeça desta e segue diretamente para a aplicação da fórmula determinada pela DSIRC.
Com recurso a uma análise simples e elementar é possível constatar que a fórmula da Circular produz resultados que distorcem enormemente para mais a real quantidade de encargos financeiros que, no máximo, se poderia dizer terem sido suportados com a aquisição de partes de capital (cfr. o n.º 2 do artigo 32.º do EBF).
Atendendo ao regime societário, contabilístico e fiscal das prestações suplementares, na opinião da Requerente não se deve considerar as mesmas como partes de capital e, por esse motivo, devem as mesmas ser excluídas do âmbito de aplicação material do n.º 2 do artigo 32º do EBF.
Atendendo à identificação entre capital e capital social, a expressão composta “partes de capital” só pode, também por isso, salvo dados legais que apontem em sentido contrário, querer significar “partes de capital social”, vulgo quotas ou acções ou, mais genericamente, identificar-se com a expressão “participações sociais”.
Se necessário fossem mais confirmações (e não o é), o CSC encarrega-se de utilizar expressamente a expressão composta “partes de capital” com o significado inequívoco de “participações sociais”.
A expressão “partes de capital” não abrange, à luz do ramo do direito de onde é originária (o societário), créditos pela realização de prestações acessórias, créditos pela realização de prestações suplementares ou similares (que aliás, ao contrário das partes de capital, têm exclusivamente na sua origem entregas em dinheiro) ou quaisquer outros créditos. Abrange, apenas, “participações sociais” (vulgo quotas e acções).
A diferença entre prestações suplementares e partes de capital encontra-se sobejamente assinalada tanto pela doutrina como pela jurisprudência portuguesas, conforme ensina António Pereira de Almeida ([2]) – “as prestações suplementares são outras obrigações dos sócios de entradas em dinheiro para além do capital social (…) [realizadas] naquelas situações em que, no momento da constituição se antevê a possibilidade de o capital se tornar insuficiente para a realização do objecto social”.
Na decisão do processo n.º 9/2012-T, do CAAD, de 7 de Setembro (o qual se junta como Doc. 5), afirma-se que “No cálculo da menos-valia decorrente da alienação (…) das partes de capital da requerente não podem ser consideradas as perdas relativas às prestações suplementares na medida em que estas não se incluem no conceito de «partes de capital»”.
E nesta mesma linha estão outras decisões proferidas por Tribunais Arbitrais Tributários desde então – vide decisões relativas aos processos n.º 12/2013-T, de 8 de Julho de 2013, n.º 39/2013-T, de 14 de Outubro de 2013, n.º 69/2013-T, de 22 de Outubro de 2013, n.º 80/2013-T, de 10 de Outubro de 2013, n.º 113/2013-T, de 3 de Fevereiro de 2014, n.º 653/2014-T, de 6 de Fevereiro de 2015, entre outras, e, mais recentemente, pelas decisões relativas aos processos n.º 549/2015-T, de 26 de Janeiro de 2016, e n.º 246/2016-T, de 20 de Novembro de 2016.
“Capital próprio” é um conceito contabilístico que inclui diversas rubricas, sendo que apenas uma delas representa as “partes de capital” do sócio (a rubrica de capital social), sendo o exemplo mais sintomático a rubrica 596 – Subsídios, que em nada tem que ver com “partes de capital”.
Ou seja, se é verdade que as “partes de capital” integram o conceito de “capital próprio”, tal não significa que todas as realidades que figuram no “capital próprio” de uma sociedade constituam “partes de capital”, não parecendo assim aceitável a equiparação das prestações suplementares a partes de capital.
No Código do IRC foi o próprio legislador quem assumiu que partes de capital são uma coisa (participações sociais) e créditos por prestações suplementares coisa distinta, donde o aditamento destas últimas realidades às primeiras (representadas pela expressão “partes de capital”), operada pela Lei do Orçamento do Estado para 2006 (Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro), através do acrescentar da expressão “outras componentes do capital próprio”, incluindo as (os créditos, ou expectativas de reembolso, resultantes da realização de) “prestações suplementares”.
Como bem se concluiu na decisão arbitral proferida no processo n.º 69/2013-T, “(...) para esclarecimento da questão de saber se as prestações suplementares são abrangidas no conceito de «partes de capital» há uma norma da qual decorre diretamente que aquelas não se englobam neste conceito, que é o n.° 3 do artigo 42.° do CIRC, na redação introduzida pela Lei n.° 60-A/2005, de 30 de Dezembro (atual artigo 45.°, n.° 3).” (cfr. a pág. 16 da referida decisão arbitral na versão PDF publicada no site do CAAD).
Não pode, pois, a expressão “partes de capital” utilizada na redacção do n.º 2 do artigo 32.º do EBF ter o alargamento contra-legem que a AT usa dar-lhe com a inclusão aí das (dos créditos por) prestações suplementares e acessórias.
A Circular em análise (cfr. os seu pontos 7 e 8 – Doc. n.º 7 que aqui se junta), quando estabelece um método nocional com recurso a proporções assentes no valor dos ativos, de determinação dos encargos financeiros supostamente (nocionalmente) suportados com a aquisição de partes de capital, extravasa da base legal aplicável e, com isso, infecta com o vício de violação de lei as liquidações de imposto efectuadas em obediência a tal orientação genérica[3].
Essa Circular procura de uma forma totalmente ilegal concretizar o artigo 32.º do EBF, sobre o «Regime Fiscal das Sociedades Gestoras de Participações Sociais e Sociedades de Capital de Risco», em particular no que toca ao critério de dedutibilidade de «encargos financeiros» das SGPS.”.
É contrária à lei, mais concretamente ao n.º 2 do artigo 32.º do EBF, a liquidação oficiosa de IRC aqui em causa, na medida em que afasta a dedutibilidade de encargos financeiros em aplicação da orientação genérica constante da fórmula prescrita na Circular n.º 7/2004.
O recente Acórdão do STA de 8 de Março de 2017, proferido no Processo n.º 0227/16 (Conselheiros Aragão Seia – relator – Casimiro Gonçalves e Francisco Rothes) anulou a liquidação de IRC na parte respeitante ao afastamento da dedução dos encargos financeiros de uma SGPS porquanto esse afastamento tinha sido realizado aplicando a fórmula da Circular n.º 7/2004 e, na afirmação lapidar deste acórdão “[o] ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC, estabelece um método indireto, presuntivo, de afetação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal.”.
Será assim ilegal também, por identidade de razão, o afastamento da dedução fiscal de encargos financeiros nos montantes de € 607.860,62 (2012) e € 760.015,51 (2013), levada a cabo pela AT em aplicação da fórmula da Circular n.º 7/2004, constante do seu ponto 7 (e exemplificada no seu ponto 8).
Cita também, na mesma linha, os acórdãos proferidos nos processos nºs 738/2014-T, do CAAD, 24/2012 e 00946/09 e 00997/12, do TCAN.
Suscita ainda a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 32.º do EBF na suposta interpretação sufragada pelos n.ºs 7 e 8 da Circular n.º 7/2004, por violação do princípio constitucional da reserva de lei da Assembleia da República para as questões de incidência em matéria de impostos – violação dos artigos 103.º, n.ºs 2 e 3, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.
A Circular em análise (cfr. os seu pontos 7 e 8 – Doc. n.º 7 que aqui se junta), quando estabelece um método nocional com recurso a proporções assentes no valor dos ativos, de determinação dos encargos financeiros supostamente (nocionalmente) suportados com a aquisição de partes de capital, extravasa da base legal aplicável e, com isso, infeta com o vício de violação de lei as liquidações de imposto efetuadas em obediência a tal orientação genérica[4].
Concluindo, é contrária à lei, mais concretamente ao n.º 2 do artigo 32.º do EBF, a liquidação oficiosa de IRC aqui em causa, na medida em que afasta a dedutibilidade de encargos financeiros em aplicação da orientação genérica constante da fórmula prescrita na Circular n.º 7/2004.
Encargos financeiros estes afastados do cômputo do lucro tributável de 2012 e 2013 da A… e seu grupo fiscal, em aplicação da fórmula da referida Circular, que ascendem a € 607.860,62 e € 760.015,51, respectivamente, como se viu supra (Docs. n.sº 1 a 4).
O montante a pagar gerado pela liquidação de IRC respeitante ao exercício de 2013 encontra-se pago (cfr. o Doc. n.º 14 que aqui se junta).
Pelo que, declarada a ilegalidade da liquidação adicional referente a 2013 a requerente tem direito não só ao reembolso do montante pago de € 52.276,47, mas, também, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), a juros indemnizatórios, calculados sobre este montante pago em 27 de Março de 2017 (Doc. n.º 14), contados desde esta data até ao integral reembolso do mesmo.
A Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, alegando, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:
Utilizando a fórmula referida na circular 7/2004, elaboraram os SIT os cálculos a seguir enunciados no sentido de calcular o valor de encargos financeiros suportados pela Requerente, com a aquisição de partes de capital, e por esse motivo não aceites fiscalmente por força do Artigo 32º do EBF.
Os valores usados nos cálculos efectuados foram retirados dos ficheiros SAF-T (PT) e dos mapas fornecidos pela Requerente em resposta à notificação efectuada. Tendo sido junto ao RIT, no anexo 3, o mapa elaborado com descriminação das contas SNC que serviram de base à elaboração da tabela e os balancetes extraídos dos ficheiros SAF-T (PT) que serviram de base aos cálculos efectuados.
Dos elementos fornecidos pela Requerente e elencados na tabela acima, resultaram os valores de € 1.270.231,38, € 1.331.963,72 e € 906.402,12 de encargos financeiros imputáveis às partes de capital respectivamente para os anos de 2011, 2012 e 2013.
Tendo em conta que de acordo com o estabelecido no n.º 2 do art.º 32.º do EBF os mesmos não concorrem para a formação do lucro tributável, foram desconsiderados como gastos tendo-se efectuado uma correção dos mesmos montantes ao resultado tributável apresentado pela sociedade.
Assim, foram efectuadas as seguintes correções:
Tendo por base a necessidade de se repercutir, nos resultados fiscais do grupo, as correções efectuadas aos resultados individuais declarados pela Requerente, em resultado da análise inspectiva referida, foram efectuadas duas acções inspectivas ao abrigo das Ordens de Serviço OI2015… e OI2015… .
Nestas, conclui-se que, tendo o resultado individual de uma das empresas consolidadas (neste caso a dominante), nos anos de 2012 e 2013, sido alterado em virtude das correções efectuadas no valor de € 607.860,82 em 2012 e de € 760.015,51 em 2013, passando o resultado individual desta empresa a ser de € -134.517,89 em 2012 e de € -247.943,42 em 2013, refletir essa alteração de resultado no lucro consolidado do grupo, os resultados do grupo são alterados da seguinte forma:
Obtendo-se assim o resultado tributável consolidado do grupo € -256.892,27 para 2012 e de € 1.341.074,56 para 2013, valores que correspondem à soma dos resultados tributáveis individuais das empresas consolidadas em cada um dos anos, após as correções feitas aos resultados tributáveis individuais da A… Portugal SGPS, S.A. nos anos de 2012 e 2013.
Os cálculos ora trazidos pela Requerente nos artigos 132.º e seguintes da P.I., não só não têm como notoriamente não tinham então correspondência com os dados de que dispôs a Requerida.
E diga-se, que todo o raciocínio constante do ponto 3 da P.I., inquina de um pressuposto ali pouco evidenciado, que é o facto de a aplicação da Circular referida, decorrer precisamente da impossibilidade de determinar em concreto as participações sociais em questão.
Pelo que, o facto de, como referido pela Requerente, já existir “a maioria” daquelas, não permite ter o conhecimento sobre todas nem, diga-se, se se tratam das mesmas.
Na verdade, não obstante a exaustiva explanação do mesmo, no pedido de pronúncia arbitral, no qual decompõe o saldo contabilizado a título de empréstimos obtidos, com o intuito de asseverar a exactidão do método por si proposto, considera-se que não se encontra documentado, de modo a poder comprovar:
- O montante de empréstimos obtidos remunerados;
- o montante dos encargos financeiros inerentes aos respectivos empréstimos
Competiria à Requerente comprovar especificadamente os financiamentos obtidos e os correspondentes encargos financeiros.
II – SANEADOR
Este Tribunal arbitral é o competente.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
O processo está isento de nulidades.
Não há exceções ou questões prévias a apreciar.
Cumpre apreciar e decidir o mérito do pedido.
III FUNDAMENTÇÃO
Factos provados
O Tribunal considera provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais, regulada nos termos do Decreto-Lei n.º 495/88 de 30 de Dezembro, tendo iniciado a sua atividade em 2 de agosto de 1989;
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A Requerente, em virtude de exercer a título principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola, é, para efeitos de IRC, um sujeito passivo enquadrado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC, incidindo o imposto sobre o seu lucro, conforme o estipulado no artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, sendo a matéria coletável da sociedade determinada nos termos do artigo 15.º, n.º 1, alínea a), conjugado com o n.º 1 do artigo 17.º, ambos do CIRC;
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A Requerente é também a sociedade dominante de um grupo de empresas tributadas pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), nos termos do art.º 69.º do CIRC;
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Em cumprimento de Ordens de Serviço emitidas pela Direção de Finanças de Lisboa, realizou-se o procedimento inspetivo externo à Requerente, que teve início em 7 de agosto de 2015 e foi concluído em 7 de Janeiro de 2016;
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O procedimento inspetivo foi extensivo aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, tendo apresentado um âmbito parcial em sede de IRC;
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Neste procedimento inspetivo concluiu a AT, que a Requerente não procedeu a quaisquer acréscimos referentes a encargos financeiros suportados com as aquisições de partes de capital, previstos no n.º 2 do art.º 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), para efeitos da determinação do seu lucro tributável dos exercícios de 2011, 2012 e 2013;
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Face à ausência de acréscimo e entendendo a Requerida que tal não se afigurava coerente, notificou a Requerente em 2015-08-07 para apresentar os ficheiros SAF-T (PT) e a relação dos detentores de capital e esclarecer acerca das partes de capital detidas, empréstimos obtidos e concedidos e eventuais acréscimos feitos no apuramento do lucro tributável em cumprimento do nº 2 do art.º 32º do EBF, relativos aos anos de 2011, 2012 e 2013;
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Tendo por base os elementos fornecidos e utilizando a fórmula referida na circular nº 7/2004, de 30 de março de 2004, da DSIRC, a Requerida computou os valores de €1.270.231,38, €1.331.963,72 e €906.402,12 de encargos financeiros imputáveis às partes de capital, respetivamente para os anos de 2011, 2012 e 2013, os quais, entende esta, deveriam ser desconsiderados como gastos ao abrigo do estabelecido no n.º 2 do art.º 32.º do EBF (redação da Lei nº 64-B/2011, de 30/12);
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Consequentemente e em virtude de entender a necessidade de se repercutir nos resultados fiscais do grupo, os efeitos da não-aceitação destes gastos nos resultados individuais declarados pela Requerente, a Requerida entendeu realizar duas novas ações inspetivas ao abrigo das Ordens de Serviço OI2015… e OI2015…;
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Como resultado destas ações inspetivas concluiu a Requerida que o resultado tributável consolidado do grupo encabeçado pela Requerente ascendeu €-256.892,27 em 2012 e a €1.341.074,56 em 2013, tendo procedido a duas liquidações oficiosas;
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Em consequência, a Requerente foi notificada, na qualidade de sociedade dominante do referido Grupo Fiscal, das liquidações de IRC n.ºs 2016 … e 2016 …, relativas aos exercícios de 2012 e 2013 (Docs. n.ºs 1 e 2 juntos pela Requerente);
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As referidas liquidações de IRC foram notificadas à Requerente em 30.12.2016 (exercício de 2012) e 31.12.2016 (exercício de 2013), e no que respeito à de 2013 o prazo limite para pagamento foi o dia 27 de Fevereiro de 2017 (Docs. n.ºs 1 e 2 juntos pela Requerente).
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O montante a pagar gerado pela liquidação de IRC respeitante ao exercício de 2013 - €52.276,47 - foi pago pela Requerente em 27-3-2017 (cfr. Doc. n.º 14 junto);
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Em 2006 já era detida pela “A…” a maioria das partes de capital que continuava a deter em 2012 e 2013.
Factos não provados
Não há outros factos relevantes para o objeto do processo, provados ou não provados.
Motivação quanto à matéria de facto
O juiz ou árbitro não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redação da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123º, nº.2, do C.P.P.Tributário)
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redação da Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
In casu, a convicção do Tribunal relativamente ao quadro factual essencial descrito fundou-se na análise crítica da posição das partes nos respetivos articulados em conjugação com os documentos juntos aos autos, sendo que, apesar de notificada para o fazer, a AT não juntou cópia do processo administrativo instrutor nem justificou a omissão.
Ponderou sobretudo o Tribunal que o contencioso das partes é essencialmente de direito e não de facto.
III FUNDAMENTAÇÃO (Cont) – O DIREITO
Como abordagem preliminar para a fundamentação jurídica, assinale-se o que há muito vem sendo o entendimento da Jurisprudência quanto ao dever de apreciação dos argumentos apresentados pelas partes e que se traduz na não obrigatoriedade (sublinhado nosso) de os Tribunais apreciarem todos os argumentos formulados (Cfr., inter alia, Ac do Pleno da 2.ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Sec – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094).
Questões decidendas
Do teor do pedido de pronúncia formulado pela Requerente e da posição assumida pela AT, resultam evidenciadas como sendo objeto do litígio, as seguintes questões:
1ª - Se os encargos financeiros suportados pela Requerente com a realização de prestações acessórias são ou não dedutíveis para efeitos fiscais nos termos do artigo 32º-2, do EBF (Estatuto dos Benefícios Fiscais);
2ª - Se os aumentos de capital estão ou não incluídos no âmbito da previsão de indedutibilidade fiscal de encargos financeiros constante do citado artigo 32º-2, do EBF;
3ª - Se o método de determinação dos encargos financeiros previsto na Circular nº 7/2004, de 30 de março, da Direção dos Serviços de IRC (DSIRC), padece de ilegalidade;
4ª - Se padece de inconstitucionalidade o artigo 32º-2, do EBF, na interpretação sufragada pelos nºs 7 e 8, da Circular nº 7/2004 da DSIRC e;
5ª - Se são devidos e exigíveis à AT juros indemnizatórios.
Analisando e decidindo cada uma das questões:
1ª - Se os encargos financeiros suportados pela Requerente com a realização de prestações acessórias são ou não dedutíveis para efeitos fiscais nos termos do artigo 32º-2, do EBF (Estatuto dos Benefícios Fiscais)
Nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, em vigor à data dos factos tributários ora sindicados “as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”
In casu, a Requerente é uma SGPS que suportou encargos financeiros para efetuar prestações do tipo “suplementares”, embora designando-se “acessórias”. Se estas prestações se enquadrarem no conceito de “partes de capital”, a situação será abrangida pelo regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, excluindo-se a sua dedução fiscal.
Conforme expressamente assumido pelas partes, a vexata quaestio é, então, determinar se o conceito de “partes de capital” integra apenas as participações sociais ou integra igualmente as prestações suplementares.
A definição do alcance de “partes de capital” foi já amplamente tratada nos processos que tramitaram no CAAD sob os n.ºs 9/2012-T, 69/2012-T, 12/2013-T, 24/2013-T e 39/2013-T, só para citar alguns, disponíveis em http://www.caad.org.pt/tributario/tributario-jurisprudencia.
O Estatuto dos Benefícios Fiscais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho) bem como a demais legislação fiscal não contêm a definição de “partes de capital” para efeitos tributários. Assim, verifica-se a necessidade de aplicação do disposto no art.º 11º da LGT, que consagra as regras de interpretação das normas tributárias.
Não obstante a inexistência da aludida definição em termos sistemáticos o legislador separa claramente o conceito de partes de capital do conceito de capital próprio no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, ao dizer que: A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
Ou seja, o legislador usa o conceito de “capital próprio” na exata acepção comercial e contabilística, o que permite concluir que, atentos os elementos literal e sistemático, o conceito de “capital” na expressão “partes de capital” não é sinónimo de “capital próprio”, incluindo-se expressamente neste último as prestações suplementares e as prestações acessórias que sigam o regime das primeiras.
Por outro lado, a inexistência de uma definição fiscal de “partes de capital”, leva o intérprete - em observância do já referido art.º 11º da LGT – a procurar essa definição no direito comercial e no direito contabilístico, atentos, neste último caso, ao modelo de dependência parcial que se estabelece entre a contabilidade e o direito fiscal no apuramento do lucro tributável.
As prestações suplementares “são entradas em dinheiro que podem ser realizadas pelos sócios de sociedade por quotas para reforço do património desta, para além do capital social, não vencendo juros e podendo ser-lhes restituídas, as quais não se incluem no capital social da sociedade” (LUÍS BRITO CORREIA, in Direito Comercial, 2.º vol., 1989, pág. 297).
No caso específico das sociedades anónimas, que corresponde ao estatuto jurídico da Requerente, os sócios conferiram às prestações acessórias a natureza de prestações suplementares e, em consequência, são-lhes aplicáveis as regras previstas nos artigos 210.º a 213.º do CSC.
Nos termos do n.º 1 do artigo 210.º, as prestações suplementares só podem ser exigidas aos sócios se estiverem previstas no pacto social que deverá fixar: (i) o montante global das prestações suplementares; (ii) os sócios que ficam obrigados a efetuar prestações suplementares entre os sócios a elas obrigados e (iii) o critério de repartição das prestações suplementares entre os sócios a elas obrigados.
As limitações à restituição das prestações suplementares previstas no artigo 213.º constituem uma das características mais importantes – senão a mais relevante – deste instituto: as prestações suplementares só podem ser restituídas aos sócios quando se verifiquem as seguintes condições: (i) desde que a situação líquida não fique inferior à soma do capital e da reserva legal; (ii) o sócio já tenha liberado a sua quota e (iii) não tenha sido declarada a insolvência da sociedade.
Este regime é claramente distinto da obrigação de entradas para o capital social (artigos 25.º a 30.º do CSC e regras especiais para as sociedades em nome colectivo – 176.º n.º 1, al. a), 178.º e 179.º; para as sociedades por quotas – 202.º a 208.º e para as sociedades anónimas – 277.º e 285.º e 286.º).
Em termos contabilísticos, as prestações suplementares integram, com outras rubricas - nomeadamente o capital social -, o denominado capital próprio da entidade - interesse residual nos ativos da empresa depois de se lhe deduzir todos os seus passivos (Cfr parágrafo 49.º da Estrutura Conceptual, Aviso n.º 15652/2009 in DR nº 173 – II Série, de 7 de Setembro).
No entanto, a agregação no capital próprio da rubrica de capital social, de prestações suplementares e acessórias não significa a uniformização da sua natureza. Em caso algum, o capital próprio e o capital social são sinónimos, até porque apenas o capital social é transmissível.
De todo o exposto, conclui-se que a aplicação do regime do artigo 32.º n.º 2 do EBF aos encargos financeiros suportados com prestações acessórias não tem suporte legal, uma vez que tais prestações não preenchem o conceito de partes de capital, sendo dedutíveis em termos fiscais.
Por isso, as correções efetuadas não têm, à luz do exposto, suporte legal no artigo 32.º, n.º 2, do EBF.
2ª - Se os aumentos de capital estão ou não incluídos no âmbito da previsão de indedutibilidade fiscal de encargos financeiros constante do citado artigo 32º-2, do EBF
À luz da doutrina da AT supra citada, as partes de capital recebidas na constituição da sociedade ou em aumento de capital não configuram aquisições para efeitos do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, donde que será indevido o afastamento da dedução fiscal de quaisquer encargos alegadamente suportados.
Pelo que, em suma, não constitui igualmente aquisição de partes de capital a subscrição de capital em aumento de capital ou na constituição de uma sociedade
3ª - Se o método de determinação dos encargos financeiros previsto na Circular nº 7/2004, de 30 de março, da Direção dos Serviços de IRC (DSIRC), padece de ilegalidade
No âmbito do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, e das dificuldades da sua aplicação prática, a AT sentiu a necessidade de publicar uma circular – Circular n.º 7/2004 - que visava esclarecer a forma de repartição dos encargos financeiros, atendendo ao modo de afetação dos financiamentos que originavam os encargos financeiros, considerando a sua aplicação, ou seja, os ativos que tinham sido adquiridos através desses recursos pelas SGPS. Neste sentido, e segundo a AT, a sobredita Circular mais não faz que densificar o disposto no n.º 2 do artigo 32.º, permitindo ultrapassar as dificuldades práticas de imputação direta dos encargos.
A Requerente, no entanto, coloca em crise o papel jurídico dessa Circular, alegando que a AT não se limitou a interpretar o n.º 2 do artigo 32.º do EBF, mas criou um método substitutivo do método previsto no preceito legal. Neste sentido, as normas contidas nos pontos 7. e 8. da Circular da DSIRC n.º 7/2004, de 30 de março, mais concretamente a fórmula que aí se prevê, com pretensão de aplicação imperativa, de segregação dos encargos financeiros a que se refere o (à data dos factos) artigo 32.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade ou da reserva de lei, em matéria fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.
Assim sendo importa, em primeiro lugar, aferir qual o exato alcance da Circular e, de seguida, atentos ao papel jurídico que cabe às Circulares, concluir se foi violado ou não o princípio da legalidade.
Dispõe o n.º 7 dessa Circular que: "dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e das SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos as empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição”.
Assim, segundo a AT, o n.º 2 do artigo 32.º do EBF, suportaria uma interpretação no sentido da admissão de uma fórmula de cálculo indireta que permita aos contribuintes determinar a possível repartição dos encargos financeiros totais suportados, entre encargos financeiros dedutíveis e não dedutíveis para efeitos fiscais, numa SGPS, tal resultando do facto de não existir, em regra, uma relação factual direta entre os fundos totais obtidos pela SGPS, e que implicaram, v. g., o pagamento de juros, e os fundos investidos na aquisição das participações sociais.
A este propósito, refere-se no processo 738/2014-T, do CAAD que: “(...)a Administração entendeu precisar a forma de estimar os encargos que podem ser imputados à aquisição dessas partes sociais, através da Circular 7/2004, com base na ideia da fungibilidade do dinheiro. Avança nessa circular com a adoção de uma fórmula matemática muito simples - ainda que complicada do ponto de vista dos pressupostos usados na classificação das rúbricas a ponderar -, no sentido de se apurar, na aplicação do art. 32.º, n.º 2, do EBF, quais os “encargos financeiros suportados” com a aquisição de partes de capital, face aos encargos financeiros totais suportados pela entidade no período contabilístico, dado que o legislador fiscal optou pela sua desconsideração fiscal para efeitos de apuramento do lucro tributável de cada um dos períodos económicos”.
Em questão em certa medida semelhante à ora colocada pela Requerente, no âmbito do processo n.º 21/2012-T, onde a recorrente questionava a conformidade constitucional da aplicação de fórmula pro rata na determinação dos encargos financeiros associados à aquisição de participações, excluídos da formação do lucro tributável, por oposição ao método de afetação direta ou real, discorreu-se no seguinte sentido: “(...)63. Ainda assim, sempre se dirá que, concordando com a hermenêutica defendida pela Requerente, nada na letra do n.º 2 do artigo 31.º do EBF [a que veio a corresponder o citado nº 2 do artigo 32º] permite retirar a vigência e, por isso, necessária aplicação, do método indirecto de afectação de tais encargos financeiros. 64. Considera-se que nos casos em que há possibilidade de afetação direta, ela não deve ser afastada, que se a ratio legis da norma prevista no n.º 2 do art. 31.º do EBF, passa a acautelar a vigência de um regime de neutralidade dos proveitos e custos associado às mais-valias excluídas de tributação, garantindo-se que a rendimento não relevante fiscalmente deve corresponder, correspectivamente, custo que lhe esteja associado também ele irrelevante fiscalmente, então, assim sendo, para se alcançar tal desiderato, qualquer método (direto ou indireto) é bom uma vez garantida a salvaguarda da aludida ratio legis (...)”.
Veja-se, a título de exemplo, o referido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, Processo n.º 02312/08, em que se afirma: “(...)a Circular além de ser ilegal por falta de habilitação legal para interpretar extensivamente normas de incidência tributária, seria ilegal, por abusiva desvirtuação de norma comunitária e respetiva transposição ilegal. Nesse sentido, também a referida Circular, ao limitar a norma de incidência seria inconstitucional por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, al. i) e no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, ferindo o princípio de separação dos poderes. Por essa via, a administração havia usurpado as funções do legislador
Entende, por isso, a Requerente que a Circular n.º 7/2004, de 30 de março utilizada pela Administração Tributária para proceder à correção sob apreciação, extravasa a mera interpretação da lei tributária, não tendo qualquer assento no artigo 32.º, nº 2 do EBF.
Do exposto, resulta que o legislador considera que só os encargos diretamente suportados com a aquisição das partes de capital são afastados de tributação. Por outro lado, não considerou o legislador de instituir um critério distinto que, face às reais dificuldades práticas de distinção, permitisse apurar, ainda que de forma indireta ou estimada, os encargos financeiros com a aquisição das partes de capital isentas.
Assim sendo, o método aplicado pela Circular viola o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, pois não atende aos encargos efetivamente suportados com a aquisição de participações sociais não tributadas, mas a valores aproximados e presunções que carecem de fundamento legal.
Com efeito, a aplicação da fórmula prevista na Circular não permite percecionar quais os encargos suportados com a aquisição de partes sociais não tributadas, mas estabelece uma afetação proporcional entre o conjunto dos passivos remunerados e os empréstimos às participadas e o restante que financia os demais ativos (incluindo participações sociais), da qual resulta uma estimativa dos encargos (que podem ou não corresponder aos encargos reais).
Mais - e conforme decidido no Acórdão do CAAD de 21/12/2012, Proc. 24/2012 - , “(...) a Circular n.º 7/2014, ao fixar critérios e métodos, através dos quais se verifica a incidência de imposto, é, na medida em que a sua aplicação reveste eficácia externa, nomeadamente em liquidações corretivas de imposto, inconstitucional, por violação do princípio da legalidade plasmado no artigo 103.º, e da reserva de lei formal constante do artigo 165.º, n.º 1 al, i), ambos da Constituição. Isto não obstante a mera ilegalidade que sempre resultaria do confronto entre aquela Circular e o artigo 8.º da Lei Geral Tributária (...)”.
Neste mesmo sentido, se pronunciou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15 de Janeiro de 2015, Proc. 00946/09.0BEPRT onde se refere:“(...) O facto de na sua metodologia ter usado os critérios preconizados na circular n.º 7/2004, de 30 de Março, em especial seus pontos n.ºs 7 e 8 não salva a legalidade da operação, pois os critérios e pressupostos de imputação dos passivos remunerados das SGPS ultrapassam manifestamente o conteúdo do art. 31º/2 do EBF criando presunções e apuramentos proporcionais que o legislador manifestamente não assumiu nem consentiu (...)”.
Ou seja: a Circular nº 7/2004 não pode traduzir uma interpretação válida e aceitável do disposto no artigo 31º/2, do EBF na medida em que não obedece às regras e princípios básicos que presidem à hermenêutica jurídica à luz, designadamente, do princípio estabelecido no artigo 11º-1, da LGT (“na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”).
Com o objetivo de desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais, o intérprete lança mão dos fatores interpretativos que são essencialmente o elemento gramatical (o texto, ou a “letra da lei”) e o elemento lógico, o qual, por sua vez, se subdivide em elemento racional (ou teleológico), elemento sistemático e elemento histórico. (Cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador p. 181; Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 2ª Ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 361).
É o artigo 9º do Código Civil (CC) que fornece as regras e os elementos fundamentais à interpretação correta e adequada das normas.
Daqui resulta que se a interpretação deve reconstituir o “pensamento legislativo”, deve, no entanto, o intérprete ou aplicador fazê-lo sempre partindo do pressuposto necessário da existência dum mínimo de correspondência com a letra da Lei.
Ou seja: o elemento literal ou gramatical (texto ou “letra da lei”) “é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei (Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado – vol. I, Coimbra ed., 1967, p. 16).
Ora, do exposto parece resultar suficientemente evidenciado que a Circular nº 7/2004, “interpreta” o disposto no artigo 32º-2, do EBF em termos que violam as sobreditas regras de hermenêutica na medida em que nela se surpreende matéria legislativa inovadora e não uma mera interpretação válida do texto da Lei.
No sentido da ilegalidade das correções aritméticas à luz do critério definido na citada Circular nº 7/2004, se pronunciaram já vários Tribunais Arbitrais Tributários constituídos no âmbito do CAAD (cfr., designadamente, as decisões proferidas nos processos nºs 21/2012-T, 24/2012-T, 292/2015-T, 295/2015-T, 738/2014-T, 69/2016-T, 663/2015-T e 277/2016-T) e também os Tribunais judiciais (cfr., v. g., Ac TCAN no processo nº 00997/12.8BEPRT DE 14-3-2013).
Pois bem, a AT ao aplicar o método previsto no parágrafo 7 da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, violou o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, que prevê a não dedutibilidade dos encargos financeiros dos encargos efetivamente suportados com a aquisição de partes de capital mas que não contém tal previsão no que respeita à subscrição do capital social.
Por outro lado, sempre estariam subtraídas à sobredita regra da indedutibilidade tais encargos na medida em que não integra o conceito de aquisição de partes do capital a subscrição do capital social e/ou a subscrição de capital em operação de aumento de capital social.
4ª - Se padece de inconstitucionalidade o artigo 32º-2, do EBF, na interpretação sufragada pelos nºs 7 e 8, da Circular nº 7/2004 da DSIRC.
Esta questão, além de prejudicada, foi já respondida no âmbito da resposta à questão anterior.
5ª - Se são devidos e exigíveis à AT juros indemnizatórios
A Requerente pede o reembolso do imposto e juros indevidamente pagos à AT, no montante de € 52.276,47, acrescido de juros indemnizatórios desde a data desse pagamento [27-3-2017], à taxa legal, nos termos do art. 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
A Requerente pagou as quantias liquidadas, como se refere em 13., da matéria de facto provada.
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, há lugar a reembolso do que foi pago, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.
No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do ato é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, por sua iniciativa praticou sem suporte legal.
Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia indevidamente paga.
Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir aos Requerentes e calcular os respectivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento (27-3-2017), até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).
IV DECISÃO
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
julgar totalmente procedente o pedido de declaração da ilegalidade das liquidações adicionais IRC nºs 2016 … e 2016 …, relativas aos exercícios de 2012 e 2013 (Docs. n.os 1 e 2), emitidas na sequência das correcções ao lucro tributável em sede de inspecção tributária (Doc. nº 3 – Relatório da Inspecção Tributária (RIT) ao individual – e Doc. nº 4 – RIT agregado), que originou um aumento da base tributável do Grupo Fiscal mencionado no montante de € 607.860,62 em 2012 (redução do prejuízo fiscal de € 864.753,09 para € 256.892,27) e no montante de € 760.015,51 em 2013 (aumento do lucro tributável de € 581.059,05 para € 1.341.074,56) – cfr. o quadro da pág. 9 do Relatório da Inspecção ao agregado atrás junto como Doc. nº 4) e, com respeito a 2013 ainda, que originou imposto adicional a pagar no montante de € 47.500,97 e juros compensatórios no montante de € 4.528,84, num total de € 52.029,81 (Doc. nº 2).
-
anular as referidas liquidações e acerto de contas;
-
julgar procedente o pedido de restituição da quantia paga correspondente às referidas liquidações (total de € 52.029,81) e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituí-la;
-
julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, calculados sobre a quantia a restituir, desde a data do pagamento (27-3-2017), até à do processamento da nota de crédito, em que devem ser incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT), às taxas legais que vigorarem até ao pagamento, nos termos do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem);
-
condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do presente processo.
Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 314.611,51.
Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.508,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.
LISBOA, 7 de novembro de 2017
O Tribunal Arbitral Coletivo
José Poças Falcão
(Presidente)
Henrique Nogueira Nunes
(Árbitro Adjunto)
Luís Baptista
(Árbitro Adjunto)
[1] Erradamente identificado no RIT individual como artigo 31.º. Em 2012 e 2013 já tinha a numeração de artigo 32.º.
([2]) PEREIRA DE ALMEIDA, António, in “Sociedades Comerciais”, Coimbra Editora, 3ª edição, pág.38.
[3] E extravasa ainda a base legal quando desde o momento zero da detenção das partes de capital (por oposição a decorrido um ano) manda afastar a dedução dos encargos financeiros que nocionalmente lhes imputa.
[4] E extravasa ainda a base legal quando desde o momento zero da detenção das partes de capital (por oposição a decorrido um ano) manda afastar a dedução dos encargos financeiros que nocionalmente lhes imputa.