Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 160/2017-T
Data da decisão: 2017-10-09  IRC  
Valor do pedido: € 147.967,92
Tema: IRC - Dedutibilidade de gastos - Dupla tributação económica. Seguros “unit-linked”
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Decisão Arbitral

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. António Pragal Colaço e Dr.ª Maria Isabel Guerreiro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 30-05-2017, acordam no seguinte:

         

          1. Relatório

 

A…, S.A., NIPC…, com sede na Avenida … n.º…, em Lisboa, (doravante designada por "Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, número 1 alínea a), 5.º, número 3 alínea a), 5.º, número 2 alínea a) e 10.º, número 1, alínea a), todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante "RJAT"), apresentar pedido de constituição e Tribunal Arbitral para apreciação da legalidade e anulação parcial da liquidação de IRC n.º 2016…, relativa ao exercício de 2013, e da subsequente Demonstração de acerto de contas n.º 2016…, «por erro sobre a matéria de facto e de direito e vício de ilegalidade por violação do artigo 51.º do CIRC, na parte referente aos investimentos em “unit-linked”», com reembolso da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios, bem como pagamento pela Autoridade Tributária e Aduaneira das custas do processo arbitral.

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 20-03-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 05-05-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 30-05-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente e que, caso assim não se entenda, a decisão arbitral seja notificada ao Ministério Público.

Por despacho de 27-07-2017 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

 

  1. A Requerente ( [1] ) tem por objeto social a atividade de seguro directo e resseguro do ramo "vida", com produção e comercialização de produtos de seguros do ramo vida;
  2. Entre os referidos produtos, a Requerente comercializa junto dos seus clientes seguros de capitalização, também denominados “unit-linked”;
  3. No âmbito da sua actividade, a Requerente, auferiu, durante o exercício de 2013, rendimentos provenientes de acções e unidades de participação - em fundos de investimentos -, por si detidas e que são parte integrante dos seus investimentos financeiros, relativas à comercialização de seguros “unit-linked”;
  4. A ora Requerente deduziu ao resultado líquido, para efeitos de determinação do lucro tributável, lucros distribuídos relativos àqueles rendimentos recebidos, de acordo com o mecanismo para eliminar a dupla tributação económica previsto no artigo 51.º do Código do IRC (“CIRC”), na redacção em vigor em 2013;
  5. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2015…, de 17-11-2015, foi efectuada uma acção de inspeção tributária `à Requerente, relativa ao exercício de 2013, pelos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes ("UGC");
  6. No procedimento de inspeção, a UGC notificou a ora Requerente do Relatório da Inspecção Tributária, nos termos do qual foram propostas diversas correções técnicas em sede da matéria coletável de IRC do exercício de 2013, cujo valor total ascendia a € 1.037.693,06;
  7. A UGC decidiu efectuar, entre outras, uma correção no valor de € 469.739,44 relativa à dedução efectuada relativa à eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos relativa aosrendimentos de títulos afectos a carteiras “unit-linked”;
  8. No Relatório da Inspecção Tributária, cuja cópia consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte, em “síntese conclusiva”, sobre a correcção que está aqui em causa:

 Da síntese conclusiva

O legislador quando refere no n.º 1 do art.º 51.º do CIRC "rendimentos incluídos na base tributável" pretende significar "rendimentos que alterem/que afetem a base tributável”, pois que só assim fará sentido a epígrafe do artigo 51.º do CIRC - “Eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos".

Com efeito, como claramente se depreende, quer da epígrafe da subsecção IX do CIRC, quer da epígrafe do próprio artigo 51.º daquele diploma legal, as suas regras tem como fim a eliminação da dupla tributação económica, o que pressupõe que, na sua ausência, haveria dupla tributação dos lucros distribuídos. Assim, o art.º 51.º do CIRC funciona como o mecanismo legal através do qual se procura evitar que esses lucros distribuídos sejam (ainda que, no limite, apenas potencialmente) novamente sujeitos a tributação na esfera da entidade que os aufira, evitando assim, e no limite, situações de tributação em "cascata”.

Ora, considerando que a base tributável corresponde à realidade a tributar, verifica-se, por um lado, que nas sociedades comerciais, nos termos do Código do IRC, a mesma corresponderá ao lucro e, por outro lado, que os rendimentos gerados pelas carteiras "unit linked” não se destinam às seguradoras que as detêm e gerem, mas sim aos tomadores de seguro, que serão os destinatários desses lucros (caso venham a haver).

As seguradoras recebem os rendimentos desses produtos para, posteriormente, os entregaram aos respetivos tomadores, ou seja, esses lucros vão afetar a base tributável dos tomadores de seguro e não a da seguradora.”

E, visando a eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, a que se refere o art.º 51.º do CIRC, reduzir ou eliminar o custo fiscal que, na sua ausência, recaia (ainda que, no limite, apenas potencialmente) sobre um determinado Sujeito Passivo (no caso a Seguradora), facilmente se conclui que não resulta da ausência da aplicação do disposto no art.º 51.º do CIRC, a estes rendimentos na esfera da seguradora, qualquer custo fiscal para a mesma, dado esses rendimentos não serem nunca efetivamente (ou sequer potencialmente) tributados na sua (Seguradora) esfera. Por inexistência destes

rendimentos na base tributável, verifica-se a inexistência de rendimentos incluídos no lucro tributável - estando a tributação, não restam dúvidas, limitada a zero - não podendo, desta forma, os rendimentos em causa usufruir da eliminação da (inexistente) dupla tributação económica de lucros distribuídos prevista no art.º 51.º do CIRC.

O lucro da seguradora e a comissão de gestão que recebe e, essa sim, influencia a sua base tributável, mas essa, porem, não pode beneficiar do art.º 51.º do CIRC por não se tratar de "lucros distribuídos" como o exige o n.º 1 do mesmo artigo.

Assim, é manifesto que o facto da Autoridade Tributária considerar que os produtos unit linked não conferem direito a dedução do art.º 51.º do CIRC, não acarreta qualquer prejuízo, custo fiscal, dupla tributação, ou sobrecusto para a seguradora que os comercializa. O seu contrário, isto e, aceitar que beneficiasse, indevidamente, da citada dedução, relativamente a rendimentos que não alteram o seu resultado contabilístico, a sua base tributável, é que se constituiria numa situação não só infundada e ilegítima, como absolutamente incompaginável quer com a substancia económica dos factos, quer com os objetivos prosseguidos pelo legislador na instituição do regime em apreço.

Atentemos no anexo 7 (2 fls.), através de um caso meramente ilustrativo, quanto ao impacto que esses rendimentos teriam na matéria tributável da seguradora se a mesma, ilegalmente, usufruir da dedução aqui em análise.

Assim, fruto das características do produto "unit linked” e da sua "mecânica", não há dupla tributação a anular uma vez que, em face do supra descrito (em síntese, o valor registado como rendimento ter como reflexo um valor registado como gasto), a seguradora nunca chega a ser tributada (sequer potencialmente) no que respeita aos rendimentos das ações (os dividendos), sendo assim manifesto que esses dividendos, não obstante tratarem-se de lucros distribuídos por uma entidade participada a uma sua sócia, efetivamente, não se projetam no resultado líquido da seguradora não sendo, concludentemente, correto ou curial pretender ambicionar que os mesmos estão "incluídos na base tributável” desta (Seguradora).

E para que não se diga que o pressuposto exigido na lei (art.º 51.º do CIRC), não atende ao facto de existir, ou não, em cada caso, dupla tributação daquele mesmo rendimento, na medida em que, a não ser assim, o mecanismo do art.º 51.º do CIRC estaria dependente do apuramento do imposto a pagar a final e da própria existência de resultado líquido positivo da entidade que aufere esse rendimento.

Importa referir que, atentando na epígrafe do artigo "Eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos", na expressão "rendimentos incluídos na base tributável” expressamente inserta no n.º 1 do art.º 51.º do CIRC, e nos objetivos prosseguidos pelo legislador através da instituição do regime em apreço, não obstante não ter de existir, em concreto, em cada caso, dupla tributação "daquele" mesmo rendimento [porque, por exemplo, a entidade que aufere esses dividendos tem resultado fiscal negativo nesse exercício ou porque, embora tendo um resultado fiscal positivo no exercício, pode deduzir prejuízos fiscais (que eventualmente tenha) de exercícios anteriores nos termos do art.º 52.º do CIRC, resulta, no entanto, do regime da "Eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos", e dos fins prosseguidos pelo legislador, que esse rendimento deve estar "incluído" na base tributável pretendendo com isso significar que esses rendimentos devem "alterar/afetar" o resultado da seguradora, aquele que, em cumprimento do que dispõe o art.º 17.º do CIRC, é transposto para o quadro 07 da Modelo 22 de IRC, isto é, a base tributável (a partir da qual, tendo presente as regras previstas no CIRC, se apura o lucro tributável ou o prejuízo para efeitos fiscais), sendo essa a única interpretação compaginável com a epígrafe do artigo “Eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos" e com os fins prosseguidos pelo legislador.

Com efeito, embora 0 art.º 51.º do CIRC não atenda ao facto de existir, ou não, em cada caso, e em dado exercício, uma dupla tributação de "determinado" rendimento, o objetivo do art.º 51.º do CIRC é evitar que, "esse mesmo determinado rendimento”, pudesse ser (duplamente) tributado ou "potencialmente" tributado. Isto é, procura evitar que "esse" rendimento pudesse influenciar o resultado fiscal da seguradora de modo que, nesse, ou em exercícios futuros, nomeadamente, por força dos efeitos da aplicação do art.º 52.º do CIRC (Dedução de prejuízos fiscais), esse rendimento pudesse vir a ser (novamente) tributado. Mas isso não permite ou possibilita, de todo, que determinada entidade possa, seja de que forma for ou com base em que pressupostos ou produtos for, deixar de incluir/afetar o seu resultado, a sua base tributável, com esses dividendos e, ainda assim, ilegitimamente, procurar deduzir a esse resultado contabilístico (já de si expurgado desses dividendos), para efeitos do apuramento do resultado fiscal, e ao abrigo de uma alegada "possível" interpretação do art.º 51.º do CIRC, o valor correspondente aos dividendos auferidos, dado que isso consubstanciaria uma dupla dedução do valor dos dividendos (sendo a primeira dedução a anulação dos dividendos efetuada na contabilidade, através do lançamento contabilístico - de montante igual aos dividendos lançado numa conta de gastos ou perdas, e a segunda dedução – ilegitimamente- através de uma pretensa "possível" aplicação do art.º 51.º do CIRC).

O procedimento do Sujeito Passivo constitui assim uma manifesta violação do art.º 51.º do CIRC na medida em que, com este procedimento, a seguradora não só não influencia como veria o seu resultado (já expurgado dos lucros distribuídos, através do lançamento contabilístico) ser novamente expurgado de um "lucro distribuído” (que já lá não constava), o que faria com que, com esta conduta, não só os "lucros distribuídos” (auferidos pela seguradora) não seriam tributados como o próprio resultado da seguradora (já depois de expurgado o valor desses dividendos, através do lançamento contabilístico), era novamente reduzido em valor correspondente ao valor desses lucros. Esta situação, como todos hão-de concordar, consubstanciaria um resultado absurdo, e uma incoerência insuportável do sistema fiscal português, que, jamais, poderia resultar quer da letra quer do espírito do regime instituído pelo art.º 51.º do CIRC, e que, ademais, consubstanciaria uma evidente violação do principio da equidade fiscal face aos lucros distribuídos às seguradoras em resultado da aplicação dos seus ("próprios") investimentos (em que a responsabilidade do investimento não é do tomador do seguro mas sim da própria seguradora), caso em que, obviamente, o resultado da seguradora é passível de ser expurgado dos lucros distribuídos ao abrigo do art.º 51.º do CIRC mas em que o resultado contabilístico que, ao abrigo do art.º 17.º do CIRC, é transferido para o quadro OT da modelo 22 de IRC, obviamente, não é (através de qualquer lançamento contabilístico) expurgado do valor desses dividendos.

Efetivamente, ainda que a Seguradora possa ser a efetiva titular das ações, o que é facto é que os rendimentos obtidos com essas ações, estando afetas às operações em que o risco de investimento e suportado pelo tomador de seguro, por um lado, não estão no PCES07 afetos as provisões técnicas/reservas técnicas e, por outro lado, a semelhança do que já ocorria no PCES94, em substância não alteram nem o resultado contabilístico nem o resultado fiscal da Seguradora e, não alterando a base tributável da Seguradora, não são esses rendimentos tributados, ou potencialmente tributados, na esfera da Seguradora, pelo que não poderá esta beneficiar do disposto no art.º 51.º do CIRC (o qual visa, concretamente e objetivamente, a eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos).

Assim sendo, procedeu-se ao reapuramento do cálculo da dedução relativa a eliminação da dupla tributação económica, previsto no art.º 51.º do CIRC, o que configurou um acréscimo à matéria tributável de IRC, no montante de € 469.739,44, com base nos fundamentos supra referidos, apurado conforme anexo 4 (14 fls.).

Importa referir que esta correção está diretamente relacionada e condicionada à correção ao lucro tributável a favor do Sujeito Passivo no valor de (€ 69.217,29) efetuada no ponto III.1.1.1. deste documento

 

  1. Em virtude das correções efetuadas em sede de inspeção, a Requerente foi notificada da liquidação n.º 2016 … com valor de imposto a pagar de € 3.556.489,79 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. A Requerente foi, igualmente, notificada da demonstração de acerto de contas n.º 2016 … que apurou um valor final a pagar de € 923.008,21, com data limite de pagamento em 07-12-2016 (documento n.º 3).
  3. A ora Requerente efetuou o pagamento da referida liquidação no 06-12-2016 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Os seguros de capitalização "“unit-linked”” comercializados pela Requerente consistem numa apólice de seguro de vida, expressa em unidades de conta, cuja rentabilidade ou valorização está indexada à valorização de um activo subjacente escolhido pela Requerente;
  5. Os seguros ““unit-linked”” comercializados pela Requerente correspondem a contratos através dos quais esta se obriga ao pagamento de uma dada prestação na data do evento relevante (termo do prazo, resgate ou morte do tomador do seguro;
  6. Nos seguros ““unit-linked”” comercializados pela Requerente, o valor da prestação está por natureza indexado ao valor do conjunto de activos subjacentes ao produto;
  7. Nos referidos seguros, o tomador do seguro paga o prémio do seguro, sendo que sobre o referido prémio, a seguradora faz corresponder um determinado número de unidades de conta;
  8. Nos referidos seguros, a Requerente adquire os activos financeiros a que estão indexadas as unidades de conta;
  9. Nos seguros referidos, o valor de cada unidade de conta é determinado pela divisão do património do fundo pelo número de unidades de conta emitidas;
  10. Nos seguros referidos, todos os activos são adquiridos directamente pela seguradora, a qual é proprietária das carteiras de títulos a que estão associados os produtos “unit-linked”, cabendo-lhe a ela a gestão dos referidos activos;
  11. Os activos financeiros adquiridos pela Requerente foram por esta contabilizados no seu activo e foram registados em seu nome;
  12. A Requerente recebeu, no exercício de 2013, os rendimentos decorrentes dos activos financeiros de que é titular;
  13. Durante a vigência dos contratos referidos, os tomadores dos seguros não recebem juros nem são titular de quaisquer acções ou outros valores mobiliários, tendo o direito a receber um rendimento no final do contrato em função da valorização correspondente à sua unidade de conta (deduzido de eventuais comissões);
  14. O valor das unidades de conta obtém-se pela divisão do valor do conjunto de activos num determinado momento pelo número de unidades de conta contratualmente atribuídas, descontando-se os encargos previstos a favor da seguradora;
  15. O valor da responsabilidade da seguradora para com a contraparte varia ao longo do contrato, consoante a variação do valor dos activos indexados às unidades de conta.
  16. A Requerente organizou a sua contabilidade no exercício de 2013 de acordo com o Plano de Contas para as Empresas de Seguros (PCES07), constante da Norma Regulamentar n.º 4/2007-R, de 27 de Abril, com as alterações introduzidas pela Norma Regulamentar n.º 20/2007-R, de 31 de Dezembro;
  17. A Requerente regista como proveitos do exercício os rendimentos decorrentes das suas participações associados aos produtos unit linked, nomeadamente os correspondentes a lucros distribuídos;
  18. Tais proveitos estão indissociavelmente associados pela Requerente a um correspondente registo de um gasto contabilístico, constituindo provisões que acautelem a obrigação futura de pagar ao tomador do seguro o valor correspondente à valorização/desvalorização dos activos aos quais estão indexadas as unidades de conta;
  19. Em 07-03-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

Não existe divergência das Partes sobre a factualidade relevante para decisão da causa.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1 Normas essenciais relevantes

 

3.1.1. CIRC

 

O artigo 51.º do CIRC, na redacção vigente em 2013, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 51.º

 

Eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos

 

1 – Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos:

a) A sociedade que distribui os lucros tenha a sede ou direcção efectiva no mesmo território e esteja sujeita e não isenta de IRC ou esteja sujeita ao imposto referido no artigo 7.º;

b) A entidade beneficiária não seja abrangida pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º;

c) A entidade beneficiária detenha directamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10 % e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período.

2 – O disposto no número anterior é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, aos rendimentos de participações sociais em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades:

a) Sociedades de desenvolvimento regional;

b) Sociedades de investimento;

c) Sociedades financeiras de corretagem.

(...)

 

Na redacção do CIRC introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a estes n.ºs 1 e 2 passaram a corresponder os n.ºs 1 e 6 do mesmo artigo, com as seguintes redacções:

 

1 - Os lucros e reservas distribuídos a sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português não concorrem para a determinação do lucro tributável, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

a) O sujeito passivo detenha direta ou direta e indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, uma participação não inferior a 5 % do capital social ou dos direitos de voto da entidade que distribui os lucros ou reservas;

b) A participação referida no número anterior tenha sido detida, de modo ininterrupto, durante os 24 meses anteriores à distribuição ou, se detida há menos tempo, seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período;

c) O sujeito passivo não seja abrangido pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º;

d) A entidade que distribui os lucros ou reservas esteja sujeita e não isenta de IRC, do imposto referido no artigo 7.º, de um imposto referido no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, ou de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC e a taxa legal aplicável à entidade não seja inferior a 60 % da taxa do IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º;

e) A entidade que distribui os lucros ou reservas não tenha residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

 

6 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, aos rendimentos de participações sociais em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades:

a) Sociedades de desenvolvimento regional;

b) Sociedades de investimento;

c) Sociedades financeiras de corretagem.

 

A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, deu as seguintes redacções a estes n.ºs do artigo 51.º:

 

1 - Os lucros e reservas distribuídos a sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português não concorrem para a determinação do lucro tributável, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

 

a) O sujeito passivo detenha direta ou direta e indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, uma participação não inferior a 10 % do capital social ou dos direitos de voto da entidade que distribui os lucros ou reservas;

b) A participação referida no número anterior tenha sido detida, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à distribuição ou, se detida há menos tempo, seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período;

c) O sujeito passivo não seja abrangido pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º;

d) A entidade que distribui os lucros ou reservas esteja sujeita e não isenta de IRC, do imposto referido no artigo 7.º, de um imposto referido no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, ou de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC e a taxa legal aplicável à entidade não seja inferior a 60 % da taxa do IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º;

e) A entidade que distribui os lucros ou reservas não tenha residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

 

6 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades:

a) Sociedades de desenvolvimento regional;

b) Sociedades de investimento;

c) Sociedades financeiras de corretagem.

 

 

O artigo 135.º da referida Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, atribuiu «natureza interpretativa» à redação dada ao n.º 6 do artigo 51.º.

 

3.1.2. Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril, republicado pelo Decreto-Lei n.º 8-A/2002, de 11 de Janeiro

 

Os artigos 70.º e 75.º do Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril, republicado pelo Decreto-Lei n.º 8-A/2002, de 11 de Janeiro, estabelecem o seguinte:

 

        Artigo 70.º

      Tipos de provisões técnicas

      1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as provisões técnicas, a serem constituídas e mantidas pelas empresas de seguros, são:

      a) Provisão para prémios não adquiridos;

      b) Provisão para riscos em curso;

      c) Provisão para sinistros;

      d) Provisão para participação nos resultados;

      e) Provisão de seguros e operações do ramo «Vida»;

      f) Provisão para envelhecimento;

      g) Provisão para desvios de sinistralidade.

      2 - Podem ser criadas outras provisões técnicas por portaria do Ministro das Finanças, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal.

 

      Artigo 75.º

      Provisão de seguros e operações do ramo «Vida»

     1 - A provisão de seguros e operações do ramo «Vida» deve representar o valor das responsabilidades da empresa de seguros líquido das responsabilidades do tomador do seguro, em relação a todos os seguros e operações do ramo «Vida», compreendendo:

      a) A provisão matemática;

      b) A provisão de seguros e operações do ramo «Vida» em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro;

      c) A provisão para compromissos de taxa;

      d) A provisão de estabilização de carteira.

   2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 81.º, a provisão matemática corresponde ao valor actuarial estimado dos compromissos da empresa de seguros, incluindo as participações nos resultados já distribuídas e após dedução do valor actuarial dos prémios futuros.

    3 - O cálculo desta provisão é efectuado com base em métodos actuariais reconhecidos.

    4 - A provisão de seguros e operações do ramo «Vida» em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro será determinada em função dos activos afectos ou dos índices ou activos que tenham sido fixados como referência, para determinar o valor das importâncias seguras.

      5 - Sempre que nos seguros e operações referidos no número anterior existam riscos que não sejam efectivamente assumidos pelo tomador do seguro, deverá ser constituída para esses riscos a respectiva provisão matemática e, se for caso disso, a provisão para compromissos de taxa.

      6 - A provisão matemática referida no número anterior deverá ser constituída, nomeadamente, para cobrir os riscos de mortalidade, as despesas administrativas, as prestações garantidas na data de vencimento ou os valores de resgate garantidos.

      7 - A provisão para compromissos de taxa deve ser constituída relativamente a todos os seguros e operações do ramo «Vida» em que exista uma garantia de taxa de juro, sempre que se verifique uma das situações previstas nos n.os 7 e 8 do artigo 82.º

      8 - A provisão de estabilização de carteira deve ser constituída relativamente aos contratos de seguro de grupo, anuais renováveis, garantindo como cobertura principal o risco de morte, com vista a fazer face ao agravamento do risco inerente à progressão da média etária do grupo seguro, sempre que aqueles sejam tarifados com base numa taxa única, a qual, por compromisso contratual, se deva manter por um certo prazo.

      9 - A provisão referida no número anterior é igualmente constituída relativamente aos riscos complementares em idênticas circunstâncias.

 

3.1.3. Plano de Contas para as Empresas de Seguros (PCES)

 

À Requerente é aplicável o Plano de Contas para as Empresas de Seguros (PCES), aprovado pela Norma Regulamentar n.º 4/2007-R, de 27 de Abril , com as alterações introduzidas pela Norma Regulamentar n.º 20/2007-R, de 31 de Dezembro.

À face do PCES, os  lucros  distribuídos e as valorizações, e as desvalorizações que respeitam aos investimentos a que estão indexados  os produtos em que o risco de investimento é suportado pelo tomador de seguro devem ser contabilisticamente registados em contas de Rendimentos e Ganhos ou Gastos e  Perdas  (no  caso,  nas  contas  “74  Rendimentos  de  investimentos”;  “75  Ganhos  em  investimentos” e “65 Perdas em investimentos”), que devem ser compensadas por correspondentes  lançamentos registado em contas de Gastos e Perdas ou Rendimentos e Ganhos (no caso,  nas contas “67 Perdas e gastos em passivos financeiros” e “77 Rendimentos e ganhos em passivos financeiros”.

O PCES não contém qualquer norma que determine que relativamente a contratos unit-linked apenas a “comissão” da seguradora seja registada e não a totalidade dos rendimentos derivados das participações sociais associadas aos fundos de investimento.

O PCES inclui as «Provisões técnicas» na Classe 3, apenas se incluindo nelas, quanto aos contratos de seguro de vida em que o risco de investimento é suportado pelo tomador de seguro, «as provisões técnicas adicionais que eventualmente sejam constituídas para cobrir riscos de mortalidade, gastos administrativos ou outros gastos (como, por exemplo, as prestações garantidas na data de vencimento ou os valores de resgate garantidos) (30. Provisões técnicas de seguro directo vida; 30 0 Provisão matemática) .

 

 

 

3.2. Questões a resolver

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção ao lucro tributável da Requerente relativa ao exercício de 2013, por entender, em suma, os rendimentos derivados da titularidade de participações sociais e em fundos de investimento, no quadro de contratos de tipo “unit-linked”, não são abrangidos pelo regime de eliminação da dupla tributação previsto no n.º 1 do artigo 51.º do CIRC, aplicável também nos casos previstos no seu n.º 2 (nas redacções vigentes em 2013), por aqueles rendimentos terem,  por força das normas prudenciais que regem a actividade das seguradoras, obrigatoriamente correspondência no estabelecimento de provisões de igual montante, para acautelar as responsabilidades assumidas com a tomador naqueles contratos.

Com estes pressupostos, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que aqueles referidos rendimentos, não aumentam a matéria colectável da seguradora, não são «incluídos na base tributável», para efeitos daqueles n.ºs 1 e 2 do artigo 51.º.

A Requerente entende que estas normas são aplicáveis, por, em suma, se tratar de rendimentos que devem ser contabilizados como rendimentos de investimentos, que ficam na sua titularidade, só no final do contrato passarem para a titularidade do tomador do seguro.

Além desta controvérsia, há que ter em conta os efeitos que sobre a matéria pode ou não ter a «norma interpretativa» que a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, criou, relativamente a este artigo 51.º.

Para além disso, é colocada a questão do enquadramento da situação dos autos no n.º 2 do artigo 51.º do CIRC na redacção vigente em 2013.

E, a não ser aplicável este n.º 2, é colocada a  questão da não verificação do requisito da alínea c) do n.º1 do artigo 51.º do CIRC.

 

3.3. Questão de saber se os rendimentos correspondentes a lucros distribuídos recebidos pelas seguradoras conexionados com activos detidos no âmbito de contratos unit-linked são «incluídos na base tributável», para efeito do artigo 51.º, n.º 1, do CIRC, na redacção vigente em 2013.

 

Esta questão foi apreciada proficientemente em jurisprudência arbitral pelos acórdãos de 01-09-2014, proferido no processo n.º 65/2014-T, e de 20-01-2016, proferido no processo n.º 268/2015-T, na esteira da posição assumida por SALDANHA SANCHES e JOÃO TABORDA GAMA no parecer junto a pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 8 e em artigo publicado na revista Fiscalidade, ano de 2008, n.º 33, páginas 25 a 69.

Refere-se no acórdão proferido no processo n.º 268/2015-T:

 

A matéria em questão foi objecto de detalhado e pertinente estudo da autoria de Saldanha Sanches e João Taborda da Gama, publicado na revista Fiscalidade, no ano de 2008, já citado no Acórdão Arbitral proferido no processo CAAD nº 65/2015-T que se seguirá de muito perto.

Após analisarem o enquadramento económico e jurídico do tipo de contratos em questão (“seguros unit linked”) em termos coincidentes, grosso modo, com aqueles sumariamente já apontados, concluem aqueles autores, apontando uma característica a tais contratos, essencial para a compreensão da matéria em causa, que é a circunstância de que a seguradora “não entrega as unidades de conta, que não têm existência nem valor fora desta relação. Entrega aquilo a que está obrigada e aquilo a que segurado tem direito – o valor das unidades de conta, que constitui o objecto desta relação jurídica, ou seja, a quantia em que consiste o seu dever de prestar.”

 Ou seja: a obrigação primária/principal da seguradora no quadro dos contratos “unit-linked”, é uma obrigação única, pecuniária, de entrega de um montante liquidado em função do valor que, no momento do evento que extingue o contrato, tenha a unidade de conta.

Deste modo, apenas nesse momento, no fim do contrato, é que há um rendimento (grifado nosso) do beneficiário, pago pela seguradora. Até aí, sublinhe-se, o património da contraparte da seguradora mantém-se inalterado, intocado. As variações no valor da unidade de conta, que foram tendo correspondência no provisionamento obrigatório levado a cabo pela seguradora, não têm qualquer influência no património da contraparte desta. Não dão causa, em suma, a nenhum rendimento do titular do produto “unit linked”.

Nas palavras dos mesmos autores, “(…) as seguradoras não são intermediárias financeiras, nem actuam por conta dos segurados (não são agentes, corretores, mandatários ou comissionistas). Elas actuam por sua própria conta nos mercados. As unidades de conta não são unidades de participação em fundos, títulos de qualquer outra espécie que pertençam aos clientes. São meras unidades de cálculo nacionais (…)”

 Para se perceber que isto é assim, de resto, basta atentar, desde logo, que em caso de insolvência da seguradora, sem que os respetivos contratos se hajam vencido, as contrapartes nos contratos unit linked não terão qualquer direito próprio quer sobre os ativos adquiridos pela seguradora em função do “seu” contrato, quer sobre os rendimentos que por aqueles haja sido gerado e distribuído à seguradora. Em tal caso (insolvência da seguradora), as contrapartes nos contratos unit linked terão de se apresentar como credores da seguradora, sendo pagos de acordo com as regras de concurso aplicáveis, pela totalidade do património daquela, na medida que lhes caiba, e não em função do contrato que celebraram ou da sua suposta “participação” dos ativos contabilisticamente afetos àquele.

Prosseguindo a sua análise, os autores citados apontam mais algumas características próprias do regime contratual em causa, dignas de especial nota na perspectiva que nos ocupa. Assim, “(…) do ponto de vista prático, não é de excluir, também, que, se tal não for proibido pelos contratos, as seguradoras não cheguem sequer a deter os activos indexantes ou que não os vendam no momento em que o contrato com os clientes cessa (…) ”, acrescentando-se que “ (…) o dever da seguradora no evento é sempre o da entrega de determinados valores, mesmo que não adquira quaisquer activos, adquira menos ou diferentes, ou os não venda (…)”, evidenciando-se deste modo “(…) que os unit-linked implicam dois tipos de relação jurídica, diferentes em quase todos os seus elementos.”

Fica assim claro, pensa-se, que, quer em termos jurídicos quer em termos económicos, não existe, no quadro dos chamados “seguros unit linked” qualquer relação entre os sujeitos geradores dos rendimentos devidos pelas aplicações financeiras realizadas pela seguradora, e o cliente desta titular daquele produto.

Neste quadro, não têm dúvidas os autores que os segurados “(…) não compram, não vendem, não participam em perdas, não recebem dividendos. O sujeito, aqui, é a Seguradora. São dela as obrigações comerciais e os direitos. Serão dela consequentemente, as obrigações tributárias activas e passivas”, pelo que “os rendimentos que venha a obter por ser detentora de acções e UP são ganhos sujeitos a imposto. Em concreto, a IRC”, mais referindo aqueles que “quando afirmamos que são ganhos sujeitos a imposto, queremos, claro, afirmar que são ganhos incluídos na base tributável, ou seja, sujeitos ao regime fiscal globalmente considerado e não apenas a parte do regime. Assim, todo o regime do artigo 22.º do EBF e todo o regime do IRC – incluindo os mecanismos de eliminação da dupla tributação económica do artigo 51.º do respectivo Código - lhe são aplicáveis.”

Como recordam ainda os autores citados “(…) para o Código do IRC, no momento de definir a base de tributação, não há dúvidas de que um lucro distribuído ao sujeito passivo está incluído na sua base tributável, tal como o rendimento decorrente da venda de mercadorias, prestação de um serviço ou renda de um imóvel.” Deste modo, só terá cabal aplicação nestas situações o artigo 46.º do CIRC (atual 51º).

 “Se a companhia de seguros não pudesse exonerar-se dos encargos tributários que o fundo ou as sociedades comerciais suportaram, teria de repercutir esse encargo na indemnização a pagar ao segurado, que deste modo sofreria uma dupla tributação: primeiro, no fundo de investimento ou na pessoa colectiva e, depois, no momento em que fosse tributado em IRS pela indemnização que iria receber”, que “anularia o benefício fiscal que o legislador procurou conceder à poupança”.

Como refere o trabalho aqui seguido “a lei estrutura um sistema que tem a sua trave-mestra na neutralidade fiscal da companhia de seguros que cria e gere os unit linked, prevendo que esta, como qualquer pessoa colectiva, se vá desonerando de uma série de encargos fiscais cobrados antecipadamente (retenções na fonte e tributação de lucros distribuídos), pela razão de que a jusante todos esses rendimentos serão tributados na esfera do segurado pessoa singular.”

Efetivamente, “as provisões, ao cativarem lucros que de outra forma seriam distribuídos, vão traduzir-se na libertação de fundos que vão ser investidos em determinados activos, com maior ou menor risco com maior ou menor rentabilidade. A questão do maior ou menor risco do seguro é uma questão distinta da forma mais ou menos segura como pode ser feito o investimento que vai permitir pagar futuramente as prestações desse seguro, as quais são sempre devidas independentemente da política concreta de investimentos da seguradora”, já que “se a companhia de seguros faz uma provisão de 100, pode ao mesmo tempo investir esses 100 num depósito a prazo, em obrigações, em acções ou noutros activos quaisquer.”

Por fim, diga-se também, que o artigo 50.º do CIRC, na redacção que resultou do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/07, veio de alguma forma esclarecer que, na perspectiva do legislador, os rendimentos resultantes dos ativos “afectos a contratos em que o risco de seguro é suportado pelo tomador de seguro” concorrem para o lucro tributável da seguradora.

Destarte, por tudo o que vem de se expor, entende-se que carece de suporte legal e de facto a liquidação adicional de IRC objeto destes autos e daí ter fundamento a anulação pedida.

 

            Afigura-se correta a análise aqui reproduziu, pelo que não tem fundamento legal a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira de que os rendimentos correspondentes a lucros distribuídos à Requerente não são «incluídos na base tributável», para efeitos de IRC, tese essa que contraria as regras contabilísticas referidas no ponto 3.1.3. e, consequentemente, o artigo 17.º do CIRC.

            Esta argumentação é reforçada pela argumentação que consta do Parecer do Senhor Prof. Doutor CASALTA NABAIS, junto pela Requerente com as alegações, de que ressaltam as seguintes conclusões:

 

– «os seguros unit linked são, sob quaisquer pontos de vista de que se parta para os perspectivar, seguros do ramo vida como quaisquer outros seguros do ramo vida, sendo, pois, totalmente arbitrário considerá-los objecto de um tratamento fiscal diferente dos demais seguros do ramo vida sem uma norma expressa e muito clara nesse sentido»;

– «que os seguros unit linked constituem seguros do ramo vida como quaisquer outros, provam-no as características que tais seguros comportam, pois constituem seguros do ramo vida designadamente tanto do ponto de vista jurídico como do ponto de vista da teoria financeira»;

– «que são seguros do ramo vida, do ponto de vista jurídico, resulta, desde logo, da legislação que os tem por objecto, como o diploma que enquadra as actividades de seguro e resseguro, o Decreto-Lei nº 2/2009, que distingue entre «seguros do ramo vida» e «operações do ramo vida››, integrando nos primeiros os seguros unit linked»;

– «uma qualificação que reafirma no art. 156º, quando atribui especiais poderes regulatórios relativamente a estes seguros, porquanto, para além da supervisão que cabe à ESAF, encontra-se prevista também uma supervisão da CMVM»;

– «qualificação confirmada na regulamentação levada a cabo tanto pela CMVM como pela ESAF. O que é particularmente visível na informação disponibilizada pela ESAF aos potenciais investidores, designadamente no Guia de Seguros e Fundos de Pensões, em que esclarece a diferença entre seguros de vida e operações de capitalização», em que «refere que os seguros associados a fundos de investimento, são seguros de vida de capital variável em que o valor a receber pelo beneficiário depende, no todo ou em parte, de um valor de referência constituído por uma ou mais unidades de participação»;

– «também o TJUE, no seu acórdão de 2 de Março de 2012, Processo C-166/11, sublinha que, para o direito da União Europeia, os seguros ligados a fundos de investimento integram os seguros do ramo vida, afirmando que «...os contratos ditos «unit linked›› ou ‹‹ligados a fundos de investimento» são correntes no direito de seguros», «o que decorre do facto de o legislador da União Europeia ter considerado que este tipo de contratos se enquadra no ramo do seguro de vida, como resulta expressamente do anexo I, ponto III, da directiva «seguros de vida››, lido em conjugação com o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), desta directiva»;

– «ideias estas que não são mais do que uma consequência da substância dos seguros unit linked, como ela se nos apresenta em sede da teoria financeira, uma vez que estes seguros, também a partir da perspectiva financeira constituem verdadeiros seguros do ramo vida», «o que é demonstrado pela lógica financeira em que assentam os seguros associados a fundos de investimento, a qual se revela tanto na relação entre as duas variáveis que caracterizam os activos financeiros a que os seguros se podem associar, isto é, entre o risco e a rentabilidade, como na necessidade de diversificação das carteiras como factor de redução do risco»;

– «sendo todos seguros do ramo vida, sejam seguros de vida tout court ou seguros ligados a fundos de investimento, não há legitimidade para proceder a qualquer distinção relativamente às provisões técnicas das sociedades de seguros, consoante as mesmas se reportem aos primeiros ou aos segundos»;

– «assim não procede o argumento da Administração Tributária de que não se aplicaria o regime de eliminação da dupla tributação económica porquanto a sociedade seguradora regista provisões que anulariam proveitos por elas contabilizados»;

– «é que não há qualquer anulação de proveitos porquanto, tendo em conta a função das provisões técnicas, estas ao reterem lucros que, de outra forma, seriam distribuídos, vão permitir a libertação de fundos para investimento em determinados activos com maior ou menor risco, com maior ou menor rentabilidade»;

– «se a seguradora não pudesse exonerar-se dos encargos tributários que o fundo ou as sociedades seguradoras suportaram, acabaria por ter de repercutir esse encargo na indemnização a pagar ao segurado, que deste modo sofreria uma dupla tributação: primeiro, no fundo de investimento ou na sociedade seguradora e, depois, no momento em que fosse tributado em IRS pela indemnização recebida».

– «o tratamento conferido pela nova redacção aos seguros associados a fundos de investimento está longe de ser inteiramente aceitável do ponto de vista dos princípios constitucionais que regem a tributação do rendimento das empresas» e «parece brigar com os princípios da igualdade fiscal baseada na capacidade contributiva, da neutralidade fiscal e da tributação das empresas pelo seu rendimento real»;

– a discriminação dos seguros unit linked reporta-se à eliminação da dupla tributação económica das seguradoras no que respeita aos rendimentos das participações sociais afectas às provisões técnicas, afectando o princípio da neutralidade fiscal, e não a um benefício fiscal que pudesse ser utilizado em função dos objectivos prosseguidos».

 

Assim, considera-se que a posição adoptada nos referidos acórdãos arbitrais é a interpretação adequada, à face do quadro normativo vigente em 2013.

           

 

            3.4. A atribuição de natureza interpretativa à redacção do artigo 51.º do CIRC introduzida pela lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da relevância da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, para resolução da questão em apreço.

            O artigo 135.º desta Lei atribui natureza interpretativa à nova redacção que deu ao n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, em que se estabelece que «o disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades».

            É manifesto, porém, que na redacção anterior do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC (que corresponde ao n.º 2 na redacção vigente em 2013) não havia qualquer referência à limitação de dedução «à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros».

            Na verdade, o anterior n.º 6 estabelece que «o disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, aos rendimentos de participações sociais em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros».

            Tendo de se presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), é óbvio que a referência «aos rendimentos» não poderia ser interpretada como pretendendo aludir a uma «parte dos rendimentos», designadamente a parte respeitante a que a provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros», pois não havia na redacção anterior qualquer referência a uma parte dos rendimentos nem aos tomadores de seguros.

            Para além disso, na redacção do n.º 1 do artigo 51.º vigente em 2013, já não havia sequer a referência aos «rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos» em que a Autoridade Tributária e Aduaneira baseou a interpretação efectuada no Relatório da Inspecção Tributária, antes se referindo, sem qualquer restrição que «os lucros e reservas distribuídos a sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português não concorrem para a determinação do lucro tributável», desde que se verifiquem as condições aí indicadas, o que torna ainda mais evidente que não havia na redacção do n.º 6 do artigo 51.º anterior à Lei n.º 7-A/2016 qualquer elemento textual que, directa ou indirectamente, permitisse aventar uma interpretação restritiva.

O artigo 13.º do Código Civil é a única norma que define o conceito de lei interpretativa, estabelecendo que «a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».

BAPTISTA MACHADO ensina sobre as leis interpretativas:

«Ora a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a lei nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.

Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.»

 

            A lei n.º 7-A/2016 não supera qualquer dos requisitos deste «teste Baptista Machado», desde logo porque a solução do direito anterior não podia ser considerada controvertida ou incerta, não sendo conhecida alguma decisão de qualquer tribunal ou posição doutrinal de entidade independente que tivesse adoptado a tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por outro lado, a solução definida pela nova lei não se situa dentro dos quadros de uma hipotética controvérsia, pois não se poderia chegar à nova solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, designadamente a presunção de que o legislador dos n.ºs 2 e 6 do artigo 51.º, nas redacções vigentes até à Lei n.º 7-A/2016, soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Por isso, o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao atribuir natureza interpretação à nova redacção que deu ao n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, é materialmente retroactivo, sendo incompaginável com a proibição constitucional da retroactividade lesiva dos impostos, que consta do n.º 3 do artigo 103.º da CRP.

Aliás, mesmo que pudesse considerar-se verdadeiramente interpretativa, não poderia afastar-se a inconstitucionalidade numa situação em que a nova solução não era a perfilhada pelo Tribunal, como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017, proferido no processo n.º 466/16, em que se conclui:

 

Pode, portanto, dizer-se que, do ponto de vista da Constituição, para que uma disciplina normativa autoqualificada como meramente interpretativa seja considerada constitutiva (de novo direito) e, como tal, substancialmente retroativa, basta a verificação de que à norma interpretada na sua primitiva versão pudesse ter sido imputado pelos tribunais um sentido que, na sequência da norma interpretativa, ficou necessariamente excluído (cfr. as decisões do Bundesverfassungsgericht de 2.5.2012 e de 17.12.2013, em BVerfGE 131, 20 [37-38] e 135, 1 [16-17], respetivamente). Com efeito:

«A disciplina clarificadora é constitutiva logo nos casos em que visa excluir a interpretação [da lei preexistente] feita por um tribunal comum – mesmo não se tratando de um tribunal superior –, relativamente a situações passadas. O legislador confere à lei retroativa uma eficácia constitutiva, na medida em que pretende esclarecer para o passado, por via de uma lei com um sentido unívoco, certa afirmação que originou, quanto ao direito aplicável, um entendimento aparentemente não unívoco ou, pelo menos, uma aplicação do mesmo não uniforme. […] Decisivo é que o legislador tenha a intenção de corrigir ou excluir uma dada interpretação [feita pelos tribunais].» (v. BVerfGE 135, 1 [18-19])

 

É esse precisamente o efeito do artigo 135.º da LOE 2016, ao qualificar como “lei interpretativa” o n.º 21 aditado pelo artigo 133.º ao artigo 88.º do CIRC. Na verdade, e como bem refere a decisão ora recorrida, aquele que representava um certo entendimento jurisprudencial (...) –, deixou de ser admissível à luz do citado n.º 21. Daí ser inequívoco o caráter substancialmente retroativo desse preceito, entendido como lei interpretativa.

Dado o conteúdo gravoso para os contribuintes da nova solução legal – visto que tende a agravar o quantum devido a título de IRC –, a pretensão de a mesma se aplicar a anos fiscais anteriores ao do início da sua vigência mostra-se flagrantemente incompatível com a proibição constitucional de impostos retroativos (cfr. o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição).

 

            Pelo exposto, não pode ser aplicada ao exercício de 2013 a inovadora solução adoptada no n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º- 7-A/29016, de 30 de Março.

 

 

            3.5. Questão do enquadramento no n.º 2 do artigo 51.º

 

 

            O n.º 2 do artigo 51.º do CIRC estabelece que «o disposto no número anterior é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, aos rendimentos de participações sociais em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades: a) Sociedades de desenvolvimento regional; b) Sociedades de investimento; c) Sociedades financeiras de corretagem.»

            A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que «não estando, na situação sub judice - nem podendo estar, nos termos do atual  PCES  (que  é  o  aplicável  in  casu)  -,  os  investimentos  (e  os  consequentes) rendimentos  de  participações  sociais  das  operações  em  que  o  risco  de  investimento  é suportado pelo tomador de seguro aplicados ou contabilizadas em provisões técnicas, não é aplicável o n.º 2 do artigo 51.º do CIRC».

            A Autoridade Tributária e Aduaneira baseia-se no facto de a classe 3 do PCES07, designada por  "Classe 3 - Provisões técnicas" referir que aí estão reunidas «todas as provisões técnicas constituídas, de acordo com a regulamentação em vigor, para fazer face aos compromissos decorrentes de contratos de seguro» e «nenhuma,  repare-se  ainda,  destinada  a  fazer  face  a  riscos  financeiros,  decorrentes  de contratos de investimento, como os unit linked, em que o risco do investimento é suportado pelo tomador do seguro».

            Afirma a Autoridade Tributária e Aduaneira que «foi, assim, estabelecida, no novo (e atual PCES), numa "lista" taxativa e exaustiva, todas as provisões técnicas que o legislador entendeu deverem existir, não se encontrando aí, por o legislador assim o ter entendido (e, em substância, é isso que faz sentido), provisão técnica relativa a produtos unit linked» e que «já  na  "Classe  4  -  outros  ativos  e  passivos",  numa  conta  de  terceiros,  conta  "45  -  outros passivos financeiros", encontra-se a subconta "45.0 Passivos financeiros da componente de depósito de contratos de seguros e de contratos de seguro e operações considerados para efeitos contabilísticos como contratos de investimento".

            Diz ainda Autoridade Tributária e Aduaneira que «as  operações  em  que  o  risco  de  investimento  é  suportado  pelo  tomador  do  seguro  -  Unit Linked  -  passaram,  pois,  desde  2008,  a  estar  refletidas  na  mencionada  classe  4  e,  mais concretamente, nesta subconta 45.0» e que «o novo PCES veio, assim, introduzir um aperfeiçoamento no plano de contas anteriormente em  vigor,  refletindo  melhor  a  substância  da  realidade  subjacente  e  contribuindo  para  se  alcançar e transmitir a imagem verdadeira e apropriada do património, da situação financeira e dos resultados da empresa de seguros».

            Por isso, conclui a Autoridade Tributária e Aduaneira que «não estando os investimentos (e os consequentes) rendimentos de participações sociais das operações em que o risco de investimento é suportado pelo tomador de seguro aplicados ou contabilizadas nas provisões técnicas, não pode, nos termos da lei, ser aplicável o n.º 2 do artigo 51.º do código do IRC», «sendo completamente irrelevante, sublinhe-se ainda, que o diploma regulador das condições de acesso e de exercício da atividade seguradora e resseguradora - Decreto-Lei n.º 8-A/2002, de 11.01, que republicou o Decreto-Lei n.º 94-B/98 - mantenha a referência a exigência de constituição de provisões técnicas, por falta de atualização».

            Diz ainda Autoridade Tributária e Aduaneira que «os contratos relativos a produtos unit-linked não são contratos de seguros, à luz das definições da IRFS 4, e que a reclassificação contabilística já reflete esta realidade, pelo que tentar voltar ao passado para forçar  a  sua  abrangência  pelo  n.º  2  do  artigo  51.º  do  Código  do  IRC  é  insustentável  e destituído de suporte legal».

            Esta posição da Autoridade Tributária e Aduaneira não tem suporte legal, desde logo porque, como se demonstra no citado Parecer do Senhor Prof. Doutor CASALTA NABAIS  «os seguros unit linked são, sob quaisquer pontos de vista de que se parta para os perspectivar, seguros do ramo vida como quaisquer outros seguros do ramo vida».

            Por outro lado, a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira de que o Decreto-Lei n.º 8-A/2002, de 11 de Janeiro, que republicou o Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril,  é «completamente irrelevante», ao manter a referência a exigência de constituição de provisões técnicas, por falta de atualização, é inadmissível num Estado de Direito democrático, assente no primado da lei (artigos 2.º e 3.º da CRP).

            Com efeito, o princípio da hierarquia das normas, enunciado no n.º 5 do artigo 112.º da CRP, que estabelece que «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos», constitui um obstáculo intransponível a que qualquer das normas emitidas no exercício do poder legislativo, como são as do Decreto-Lei n.º 8-A/2002, possam considerar-se modificadas, suspensas ou revogadas por diplomas de natureza regulamentar, como são os que aprovaram, e alteraram o PCES.

            Assim, como defende da Requerente, «continua vinculada, nos termos e condições previstos, nomeadamente, nos artigos 70.º e 75.º do diploma, a constituir e manter diversas provisões técnicas, nas quais se incluem as provisões de seguros e operações do ramo vida em que o risco é suportado pelo tomador do seguro, com base nos métodos de cálculo expressamente previstos no artigo 81.º do mesmo diploma».

            Para além disso,  como já foi realçado no acórdão arbitral proferido no processo n.º 65/2014-T,  n.º 2 do artigo 51.º do CIRC, na redacção vigente em 2013, «não se refere a “provisões técnicas”, mas a “reservas técnicas”, não equiparando por qualquer forma – como faz a AT na sua resposta – ambas as expressões», pelo que «dever-se-á entender a expressão legal como de âmbito mais vasto que o  conceito  estrito  em  que  a  AT  se  sustenta,  abrangendo,  para  além  deste,  todas  aquelas situações em que, prudencialmente, é imposto à seguradora que, de alguma forma, reserve ganhos.  Este entendimento, de resto é, in casu, corroborado pela devida leitura da norma em questão, que nas suas alíneas, inclui, designadamente, as sociedades de investimento», na alínea b), na redacção vigente em 2013.

            Assim, como defende a Requerente, «não obstante a reclassificação contabilística operada com o PCES07, todos estes valores, em cumprimento das disposições legais acima referidas, eram obrigatoriamente contabilizados pela Requerente à data dos factos e continuam a ser atualmente numa conta de classe 4 (Outros ativos e passivos), com base nos mesmos critérios e com base na mesma forma de cálculo utilizada para o registo em contas de Classe 3, no âmbito do PCES94».

            A isto acresce que, como também se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 65/2014-T, «se o produto em causa, como recorrentemente e muito bem aponta a AT, é, não  um seguro stricto sensu, mas um contrato de investimento (...), sempre  se  haveria  de  entender  que  o  mesmo  se  enquadraria  naquela  referida alínea da mesma norma, equiparando-se, para estes efeitos, a Requerente a uma sociedade de  investimento,  desde  logo  porquanto  comercializa,  de  forma  legal,  autorizada  e supervisionada, contratos de investimento». «Com efeito, a forma de funcionamento  daquele  tipo  de  sociedades  (sociedades  de investimento) será, precisamente, aquela que a AT sustenta como sendo insusceptível de fundar  a  aplicação  da  norma  em  causa.  Com efeito, tais sociedades, realizarão investimentos por conta dos seus clientes, recebendo os correspondentes retornos, que, nos termos do  contrato  de  investimento,  serão  reconduzidos  àqueles,  sendo  o  rendimento económico  das  sociedades  em  questão,  correspondente  às  comissões  que  cobrem.  Tal como ocorre com as seguradoras, nos contratos unit link!»,

            Aliás, mesmo que não se considere juridicamente as seguradoras como sociedades de investimento mesmo quando funcionam como tal, sendo perfeitamente equiparável, em termos substanciais económicos, a situação das seguradoras nos contratos unit-linked e a das sociedades de investimento, para efeitos de eliminação da dupla tributação económica, sempre lhe seria de as enquadrar no n.º 2 do artigo 51.º do CIRC, pois, por força do disposto no n.º 3 do artigo 11.º da LGT, «persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários», como impõe o princípio constitucional da igualdade na repartição dos encargos públicos.

            Pelo exposto, conclui-se que é aplicável à Requerente o regime do artigo 51.º, n.º 1, do CIRC, por remissão do n.º 2, quanto ao exercício de 2013, no que se reporta aos rendimentos recebidos correspondentes a lucros distribuídos.

 

 

            3.6. Questão de conhecimento prejudicado

 

            Pelo exposto, a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira enferma de vício de violação de lei, pois não encontra suporte nos n.ºs 1 e 2 do artigo 51.º do CIRC, na redacção vigente em 2013.

            Esse vício justifica a anulação da liquidação efectuada com base nessa correcção, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

            Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento na aplicação do n.º 2 do artigo 51.º do CIRC, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC), o conhecimento da questão da verificação dos requerimentos da alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo, pois a aplicação do n.º 2 não depende «da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade».

           

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios         

 

A Requerente pede o reembolso da quantia que pagou indevidamente acrescida de juros indemnizatórios.

Como resulta do exposto, o pedido de pronúncia arbitral procede, pelo que é de anular parcialmente a liquidação e subsequente demonstração de acerto de contas, na parte referente à correção no valor de € 469.739,44 relativa à dedução efectuada correspondente à eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos que foram recebidos de títulos afectos a carteiras unit linked.

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, na sequência da ilegalidade da liquidação na parte relativa à referida correcção no valor de € 469.739,44 relativa aos rendimentos de títulos afectos a carteiras unit linked, há lugar a reembolso do imposto correspondente que foi pago indevidamente, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

A ilegalidade da liquidação é imputável à Administração Tributária, que a emitiu por sua iniciativa, pelo que ocorreu erro imputável aos serviços, havendo, consequentemente, direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde a data em que foi efectuado o pagamento (06-12-2016) até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

A quantia a reembolsar será a do imposto pago indevidamente a título de IRC, derrama estadual e derrama municipal, correspondente à eliminação jurídica da correcção no valor de € 469.739,44.

À eliminação da correcção em causa, corresponde o IRC de € 117.434,86, à taxa de 25%, e a derrama estadual no valor de € 23.486,97, à taxa de 5%, pois está em causa anulação da correcção do lucro tributável sobre a parte superior a 7.500.000,00 (redacção do artigo 87.º-A do CIRC introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro), bem como a derrama municipal, no valor de € 7.046,09, à taxa de 1,5%.

É, assim, de condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a quantia de € 147.967,92, acrescida de juros indemnizatórios, sem prejuízo da adicional liquidação em execução de julgado da quantia de reembolso e juros indemnizatórios referentes ao pagamento indevido de derrama municipal.

                       

           

5. Decisão

 

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2.  Anular parcialmente a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2013 n.º 2016 … e subsequente demonstração de acerto de contas n.º 2016…, na parte relativa à correcção à matéria tributável no valor de € 469.739,44;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente a quantia de € 147.967,92, acrescida de juros indemnizatórios.

 

 

 

6. Valor do processo

 

 

O Sujeito Passivo indicou como valor da causa o da correcção à matéria colectável que pretende ver eliminada e não estão determinadas quais as consequências que da anulação de tal correcção podem derivar a nível da liquidação.

A Autoridade Tributária e Aduaneira discorda do valor atribuído ao processo pelo Sujeito Passivo, mas não indica qualquer outro, como exige o n.º 1 do artigo 305.º do CPC, como requisito para impugnação do valor da causa.

O valor da causa quando é impugnada a liquidação é o da importância cuja anulação se pretende.

No caso em apreço, a Requerente pretende a anulação parcial da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2013, na parte referente aos investimentos em Unit-Linked e juros compensatórios correspondentes.

A liquidação em causa inclui IRC calculado com base no lucro tributável, derrama estadual e derrama municipal, não havendo no processo elementos que permitam determinar o montante de qualquer outro tributo que decorra da anulação da correcção em causa.

O valor do IRC é de 25% da correcção a que acresce 5% de derrama estadual, pois está em causa anulação de lucro tributável superior a € 7.500.000,00 (redacção do artigo 87.º-A do CIRC introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro), acrescendo ainda 1,5% de derrama municipal sobre o valor da referida correcção.

Assim, o valor correspondente à correcção impugnada é de € 147.967,92, valor este que se fixa como valor da causa.

 

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

8. Comunicação ao Ministério Público

 

Uma vez que foi recusada a aplicação da norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, com fundamento em inconstitucionalidade, notifique-se este acórdão à Senhora Procuradora Geral da República.

 

Lisboa, 09-10-2017

 

Os Árbitros

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(António Pragal Colaço)

 

 

 

 

 

(Maria Isabel Guerreiro)

 

 



[1] Anteriormente B… S.A. .