DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Cristina Coisinha e João Cruz, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
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No dia 28 de Novembro de 2016, A…, S.A., NIPC…, com sede na …, … …, n.º... …-… Estoril, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos de liquidação de IVA:
e das seguintes liquidações de juros compensatórios:
bem como das decisões de indeferimento parcial da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que tiveram aqueles por objecto, no valor de € 63.993,02.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
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insuficiência de fundamentação dos actos de liquidação;
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preterição de formalidades legais essenciais;
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incompetência do autor dos actos, por violação do disposto no artigo 82.º/6 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado;
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as correcções relativas à regularização de IVA resultante da emissão de notas de crédito, sem estarem cumpridos os formalismos decorrentes do disposto do n.º 5, do artigo 78.º, do Código do IVA, fundam-se no teor de um ofício circulado e numa resposta a uma informação vinculativa, mas sem qualquer apoio na lei;
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não obstante ter deduzido a totalidade do IVA no mês de Janeiro de 2009, regularizou a situação através do reconhecimento de IVA não dedutível (13%) relativo ao período 200901 como gasto do exercício e respectiva contabilização na conta POC…;
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não se verificam os pressupostos da exclusão do direito à dedução, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, aplicada nas correcções contestadas, constantes do ponto III.1.3.3 do Relatório de Inspecção;
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a ausência de data e local da prestação de serviços, em determinadas facturas a que se refere o ponto III.1.3.4 do RIT, não justificará a exclusão do direito à dedução do IVA nelas contido, nos termos da al. f) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA. como entendeu a AT;
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as facturas n.ºs … e …, emitidas em 2 de Setembro e 23 de Outubro de 2009, respectivamente, pela B…, contém IVA suportado dedutível pela REQUERENTE, na percentagem de dedução provisória que aplicou no exercício de 2009 (87%);
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verificou-se duplicação de regularização do IVA deduzido no mês de Janeiro de 2009, no valor de € 2.745,86, decorrente do apuramento que efectuou da percentagem de dedução definitiva pois procedeu à regularização do imposto deduzido a mais ao longo daquele ano;
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ilegalidade da liquidação de juros compensatórios;
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ilegalidade do despacho que negou provimento ao recurso hierárquico.
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No dia 29-11-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 25-01-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 09-02-2017.
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No dia 16-03-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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No dia 19-05-2017, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foi inquirida a testemunha, no acto, apresentada pela Requerente.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações pela Requerida.
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Tendo em conta o período de férias judiciais, e o disposto no art.º 17.º-A do RJAT, prorrogou-se o prazo constante do art.º 21.º/1 também do RJAT por dois meses, nos termos do n.º 2 desta última norma.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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A REQUERENTE é uma sociedade comercial de capitais maioritariamente públicos, constituída sob a forma de sociedade anónima.
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Com vista à análise da situação tributária da REQUERENTE, a Administração Tributária iniciou um procedimento de inspecção tributária, externo e de âmbito geral, com incidência sobre o exercício de 2009, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2O11…, de 1 de Julho de 2011, do qual resultaram correcções à matéria colectável e correcções ao cálculo do imposto da sociedade.
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As Conclusões do Relatório da Inspecção Tributária, elaboradas após ter sido facultado o direito de audiência prévia, foram notificadas à REQUERENTE através do ofício n.º …, de 19 de Fevereiro de 2013.
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Relativamente à matéria de IVA, do RIT consta o seguinte:
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As correcções sugeridas foram sintetizadas, no Relatório de Inspecção, no seguinte quadro:
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Na sequência do Relatório de Inspecção Tributária referido, foram emitidas as liquidações objecto da presente acção arbitral, com os seguintes prazos de pagamento voluntário:
bem como as notas de liquidação referentes aos juros compensatórios, nas quais consta a sua razão de ser e quantificação, o imposto sobre o qual incidem os juros, o período a que se referem, a taxa de juro aplicável e o valor de juros devido.
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A Requerente, em 17-07-2013, apresentou reclamação graciosa relativamente às liquidações referidas, tendo aquela sido parcialmente deferida, quanto a um erro de cálculo no IVA apurado no período de 2009/07, nos seguintes termos:
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A decisão da reclamação graciosa foi recebida pela Requerente em 25/09/2015.
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Em 23/10/2015, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão da reclamação graciosa referida, recurso que foi indeferido por despacho notificado a 08/09/2016.
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No decurso do procedimento inspectivo, a Requerente, relativamente às notas de crédito a que se refere o ponto III.1.3.1. do RIT, apresentou a seguinte documentação:
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Relativamente à nota de crédito n.º …, carta registada com A/R, endereçada ao fornecedor, em 21-09-2011, devolvida ao remetente em 03-10-2011, a solicitar confirmação da recepção da nota de crédito;
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Relativamente à nota de crédito n.º 107, duplicado da nota de crédito assinada por “C…”;
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A REQUERENTE procedeu à junção da seguinte documentação, no âmbito da petição inicial da Reclamação Graciosa apresentada, relativamente às notas de crédito a que se refere o ponto III.1.3.1. do RIT:
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Relativamente à nota de crédito n.º 91, duplicado da nota de crédito em questão, com uma assinatura ilegível sob a data “30-03-2009”;
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Relativamente à nota de crédito n.º…, duplicado da nota de crédito assinada por “C…”, carta registada com A/R, endereçada ao fornecedor, em 21-09-2011, com o A/R assinado a 23/09/2011, a solicitar confirmação da recepção da nota de crédito, estando esta confirmação assinada por “C…”;
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Relativamente à nota de crédito n.º…, duplicado da nota de crédito em questão, com uma assinatura de “D…” e apelido ilegível sob carimbo do fornecedor.
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A ora REQUERENTE procedeu, no exercício de 2009, à dedução do IVA suportado nas aquisições de bens e serviços com base no método pro rata, utilizando para o efeito um valor provisório, correspondente ao pro rata definitivo do ano anterior (87%), tendo deduzido o IVA suportado de acordo com o mesmo, ao longo do exercício de 2009, na suas declarações periódicas.
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No que ao mês de Janeiro de 2009 diz respeito, a REQUERENTE deduziu integralmente o IVA suportado nas suas aquisições, durante esse período, no montante global de € 6.864,61.
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A Requerente contabilizou como gasto do exercício, na conta POC …, como IVA não dedutível, 13% do total do IVA suportado relativo ao período 200901.
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Após determinação da percentagem de dedução definitiva (47%), a REQUERENTE procedeu à regularização da totalidade do imposto deduzido ao longo do exercício de 2009, a favor do Estado, no montante de € 361.578,96.
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As facturas …, … e … respeitam a despesas relacionadas com refeições, incluindo de clientes da Requerente, de participantes em diversas iniciativas daquela, de juízes de prova e de repórteres responsáveis pela cobertura de eventos, tendo em vista a promoção do turismo no Estoril e restante zona geográfica de intervenção da REQUERENTE.
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Na sequência da celebração de um protocolo, em 18 de Setembro de 2007, entre o Município de Cascais, a REQUERENTE e a B… ficou acordado que o evento … seria realizado, nos anos de 2007, 2008 e 2009, no Concelho de Cascais.
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No âmbito de tal protocolo, a Requerente concedeu apoios financeiros à B…, para a realização da iniciativa referida.
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É a esses apoios que se reportam os lançamentos 70 e 27, do diário 4, referentes às facturas nos … e …, emitidas em 2 de Setembro e 23 de Outubro de 2009, respectivamente, pela B… .
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Nas referidas facturas não consta a menção “IVA incluído”, nem é discriminado qualquer montante relativo àquele imposto, constando a menção “IVA a 20%”.
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A REQUERENTE contabilizou as referidas facturas, tendo reconhecido como gastos:
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€ 250.000,00 (€ 125.000,00 + € 125.000,00) na conta 62.1 (subcontratos); e,
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€ 6.500,00 (€ 3.250,00 + € 3.250,00) na conta 63.1.2.99 (IVA pro rata)
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A Requerente deduziu o IVA calculado "por dentro", no valor de € 21.750,00, em cada período de imposto (num montante total de € 43.500,00), correspondente à percentagem que considerou dedutível do IVA, em função do pro rata que aplicou (87%).
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Uma vez que os actos de liquidação que constituem o objecto do presente processo arbitral não foram pagos no respectivo prazo de pagamento voluntário, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …2013…, para cobrança coerciva dos mesmos.
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No dia 24 de Abril de 2013, a REQUERENTE prestou garantia, que consistiu em hipoteca voluntária sobre bem imóvel, no valor de € 805.286,62, a qual inclui o valor respeitante à dívida de imposto sobre o Valor. Acrescentado e de Juros Compensatórios, relativa ao ano de 2009.
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Esta garantia foi, posteriormente, ampliada, através da constituição, em 26 de Junho de 2013, de uma nova hipoteca voluntária sobre o mesmo bem imóvel.
A.2. Factos dados como não provados
1- Que as facturas referidas no ponto 16 dos factos dados como provados respeitem, exclusivamente, a refeições das pessoas indicadas naquele ponto.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Em especial, o facto dado como provado no ponto 16, bem como o facto dado como não provado, resultam da prova testemunhal produzida que não deixou dúvidas de que as refeições a que se reportam as facturas em questão eram relacionadas com eventos e com a actividade da Requerente, e que as pessoas ali indicadas teriam sido abrangidas pelas despesas contidas naquelas mesmas facturas, mas não demonstrou nem exprimiu conhecimento directo e fundamentado no sentido de terem sido apenas aquelas pessoas a beneficiarem das despesas em questão.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
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do vício de fundamentação
Começa a Requerente por arguir a falta de fundamentação das liquidações objecto da presente acção arbitral, referindo que “nos actos de liquidação notificados não são explicitados os fundamentos que determinaram a sua emissão, sendo apenas indicado um conjunto de valores, imperceptíveis para um destinatário normal, e também para a ora REQUERENTE”, e que “não permitem conhecer o itinerário cognoscitivo que lhes subjaz, estando, por isso, inquinados de vício de violação de lei, nos termos do disposto no artigo 268.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e artigo 77.° da Lei Geral Tributária”.
Mais refere a Requerente que “não existe qualquer referência a uma eventual remissão explícita para um concreto documento externo”, que “nos casos em que se admita a fundamentação por remissão, impõe-se que essa remissão seja expressa, de modo a que a fundamentação seja tão acessível ao contribuinte como se constasse do próprio acto.”, que “nos actos de liquidação que também constituem objecto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral não há qualquer referência, expressa, ou implícita, ao Relatório de Conclusões da Inspecção Tributária ou outro qualquer documento concreto”, pelo que “os actos de liquidação contestados não se mostram fundamentados nos termos legalmente adequados, impondo-se, a respectiva anulação por violação do disposto nos artigos 103.°, n.° 2, 268.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa e 77.°, da Lei Geral Tributária.”.
Como é sabido, e ambas as partes o reconhecem, a fundamentação é uma exigência dos actos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268º da CRP) e legal (art.º 77º da LGT).
Resumidamente, pode dizer-se que é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características:
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Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
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Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do acto, não podendo haver fundamentações diferidas;
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Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;
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Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).
Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstracta e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um acto tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio. Esta será – julga-se – a pedra de toque do cumprimento do dever de fundamentação: quanto, perante um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, o acto tributário se apresente, sob um ponto de vista de razoabilidade, como um produto do puro arbítrio da Administração, por não serem discerníveis os motivos de facto e/ou de direito em que assenta, o acto padecerá de falta de fundamentação.
O artigo 77.º/1 da LGT refere, assim, que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.
Descendo ao caso concreto, verifica-se que os actos de liquidação em questão ocorreram na sequência de acto inspectivo e em conformidade com o relatório de inspecção tributária homologado por despacho, relatório esse onde constam os fundamentos das liquidações em causa, que a Requerente, desde a reclamação graciosa, demonstrou compreender, tomando, de maneira fundada, a decisão de não aceitar.
De resto, a própria Requerente acaba por conceder nisso mesmo – pelo menos de forma implícita – ao sustentar, também desde a reclamação graciosa, que a remissão para o relatório de inspecção deveria ser explícita.
Contudo, este entendimento é, desde logo, contrariado pelo Acórdão do STA de 19-05-2004, proferido no processo 0228/03[2], onde se lê que “Não vale como fundamentação a motivação apresentada posteriormente à prática do acto, nem a constante de peças instrutórias anteriores para as quais não tenha sido feita remissão, expressa ou implícita.”, admitindo-se, assim, que a remissão possa ser implícita, ou seja, decorrente do próprio contexto do acto tributário, ou do qual este emerge.
Neste mesmo sentido, se orienta a jurisprudência do STA que considera que “Apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável, a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário.”[3], e que “A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.”[4].
Deste modo, entende-se que, considerado o contexto concreto em que foram produzidos os actos de liquidação em questão nos presentes autos, será perceptível, para um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, que os fundamentos daqueles são os constantes do relatório de inspecção que os precedeu, sendo certo que mais se afigura evidente que a Requerente compreendeu isso mesmo.
Este, de resto, tem sido o juízo dos nossos tribunais superiores em casos análogos, podendo a esse respeito conferir-se os Acórdãos do STA de 10-09-2014, proferido no processo 01226/13[5], do TCA-Norte de 13-09-2012, proferido no processo 00334/05.8BEBRG[6], e do TCA-Sul de 23-05-2006, proferido no processo 01156/06[7].
Assim, e deste modo, nada haverá a censurar, na perspectiva do dever de fundamentação, aos actos tributários objecto do presente processo.
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Da preterição de formalidades legais essenciais
Quanto a esta matéria, alega a Requerente, em suma, que não foi “notificada nos termos previstos na alínea a), do n.º 1, do artigo 60.º. da Lei Geral Tributária”.
Contudo, e como se constata dos factos dados como provados, o certo é que a Requerente foi notificada para exercer o seu direito de audiência prévia, o que fez, no âmbito do procedimento inspectivo do qual resultaram as liquidações contra as quais se insurge.
Deste modo, e tendo em conta o disposto no artigo 60.º/3 da LGT, estava dispensada a audição da Requerente antes da liquidação, pelo que deve, também, este vício se dar por não verificado.
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Da incompetência do autor dos actos
Suscita também a Requerente, a questão da incompetência do autor dos actos, por violação do disposto no artigo 82.º/6 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
Assenta a Requerente esta sua alegação na circunstância de a redacção do artigo 82.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, dada pelo artigo 2º, do Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de Junho, que deferiu a competência para a liquidação à Direcção-Geral dos Impostos, ter sido aprovada ao abrigo da autorização legislativa constante da Lei n.º 67-A/2007, que foi publicada no dia 31 de Dezembro de 2007, a era válida até ao dia 30 de Março de 2008.
No entender da Requerente, então, aquele Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de Junho terá sido publicado após ter expirado a respectiva autorização legislativa.
Todavia, como bem aponta a Requerida, “o Decreto-Lei 102/2008, de 20 de Junho, foi aprovado, em 27.03.2008, em Conselho de Ministros, portanto no prazo fixado na lei de autorização.”.
Ora, como refere o Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 206/94, de 2 de Março[8], também citado pela Requerida, “O momento relevante para saber se foi utilizada uma autorização legislativa durante o prazo de vigência da mesma é o da aprovação em Conselho de Ministros do diploma autorizado”, sendo que “O Tribunal Constitucional firmou já jurisprudência, em ambas as suas secções de forma unânime, sobre o momento relevante a que há-de atender-se para saber se o diploma autorizado foi elaborado durante o prazo de vigência da autorização legislativa correspondente. Sendo em abstracto sustentável que o momento relevante pudesse ser o de aprovação em Conselho de Ministros, o de envio ao Presidente da República para promulgação, o da promulgação, o de referenda ou o da publicação, o Tribunal considerou que o momento atendível havia de ser o de aprovação em Conselho de Ministros do diploma autorizado.”.
Deve, assim, improceder também o vício em apreço.
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Das violações de Lei
Em termos substanciais, contesta a Requerente as liquidações objecto da presente acção arbitral, começando por arguir que as correcções relativas à regularização de IVA resultante da emissão de notas de crédito, sem estarem cumpridos os formalismos decorrentes do disposto do n.º 5, do artigo 78.º, do Código do IVA, fundam-se no teor de um ofício circulado e numa resposta a uma informação vinculativa, mas sem qualquer apoio na lei, sendo que “tratando-se de instruções administrativas, ainda que uma delas (ofício-circulado) traduza uma instrução genérica, não produz efeitos exteriores ao Serviço que a emana, não vinculando nem impondo qualquer dever aos contribuintes”, “os actos de liquidação ao serem sustentados (sempre sem conceder) por meras instruções administrativas não se mostra fundamentado em termos adequados e viola o disposto nos artigos 103.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e 8.°, da Lei Geral Tributária”.
Entende ainda a Requerente que o ónus da demonstração da não verificação dos pressupostos previstos n.º 5, do artigo 78.º, do Código do IVA assiste à AT, que, em todo o caso, fez a demonstração da verificação daqueles pressuposto, e que “impunha-se à Administração tributária a realização de todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material, assim se prosseguindo a legalidade, a justiça, a imparcialidade e o interesse público, tudo princípios constitucionalmente consagrados nos artigos 8.°, n.º 2, 103.°, n.º 3, 266.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, 55º, 58.º da Lei Geral Tributária, 13.º e 114.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
No que diz respeito à utilização no RIT do teor de um ofício circulado e de uma informação vinculativa, como referiu o Tribunal Constitucional, no seu Ac. 42/2014[9]:
“não encontramos fundamento para afirmar o relevo paramétrico do sentido normativo acolhido pela Administração Tributária e vazado na referida circular, em termos de suportar a formação de efeitos vinculativos dos particulares – que não se confunde com a sua irrelevância na formação da vontade dos contribuintes, nem com força persuasiva reforçada, em virtude dos privilégios executivos conferidos à Administração – e, sobretudo, que constituam critério ou padrão normativo conformador da atuação jurisdicional dos Tribunais, quando chamados a apreciar litígios no respetivo campo de regulação (cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 4ª edição, 2010, p. 226). Este tem sido, ainda, o entendimento acolhido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de que são exemplo os Acórdãos de 16/01/2002, proferido no processo n.º 26638, e de 7/07/2004, proferido no processo n.º 1784/03 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), marcando igualmente outros ordenamentos jurídicos, como o alemão e o italiano (assim, João Taborda da Gama, ob.. cit, p. 161, nota 8, e Ana Paula Dourado, ob. cit., pp. 726, nota 2178, e 727).”
Também no Acórdão 583/2009 do mesmo Tribunal[10], se escreveu que:
“Desde o acórdão n.º 26/85 (publicado no Diário da República, II Série, de 26 de abril de 1985) que o Tribunal Constitucional, com vista a proceder à identificação do objeto idóneo dos processos de fiscalização de constitucionalidade, vem adotando um conceito de norma funcionalmente adequado ao sistema de controlo que a Constituição lhe comete. Cabem neste conceito de norma os atos do poder público que contenham uma “regra de conduta” para os particulares ou para a Administração, um “critério de decisão” para esta última ou para o juiz ou, em geral, um “padrão de valoração de comportamentos”. Mas, como é de um conceito de controlo finalisticamente ordenado a assegurar o sistema de proteção jurídica típica do Estado de direito democrático constitucional que se trata, não basta que o instrumento em causa vincule a Administração a adotar, na prática de atos individuais e concretos de aplicação e enquanto o não alterar, um determinado critério que tenha estabelecido. É necessário que esse critério seja dotado de vinculatividade também para o outro sujeito da relação (heteronomia normativa) e constitua um parâmetro que o juiz não possa deixar de considerar enquanto não fizer sobre ele um juízo instrumental de invalidade. Se o “critério de decisão” é de origem administrativa e só vincula no seio do serviço administrativo de que emana, não há necessidade do tipo de proteção jurídica e de afirmação da supremacia da Constituição que justifica a intervenção do Tribunal Constitucional.
Ora, um problema frequentemente colocado no direito fiscal é o da relevância normativa das chamadas orientações administrativas. Trata-se, como diz Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª ed., pág. 201 (embora afirmando que isso não lhes retira a qualidade de normas jurídicas):
“[…] de regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos.
Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de atuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares).
É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos atos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos da administração tributária deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o ato”.
Esses atos, em que avultam as “circulares”, emanam do poder de auto-organização e do poder hierárquico da Administração. Contêm ordens genéricas de serviço e é por isso e só no respetivo âmbito subjetivo (da relação hierárquica) que têm observância assegurada. Incorporam diretrizes de ação futura, transmitidas por escrito a todos os subalternos da autoridade administrativa que as emitiu. São modos de decisão padronizada, assumidos para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços. Embora indiretamente possam proteger a segurança jurídica dos contribuintes e assegurar igualdade de tratamento mediante aplicação uniforme da lei, não regulam a matéria sobre que versam em confronto com estes, nem constituem regra de decisão para os tribunais.
A circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada (n.º 1 do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária) às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário e de ter o dever de proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, em determinadas circunstâncias (n.º 3 do artigo 68.º da LGT), não altera esta perspetiva porque não transforma esse conteúdo em norma com eficácia externa. É certo que o administrado pode invocar, no confronto com a administração, o conteúdo da orientação administrativa publicitada e, se for o caso, fazê-lo valer perante os tribunais, mesmo com sacrifício do princípio da legalidade (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 3.ª ed., pág. 344). Mas é ao abrigo do princípio da boa fé e da segurança jurídica, não pelo seu valor normativo, que o conteúdo das circulares prevalece. O administrado só as acata se e enquanto lhe convier, pelas mesmas razões que justificam que possa invocar informações individuais vinculativas que o favoreçam (artigo 59.º, n.º 3, alínea e) e artigo 68.º da LGT).
Consequentemente, faltando-lhes força vinculativa heterónoma para os particulares e não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam, as prescrições contidas nas “circulares” da Administração Tributária não constituem normas para efeitos do sistema de controlo de constitucionalidade da competência do Tribunal Constitucional.”.
Também o STA[11] tem considerado que estão em causa actos que “não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de atuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares).
É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos atos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos da administração tributária deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o ato”.”.
Ou seja, e em suma, “faltando-lhes força vinculativa heterónoma para os particulares e não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam”, a legalidade ou ilegalidade abstracta dos ofícios circulados ou informações vinculativas não será susceptível de se repercutir, sem mais, nos actos (tributários, no caso), praticados com base nelas.
Antes, serão os próprios actos que serão legais ou ilegais, conforme a Lei haja, ou não, sido correctamente aplicada no respectivo caso concreto, e isso independentemente de essa aplicação resultar – ou não – de ofícios circulados ou informações vinculativas, e de estes fazer, ou não, uma correcta interpretação (abstracta) da Lei.
Os ofícios circulados ou informações vinculativas, integrarão assim a fundamentação do acto tributário, que, independentemente do acerto daquela, se deverá ter por fundamentado em termos adequados, inexistindo qualquer violação ao disposto nos artigos 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e 8.º, da Lei Geral Tributária.
Assim, ter-se-á de verificar se a interpretação decorrente do ofício circulado e/ou informação vinculativa e aplicada no acto tributário em questão, é, em concreto, ilegal.
Quanto ao entendimento da Requerente de que o ónus da demonstração da não verificação dos pressupostos previstos n.º 5, do artigo 78.º, do Código do IVA assiste à AT,
Ressalvado o respeito devido, entende-se também não assistir aqui razão à Requerente. Com efeito, refere o TCA-Sul, “É ao contribuinte que incumbe o ónus da prova do direito que invoca, no caso, o direito à dedução do I.V.A. suportado com aquisições de bens e serviços a terceiros (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.)”[12].
No caso, estando em causa, enquanto pressuposto das regularizações por si efectuadas, a “prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto”, será, sem dúvida à Requerente quem incumbe a apresentação dessa mesma prova.
Como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 19-03-2015, proferido no processo 08034/14:
“I - Nos termos do artigo 71, nº5 do CIVA quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução.
II - Sem esta prova, na posse do sujeito passivo, a regularização é indevida.
III – A exigência de o sujeito passivo ter na “sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto” remete-nos para a prova documental.”
Relativamente ao entendimento da Requerente, segundo o qual “impunha-se à Administração tributária a realização de todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material, assim se prosseguindo a legalidade, a justiça, a imparcialidade e o interesse público, tudo princípios constitucionalmente consagrados nos artigos 8.°, n.º 2, 103.°, n.º 3, 266.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, 55º, 58.º da Lei Geral Tributária, 13.º e 114.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, considera-se que o “dever imposto à A. Fiscal de averiguar a verdade material não dispensa os contribuintes da obrigação de colaborarem na produção de provas, como se prevê no artº.59, da L.G.T. Por outro lado, a previsão desta obrigação da Fazenda Pública de averiguar os factos relevantes para a decisão não significa que ela tenha o ónus da prova desses factos, pois apenas a insuficiência probatória de factos constitutivos dos direitos invocados pela A. Fiscal é valorada processualmente contra ela (artº.74, nº.1, da L.G.T.).”[13], e que “O princípio do inquisitório não prejudica o ónus alegatório e probatório que recai sobre os interessados.”[14].
Ora, no caso:
“Em primeiro lugar, a AT não tem de proceder oficiosamente a diligências instrutórias não requeridas e que, presuntivamente, não tenham relevância para a decisão, aliás que no caso, o recorrente não identifica.
Em segundo lugar, a AT não recusou nenhuma diligência que lhe tivesse sido solicitada pelo recorrente.
Em terceiro, e último lugar, bem demonstram os autos, que a AT levou a efeito um conjunto de diligências tendentes ao apuramento dos factos”[15].
Considera-se, assim, inexistir qualquer violação ao disposto nos artigos 8.º, n.º 2, 103.º, n.º 3, 266.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, 55º, 58.º da Lei Geral Tributária, 13.º e 114.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Resta, assim, apurar se, como afirma a Requerente, a mesma fez a demonstração da verificação dos pressupostos do n.º 5, do artigo 78.º, do Código do IVA aplicável, e, mais concretamente, se apresentou a “prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto”.
No que diz respeito a esta matéria, alega a Requerida que “as fotocópias das notas de crédito não têm, tal como exige a boa interpretação do artigo 78.º, n.º 5 do CIVA, a competente assinatura e carimbo aposto pelo adquirente, motivo porque os documentos apresentados não são idóneos a comprovar que aquele chegou a tomar conhecimento da rectificação a efectuar pelo sujeito passivo.”.
Ora, conforme resulta dos factos provados (pontos 10 e 11), a Requerente juntou documentação relevante relativamente às notas de crédito n.º…, …, … e … .
Relativamente à nota de crédito n.º 91, foi apresentado um duplicado da nota de crédito em questão, com uma assinatura ilegível sob a data “30-03-2009”. Não tendo sido apresentada qualquer prova sob a identidade da pessoa que assinou, da qualidade em que o fez, e do que pretendeu atestar com a assinatura em questão, não se pode considerar efectuada a “prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto”.
Relativamente à nota de crédito n.º…, verifica-se, porém, que a carta registada com A/R, endereçada ao fornecedor a solicitar confirmação da recepção da nota de crédito, em 21-09-2011, foi devolvida ao remetente em 03-10-2011, pelo que não se pode considerar efectuada a “prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto”.
Relativamente à nota de crédito n.º…, foi apresentado um duplicado da nota de crédito em questão, com uma assinatura de parcialmente legível sob carimbo do fornecedor, entendendo-se que essa documentação é bastante para que se considere comprovado que uma pessoa identificável declarou, em nome daquele, ter tomado conhecimento da nota de crédito em questão.
Relativamente à nota de crédito n.º…, estando os documentos assinados por assinatura legível, permitindo identificar quem é apresentado como tendo tomado conhecimento da nota de crédito, bem como uma carta registada com A/R assinado e confirmação de recepção daquela mesma nota de crédito, entende-se que está, cabalmente, feita a “prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto”.
Assim, e face ao exposto, julga-se que o pedido arbitral deverá proceder, nesta parte, relativamente às notas de crédito … e … .
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Alega também a Requerente que, não obstante ter deduzido a totalidade do IVA no mês de Janeiro de 2009, regularizou a situação através do reconhecimento de IVA não dedutível (13%) relativo ao período 200901 como gasto do exercício e respectiva contabilização na conta POC … .
Relativamente a esta matéria, Requerente e Requerida, concordam que a Requerente deveria ter apenas deduzido 87% do IVA suportado, e não a totalidade do mesmo.
O dissídio reside em que a Requerente alega ter, a posteriori, regularizado o excesso de imposto deduzido no mês de Janeiro em causa (13%), o que não foi considerado no RIT.
A propósito desta matéria, alega a Requerida que “não releva, para efeitos de regularização do IVA deduzido indevidamente, a contabilização e rectificação no POC, como efetuado pela Requerente para os restantes períodos (...) pois que, não tendo procedido à regularização nos termos previstos no CIVA, terá necessariamente de se manter a correcção no valor de € 892,40, referente ao período 0901” e que “o CIVA estabelece no seu artigo 22.º regras relativas ao direito à dedução, devendo a mesma ser efectuada em regra na declaração do período, não obstante as regularizações patentes no artigo 78.º do CIVA.”.
Verifica-se, assim, que não é contestado que, conforme o extracto da contabilidade que apresentou, a Requerente regularizou a situação através do reconhecimento do IVA não dedutível (13%) relativo ao período 200901 na conta POC …, movimento este datado de 31-01-2009.
Ora, conforme recentemente afirmou o TJUE, “ O Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais.”[16].
No caso é isso que se passa. A Requerente poderá não ter seguido os procedimentos formais adequados – a apresentação de uma declaração de substituição rectificando a dedução indevida – mas não é questionado que materialmente rectificou a situação, daí não resultando qualquer prejuízo, ao nível do montante de imposto arrecadado, para o Fisco, conforme aponta o TJUE na decisão citada, poderá aplicar “sendo caso disso, uma multa ou uma sanção pecuniária proporcionada à gravidade da infração, a fim de punir a violação das exigências formais”.
Deste modo, o artigo 87.º/1 do CIVA aplicável, que preceitua que “Sem prejuízo do disposto no artigo 90.º, a Direcção-Geral dos Impostos procede à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença.” deverá, em conformidade com o direito comunitário tal como tem sido entendido pelo TJUE, ser interpretado no sentido que a aferição da existência de “um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos”, se deverá fazer face à materialidade existente no momento em que se dá a rectificação pela Direcção-Geral dos Impostos, ou seja, tendo em conta se, nessa altura, em função da declaração a rectificar, ainda existe um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, e não simplesmente se, face às regras formalmente aplicáveis, na declaração a corrigir deveria constar um imposto superior ou uma dedução inferior, ao declarado pelo contribuinte, sendo por isso necessário que, materialmente, se verifique, no momento da rectificação, um prejuízo efectivo para o Fisco, decorrente do erro a rectificar.
Deste modo, ao desconsiderar que a Requerente regularizou a situação através do reconhecimento do IVA não dedutível (13%) relativo ao período 200901 na conta POC …, movimento este datado de 31-01-2009, incorreu a correcção em questão em erro nos seus pressupostos de facto, e consequente erro de direito, pelo que deverá ser anulada, procedendo o pedido arbitral nesta parte.
*
Prosseguindo, considera a Requerente que não se verificam os pressupostos da exclusão do direito à dedução, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, aplicada nas correcções contestadas, constantes do ponto III.1.3.3 do Relatório de Inspecção[17].
Alega a este respeito a Requerente, em suma, que estão “em causa despesas necessárias ao norma decurso de qualquer evento promocional ao qual estas se encontram normalmente associadas, inserindo-se no protocolo seguido por qualquer empresa que partilhe do objecto social da REQUERENTE e contribuinte, de forma essencial, para a realização de transmissões de bens ou prestações de serviços, nos termos do artigo 20.°, n.º 1, alínea a) do Código do Imposto sobre o Valor. Acrescentado”.
Dispõe o art.º 21.º do CIVA, na redacção aplicável, que:
“1 — Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:
a) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos. É considerado viatura de turismo qualquer veiculo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor;
b) Despesas respeitantes a combustíveis normalmente utilizáveis em viaturas automóveis, com excepção das aquisições de gasóleo, de gases de petróleo liquefeitos (GPL), gás natural e biocombustíveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %, a menos que se trate dos bens a seguir indicados, caso em que o imposto relativo aos consumos de gasóleo, GPL, gás natural e biocombustíveis é totalmente dedutível:
i) Veículos pesados de passageiros;
ii) Veículos licenciados para transportes públicos, exceptuando-se os rent-a-car;
iii) Máquinas consumidoras de gasóleo, GPL, gás natural ou biocombustíveis, que não sejam veículos matriculados;
iv) Tractores com emprego exclusivo ou predominante na realização de operações culturais inerentes à actividade agrícola;
v) Veículos de transporte de mercadorias com peso superior a 3500 kg;
c) Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens;
d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções;
e) Despesas de divertimento e de luxo, sendo consideradas como tal as que, pela sua natureza ou pelo seu montante, não constituam despesas normais de exploração.
2 — Não se verifica, contudo, a exclusão do direito à dedução nos seguintes casos:
a) Despesas mencionadas na alínea a) do número anterior, quando respeitem a bens cuja venda ou exploração constitua objecto de actividade do sujeito passivo, sem prejuízo do disposto na alínea b) do mesmo número, relativamente a combustíveis que não sejam adquiridos para revenda;
b) Despesas relativas a fornecimento ao pessoal da empresa, pelo próprio sujeito passivo, de alojamento, refeições, alimentação e bebidas, em cantinas, economatos, dormitórios e similares;
c) Despesas mencionadas nas alíneas a) a d) do número anterior, quando efectuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respectivo reembolso;
d) Despesas mencionadas nas alíneas c) e d), com excepção de tabacos, ambas do número anterior, efectuadas para as necessidades directas dos participantes, relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %;
e) Despesas mencionadas na alínea c) e despesas de alojamento, alimentação e bebidas previstas na alínea d), ambas do número anterior, relativas à participação em congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com as entidades organizadoras dos eventos e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 25 %.
3 — Não conferem também direito à dedução do imposto as aquisições de bens referidos na alínea f) do n.º 2 do artigo 16.º, quando o valor da sua transmissão posterior, de acordo com legislação especial, for a diferença entre o preço de venda e o preço de compra.”.
A norma transcrita, como não podia deixar de ser, em função da consabida matriz comunitária do IVA, tem correspondência[18] no artigo 176.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho (que reformulou a Sexta Directiva), que dispõe que:
"O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados- Membros podem manter todas as exclusões previstas na respetiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respetiva adesão."
Esta norma, sucedeu ao artigo 17.º, n.º 6, da Sexta Diretiva, em vigor aquando da adesão de Portugal à CE, que prescrevia que:
"O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da presente directiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respetiva no momento da entrada em vigor da presente directiva".
A circunstância de, não obstante o disposto neste último normativo, não ter sido aprovada a deliberação do Conselho ali referida, passados mais de 30 anos, dá bem conta do melindre e sensibilidade da questão, relacionada com a evidência de estarmos perante uma das situações de mais forte tensão entre o princípio da neutralidade do IVA, repetidamente afirmado pelo TJUE como estruturalmente basilar e constitucional de todo o sistema do Imposto sobre o Valor Acrescentado, e a necessidade de combate à fraude e evasão fiscal pelos Estados.
Com efeito, e como detalham Clotilde Celorico Palma[19], e Maria Odete Oliveira e João Seixas Cambão[20], não obstante várias tentativas ao longo dos anos, nunca foi possível uma aproximação à unanimidade necessária dos Estados Membros relativamente à matéria em questão.
Ou seja, sendo notória e consensual a existência, no âmbito das actividades empresariais, a existência despesas, no caso sujeitas a IVA, que não têm uma afectação “estritamente profissional”, a forma e medida adequadas do enquadramento de tais despesas no âmbito do sistema do IVA ainda não foi encontrada. E, se se verificam tais inultrapassáveis divergências entre Estados, que partilham necessariamente o mesmo lado da relação jurídico-tributária, facilmente se compreenderá a extensão e alcance da insatisfação que os contribuintes, do lado oposto da mesma, manifestarão em tal matéria.
Como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 04-06-2015, proferido no processo 06391/13:
“9. O fundamento da exclusão do direito à dedução previsto no artº.21, do C.I.V.A., encontra-se no facto de muitas das situações ali previstas dizerem respeito a I.V.A. suportado nos "inputs" em relação às quais se configura difícil, ou mesmo impossível, controlar da sua bondade, visando-se, pela via da exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços não essenciais à actividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares, não empresariais/profissionais. Esta norma é, no fundo, uma norma especial anti-abuso em sede de I.V.A., nos termos em que a doutrina as define.
10. Quer isto dizer que o legislador, mesmo admitindo que os bens ou serviços identificados no artº.21, nº.1, do C.I.V.A., possam destinar-se a fins empresariais, por reconhecer ser particularmente difícil o controlo da utilização dos referidos bens ou serviços e com o intuito de evitar a possibilidade de elevado nível de fraude, procurou evitar as dificuldades que surgiriam na administração do imposto devido ao contencioso que inevitavelmente se iria gerar sobre esta matéria, consagrando na citada norma legal um conjunto de bens e serviços excluídos do direito à dedução, independentemente da sua utilização.”
Embora se conceba que se possam colocar situações em que as restrições ao direito à dedução do IVA se possam postergar, como, no caso, pretende a Requerente, considera-se sempre que tal possibilidade passará, necessariamente, pela demonstração que, no caso concreto, está excluída, para lá de qualquer dúvida razoável, qualquer afectação não “estritamente profissional” das despesas a deduzir.
Ora, no caso tal não acontece.
Com efeito, como decorre da conjugação do facto provado sob o ponto 16, com o facto dado como não provado, não é possível, face à prova produzida, concluir que as despesas tituladas pelas facturas em causa, tenham tido uma afectação “estritamente profissional”, pelo que deverá improceder, nesta parte, o pedido de pronúncia arbitral.
*
Considera também a Requerente que a ausência de data e local da prestação de serviços, em determinadas facturas, a que se refere o ponto III.1.3.4 do RIT, não justificará a exclusão do direito à dedução do IVA nelas contido, nos termos da al. f) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA, como entendeu a AT.
Efectivamente, conforme resulta da leitura do RIT, o IVA titulado pelas facturas a que se refere o ponto em causa não foi aceite para dedução, porquanto a AT considerou que não foi “provado o requisito formal das datas e locais específicos em que os serviços foram realizados”.
Ora, é o teor do referido artigo 36.º/5/f) do CIVA:
“5 — As facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos: (...)
f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura.”
Entende a Requerida a este respeito, “que a obrigação de datar a realização dos serviços prestados é extensível aos casos em que a realização das operações ou seu pagamento não coincidam com as datas da respectiva emissão (...) O que não legitima a Requerente a considerar-se dispensada dessa obrigação em razão das prestações de serviço terem sido realizadas na data da emissão das facturas.”.
Ressalvado o respeito devido, considera-se que o entendimento sustentado pela Requerida não tem qualquer sustentação, literal ou racional, no texto legal, já que, por um lado, é claro o preceito de que a data “em que os serviços foram realizados” tem de estar contida na factura, “se essa data não coincidir com a da emissão da factura.”, e, por outro, não faria qualquer sentido a clarificação sugerida pela Requerida, já que se a previsão legal fosse, simplesmente, que a data “em que os serviços foram realizados” tem de estar contida na factura, não existiriam quaisquer dúvidas que essa obrigação se aplicaria, a todas as situações, incluindo nos casos de “essa data não coincidir com a da emissão da factura.”.
Acresce ainda que, aplicando-se o IVA a praticamente todas as transacções económicas, a norma em causa visa simplificar, na medida do possível, a emissão das facturas, prescrevendo, justamente, que aquelas só carecem de conter a data “em que os serviços foram realizados (...) se essa data não coincidir com a da emissão da factura.”.
No mais, e como bem aponta a Requerente, “no que respeita ao local da prestação do serviço, nenhuma referência é feita na lei”. Não obstante, como refere a Requerida “No que concerne à indicação do local nas facturas facilmente se perceberá que os sujeitos passivos para efeitos de dedução do imposto devem estar em condições de comprovar que as prestações de serviços facturadas foram efectivamente realizadas.”, o certo é que tal obrigação apenas se gera, se a AT reunir factos indiciários no sentido de que as facturas não correspondem a prestações de serviços efectivamente realizadas.
Com efeito, como se escreveu no Acórdão do TCA-N de 15-11-2013, proferido no processo 00201/06.8BEPNF:
“1. Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
2. Estando em causa o imposto sobre o valor acrescentado deduzido com base em faturas que, alegadamente, não têm subjacente nenhuma transação, cabe à administração tributária demonstrar a adequação entre os factos-índice recolhidos no procedimento e o juízo sobre a inexistência do facto que confere o direito à dedução e ao sujeito passivo demonstrar a existência do facto tributário.”
Ora, não só não são apresentados factos indiciários no sentido de que as facturas em causa não correspondem a prestações de serviços efectivamente realizadas, como não é, sequer, esse o fundamento das liquidações em crise, constante do RIT.
Deste modo, ao considerar não estarem reunidos os pressupostos artigo 36.º/5/f), e verificada a violação do artigo 19.º/2/a), ambos do CIVA, verifica-se, erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, nessa parte, proceder o pedido arbitral.
*
Entende, ainda, a Requerente que as facturas n.ºs… e…, emitidas em 2 de Setembro e 23 de Outubro de 2009, respectivamente, pela B…, contém IVA suportado dedutível pela REQUERENTE, na percentagem de dedução provisória que aplicou no exercício de 2009 (87%), entendendo também que “caso a Administração tributária pretenda colocar em causa a efectiva liquidação de IVA subjacente às facturas em causa, no sentido de a mesma poder não ter existido, deverá encetar diligências nesse sentido, como, por exemplo, proceder à simples notificação da B…, para prestação de esclarecimentos e junção de documentação comprovativa”.
Relativamente a esta matéria, verifica-se que, conforme é referido no RIT e está provado, das facturas em causa não consta a menção “IVA incluído”, nem é discriminado qualquer montante relativo àquele imposto, constando aquelas a menção “IVA a 20%” (ponto 20 dos factos provados).
Face a este circunstancialismo, entendeu a AT estar verificado o incumprimento do disposto nas als. c) e d) do n.º 1 do artigo 36.º do CIVA, por o emitente da factura não ter mencionado que procedeu à liquidação do imposto, quer expressamente através do cálculo do mesmo, quer implicitamente, através da menção “imposto incluído à taxa em vigor”, contrariando-se o disposto no artigo 19.º/2 do mesmo Código.
Ressalvado o respeito devido, entende-se que não assiste razão à AT.
Com efeito, como aquela própria reconhece, a indicação de que o emitente da factura procedeu à liquidação do imposto, poderá ser feita implicitamente, sendo que a expressão utilizada no caso “IVA a 20%”, não é susceptível de deixar a um destinatário normal, colocado na posição do destinatário concreto, qualquer dúvida razoável de que o preço constante da(s) factura(s) em causa contém IVA à taxa referida, não se podendo deixar de ter em conta que, como refere o Tribunal da Relação do Porto, “Ao preço apresentado ou afixado por comerciante obrigado a passar fatura presume-se que acresce o IVA, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1º, 1, a), 4º, 1, 29º, 1, b), e 37º, 1, do CIVA.”[21].
Deste modo, verifica-se aqui também a ocorrência de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, nessa parte também, proceder o pedido arbitral.
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Alega por fim a Requerente que se verificou duplicação de regularização do IVA deduzido no mês de Janeiro de 2009, no valor de € 2.745,86, decorrente do apuramento que efectuou da percentagem de dedução definitiva, pois procedeu à regularização do imposto deduzido a mais ao longo daquele ano.
A este respeito, a Requerente sustenta que, conforme resulta do RIT, e está dado como provado, “Após determinação da percentagem de dedução definitiva (47%), a REQUERENTE procedeu à regularização da totalidade do imposto deduzido ao longo do exercício de 2009, a favor do Estado, no montante de € 361.578,96”.
A Requerida, por seu lado, refere unicamente que “não ficou comprovada nos autos a regularização do IVA integralmente deduzido no período 2009.01, quando foi desconsiderada a qualidade da Requerente enquanto SP Misto, pelo que não nos é possível aferir da duplicação de quaisquer valores.”.
Ora, conforme resulta da matéria de facto acima fixada, não assiste razão à Requerida.
Com efeito, é a própria AT quem reconhece, no ponto III.1.3.7 do Relatório, que o sujeito passivo procedeu ao recálculo da proporção do pro rata definitivo e à regularização, a favor do Estado, no montante de € 361.578,96, em cumprimento do disposto nos artigos 23.º/6 do CIVA, conclusão esta sustentada no anexo 35 ao RIT, que integra aquele cálculo e o diário de lançamento em 31-12-2009.
Deste modo, verifica-se também nesta parte a ocorrência de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, nessa medida proceder igualmente o pedido arbitral.
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da liquidação de juros compensatórios
Relativamente a esta matéria, sustenta a Requerente que “em nenhum momento nos actos notificados, a Administração tributária demonstrou os pressupostos de que depende a liquidação de juros compensatórios, tendo-se limitado a, formalmente, alegar, para o efeito, o disposto nos artigos 96° do Código do IVA e 35.° da Lei Geral Tributária”, já que “das liquidações de juros compensatórios notificadas à REQUERENTE, não resulta a demonstração concreta da culpa do contribuinte no alegado retardamento da liquidação do imposto.”, mais alegando que “em momento algum, foi notificada pela Administração tributária para se pronunciar sobre a intenção de a Administração tributária promover a liquidação de juros compensatórios, pelo que o acto de liquidação em causa também é ilegal por violação do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária.”.
Conforme resulta dos factos dados como provados, das notas de liquidação referentes aos juros compensatórios, consta a sua razão de ser e quantificação, o imposto sobre o qual incidem os juros, o período a que se referem, a taxa de juro aplicável e o valor de juros devido.
Assim, de acordo com a jurisprudência pacífica do STA, “Está cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros.”[22]
Relativamente à arguida falta de cumprimento do disposto no artigo 60.º da LGT (direito de audição), verifica-se que inexiste no processo qualquer elemento que permita demonstrar tal cumprimento.
De resto, em sede de decisão da reclamação graciosa, onde a Requerente suscitou, desde logo, tal questão, a AT limitou-se a referir o entendimento de que a audiência prévia apenas seria pertinente para efeitos de determinação da imputabilidade da culpa à Requerente, e que tal imputação resulta dos factos tributários apurados em sede de acção inspectiva, pelo que a audiência prévia à liquidação de juros estaria dispensada, face ao disposto no artigo 60.º/3 da LGT.
No entanto, compulsado o relatório final daquela acção inspectiva verifica-se que no mesmo não é feita qualquer menção a juros, pelo que não é possível considerarem-se preenchidos os pressupostos daquela norma da LGT.
Deste modo, face à violação do disposto no artigo 60.º/1/a) da LGT, devem, por vício de forma, ser anuladas as liquidações de juros compensatórios.
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Do despacho que negou provimento ao recurso hierárquico.
Argui ainda a Requerente a ilegalidade do despacho que negou provimento ao recurso hierárquico, porquanto arrolou, ao abrigo do artigo 72.°, da Lei Geral Tributária, uma testemunha cuja audição se mostrava essencial à correcta decisão do pedido formulado, testemunha essa que não foi ouvida.
Como explica Carla Castelo Trindade[23], “não são arbitráveis os vícios próprios dos actos de indeferimento de reclamações graciosas e recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão oficiosa do acto tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária. Por outras palavras, estes actos de indeferimento só poderão ser “trazidos” para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do acto tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efectivamente, pretende impugnar pela via arbitral.”. Ou seja, “O objecto do pedido de pronúncia arbitral será, então, a (i)legalidade do acto tributário de primeiro grau, independentemente de o sujeito passivo apontar como objecto da sua acção arbitral este (o acto de primeiro grau), ou o de segundo, isto sempre, desde que o de segundo aprecie a (i)legalidade do acto de primeiro grau.”.
Sem prejuízo, sempre se dirá que não assiste razão à Requerente já que, não obstante alegar que a audição da testemunha se mostrava essencial à correcta decisão do pedido formulado, não o demonstra, nem demonstrou aquando do requerimento de audição formulado, indicando quais os concretos factos que o depoimento da testemunha se destinava a provar, e qual o modo como os mesmos influenciariam determinantemente a decisão a tomar.
Assim, e por tudo o exposto, deve improceder, nesta parte, o pedido arbitral.
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Da indemnização por garantia indevida
A Requerente formula, ainda, um pedido de indemnização por garantia indevida.
Esta matéria foi objecto já de várias decisões no âmbito da jurisdição arbitral, podendo ver-se, entre outras, a do processo arbitral do CAAD, n.º 1/2013T[24], em termos que ora se transcrevem
“De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».
Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.
Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.
Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”
No caso em apreço, é manifesto que o erro dos actos de liquidação nas partes ora declaradas ilegais, consubstanciado em liquidações parcialmente praticadas sem suporte num facto tributário pressuposto de imposto, é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a inspeção tributária e a liquidação foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.
Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada em excesso, relativamente ao montante de imposto ora anulado.
No entanto, não foram alegados e provados os encargos que a Requerente suportou para prestar a garantia bancária, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que a Requerente tem direito, o que só poderá ser efectuado em execução deste acórdão.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
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Anular as liquidações de imposto, objecto da presente acção arbitral, na medida em que reflectem as seguintes correcções:
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Relativas às notas de crédito … e …, referidas no ponto III.1.3.1 do Relatório de Inspecção;
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Relativas ao ponto III.1.3.2 do Relatório de Inspecção;
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Relativas ao ponto III.1.3.4 do Relatório de Inspecção;
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Relativas ao ponto III.1.3.5 do Relatório de Inspecção;
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Relativas ao ponto III.1.3.7 do Relatório de Inspecção;
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Anular as liquidações de juros compensatórios;
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Condenar a Requerida no pagamento de indemnização por garantia indevida, na parte referente aos montantes correspondentes aos montantes ora anulados, no montante que se vier a demonstrar em execução de sentença;
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Julgar improcedentes a restante parte do pedido arbitral;
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Condenar as partes nas custas do processo, na proporção dos respectivos decaimentos, fixando no montante de € 90,00, o valor a cargo da Requerente, e de € 2.358,00, o valor a cargo da Requerida.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 63.993,02, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção dos respectivos decaimentos, acima fixada, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 22 de Setembro de 2017
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Cristina Coisinha)
O Árbitro Vogal
(João Cruz)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[2] Disponível para consulta em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[3] Cfr., p. ex., Ac. do STA de 08-06-2011, proferido no processo 068/11.
[4] Ac. do STA de 21-06-2017, proferido no processo 068/17.
[5] “os actos de liquidação em questão ocorreram na sequência de acto inspectivo e em conformidade com o relatório de inspecção tributária homologado por despacho. Relatório onde consta que esses actos derivam de correcções aritméticas introduzidas por via da desconsideração das regularizações de IVA levadas a efeito pelo contribuinte (ora recorrente) em diversas declarações periódicas devidamente identificadas, e que decorrem de várias notas de crédito que ela produziu nos anos de 2002 e 2003.”
[6] “Com efeito, de atentarmos no relatório de inspecção que está subjacente à liquidação adicional impugnada, cujo teor foi dado por reproduzido no probatório fixado, podemos concluir que a AT deu a conhecer ao visado, a aqui Recorrente, as razões que a levaram a proceder à liquidação adicional impugnada.”
[7] “resulta claro que se o impugnante analisar o conteúdo da liquidação em conjunto com o relatório da inspecção tributária, do qual também tem conhecimento, a fundamentação do acto tributário resulta cristalina, sem ambiguidades, obscuridades, ou qualquer contradição.”
[11] Ac. de 21-06-2017, proferido no processo 0364/14.
[12] Ac. de 16-04-2013, proferido no processo 06280/12.
[13] Ac. do TCA-Sul de 22-10-2015, proferido no processo 08843/15.
[14] Ac. do TCA-Sul de 19-03-2015, proferido no processo 07740/14.
[15] Ac. do TCA-Sul de 10-11-2016, proferido no processo 07207/13.
[17] A Requerente reproduz, no seu Requerimento Inicial (cfr. pontos 95 e ss.), alegações relativas a fases anteriores relativamente à ocorrência de erro de cálculo no quadro do ponto III.1.3.3, mas reconhece (ponto 98), que a reclamação graciosa teve provimento nessa parte.
[18] Sendo objecto de debate se a norma comunitária em causa – conhecida como cláusula stand still – suporta ou não a norma nacional. Sendo esse o entendimento da AT (cfr., p. ex., as informações vinculativas proferidas nos processos n.º 3479, com despacho de 16-07-2012, e n.º 9889, com despacho de 29-02-2016), existe, no entanto, doutrina em sentido contrário (cfr. Maria Odete Oliveira e João Seixas Cambão, “IVA – Algumas notas sobre os limites das exclusões do direito à dedução”, Fisco n.º 115/116, Setembro de 2004, p. 59).
[19] “IVA – Algumas notas sobre os limites das exclusões do direito à dedução”, Fisco n.º 115/116, Setembro de 2004, pp. 67 a 70.
[20] “Exclusões, restrições, limitações e outras complicações em matéria de direito a dedução no imposto sobre o valor acrescentado.”, cit., pp. 68 a 72.
[21] Ac. de 10/07/2013, proferido no processo 4/12.0TBMSF.P1.
[22] Ac. de 09-03-2016, proferido no processo 0805/15.
[23] “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - Anotado”, Almedina, 2014, p.70 e ss.
[24] Disponível em www.caad.org.pt.