Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 202/2017-T
Data da decisão: 2017-09-19  IRC  
Valor do pedido: € 190.043,77
Tema: IRC/2015 - Encargos financeiros – SGPS – empréstimos a sociedades relacionadas – Circular nº 7/2004, da DSIRC
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ACÓRDÃO ARBITRAL

 

  1. Relatório

 

No dia 24-03-2017, a sociedade “A…, Lda.”, NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30-03-2017. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável e notificou as partes dessa designação em 17-05-2017.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, comunica-se que o tribunal arbitral coletivo fica constituído em 01-06-2017, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

 

No âmbito do pedido de pronúncia arbitral por si apresentado, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente ao ato de liquidação de IRC n.º 2015…, relativo ao exercício de 2011, o qual igualmente impugna juntamente com as correções da inspeção tributária que o antecederam. Em concreto, a Requerente contesta o facto de ter sido desatendida a dedução de encargos financeiros no montante de € 826.277,26, com o consequente apuramento de matéria tributável em excesso e prejuízo fiscal em défice nesse mesmo valor.

 

As correções efetuadas pela AT ao IRC do exercício de 2011 da Requerente assentaram em dois pilares:

i) Na aplicação da fórmula da Circular da DSIRC n.º 7/2004;

ii) Na equiparação a partes de capital, para efeitos de aplicação dessa fórmula, dos créditos pela realização de prestações suplementares e de obrigações/prestações acessórias.

 

Em consequência, a AT imputou às partes de capital (prestações suplementares e obrigações acessórias incluídas), 93% do total dos encargos financeiros suportados pela B… SGPS e a proporção entre o montante dos encargos financeiros cuja dedução foi afastada - € 826.277,26 – e o total dos encargos financeiros, imposto do selo incluído, suportados no exercício – € 890.595,95.

 

Quanto a estas correções – e ao resultado das mesmas em sede de IRC do exercício de 2011 – a Requerente invoca, em síntese, o seguinte:

 

  1. A fórmula da Circular da DSIRC n.º 7/2004 assenta em duas fundações:

i) Abstrai de saber se as partes de capital foram ou não adquiridas com empréstimos remunerados, antes buscando a proporção entre partes de capital e restante ativo (e, na interpretação da Inspecção tributária, partes de capital que incluem prestações suplementares e similares), que neste caso ditou uma proporção de 93% para as “partes de capital”; e

ii) Não distingue os encargos financeiros por empréstimo, antes os trata como um todo indistinto, aplicando a proporção anteriormente obtida (no caso, 93%) aos encargos financeiros como um todo.

  1. A totalidade dos juros suportados pela B… SGPS aqui em causa, no montante de € 828.899,98, são juros IC, isto é, juros inter-companhia, juros que respeitam a empréstimos obtidos intragrupo. A política seguida no Grupo é que os empréstimos intra-grupo vencem a mesma taxa de juro em cada exercício, sendo que, no exercício de 2011, era de Euribor 12 meses + spread de 2,75%
  2. No final do período de tributação de 2011, a carteira de participações da B… SGPS e das prestações suplementares e acessórias por si realizadas, tinha um custo de aquisição total de € 13.222.282,25.
  3. Aplicando a fórmula da Circular n.º 7/2004 e tomando como partes de capital também as prestações suplementares e acessórias realizadas, chega-se a uma percentagem de imputação às partes de capital dos encargos financeiros suportados de 93% dos mesmos; no entanto, através de uma afetação real, e tendo por base o destino dos financiamentos contraídos pela B… SGPS geradores de encargos no exercício de 2011, é possível comprovar-se que a generalidade dos mesmos não se destinou à aquisição de partes de capital e que, desse modo, se encontram afastados do âmbito de incidência do artigo 32.º do EBF uma parte substancial dos encargos financeiros por esta sociedade suportados naquele período.
  4. Num total de € 20.211.278,55 em dívida remunerada, a Requerente alega ter a seguinte distribuição da respetiva utilização (real):

a) € 14.236.199,17 não afetos à aquisição de partes de capital (€ 14.026.199,17 se se excluísse o financiamento utilizado no aumento de capital da C…);

b) € 4.798.501,70 afetos à aquisição de partes de capital (€ 5.008.501,70 se se considerar também como tal o financiamento utilizado no aumento de capital da C…);

c) € 1.176.577,68 cuja afetação não foi possível reconstituir.

O montante da dívida remunerada cujo destino é conhecido ascende, pois, a € 19.034.700,87, dos quais 25,21% (€ 4.798.501,70 / € 19.034.700,87) respeitantes a partes de capital, e os restantes 74,79% respeitantes a outros ativos.

  1. Se se incluísse na dívida afeta à aquisição de partes de capital o financiamento para aumentos de capital (no caso, da C…, no montante de € 210.000), a percentagem apenas aumentaria para 26,31% (€ 5.008.501,70 / € 19.034.700,87). Aplicando aquela percentagem de 25,21% de afetação das partes de capital, obtida a partir da concreta distribuição da dívida remunerada contraída pela B… SGPS, temos que no limite € 296.615,23 da parcela de dívida remunerada cuja afetação não foi possível reconstituir respeitará a partes de capital (25,21% x € 1.176.577,68), num total de € 5.095.116,93 (€ 4.798.501,70 + € 296.615,23). E se incluísse o aumento de capital da C…, no que não se concede, teríamos uns adicionais € 309.557,59 por afetação indireta (26,31% x € 1.176.577,68) e um total de € 5.318.059,29 (€ 5.008.501,70 + € 309.557,59).
  2. Assim, do total dos financiamentos existentes na esfera da B… SGPS a 31 de Dezembro de 2011 (€ 20.211.278,55), apenas o montante de € 4.798.501,70 ou, no limite, de € 5.095.116,93, será imputável à aquisição de partes de capital (dos quais, em razão de reembolsos ocorridos, apenas € 4.660.116,93 se encontravam em dívida no final desse ano), em que se não incluem a realização de prestações suplementares e acessórias nem aumentos de capital.
  3. A Requerente entende, assim, ter demonstrado que o método previsto na Circular da DSIRC n.º 7/2004 não se encontra ajustado à sua realidade, na medida em que da aplicação de um método de afetação direta, complementado com a aplicação (no limite) da percentagem resultante da proporção obtida a partir da realidade concreta da afetação conhecida (a esmagadora maioria) da dívida na empresa à parte, residual, dos empréstimos remunerados obtidos cujo utilização não seja já possível reconstruir, se demonstra que no máximo apenas uma pequena parcela dos financiamentos por si contraídos (€ 5.095.116,93, num universo total de € 20.211.278,55, ou seja, 25,21%) é imputável à aquisição de partes de capital.
  4. De acordo com o resultado obtido com a aplicação do método de afetação direta, complementado, no limite, com a aplicação residual, a alguns empréstimos cuja afetação não é possível reconstituir, da percentagem de afetação retirada da própria realidade conhecida da empresa, os financiamentos contraídos pela B… SGPS que geraram encargos financeiros no período de tributação de 2011 imputáveis à aquisição de partes de capital por si detidas a essa data, eram no limite de apenas € 5.095.116,93 (dos quais apenas € 4.660.116,93 se encontravam em dívida no final desse período), dos quais € 4.798.501,70 segregados pelo método da afetação direta e € 296.615,23 segregados pela aplicação residual da percentagem resultante da afetação conhecida na realidade da própria empresa em concreto.
  5. Com respeito à parte segregada pelo método da afetação direta, o montante de juros não dedutíveis para efeitos fiscais ao abrigo do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, corresponderá ao resultado da aplicação da taxa de juro em vigor no exercício de 2011 para os empréstimos intra-grupo – 4,254%, dos quais 2,75% correspondente ao spread e 1,504% correspondente à Euribor aos financiamentos que, conforme demonstrado pela Requerente, se destinaram à aquisição de partes de capital, ou seja, no montante de € 207.174,77 (ou, se se incluísse aqui o financiamento para aumentos de capital (no caso, da C…, no montante de € 210.000), os juros imputáveis à aquisição de partes de capital segregados por método de afetação direta compreenderiam um adicional de apenas € 8.933,40, num total de € 216.108,17.
  6. Aplicando-se residualmente a percentagem resultante da realidade conhecida da afetação concreta na empresa do endividamento remunerado à parte não suscetível de afetação direta temos que:

i) € 296.615,23 em empréstimos afectos à aquisição de partes de capital segregados pela aplicação (residual, a empréstimos cuja destinação não foi possível reconstruir) da percentagem de 25,21 %, que por sua vez representam 1,47% do total dos empréstimos remunerados obtidos (€ 296.615,23 / € 20.211.278,55);

[1,47% x € 61.695,97 (total dos encargos financeiros que se reconduzem ao imposto do selo = € 906,93 (total dos encargos financeiros que se reconduzem ao imposto do selo imputáveis a esta parte dos empréstimos remunerados);

Se se incluísse nos cálculos o aumento de capital da C… como sendo aquisição de partes de capital, a percentagem seria de 1,73% (€ 349.556,23/ € 20.211.278,55), e o montante subiria para € 1.067,34 (1,73% x € 61.695,97)

ii) € 4.798.501,70 em empréstimos afetos à aquisição de partes de capital segregados pelo método da afetação direta (€ 5.008.501,70 se se incluísse o aumento de capital na C…), que por sua vez representam 23,74% do total dos empréstimos remunerados obtidos (€ 4.798.501,70 / € 20.211.278,55), ou 24,78% caso se incluísse o aumento de capital da C… (€ 5.008.501,70 / € 20.211.278,55;

23,74% x € 61.695,97 (total dos encargos financeiros que se reconduzem ao imposto do selo = € 14.646,62 (total dos encargos financeiros que se reconduzem ao imposto do selo imputáveis a esta parte dos empréstimos remunerados); e se porventura se incluísse do lado das partes de capital os aumentos de capital, 24,78% e € 15.288,26 (€ 61.695,97 x 24,78%).

  1. Assim, o montante de encargos financeiros potencialmente não dedutível não pode ultrapassar:

+ € 194.556,76 (juros segregados por afetação direta relativos a empréstimos remunerados para aquisição de partes de capital); e se porventura se incluísse do lado das partes de capital os aumentos de capital, € 203.490,16;

+ € 14.646,62 (imposto do selo proporcionalmente imputável aos empréstimos remunerados para aquisição de partes de capital segregados por afetação direta –

percentagem ou proporção que representam da totalidade dos empréstimos remunerados, e sua aplicação ao total dos encargos com imposto do selo); e se porventura se incluísse do lado das partes de capital os aumentos de capital, € 15.288,26;

+ € 13.524,94 (juros e imposto do selo – total encargos financeiros – imputáveis à dívida remunerada cuja afetação não é possível reconstituir, determinados pela aplicação da percentagem obtida a partir da realidade conhecida da afetação concreta na empresa do endividamento remunerado; e se para efeitos de obtenção dessa percentagem porventura se incluísse do lado das partes de capital os aumentos de capital, € 13.685,35;

= Total encargos financeiros indedutíveis por, no limite, relativos a financiamento para aquisição de partes de capital, no montante de € 222.728,32; e se porventura se incluísse do lado das partes de capital os aumentos de capital, € 233.463,77.

A correção efetuada pela Inspeção tributária no total de € 826.277,26 é, pois, excessiva no mínimo em € 603.548,94 (€ 826.277,26 - € 222.728,32) ou, se se quiser, no mínimo dos mínimos em € 592.813,49 (€ 826.277,26 - € 233.463,77).

  1. Após esta demonstração de facto, a Requerente defende que a fórmula imposta pela Circular da DSIRC n.º 7/2004 consubstancia uma violação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, por se traduzir na imposição pela AT de um critério de afetação proporcional por oposição a um critério de afetação direto (ou específico) e real. Ora, estando a AT sujeita, como toda a Administração pública, ao princípio da legalidade, tal critério, previsto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, só será admissível se for conforme à lei, isto é, se for um mero reflexo interpretativo do que já se encontra na lei. Ora, do n.º 2 do artigo 32.º do EBF então em vigor não resulta em lugar algum que tais encargos financeiros possam ser os resultantes de uma proporção entre partes de capital e total do ativo no balanço da empresa, independentemente de os encargos assim nocionalmente segregados com recurso a tal proporção corresponderem, ou não, a encargos efetivamente suportados com a aquisição de partes de capital. A Circular em análise (cfr. os seu pontos 7 e 8), quando estabelece um método nocional com recurso a proporções assentes no valor dos ativos, de determinação dos encargos financeiros supostamente (nocionalmente) suportados com a aquisição de partes de capital, extravasa da base legal aplicável e, com isso, infecta com o vício de violação de lei as liquidações de imposto efetuadas em obediência a tal orientação genérica.
  2. A Requerente invoca ainda os seguintes argumentos de direito contra a posição da AT:
  1. A realização de prestações suplementares e acessórias não se qualifica como aquisição de partes de capital para efeitos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF; e
  2. As entradas para realização de aumentos de capital social (€ 210.000 de aumento de capital da C…) não geram partes de capital a que se aplique a indedutibilidade de encargos financeiros prevista no n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

 

Na Resposta apresentada, a AT contesta a posição da Requerente com base nos seguintes argumentos:

  1. Considera não se encontrar devidamente documentado e, portanto, não poder considerar-se provado, o seguinte:
  1. O montante dos empréstimos obtidos remunerados;
  2. O montante dos encargos financeiros inerentes aos respetivos empréstimos;
  3.  A relação com os alegados empréstimos contraídos em 2009 e 2010.
  1. A alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º do CIRC em conjugação com o regime especial previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF determina a obrigação de identificação dos encargos financeiros direta ou indiretamente relacionados com a aquisição de partes de capital visados pela exclusão de dedução para efeitos de proceder, sendo caso disso, ao respetivo acréscimo ao lucro tributável. A metodologia apresentada, de alegada afetação direta, não permite aferir concretamente quais os encargos financeiros que correspondem à aquisição de partes de capital, como tal não dedutíveis para efeitos do artigo 32.º do EBF, o que reforça a correção do método aplicado no âmbito do procedimento inspetivo.
  2. Quanto à alegada exclusão das prestações suplementares e dos aumentos de capital face ao preceituado no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, é entendimento da Requerida que o conceito de partes de capital abrange as partes de capital social, nas quais se incluem os aumentos de capital, as prestações suplementares e as prestações acessórias, estando todas sujeitas ao mesmo regime.
  3. Relativamente à Circular 7/2004, entende a AT que não é a mesma que cria normas de incidência, é a lei que, interpretada no sentido defendido pela AT, afasta a dedutibilidade dos encargos financeiros incorridos com financiamentos ligados à aquisição das participações sociais alienadas e que realizam, ainda que potencialmente, mais valias excluídas de tributação, para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício em que são incorridos.

 

II. Saneamento

 

O tribunal é competente e está regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, estando devidamente representadas.

O meio processual é o próprio.

Não há nulidades, exceções ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

III. Fundamentação de facto

 

III.1 Matéria de facto considerada provada:

No que se refere à factualidade trazida aos autos pelas Partes, considera o Tribunal como provados, em razão da prova documental oferecida e dos factos alegados e não contestados, os seguintes factos com relevância para a decisão final:

 

  1. No ano de 2011, a Requerente era a sociedade dominante e responsável pela liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) do Grupo (“Grupo Fiscal”) ao qual no exercício de 2011 foi aplicável o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”), e que era composto por si e pelas sociedades:

• Laboratório de Análises Clínicas B…, SGPS, S.A. (doravante B… SGPS);

• D…, Lda.;

• E…, Unipessoal, Lda.;

• Laboratório de Análises Clínicas F…, Unipessoal, Lda.;

• Laboratório de Análises Clínicas G…, Lda.;

• H…, Lda.;

• I…, Lda.;

• J…, Lda.;

• Laboratório de Análises Clínicas K…, Lda.;

• L…, Lda.

 

  1. A requerente foi destinatária, na qualidade de sociedade dominante do referido Grupo Fiscal, da liquidação de IRC n.º 2015…, relativa ao exercício de 2011, emitida na sequência da correção ao lucro tributável em sede de inspeção tributária originou uma redução do prejuízo fiscal apurado pelo Grupo Fiscal no montante de € 826.277,26 (redução do prejuízo fiscal de € 1.747.021,51 para € 920.744,25.
  2. A correção ao lucro tributável decorre da prévia correção ao montante dos encargos financeiros dedutíveis referentes a empréstimos da Requerente às suas participadas, correção essa efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos do disposto na Circular 7/2004.
  3. A totalidade dos juros suportados pela B… SGPS no montante de € 828.899,98, são juros que respeitam a empréstimos obtidos intragrupo.
  4. Dentro do grupo, a taxa de juro é igual em todos os empréstimos, sendo que no exercício de 2011 era de Euribor 12 meses + spread de 2,75%.
  5. No final do período de tributação de 2011, a carteira de participações da B… SGPS e das prestações suplementares e acessórias por si realizadas, teve custos de aquisição num total de € 13.222.282,25.
  6. As movimentações financeiras ocorridas entre 31.12.2009 e 31.12.2011 são as sintetizadas no quadro infra:

 

 

  1. Existiram, no âmbito do apuramento em apreço, montantes que não se conseguiu reconciliar, os quais se materializaram numa diferença de € 5.378,84 (Coluna “Dif.” do quadro supra).
  2. Num total de € 20.211.278,55 em dívida remunerada, € 14.236.199,17 não foram utilizados na aquisição de partes de capital / € 14.026.199,17 excluído o financiamento utilizado no aumento de capital da C…);
  3. Num total de € 20.211.278,55, € 4.798.501,70 foram utilizados na aquisição de partes de capital / € 5.008.501,70 incluindo o financiamento utilizado no aumento de capital da C…);
  4. Num total de € 20.211.278,55, há € 1.176.577,68 cuja afetação não foi possível reconstituir;
  5. O montante da dívida remunerada cujo destino é conhecido ascende a € 19.034.700,87, dos quais 25,21% (€ 4.798.501,70 / € 19.034.700,87) respeitantes a partes de capital, e os restantes 74,79% respeitantes a outros ativos;
  6. Ao incluir-se na dívida afeta à aquisição de partes de capital o financiamento para aumento de capital da C…, no montante de € 210.000, a percentagem de dívida remunerada destinada a partes de capital aumenta para 26.31% (€ 5.008.501,70 / € 19.034.700,87);
  7. Do total dos financiamentos existentes na esfera da B… SGPS a 31 de Dezembro de 2011 (€ 20.211.278,55), apenas o montante de € 4.798.501,70 / € 5.095.116,93 (considerando o aumento de capital da C…), é imputável à aquisição de partes de capital, nos termos que se descriminam de seguida:

 

 

 

III.2 Factos considerados não provados

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que tenham sido considerados não provados.

 

III. 3 Fundamentação da decisão quanto à matéria de facto

 

Em primeiro lugar, importar notar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 659.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT]. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

À luz do exposto, o quadro factual relevante no caso sub juditio é o que se deixou descrito. Para o estabelecer, ponderou o Tribunal, as posições das partes nos respetivos articulados, bem como todo o acervo documental incorporado no processo, incluindo a cópia do processo administrativo instrutor junta pela AT.

 

É certo que, no âmbito do direito fiscal, o ónus probatório não tem a dimensão subjetiva doutros ramos do direito, mas sim objetiva, no sentido de que o que interessa para a decisão do mérito da causa, quer no procedimento administrativo quer no processo judicial, é o que relevar da verdade dos factos alcançados, independentemente da parte que tenha o ónus de tal prova, atenta a predominância do princípio do inquisitório constante dos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT. Contudo, quando tal prova se não alcança e na impossibilidade de o tribunal ficar por um non liquet – cfr. art.º 8.º, n.º1 do Código Civil – então a causa tem de ser decidida contra a parte onerada com esse ónus probatório (in casu, a AT). Assim, tendo em consideração o exposto e as posições assumidas pelas partes, a prova documental e a cópia do Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV. Fundamentação de direito

 

A principal questão a decidir nestes autos diz respeito à decisão sobre a (i)legalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa e do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2015…, relativo ao exercício de 2011, resultante de ter sido desatendida a dedução, pela Requerente, de encargos financeiros no montante de € 826.277,26, com o consequente apuramento de matéria tributável em excesso e prejuízo fiscal em défice nesse mesmo valor.

 

O regime previsto no n.º 2 do artigo 32º do EBF, aditado pelo n.º 5 do artigo 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, dispunha, à data dos factos, que “as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e bem assim, os encargos financeiros suportados com sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”.

 

Sobre esta matéria (encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital nas SGPS) a Administração Fiscal emitiu a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da Direção de Serviços do IRC (DSIRC), onde se dispõe o seguinte: - no que respeita aos encargos financeiros, o novo regime “é aplicável nos períodos de tributação iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data”, conforme ponto 5); - no exercício em que os encargos financeiros deverão ser desconsiderados como custos para efeitos fiscais, “dever-se-á proceder, no exercício em que os mesmos disserem respeito, à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do artigo 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias”, conforme ponto 6); - “quanto ao método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização (…) de um método de afetação direta ou especifica e á possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.”

 

Outra questão que importa decidir diz respeito ao método a utilizar para a determinação dos encargos financeiros que devam ser excluídos da determinação do lucro tributável e, mais exatamente, se aquele (método) se pode concretizar, sem violação da lei, através da Circular n.º 7/2004, de 30-4, da AT.

 

A Requerente questiona a legalidade e constitucionalidade desta circular, alegando que a AT não se limitou a interpretar o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, antes tendo criado um método substitutivo do método aí previsto. Neste sentido, as normas contidas nos pontos 7. e 8. da Circular da DSIRC n.º 7/2004, de 30 de março, mais concretamente a fórmula que aí se prevê, com pretensão de aplicação imperativa, de segregação dos encargos financeiros a que se refere o Estatuto dos Benefícios Fiscais, seria inconstitucional, por violação do princípio da legalidade ou da reserva de lei, em matéria fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.

 

Dispõe o n.º 7 dessa Circular que: "dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e das SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos as empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição”. Assim, segundo a AT, o n.º 2 do artigo 32.º do EBF, suportaria uma interpretação no sentido da admissão de uma fórmula de cálculo indireta que permita aos contribuintes determinar a possível repartição dos encargos financeiros totais suportados, entre encargos financeiros dedutíveis e não dedutíveis para efeitos fiscais, numa SGPS, tal resultando do facto de não existir, em regra, uma relação factual direta entre os fundos totais obtidos pela SGPS, e que implicaram o pagamento de juros, e os fundos investidos na aquisição das participações sociais.

 

A este propósito, refere-se no processo 738/2014-T, do CAAD que: “(...) a Administração entendeu precisar a forma de estimar os encargos que podem ser imputados à aquisição dessas partes sociais, através da Circular 7/2004, com base na ideia da fungibilidade do dinheiro. Avança nessa circular com a adoção de uma fórmula matemática muito simples - ainda que complicada do ponto de vista dos pressupostos usados na classificação das rúbricas a ponderar -, no sentido de se apurar, na aplicação do art. 32.º, n.º 2, do EBF, quais os “encargos financeiros suportados” com a aquisição de partes de capital, face aos encargos financeiros totais suportados pela entidade no período contabilístico, dado que o legislador fiscal optou pela sua desconsideração fiscal para efeitos de apuramento do lucro tributável de cada um dos períodos económicos”.

 

No Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido no âmbito do processo n.º 02312/08, afirma-se ainda, a este propósito, que: “(...)a Circular além de ser ilegal por falta de habilitação legal para interpretar extensivamente normas de incidência tributária, seria ilegal, por abusiva desvirtuação de norma comunitária e respetiva transposição ilegal.”

 

Do regime legal exposto resulta que o legislador considera que só os encargos diretamente suportados com a aquisição das partes de capital são afastados da dedução. Por outro lado, não considerou o legislador ser de instituir um critério distinto que, face às reais dificuldades práticas de distinção, permitisse apurar, ainda que de forma indireta ou estimada, os encargos financeiros diretamente suportados com a aquisição das partes de capital.

 

Assim sendo, parece-nos que o método aplicado pela Circular viola o disposto no n.º 2 do artigo 31.º do EBF, pois não atende aos encargos efetivamente suportados com a aquisição de participações sociais não tributadas, mas a valores aproximados e a presunções que carecem de fundamento legal. Com efeito, a aplicação da fórmula prevista na Circular não permite percecionar quais os encargos suportados com a aquisição de partes sociais não tributadas, mas estabelece uma afetação proporcional entre o conjunto dos passivos remunerados e os empréstimos às participadas e o restante que financia os demais ativos (incluindo participações sociais), da qual resulta uma estimativa dos encargos (que podem ou não corresponder aos encargos reais). Mais - e conforme decidido no Acórdão do CAAD de 21/12/2012, Proc. 24/2012 -“(...) a Circular n.º 7/2014, ao fixar critérios e métodos, através dos quais se verifica a incidência de imposto, é, na medida em que a sua aplicação reveste eficácia externa, nomeadamente em liquidações corretivas de imposto, inconstitucional, por violação do princípio da legalidade plasmado no artigo 103.º, e da reserva de lei formal constante do artigo 165.º, n.º 1 al, i), ambos da Constituição. Isto não obstante a mera ilegalidade que sempre resultaria do confronto entre aquela Circular e o artigo 8.º da Lei Geral Tributária (...)”. Neste mesmo sentido, se pronunciou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15 de Janeiro de 2015, Proc. 00946/09.0BEPRT onde se refere:“(...) O facto de na sua metodologia ter usado os critérios preconizados na circular n.º 7/2004, de 30 de Março, em especial seus pontos n.ºs 7 e 8 não salva a legalidade da operação, pois os critérios e pressupostos de imputação dos passivos remunerados das SGPS ultrapassam manifestamente o conteúdo do art. 31º/2 do EBF criando presunções e apuramentos proporcionais que o legislador manifestamente não assumiu nem consentiu (...)”.

 

Ou seja: a Circular n.º 7/2004 não pode traduzir uma interpretação válida e aceitável do disposto no artigo 31º, n.º 2, do EBF, na medida em que não obedece às regras e princípios básicos que presidem à hermenêutica jurídica à luz, designadamente, do princípio estabelecido no artigo 11.º, n.º 1, da LGT (“na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”).

 

Com o objetivo de desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais, o intérprete lança mão dos fatores interpretativos que são essencialmente o elemento gramatical (o texto, ou a “letra da lei”) e o elemento lógico, o qual, por sua vez, se subdivide em elemento racional (ou teleológico), elemento sistemático e elemento histórico. (Cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 181; Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 2.ª Ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 361).

 

É o artigo 9.º do Código Civil (CC) que fornece as regras e os elementos fundamentais à interpretação correta e adequada das normas. Daqui resulta que se a interpretação deve reconstituir o “pensamento legislativo”, deve, no entanto, o intérprete ou aplicador fazê-lo sempre partindo do pressuposto necessário da existência dum mínimo de correspondência com a letra da Lei. Ou seja: o elemento literal ou gramatical (texto ou “letra da lei”) “é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei (Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado – vol. I, Coimbra ed., 1967, p. 16).

 

Ora, do exposto parece resultar suficientemente evidenciado que a Circular n.º 7/2004, “interpreta” o disposto no artigo 31º-2, do EBF em termos que violam as sobreditas regras de hermenêutica na medida em que nela se surpreende matéria legislativa inovadora e não uma mera interpretação válida do texto da Lei.

 

Voltando ao caso concreto: sem prejuízo do juízo de avaliação da legalidade do método utilizado, a Autoridade Tributária e Aduaneira, tal como já anteriormente se afirmou aquando da fundamentação da matéria de facto, teria de comprovar os pressupostos da correção fiscal operada, nomeadamente a existência de encargos financeiros não tributados com a aquisição de partes de capital. Ao invés, a AT limitou-se a proceder à correção de um certo montante de encargos financeiros, sem cuidar de provar a existência dos pressupostos factuais da sua atuação. Ao aplicar o método previsto no parágrafo 7 da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, violou o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, que apenas prevê a não dedutibilidade dos encargos financeiros efetivamente suportados com a aquisição de partes de capital.

 

V – Decisão

Em consequência do exposto, decide este Tribunal Arbitral o seguinte:

a) Anular o despacho proferido em sede de reclamação graciosa em 21 de Dezembro de 2016 pela Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças do Porto, na parte em que, nos termos expostos, indeferiu o pedido ora objeto destes autos;

b) Anular a liquidação adicional de IRC n.º 2015…, respeitante ao exercício de 2011, a demonstração de liquidação de juros n.º 2015… e a demonstração de acerto de contas n.º 2015…, assim como a correção do valor deduzido a título de encargos financeiros no montante de € 826.277,26.

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do CPC e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 190.043,77.

 

Custas: Fixa-se o montante das custas em € 3.672,00 (tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), ficando o respetivo pagamento a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira (artigo 22.º, n.º 4, do RJAT).

 

 

 

 

 

 

Lisboa, 19 de setembro de 2017

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

Paula Florindo

(Vogal)

 

 

Raquel Franco

(Vogal)