Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 178/2017-T
Data da decisão: 2017-10-17  IRC  
Valor do pedido: € 144.554,42
Tema: IRC - Lapso em autoliquidação - Legitimidade activa
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Decisão Arbitral

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Maria Celeste Cardona o e Dr. José Sampaio e Nora (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-05-2017, acordam no seguinte:

         

          1. Relatório

 

A…, NIPC…, com sede na … n.º…, …-…, Lisboa, aqui representado pela sua sociedade gestora B…- SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., com o número de identificação fiscal …, e sede na …, n.º…, …-…, Lisboa, doravante designado competência “Requerente”, veio , ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou ”RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de pronúncia arbitral visando a declaração da ilegalidade do «acto de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("IRC”) n.º…, no montante de € 144.554,42, relativo ao exercício de 2014», de que apresentou reclamação graciosa, que foi indeferida.

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-03-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11-05-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 29-05-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que suscitou as excepções dilatórias da falta de prévia reclamação graciosa e da ilegitimidade activa e defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 27-07-2017 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes não apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Foram deduzidas excepções de falta de reclamação graciosa e ilegitimidade activa, que importa apreciar prioritariamente.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

 

  1. O Requerente é um Fundo imobiliário Aberto constituído nos termos e de acordo com o Decreto-Lei n.º 316/93, de 21 de Setembro e, subsidiariamente, Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, publicado pela Lei nº 16/2015, de 24 de Fevereiro;
  2. O Requerente foi aprovado pela Portaria n.º 1056/97, de 12 de Dezembro, tendo iniciado actividade em 12 de Dezembro de 1997;
  3. Em 15 de Dezembro de 2014, o Requerente alterou a sua denominação para "Fundo de Gestão de Património imobiliário -A…”, sendo anteriormente designado por "Fundo de Gestão de Património imobiliário- C…”;
  4. O Requerente, enquanto fundo de investimento imobiliário, beneficiou da aplicação do regime fiscal previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios fiscais (“EBF"), na redacção que vigorou até às alterações introduzidas nesse diploma pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de Janeiro;
  5. Em 24 de Abril de 2014, o Requerente submeteu uma «DECLARAÇÃO DE RETENÇÕES NA FONTE» em formulário próprio para «IRS/IRC E IMPOSTO DO SELO», indicando o Código «209 -IRC - Fundos de Investimento -art. 2.º do EBF», documento esse com o n.º…, e o montante de € 144.554,42 (Documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. O Requerente ao submeter a referida declaração da retenção na fonte relativa ao IRC do ano 2013 inscreveu, por lapso, no campo “PERÍODO”, «Abril/2014»;
  7. Quando o Requerente efectuou a transferência bancária para pagamento da quantia referida, foi mencionado no descritivo da transferência a referência pessoal “IRC-2013” (Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  8. Em 30-04-2014, o Requerente apresentou a declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2013 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  9. Em 18 de Junho de 2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou a liquidação de IRC n.º 2014…, referente ao ano 2013, com data de compensação de 22-07-2014 e número de documento 2014…, em que, além do mais, se indicam:

– o montante de € 123.654,22 de «retenções na fonte» (linha 15);

– o montante de € 144.554,42 de «pagamentos por conta» (linha 16);

– o montante de «IRC a recuperar (3 a 7-13+14-15-16)>0» de € 268.208,64 (linha 18);

– o montante de € 268.208,64 de «Tributações autónomas» (linha 24);

– o «VALOR A PAGAR» de € 144.554,42 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. Em 10 de Setembro de 2014, o Requerente remeteu um email à Autoridade Tributária e Aduaneira para o endereço de correio electrónico dsc-dcv-ir@at.gov.pt, em que, além do mais, se refere o seguinte:

«O Fundo de Gestão de Património Imobiliário – C…, nipc…, por lapso em 24 de abril de 2014 submeteu a declaração de retenções na fonte - código 209 - IRC-Fundos de Investimento (artº 22º do EBF (doc. nº … de que junta cópia) no valor de 144.554,42 €, tendo procedido ao seu pagamento nessa mesma data, quando deveria ter efetuado a autoliquidação do IRC.

Assim, vem por este meio solicitar a V. Exa, que considere esta liquidação como sendo o pagamento de irc solicitado pela nota de liquidação 2014 … (em anexo) com data limite de pagamento a 22 de setembro de 2014» (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

  1. Em 29-10-2014 foi emitida citação no processo de execução fiscal n.º …2014…, para cobrança coerciva da quantia de € 145.275,73, sendo € 144.554,42 relativos a IRC do exercício de 2013, € 175,37 de juros de mora e € 545,94 de custas (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 24-11-2014, o Requerente pagou a referida quantia de € 145.275,73 (documentos n.ºs 8 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  3. Em 12-11-2014, o Requerente, através do e-balcão da Autoridade Tributária e Aduaneira enviou, sob a designação «Pedido de informações/Esclarecimentos», um pedido em que além do mais se refere o seguinte:

«O Fundo de Gestão de Património imobiliário -C…, nipc…, por lapso em 24 de abril de 2014 submeteu a declaração de retenções na fonte - código 209 - IRC-Fundos de investimento (artº 22º do EBF (doc. nº … de que Junta cópia) no valor de 144.554,42 H, tendo procedido ao seu pagamento nessa mesma data, quando deveria ter efetuado a autoliquidação do IRC.

Assim, vem por este meio solicitar a V. Exa, que considere esta liquidação como sendo o pagamento de irc solicitado pela nota de liquidação 2014 … (em anexo), que originou o processo …2014…» (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  • Em 11-12-2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu ao referido pedido, pelo mesmo meio electrónico, dizendo, além do mais, o seguinte:

«A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) agradece o seu contacto.

Deverá fazer uma reclamação graciosa da guia de pagamento para que seja efetuada a restituição que será posteriormente aplicada na dívida em execução fiscal».(documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  • Em 18-10-2016, o Requerente apresentou ao SERVIÇO DE FINANÇAS DE LISBOA-… - …  uma reclamação graciosa, que teve o n.º …2015… em que indicou como «ACTO TRIBUTÁRIO»

Número Guia …

Data Submissão 2014-04-24

Valor 144.554,42

Valor Reclamado 144.554,42 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. Na mesma reclamação, o Requerente indicou o seguinte «FUNDAMENTO DA RECLAMAÇÃO»:

 O Fundo de Gestão de Património Imobiliário A…, nipc…, por lapso em 24 de abril de 2014 submeteu a declaração de retenções na fonte código 209 IRC-Fundos de Investimento -artº 22º EBF (guia nº…) no valor de 144.554,42, tendo procedido ao seu pagamento nessa mesma data, quando deveria ter efetuado autoliquidação do IRC, o que originou a instauração do processo …2014… .

Em 24 de novembro de 2014 procedeu ao pagamento do processo anteriormente referido.

Assim vem por este meio solicitar que lhe seja efetuada a restituição do valor pago - 144.554,42 - referente à guia nº…, indevida» (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. Em 9 de Janeiro de 2015, o Requerente submeteu novo requerimento junto do Serviço de Finanças de Lisboa - …-solicitando a restituição dos € 144.554,42 de IRC, dizendo, além do mais, o seguinte:

 O A…- Fundo de Gestão de Património imobiliário, nipc…, por lapso em 24 de abril de 2014 submeteu a declaração de retenções na fonte - código 209 - IRC-Fundos de Investimento (artº 22º do EBF (doc nº … de que junta cópia) no valor de 144.554,42 €, tendo procedido ao seu pagamento nessa mesma data, quando deveria ter efetuado a autoliquidação do IRC, o que originou a instauração do processo …2014… .

Em 24 de novembro de 2014, procedeu ao pagamento do processo anteriormente referido (junta comprovativo).

Assim vem por este meio solicitar a V. Exa que proceda a restituição do pagamento do imposto efetuado em duplicado – 144.554,42€

Com os melhores cumprimentos e ficando a aguardar deferimento ao solicitado (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. Em 10-11-2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou ao Requerente uma mensagem de correio electrónico, que consta do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em se refere, além do mais o seguinte:

«Informa-se que as declarações de Retenção na Fonte (multi-imposto) relativamente à rúbrica 209 - IRC - Fundos de Investimento (art. 22º do EBF) deveriam ter sido entregues com o “Período a que respeita o imposto", neste caso a retenção do imposto, com a indicação de Dezembro do ano a que as retenções diziam efetivamente respeito.

A sua entrega deveria ocorrer até final do mês de Abril do ano seguinte a que as retenções digam respeito, assinalando apenas o campo 209, sendo permitido o seu pagamento até final desse mês, sem qualquer penalidade ou acréscimo legal, conforme determina o Art.º 22º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Para as situações em que indevidamente foram submetidas as guias como se de retenções do ano de pagamento se tratasse, deverá ser solicitada a correção dos períodos das mesmas, devendo para o efeito enviar um pedido para o endereço dsc-dcv-ti@at.gov.pt (este endereço apesar de se encontrar descontinuado foi excecionalmente ativado para estes casos), pelo que se solicita esclarecimentos em relação ao contribuinte infra mencionado».

  1.  Em 28-11-2016, o Requerente respondeu enviando à Autoridade Tributária e Aduaneira uma mensagem de correio electrónico que consta do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em se refere, além do mais o seguinte:

Em resposta ao V. mail esclarecemos que, caso a declaração de retenção na fonte (multi-imposto), relativamente à rubrica 209- Fundos de Investimento ( art.º 22º do EBF), fosse entregue com a indicação do período de Dezembro do ano a que respeitava o IRC a pagar, o sistema da Autoridade Tributária assumia de imediato na guia que o prazo limite de pagamento era 20 de Janeiro do ano seguinte a que o imposto respeitava e não 30 de Abril como estabelecido por lei no nº 1 do art.º 22º do EBF, dado origem a liquidações adicionais e juros de mora e compensatórios indevidos.

Deste modo, para obviar as limitações do sistema de entrega de declarações da Autoridade Tributaria, no caso dos Fundos de Investimento, e a constituição de dívidas fiscais que na realidade não existiam, foi entregue declaração indicando que o período de imposto era a do mês de pagamento, quando efectivamente o período de imposto se referia ao ano anterior.

Assim, na sequência do V. pedido esclarecemos que :

 

 

  1.  Em 05-12-2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou ao Requerente uma mensagem de correio electrónico que consta do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em se refere, além do mais o seguinte:

«No seguimento dos esclarecimentos prestados informa-se que, procedemos à correção do período das guias …, … e …, conforme solicitado

… 2011 - 12 22.070,01 Documento regularizado 2012-04-28 Em cobrança voluntária 2012-04-21 …2012 - 12 7.593,58 Documento regularizado 2013-05-01 Em cobrança voluntária 2013-04-26 … 2013 - 12 144.554,42 Documento regularizado 2014-04-29 Em cobrança voluntária 2014-04-24»;

  1. Na sequência desta mensagem não foi feita a restituição ao Requerente de nenhuma das duas quantias de imposto pagas pelo Requerente;
  2. Em 27 de Dezembro de 2016, o Requerente foi notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa proferido pela Senhora Chefe de Divisão de Justiça Administrativa, que manifesta concordância com uma informação que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em se refere, além do mais o seguinte:

«I- DESCRIÇÃO DO PEDIDO

FUNDO DE GESTÃO DE PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO) – A…, NIF: …, com domicílio fiscal na … N…, … - … Lisboa, vem apresentar reclamação graciosa, nos termos do artigo 137.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e dos artigos 68.º e seguintes do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), relativamente à guia de retenção n.º…, submetida em 2014-04-24, referente ao ano de 2014, no montante de € 144.554,42, por ter sido indevidamente submetida, pois tal valor corresponde a autoliquidação, pelo que solicita a restituição do valor pago.

QUESTÕES PRÉVIAS AO CONHECIMENTO DO MÉRITO DA RECLAMAÇÃO

1. A reclamante tem legitimidade no presente procedimento tributário, porquanto é sujeito passivo da relação tributária, nos termos do art. 65º da Lei Geral Tributaria (LGT) e do art. 9º do CPPT.

2. O processo de reclamação é o meio próprio, nos termos do artigo 68º e 99º do CPPT.

3. A reclamação apresentada em 2016-10-18 é tempestiva de acordo com o art.º 70.º e a al. a) do n.º 1 do art. 102.º, ambos do CPPT.

4. Na presente data não há conhecimento de que tenha sido apresentada qualquer impugnação judicial sobre a matéria em análise – n.º 3 do artigo 111.º do CPPT (cfr. fl.5).

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS/ ANÁLISE DO PEDIDO

Analisada a documentação constante do processo e consultada a base de dados do sistema informático da Autoridade Tributaria e Aduaneira (AT), cumpre informar o seguinte:

1. No presente pedido a reclamante vem solicitar a devolução do pagamento feito referente à guia nº..., relativa ao período de abril de 2014 no valor de € 144.554,42.

2. Analisada a guia de retenção na fonte paga, acima referida (cfr. fls. 6), referente ao período de abril de 2014, e a liquidação de IRC do ano de 2014 (fls 7), não se comprova o alegado, para além do reclamante não apresentar qualquer prova tal como lhe competia, pelo que, deverá ser indeferida a presente pretensão da reclamante».

  1. O Requerente foi notificado para exercício do direito de audição antes da decisão de indeferimento, mas não o exerceu no prazo que foi fixado;
  2. O referido valor de 144.554,42, não foi reflectido/deduzido a título de pagamento por conta de IRC relativo a esse ano na declaração de rendimentos do Requerente com referência a 2014, submetida a 27 de Abril de 2015 (documentos n.ºs 13, 14, 15 e 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  3. Em 17-03-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

Não existe divergência das Partes sobre a factualidade relevante para decisão da causa, que está documentalmente provada.

No que concerne à existência de lapso do Requerente ao indicar «Abril/2014» como «Período» a que se refere o pagamento, resulta com evidência do facto de o IRC a pagar relativamente ao exercício de 2014, ao abrigo do art. 22.º do EBF (referido como fundamento do pagamento), não poder ainda existir em 24-04-2014 e só dever ser liquidado e efectuado o pagamento até Abril de 2015.

 

 

3. Excepção por falta de reclamação graciosa prévia

 

Nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, a Autoridade Tributária e Aduaneira vinculou-se à jurisdição arbitral, mas, na alínea a) do seu artigo 2.º, excluem-se da vinculação as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

O Requerente apresentou reclamação graciosa, que teve o n.º …2016…, antes de apresentar o pedido de pronúncia arbitral, tendo mesmo sido notificada da decisão de indeferimento, mas a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que não foi satisfeita a exigência de reclamação graciosa necessária ínsita naquela alínea a), pelo seguinte, em suma:

 

– «No processo de reclamação graciosa …2016… foi argumentado pelo requerente e apreciado pela AT, se o valor entregue correspondia a autoliquidação de IRC, não sendo suscitada a questão da natureza de retenção da fonte e a sua imputação ao período X»;

– «Foi então aí referido (no processo de reclamação graciosa) que o Requerente submeteu a referida declaração (e procedeu ao seu pagamento) "quando deveria ter efectuado autoliquidação de IRC”»;

– «E, consequentemente, foi essa a matéria naturalmente apreciada: se o valor entregue correspondia a uma autoliquidação de IRC (concluindo-se que não, como o próprio Requerente agora confirma, argumentando que se trataria de retenções da fonte de um período diferente do declarado)»;

– «Pelo que, previamente à apreciação requerida ao tribunal arbitral, nunca houve pronúncia administrativa sobre a matéria de "retenção na fonte”».

 

            Como decorre da matéria de facto fixada, a Requerente colocou reiteradamente à Autoridade Tributária e Aduaneira a questão de ter, por lapso, efectuado uma «retenção na fonte» indicando o ano de 2014, quando pretendia efectuar uma autoliquidação relativa ao exercício de 2013.

            Na reclamação graciosa, a Requerente disse o seguinte:

O Fundo de Gestão de Património Imobiliário A…, nipc…, por lapso em 24 de abril de 2014 submeteu a declaração de retenções na fonte código 209 IRC-Fundos de Investimento -artº 22º EBF (guia nº…) no valor de 144.554,42, tendo procedido ao seu pagamento nessa mesma data, quando deveria ter efetuado autoliquidação do IRC, o que originou a instauração do processo …2014… .

 

            Que a retenção na fonte foi efectuada em 24-04-2014 e nela se indicou reportar-se a pagamento de IRC do ano de 2014, efectuado ao abrigo do art. 22.º do EBF, decorria da própria guia.

            Por outro lado, embora o texto da reclamação graciosa não seja explícito qual o ano a que se refere a «autoliquidação», faz-se nele referência a que «deveria ter efetuado autoliquidação do IRC, o que originou a instauração do processo …2014…», processo este que é o de execução fiscal para cobrança coerciva do IRC relativo ao exercício de 2013.

            A terminologia «autoliquidação», para designar o pagamento a efectuar por fundos de investimento nos termos do artigo 22.º do EBF, previsto no seu n.º 6 na redacção vigente em 2014, é o adequado, sendo manifesto que é imprópria a designação indicada na guia que foi utilizada, que se destinava a «Declaração de retenções na fonte».

            Assim, apesar de o texto não ser muito claro, há nele elementos suficientes para a Autoridade Tributária e Aduaneira se aperceber de que o lapso que o Requerente invocou como fundamento da reclamação graciosa é o de ter efectuado uma autoliquidação de IRC ao abrigo do artigo 22.º do EBF indicando reportar-se ano de 2014, quando pretendia efectuar o pagamento de uma autoliquidação relativa ao exercício de 2013, relativamente à quantia que veio a ser objecto da execução fiscal cujo número é indicado na reclamação graciosa.

            Examinando a fundamentação que consta da informação em que se baseou a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira terá interpretado o texto apresentado pelo Requerente como aludindo a autoliquidação relativa a 2014, não tendo sequer, aparentemente, o cuidado de verificar a que autoliquidação se referia o processo n.º …2014…, expressamente invocado, nem mesmo tendo pedido qualquer esclarecimento ao Requerente, apesar de ser evidente que não poderia ser feito em Abril de 2014 o pagamento de uma autoliquidação de IRC relativa a 2014, nos termos do artigo 22.º do EBF.

            Neste contexto, é manifesto que o Requerente colocou à Autoridade Tributária e Aduaneira na reclamação graciosa a questão que coloca no presente processo, que é a de, por lapso, ter indicado numa guia própria para declaração de retenções na fonte, a quantia de € 144.554,42, como reportando-se ao exercício de 2014, quando pretendia efectuar o pagamento dessa quantia, de harmonia com o artigo 22.º do EBF, na sequência da autoliquidação que efetuara relativamente ao exercício de 2013, quantia essa que foi objecto da execução fiscal que indicou na reclamação graciosa.

            De resto, que era esta a pretensão do Requerente resulta explicitamente do facto de já por duas vezes ter apresentado a sua pretensão a Autoridade Tributária e Aduaneira, nas mensagens de correio electrónico que consta do documento n.º 7 e no requerimento apresentado através do e-balcão que consta do documento n.º 9 em que se refere, no primeiro caso:

O Fundo de Gestão de Património Imobiliário – C…, nipc…, por lapso em 24 de abril de 2014 submeteu a declaração de retenções na fonte - código 209 - IRC-Fundos de Investimento (artº 22º do EBF (doc. nº … de que junta cópia) no valor de 144.554,42 €, tendo procedido ao seu pagamento nessa mesma data, quando deveria ter efetuado a autoliquidação do IRC.

Assim, vem por este meio solicitar a V. Exa, que considere esta liquidação como sendo o pagamento de irc solicitado pela nota de liquidação 2014 … (em anexo) com data limite de pagamento a 22 de setembro de 2014. (negrito nosso).

           

            No segundo caso, reproduz-se o primeiro parágrafo e refere-se no segundo:

Assim, vem por este meio solicitar a V. Exa, que considere esta liquidação como sendo o pagamento de irc solicitado pela nota de liquidação 2014 … (em anexo), que originou o processo …2014… .

 

            A mesma pretensão foi apresentada pelo Requerente no requerimento apresentado no Serviço de Finanças de Lisboa … em 09-01-2015 (documento n.º 11).

            Para além disso, verifica-se pelo email enviado pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao Requerente em 10-11-2016, que aquela se apercebeu exactamente do que está em causa, ao dizer:

Informa-se que as declarações de Retenção na Fonte (multi-imposto) relativamente à rúbrica 209 - IRC - Fundos de Investimento (art. 22º do EBF) deveriam ter sido entregues com o “Período a que respeita o imposto", neste caso a retenção do imposto, com a indicação de Dezembro do ano a que as retenções diziam efetivamente respeito.

A sua entrega deveria ocorrer até final do mês de Abril do ano seguinte a que as retenções digam respeito, assinalando apenas o campo 209, sendo permitido o seu pagamento até final desse mês, sem qualquer penalidade ou acréscimo legal, conforme determina o Art.º 22º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Para as situações em que indevidamente foram submetidas as guias como se de retenções do ano de pagamento se tratasse, deverá ser solicitada a correção dos períodos das mesmas, devendo para o efeito enviar um pedido para o endereço dsc-dcv-ti@at.gov.pt (este endereço apesar de se encontrar descontinuado foi excecionalmente ativado para estes casos), pelo que se solicita esclarecimentos em relação ao contribuinte infra mencionado.

 
            Por isso, apesar das imprecisões terminológicas, foi apresentada várias vezes à Autoridade Tributária e Aduaneira a pretensão do Requerente, sendo mesmo seguro por este último documento que aquela se apercebeu perfeitamente do que estava em causa, que era um lapso na entrega do imposto efectuada em 24-04-2014, como sendo relativo ao ano de 2014 quando era respeitante ao ano de 2013.

            Por outro lado, na guia em causa, refere-se expressamente a que se reporta o pagamento cujo lapso se invoca, pois indica-se que se trata de «IRC – Fundos de Investimento (art. 22º do EBF), sendo pois perfeitamente perceptível que não se tratava de uma retenção na fonte em sentido próprio, mas sim de um pagamento efectuado no âmbito do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, na redacção da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, vigente em 2014.

            Assim, conclui-se que, para além de a exigência de reclamação graciosa prevista no artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ter sido formalmente satisfeita, foi mesmo apresentada várias vezes a pretensão à Autoridade Tributária e Aduaneira, em termos que consubstanciam materialmente reclamação graciosa (impugnação administrativa de acto de pagamento de tributo liquidado pelo contribuinte). Na verdade, perante os requerimentos referidos apresentados pelo Requerente, que correspondiam a pretensões típicas do meio procedimental reclamação graciosa, era mesmo obrigação da Autoridade Tributária e Aduaneira, imposta pelo artigo 52.º do CPPT, proceder oficiosamente à convolação dos requerimentos em reclamação graciosa.

            Por isso, improcede a excepção de falta de reclamação prévia suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

            4. Excepção da ilegitimidade activa

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a         excepção da falta de legitimidade activa do Requerente, invocando que este é um substituto tributário.

            É evidente que esta afirmação não tem qualquer correspondência com a realidade, pois o Requerente não pagou IRC que tivesse retido a alguém na qualidade de substituto tributário, antes efectuou o pagamento de imposto de que ele próprio era devedor, como evidencia a guia através da qual foi efectuado o pagamento em que, apesar se ser própria para pagamento de retenções na fonte, se refere expressamente que se reporta a «IRC – Fundos de Investimento (art. 22º do EBF)».

            Por outro lado, o único número fiscal que é indicado na guia é o do próprio Requerente, pelo que não se vislumbra suporte para afirmar que o Requerente agiu em substituição de algum substituído, indetectável.

            Assim, invocando o Requerente que efectuou um pagamento próprio por lapso e que daí deriva uma situação de lesão da sua esfera jurídica, é manifesto que tem legitimidade activa para intervir no presente processo, à face do preceituado nos artigo 65.º da LGT e nos n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT, subsidiariamente aplicáveis, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT, legitimidade essa que, aliás, até já lhe foi expressamente reconhecida pela Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão da reclamação graciosa.

            Aliás, o reconhecimento desta legitimidade está em sintonia com o direito à tutela judicial efectiva contra actos lesivos, constitucionalmente reconhecido (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP).

            Pelo exposto, improcede a excepção de ilegitimidade activa.

 

            5. Apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral

 

            Como resulta da matéria de facto fixada, apesar das imprecisões terminológicas utilizadas pelo Requerente, é claro que o que está em causa é um lapso evidente na guia que apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira em 24-04-2014, relativa ao pagamento de IRC efectuado por um Fundo de Investimento, nos termos do art. 22.º do EBF, como nela se refere expressamente.

            O artigo 22.º do EBF, na redacção vigente em 2014, introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, estabelecia o seguinte:

6 - Os rendimentos dos fundos de investimento imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, têm o seguinte regime fiscal:

a) Tratando-se de rendimentos prediais, que não sejam relativos à habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados, há lugar a tributação, autonomamente, à taxa de 25 %, que incide sobre os rendimentos líquidos dos encargos de conservação e manutenção efetivamente suportados, devidamente documentados, bem como do imposto municipal sobre imóveis, sendo a entrega do imposto efetuada pela respetiva entidade gestora, até ao fim do mês de abril do ano seguinte àquele a que respeitar, e considerando-se o imposto eventualmente retido como pagamento por conta deste imposto; (negrito nosso)

 

 

            À face deste regime previsto no artigo 22.º, é evidente o lapso na indicação do ano, pois o pagamento de IRC por fundos de investimento, ao abrigo do artigo 22.º do EBF que foi referido na guia, tinha de ser efectuado, nos termos do n.º 6 «até ao fim do mês de abril do ano seguinte àquele a que respeitar».

            Por isso, é evidente que, em Abril de 2014 o Requerente não podia estar a pagar, ao abrigo do referido artigo 22.º do EBF, o IRC de 2014, que nem sequer podia ainda ser determinado, numa entidade cujos exercícios correspondiam ao ano civil, nos termos do artigo 8.º do CIRC, o que era necessariamente do conhecimento da Autoridade Tributária e Aduaneira.

            Neste contexto, sendo a quantia paga através dessa guia precisamente a que tinha de ser paga relativamente ao ano de 2013, nos termos da liquidação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a emitir, impõe-se com segurança a conclusão de que o Requerente pretendeu pagar o IRC de 2013, nos termos do referido artigo 22.º do EBF, e indicou por lapso no local destinado a referir o «Período» a que se reporta o pagamento, o mês de «Abril/2014».

            A anormalidade que consubstancia a utilização para este efeito de um impresso próprio para pagamento de retenção na fonte, não afecta a evidência do lapso referido e a materialidade do acto de autoliquidação de IRC nos termos do referido artigo 22.º do EBF, e o consequente pagamento a que se destinava a guia em causa.

            Assim, não podendo existir, nos termos do artigo 22.º EBF, em 24-04-2014, qualquer dívida de IRC relativo a este mesmo ano, a autoliquidação efectuada, sob a denominação de retenção na fonte, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por estar em dissonância com a realidade e ser incompaginável com o regime do n.º 6 do artigo 22.º do EBF

            Este vício justifica a anulação da autoliquidação referida relativa ao exercício de 2014 (efectuada sob a denominação de retenção na fonte), de harmonia com o preceituado no artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, vigente à data em que este acto foi praticado.

      

 

            6. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios  

 

O Requerente pede a restituição do imposto com juros indemnizatórios.

Como resulta do exposto, ocorre uma ilegalidade da autoliquidação, efectuada sob a designação de retenção na fonte, e da decisão da reclamação graciosa que a manteve.

A quantia devida relativamente a IRC do ano de 2013 foi paga no âmbito do processo de execução fiscal, como se refere na matéria de facto fixada.

Assim, em face do pagamento de IRC efectuado com base na guia que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, tem de concluir-se que o pagamento efectuado não era devido relativamente ao ano de 2014, a que se reportou, e já não é também devido relativamente ao exercício de 2013.

Por isso, na sequência da anulação da autoliquidação efectuada, o Requerente tem direito ao reembolso da quantia indevidamente paga, o que decorre da anulação, e tem suporte nos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.

No entanto, o erro que afecta a autoliquidação (efectuada sob a designação de retenção na fonte) é imputável ao Requerente, que a efectuou por sua iniciativa.

Por isso, quanto à autoliquidação não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.

No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente.

Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( [1] )

No caso em apreço, a reclamação graciosa foi apresentada em 18-10-2016 e indeferida em 23-12-2016, dentro do prazo legal previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, pelo que a partir desta data, começam a contar-se juros indemnizatórios.

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde 24-12-2016 até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

           

           

7. Decisão

 

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular o acto designado como retenção na fonte relativo ao exercício de 2014 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("IRC”), consubstanciado no documento n.º…, no montante de € 144.554,42, relativo ao exercício de 2014;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar o Requerente da quantia de € 144.554,42, acrescida de juros indemnizatórios, a contar de 24-12-2016, nos termos referidos no ponto 6 deste acórdão;

 

 

8. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 144.554,42.

 

 

 

9. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 17-10-2017

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

 

 

 

(Maria Celeste Cardona)

 

 

 

 

 

(José Sampaio e Nora)

 

 



[1]ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528:

«A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omis­são é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».