Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 322/2016-T
Data da decisão: 2017-02-21  Selo  
Valor do pedido: € 11.594,13
Tema: IS - Verba n.º 28 da TGIS; Terrenos para construção; Cooperativas de habitação
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

1. A…, CRL (doravante designada por “Requerente”), com o n.º de identificação fiscal…, domicílio fiscal na Rua do …, nºs … a…, …-… …, apresentou no dia 11 de junho de 2016, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de Tribunal Arbitral de forma a ser declarado ilegal o ato de liquidação de Imposto do Selo (“IS”), nos termos da Verba 28 da Tabela Geral do IS (“TGIS”), referente ao exercício de 2015, no montante de € 11.594,13 identificado pelo n.º 2016…, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

A) Constituição do Tribunal Arbitral

2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do tribunal singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 16 de agosto de 2016.

3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 31 de agosto de 2016.

B) História processual

4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a ilegalidade do ato de liquidação de IS indicado supra, por respeito a um terreno para construção inscrito na matriz predial urbana, sob o n.º…, da União de Freguesia de …, do concelho de … .

5. A AT apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que o acto tributário em análise, por não violar qualquer preceito legal ou constitucional, fosse mantido na ordem jurídica.

6. Por despacho de 21 de dezembro de 2016, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

 

7. Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respetivos articulados, concedendo um prazo de 10 dias (sucessivo) para as partes, querendo, apresentarem alegações finais (o que não veio a suceder), fixando como prazo para a emissão da decisão arbitral o dia 28 de fevereiro de 2017.

8. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

9. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

II. Questões a decidir

10. As questões fulcrais a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, são: i) apurar até que ponto os benefícios conferidos, nos termos do artigo 66.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), às cooperativas, se estendem também à Verba 28.1 da TGIS, sendo as mesmas afastadas da incidência daquela verba; e, bem assim, caso tal não seja aplicável, ii)  apurar se o imóvel em crise se enquadra no âmbito da referida Verba, na sua redação à data relevante dos factos, designadamente se é um “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no CIMI”.

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

11. Examinada a prova documental produzida, o presente tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

I.     A Requerente tem a natureza jurídica de cooperativa de habitação e tem por objeto principal a construção, promoção e a aquisição de fogos para habitação dos seus membros, como consta da sua certidão permanente, válida até 9 de novembro de 2016, com o código de acesso …-…-… . 

II.   A Requerente é proprietária plena de um prédio urbano, designadamente um terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de …, concelho de …, sob o n.º…, com o Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) de € 1.159.412,95 e com o alvará de Loteamento Urbano n.º …/…emitido pela Câmara Municipal de … .

III.  De acordo com a Caderneta Predial do imóvel em questão, este goza, desde de 2010, de isenção de Imposto Municipal sobre os Imóveis (“IMI”), por se tratar de imóvel para edificação da sede da Requerente e para exercício da atividade da mesma.

IV. A Requerente, por respeito ao exercício de 2015 e em resultado do exposto na Verba 28.1 da TGIS, recebeu o ato de liquidação da AT indicado supra, no valor total de € 11.594,13.

12. A convicção do presente tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e da resposta, não impugnados, pelas partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

13. Não se dá como provado que a Requerente tenha apresentado Reclamação Graciosa por respeito à referida liquidação, ao contrário do referido na petição inicial, nem que a mesma tenha efetuado o pagamento do IS em questão ou, em alternativa, apresentado garantia.

IV. Do Direito

A) Quadro jurídico

14. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interpretem os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos.

15. A sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da Verba 28 à TGIS, efetuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

16. A aludida lei alargou, também, no Código do IS, o âmbito do n.º 1 do artigo 1.º às situações jurídicas, “o IS incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.

17. Aditou ainda o n.º 7 do artigo 23.º do Código do IS, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”. Tendo introduzido, por último, ao artigo 7.º daquele código, o seu n.º 6, do qual decorre que “são ainda aplicáveis às situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral as isenções previstas no artigo 44.º do EBF”.

18. Adicionalmente, e tendo em consideração a alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, importa também transcrever a redação da aludida verba desde 1 de janeiro de 2014, por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

19. Neste contexto, e tendo em consideração a indicação supra, debrucemo-nos, agora, sobre o Código do IMI.

20. No Código do IMI, enumeram-se as espécies de prédios (nos artigos 2.º a 6.º), nos seguintes termos:

“Artigo 2.º - Conceito de prédio

1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 – Para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

Artigo 3.º - Prédios rústicos

1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afetos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afetação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afetação.

3 – São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções directamente afetos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º.

4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.

Artigo 4.º - Prédios urbanos

Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

Artigo 5.º - Prédios mistos

1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

2 – Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.

Artigo 6.º - Espécies de prédios urbanos

1 – Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.

4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3”.

 

21. Num outro prisma, importa transcrever as normas que constam do EBF, relevantes para o presente efeito, mormente:

“Artigo 66.º-A - Cooperativas

1 - Estão isentas de IRC, com exceção dos resultados provenientes de operações com terceiros e de atividades alheias aos próprios fins:

(…)

d) As cooperativas de habitação e construção;

(…)

12 - As cooperativas estão isentas de imposto do selo sobre os atos, contratos, documentos, títulos e outros factos, incluindo as transmissões gratuitas de bens, quando este imposto constitua seu encargo”.

22. Já em 2016, com a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, foi aditado ao referido artigo o n.º 14, no qual se prevê que “as cooperativas de habitação e construção estão isentas de Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo”.

23. Por último, atente-se, igualmente, nas normas sobre a interpretação das leis.

24. O artigo 11.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias nos seguintes termos:

“Artigo 11.º - Interpretação

1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica”.

25. Os princípios gerais da interpretação das leis, para os quais remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, encontram-se preconizados no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:

“Artigo 9.º - Interpretação da lei

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

26. Assim, é no presente quadro jurídico que importa apreciar as questões a decidir, nos termos previamente expostos.

B) Argumentos das partes

27. No âmbito da sua exposição, a Requerente, alegou, em síntese, que, por ser uma cooperativa, se encontrava, nos termos do n.º 12 do artigo 66.º-A do EBF, isenta “de imposto do selo sobre os atos, contratos, documentos, títulos e outros factos, incluindo as transmissões gratuitas de bens, quando este imposto constitua seu encargo”.

28. Para si, “trata-se de uma isenção de imposto do selo que não depende da categoria dos atos ou das situações de que decorre, constituindo uma isenção subjetiva, aplicável às cooperativas, relativamente a todos os atos, contratos, documentos, títulos e a quaisquer outros fatos”.

29. Na sua opinião, os argumentos da AT, que “tem sustentado em casos semelhantes que apenas as isenções estabelecidas no artigo 44.º do EBF seriam aplicáveis à Verba 28 da TGIS”, não têm qualquer adesão, “nem no espírito da lei, nem tão pouco na sua letra. Com efeito, o n.º 6 do artigo 7.º do Código do IS, estabelece que «são ainda aplicáveis às situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral as isenções previstas no artigo 44.º do EBF» (…) a intenção legislativa que está na origem da norma do n.º 6 do artigo 7.º do Código do IS, é a de alargar às situações abrangidas pelo artigo 44.º do EBF, que contempla apenas a isenção de IMI, a isenção da verba n.º 28”.

30. Para a Requerente, “do artigo 7.º, n.º 6 do Código do IS não decorre que apenas subsistem as isenções do artigo 44.º do EBF; antes coloca em evidência que outras isenções subsistem, como é o caso da isenção prevista no artigo 66.º-A, n.º 12 do EBF, que versa especificamente sobre a isenção de IS.

Se a intenção legislativa tivesse sido a de retirar a isenção de IS relativamente à verba n.º 28 da Tabela não poderia deixar de estabelecer essa restrição no lugar próprio, ou seja, no mesmo artigo 66.º-A.

(…)

A intenção do n.º 6 do artigo 7.º do Código do IS foi manifestamente a de alargar e não a de restringir o âmbito de isenção.

Na verdade, graças a essa norma, entidades não isentas de IS passaram a estar isentas relativamente à verba n.º 28 da Tabela, o que sem ela não sucederia (…).”

 

31. A Requerente, no âmbito desta questão, chama à colação a decisão proferida no processo arbitral n.º 357/2015-T, onde se sancionou que “não teria lógica aplicar uma isenção de tributação a todas as entidades previstas no artigo 44.º do EBF e excluir dessa tributação as cooperativas, que beneficiam de um estatuto fiscal privilegiado”.

32. Numa outra perspetiva, a Requerente considerou ainda que ilegalidade da liquidação em apreço decorria também do facto da Verba em crise “ter como objeto os prédios urbanos «com afetação habitacional», excluindo os «terrenos para construção», os quais, por natureza, não têm aptidão habitacional”.

33. No entendimento da Requerente, resulta “do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos «habitacionais» e «terrenos para construção», não podendo estes ser considerados, para efeitos de incidência de IS, como «prédios com afetação habitacional». Donde também resulta a ilegalidade das liquidações em causa”.

34. Por seu turno, a Requerida, depois de devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual começou por fazer uma resenha histórica da aludida verba, “importa, nestes termos, fazer, pedagogicamente, uma sinopse sobre as circunstâncias históricas e legais em que surgiu a Verba 28.1 da TGIS”.

35. À posteriori, e no que concerne à isenção conferida pelo artigo 66.º-A do EBF às cooperativas, a Requerida entende que a mesma não se estende à Verba 28.1 da TGIS, uma vez que, nos termos daquela norma, “as cooperativas estão isentas de imposto do selo sobre os atos, contratos, documentos, títulos e outros factos, incluindo as transmissões gratuitas de bens, quando este imposto constitua seu encargo”, não estando, contudo, isentas de IS sobre situações jurídicas (como é o caso da Verba 28 da TGIS).

36. “É que quando o legislador veio aditar a Verba 28 à TGIS viu-se obrigado a alterar a redação do artigo 1.º do Código do IS acrescentando aos «atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos» as «situações jurídicas». I.e., as novas «situações jurídicas» que o legislador procura tributar em sede de IS com a introdução da nova verba são a: «propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000»”

37. Em suma, para a Requerida “esta norma de incidência (objetiva) não visa documentos ou operações, antes, e à revelia da filosofia do Código, preocupa-se em tributar «situações jurídicas» estáticas, incidindo o imposto sobre o valor patrimonial dos imóveis, em tudo semelhante ao Código do IMI, mas sem que a receita obtida reverta a favor dos municípios”, pelo que,

“dessa especificidade resultou que, relativamente à isenção prevista no n.º 12 do artigo 66.º-A do EBF – “os atos, contratos, documentos, títulos e outros factos, incluindo as transmissões gratuitas de bens” – o legislador não tenha procedido do mesmo modo que o fez relativamente à alteração da redação efetuada no artigo 1.º do Código do IS onde acrescentou aos «atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos» as «situações jurídicas», nem tenha expressamente previsto no artigo 7.º do Código do IS a aplicação da isenção e consequente afastamento da norma de incidência da Verba 28 da TGIS às realidades enunciadas no artigo 66.º-A, a exemplo do que fizera com o artigo 44.º do EBF.

Assim, resulta do exposto que é forçoso concluir que as cooperativas estão sujeitas e não isentas de IS da Verba 28 da TGIS, pelo que fenecem in totum os argumentos arvorados pela Requerente, tendo a Requerida exercido as suas funções e atribuições no estrito cumprimento da legalidade, à qual está vinculada”.

38. Por outro lado, e quanto ao argumento vertido pela Requerente de que os terrenos para construção não podem ser considerados, para efeitos fiscais, prédios com afetação habitacional, entende a Requerida que não assiste qualquer razão à primeira, solicitando que se impugne, desde já, a totalidade dos argumentos por si aduzidos.

39. Do ponto de vista da Requerida, “o conceito de «prédios com afetação habitacional», para efeitos do disposto na Verba 28.1 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”.

40. Para esta, o legislador “não refere «prédios destinados à habitação», tendo optado pela noção «afetação habitacional», expressão diferente e mais ampla cujo sentido há de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI.

(…)

Deste modo, resulta claro que na avaliação do terreno para construção, atende-se necessariamente à área a construir autorizada e à utilização a ser dada a essa construção, ou seja, às características do prédio urbano que nele se vai construir”.

41. Na opinião da Requerida, “a mera constituição de um direito de potencial de construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art. 45.º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno. De um lado, considera-se a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, e do outro a área de terreno livre (…).”

42. Pelo que, para a Requerida, “muito antes da efetiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afetação do terreno para construção”.

43. Conclui a Requerida que, “pese em embora sempre tenha sido este o entendimento da AT, e sobre o qual não deverão subsistir quaisquer dúvidas, quanto às liquidações de 2015, nem tão pouco, se pode chamar à colação qualquer questão interpretativa da letra da lei, questão essa que, no prisma da AT e em face de tudo o quanto vem antedito, inexiste também para as liquidações anteriores ao ano de 2014, porquanto, com a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro de 2013, foi alterada a letra daquele dispositivo incluindo expressamente os terrenos para construção como elemento objetivo de incidência da norma”.

44. Em conclusão, a Requerida solicita que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida seja julgado improcedente, absolvendo-se, dessa forma, a mesma do pedido. 

 

 

C) Apreciação do tribunal

45. A título preliminar, refira-se que, aos olhos deste Tribunal Arbitral, as questões decidendas prendem-se com definir, com base nos factos dados como provados, se i) a Requerente, enquanto cooperativa, é, ou não, isenta de IS, nos termos da Verba 28 da TGIS; e, caso tal isenção não seja aplicável, ii) se o imóvel em discussão, é, ou não sujeito a IS, nos termos da Verba 28.1 da TGIS.

46. Desta forma, o presente tribunal procurará aferir, numa primeira fase, se a Requerente é, ou não, isenta do aludido imposto.

47. A título prévio, de referir que a última alteração legislativa, no âmbito do regime fiscal das cooperativas, ocorreu com a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, que aprovou o orçamento do Estado para 2012.

48. No âmbito daquele diploma, foi introduzido no EBF o artigo 66.º-A, sob a epígrafe Benefícios às Cooperativas, transpondo para aquele estatuto o enquadramento fiscal das cooperativas, previamente previsto no Estatuto Fiscal Cooperativo (que seria revogado por força da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro).

49. Desta forma, passou a ser aquela norma a tutelar as isenções aplicáveis às cooperativas, as quais são genericamente isentas de tributação, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, IMI e IS, entre outros impostos.

50. Por sua vez, a introdução da Verba 28 da TGIS, somente ocorre a 29 de outubro, com a publicação da Lei n.º 55.º-A/2012. Foi também nesse âmbito que, nos termos do artigo 7.º, n.º 6 do Código do IS, se estabeleceu que “são ainda aplicáveis às situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral as isenções previstas no artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais”.

51. Ainda no âmbito daquela Lei, a redação do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IS foi alterada passando a prever as situações jurídicas. Com efeito, “o IS incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral (…)” (sublinhado nosso).

52. Ora, a AT defende que a alteração no texto legal do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IS ocorre com o propósito de incluir naquela redação a Verba 28 da TGIS.

53. De facto, entende também o presente tribunal que a aludida verba pretende tributar não um facto, mas, mais propriamente, uma situação jurídica, numa base anual (neste caso, os prédios com afetação habitacional cujo VPT seja superior a € 1.000.000).

54. Com efeito, esta terá sido a vontade do legislador. E foi também a sua vontade alargar as isenções previstas no artigo 44.º do EBF à Verba 28 da TGIS, tendo legislado, no mesmo momento, nesse sentido “são ainda aplicáveis às situações previstas na Verba n.º 28 da Tabela Geral as isenções previstas no artigo 44.º do EBF”.

55. No entendimento do presente tribunal, não poderá ter sido por descuido que o legislador não procurou salvaguardar a situação das cooperativas.

56. O legislador poderia ter, na mesma data, promovido uma alteração ao texto do artigo 66.º-A do EBF, tendo em vista a inclusão das situações jurídicas. Contudo, optou por não a fazer.

57. Como é sabido, a integração de lacunas é proibida no nosso ordenamento jurídico no que concerne às matérias integradas na reserva de lei.

58. Com efeito, nos termos do artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes” (sublinhado nosso).

59. Aquela norma reflete o princípio da tipicidade, que exige que os impostos estejam expressamente previstos na lei. E entendimento semelhante retiramos para os benefícios fiscais.

60. Para que a isenção da Verba 28 da TGIS fosse concedida às cooperativas, nos termos do artigo 66.º-A do EBF, era necessário que tal estivesse expressamente consagrado.

61. E ainda que se defendesse que nesta situação estivéssemos perante uma interpretação extensiva do n.º 12 do artigo 66.º-A do EBF (ao invés de uma integração analógica), depreendendo-se que aquela norma teria que prever, igualmente, a isenção da Verba 28 da TGIS, certo é que esse argumento falece com a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.

62. De facto, com a introdução daquela Lei o legislador veio adicionar o n.º 14 ao artigo 66.º-A do EBF, onde passou a consagrar-se que “as cooperativas de habitação e construção estão isentas de imposto do selo previsto na verba 28.1 da TGIS”.

63. Ora, o presente tribunal não tem dúvidas que o legislador pretendeu, a partir daquele momento, isentar as cooperativas de habitação e construção daquela verba.

64. Não obstante, o próprio legislador, se quisesse resolver esta questão ab initio, ou seja, deixar claro que, desde a entrada em vigor da Verba 28 da TGIS, as cooperativas de habitação, tal como a Requerente, sempre ficaram fora do âmbito de incidência daquela norma, podia (e devia tê-lo feito) conferir um caráter interpretativo à norma.

65. Aliás, aquele foi um ano em que o legislador introduziu várias normas de cariz interpretativo.

66. Neste caso, ao optar por não fazê-lo, o legislador veio afastar qualquer eventual cenário de interpretação extensiva da Lei, mormente do n.º 12 do artigo 66.º-A do EBF.

67. Aos olhos do presente tribunal é claro que a ratio legis desta norma não podia abranger a Verba 28 da TGIS, e, estando também a integração analógica vedada pela nossa constituição, nos termos referidos supra, resta concluir que as cooperativas de habitação, à data relevante dos factos, eram sujeitos passivos de IS, no que concerne à aludida verba.

68. Em face do exposto, releva agora apurar se o imóvel em questão se enquadra no âmbito da referida Verba, à data relevante dos factos, designadamente se é um “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no CIMI”.

69. A caderneta predial do imóvel, atualizada em 2013 (última avaliação que se conhece do terreno para construção), define o prédio como um terreno para construção com o tipo de coeficiente de localização de habitação.

70. Ademais, sendo a Requerente uma cooperativa para fins habitacionais, poderia considerar-se que os seus terrenos só poderiam ter uma edificação, ainda que meramente prevista, habitacional.

71. Não obstante, dos elementos facultados, resulta também que no imóvel se irá construir a sede da Requerente, onde esta exercerá a sua atividade.

72. Desta forma, considera o presente Tribunal que a haver uma afetação habitacional, esta será, em princípio, parcial (já que parte do terreno será aproveitado para a construção da sede da Requerente). 

73. Ora, a primeira dificuldade enfrentada por este Tribunal prende-se com desmistificar se aquela norma (Verba 28.1 da TGIS) respeita a terrenos para construção totalmente alocados à edificação habitacional ou, se ao invés, essa alocação pode ser apenas parcial.

74. É que se assim for, ou legislador também não forneceu ferramentas aos contribuintes e à AT, para apurar essa alocação parcial. Note-se que aquela alocação poderia colocar o VPT correspondente à parte habitacional do terreno abaixo de €1.000.000, e, dessa forma, afastar a incidência da Verba 28 da TGIS.

75. Cumpre salientar o legislador está vinculado ao princípio da legalidade no sentido de tipificar com clareza os factos tributários que estão sujeitos a imposto.

76. O n.º 2 do artigo 6.º do Código do IMI vem clarificar o que se entende por prédios “habitacionais” para efeitos da alínea a) do n.º 1, classificando como tal as construções licenciadas para habitação ou que na falta de licença, tenham esse uso normal.

77. Desta forma, parece claro que aquela norma se refere às edificações já realizadas que serão habitacionais quando seja esse o uso para o qual aquelas foram licenciadas ou quando, na falta de licença, seja essa a sua utilização normal (e não aos terrenos para construção). 

78. Entende o presente tribunal que o critério da “utilização normal”, na falta de licença, não se pode extrapolar com o objetivo de adivinhar as edificações que possam vir a ser feitas nos terrenos para construção, espécie de prédio prevista na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo, como sugere a Requerida.

79. Não se pode olvidar que na avaliação do terreno foi utilizado pela AT o coeficiente de localização do tipo habitação, sendo que o sujeito passivo podia, de facto, ter reagido contra a aplicação deste coeficiente, não se tendo demonstrado que o tenha feito até ao final de 2015.

80. Todavia, o legislador não atribuiu à utilização daquele coeficiente qualquer relevo na qualificação do prédio, tão só na respetiva avaliação.

81. Pelo que, em face do exposto, cumpre estabelecer o seguinte.

82. Resulta claro que, nos termos da Verba 28.1 da TGIS, estão sujeitos a imposto, além dos prédios habitacionais, os terrenos para construção, desde que tenha sido autorizada ou esteja prevista edificação destinada a habitação.

83. Nos termos da referida verba não é, contudo, claro se a edificação destinada à habitação deve ser total ou parcial, tendo-se que, em caso de dúvida, somente sujeitar à mesma, os casos em que a edificação seja, na íntegra, destinada à habitação.

84. Ora, no caso subjudice, a Requerida, sobre quem recaía o ónus da prova, falhou em demonstrar com factos que o terreno para construção em discussão tinha, à data dos factos relevantes, autorização, projeto ou previsão de edificação prevista somente para habitação, por forma a estar sujeito a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS.

85. E, de acordo com a caderneta predial do imóvel, parece que pelo menos parte do imóvel será destinado à construção da sede da cooperativa, a qual não terá um fim habitacional.

86. Assim, não entende o presente tribunal como poderá conseguir incluir o presente terreno para construção no âmbito da Verba 28.1 da TGIS, já que a Requerida falhou em provar que a afetação do terreno, autorizada ou prevista, fosse somente para habitação.

87. Não se diz que a Requerente tenha provado o contrário.

88. Contudo, nos termos do artigo 74.º da LGT, era sobre a Requerida que pendia a obrigação de provar que o imóvel em questão, um terreno para construção, tinha edificação, expressa ou prevista, apenas para habitação.

89. Obrigação que não foi capaz de cumprir.

90. Acresce que, da pouca informação disponível, se conclui que o terreno até pode ter, ainda que parcialmente, outra afetação que não a habitacional.

91. Assim, e sem necessidade de mais considerações, se considera anulável o ato de liquidação, por ilegal, por não ser aplicável a Verba do artigo 28.1 da TGIS ao prédio sobre o qual incidiu.

92. Desta forma, e com base nas razões elencadas supra, entende o presente tribunal que, não obstante a Requerente, à data dos factos, ser sujeito passivo de IS, nos termos da Verba 28.1 da TGIS, certo é que o imóvel em questão não cabe dentro da definição prevista naquela verba.

V. Decisão

93. Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal e anular o ato de liquidação de IS mencionado supra, por referência a 2015, do qual resultou imposto a pagar no montante de € 11.594,13, respeitante à tributação de terrenos para construção, nos termos do disposto na Verba 28.1 da TGIS;

B) Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

VI. Valor do processo

94. Fixa-se o valor do processo em € 11.594,13, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

VII. Custas

95. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência do pedido.

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 21 de fevereiro de 2017

O Árbitro

 

(Sérgio Santos Pereira)