Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 8/2017-T
Data da decisão: 2019-11-28  IRC  
Valor do pedido: € 37.852,09
Tema: Tributações Autónomas – SIFIDE II – Dedução à coleta – Reforma da Decisão Arbitral (anexa à decisão).

*Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 08 de julho de 2020, recurso n.º 10/20.1BALSB que fixa jurisprudência.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.            RELATÓRIO

 

A... S.A. (“A...”), NIPC ..., com sede na Rua ... ( “Requerente”), veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10. º do Decreto-Lei n. º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), apresentar PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL para pronúncia sobre a ILEGALIDADE E CONSEQUENTE ANULAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES DE IRC a seguir descritas.

 

O pedido deu entrada no Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) a 4 de janeiro de 2017 e foi aceite.

 

É Requerida a Administração Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

A Requerente não procedeu à designação de árbitro. Para o efeito, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou, então, o Signatário, o qual expressamente aceitou a nomeação. As partes foram devidamente notificadas desta, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

O Tribunal Arbitral foi assim constituído em 29 de março de 2017.

 

A AT apresentou tempestivamente a sua resposta. Primeiro, sustentou a incompetência dos tribunais arbitrais para decidirem do pedido de pronúncia arbitral, tendo baseado tal exceção no facto do pedido de pronúncia arbitral resultar do indeferimento de pedido de revisão oficiosa. Em seguida, pugnou pelo indeferimento daquele pedido por discordar da interpretação das questões de direito que sustentam a pretensão da Requerente.

 

A Requerente veio apresentar resposta à exceção, o que se entendeu extemporâneo, mas que por motivos de economia processual se optou por considerar, razão pela qual a Requerente já se pronunciou sobre tal matéria.

 

Foram dispensadas as alegações e fixada a data de 1 de setembro de 2017 para a prolação da decisão arbitral, prazo que não foi possível observar.

 

A 29 de setembro de 2017, o Tribunal Arbitral proferiu decisão arbitral de cujo conteúdo resulta a procedência da exceção de incompetência material invocada pela Requerida e, por via disso, a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

Inconformada com o sentido decisório propalado pelo Tribunal Arbitral, a Requerente apresentou impugnação da decisão arbitral perante o Tribunal Central Administrativo Sul.

Por acórdão de 11 de julho de 2019, o Tribunal Central Administrativo Sul concedeu provimento à impugnação, tendo determinado a reforma da decisão arbitral.

 

Em sede do referido acórdão, o Tribunal Central Administrativo Sul sustentou o seguinte: “Perfilha este Tribunal uma perspetiva menos restritiva da competência dos tribunais arbitrais tributários, de forma a que nela se inclua a apreciação da ilegalidade oriunda de ato de indeferimento do pedido de revisão do ato tributário (...) Acolhendo (...) uma interpretação mais ampla do citado artigo 2.º, entende-se que tendo a Impugnante previamente ao pedido de pronúncia arbitral recorrido à via administrativa para corrigir a autoliquidação, por via da interposição de revisão do ato tributário, dimana inequívoco que a questão colocada ao Tribunal Arbitral não é inarbitrável, podendo/devendo o Tribunal Arbitral dela conhecer. E por assim ser procede, necessariamente, o vício de pronúncia indevida arguido pela Impugnante (...) Tudo visto e ponderado, e sem necessidade de mais considerações, procede a arguição de nulidade da decisão arbitral recorrida, ao abrigo do artigo 28.º, n. º 1, alínea c), do RJAT”.

 

A posição das partes é absolutamente clara e inexistem questões de facto controvertidas.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

As partes têm personalidade jurídica, capacidade judiciária e são legítimas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

II.          MATÉRIA DE FACTO

 

O pedido da Requerente estriba-se no indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa. A Requerente visava com esse pedido deduzir certas verbas [correspondentes a benefícios fiscais por investimento decorrentes do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (“SIFIDE II”)] às tributações autónomas de imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) relativas aos exercícios de 2011 e de 2012.

 

Essa dedução não foi efetuada na autoliquidação, mas foi pedida em revisão oficiosa a qual foi tacitamente indeferida.   

 

Esse pedido de revisão oficiosa leva a AT a considerar este tribunal incompetente para decidir do pedido e este extemporâneo por carecer de prévia e tempestiva reclamação graciosa (ou impugnação judicial).

 

Há abundante jurisprudência sobre esta matéria, a qual não é, porém, uniforme, existindo decisão do Tribunal Constitucional sobre a retroatividade da alteração ao CIRC que veio modificar o texto da norma controvertida.

 

Síntese da matéria de facto relevante para a boa decisão da causa

 

Dá-se por provada a factualidade que segue:

 

A. A Requerente é uma sociedade anónima que possui como objeto social a atividade de engenharia e fabrico de aparelhos e de equipamentos para comunicações, encontrando-se enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC;

 

B. No dia 31 de maio de 2012, a Requerente entregou a sua declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao exercício fiscal de 2011, tendo, nesse momento, procedido à autoliquidação das tributações autónomas no montante de € 19.613,86;

 

C. No dia 31 de maio de 2013, a Requerente entregou a sua declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao exercício fiscal de 2012, tendo, nesse momento, procedido à autoliquidação das tributações autónomas no montante de € 38.073,48;

 

D. Nas autoliquidações de 2011 e 2012, a Requerente apurou, a título de despesas realizadas no âmbito do SIFIDE II, os montantes de € 377.814,33 e € 397.461,88, respetivamente;

 

E. Os valores não utilizados no final de cada exercício, disponíveis a título de SIFIDE II para dedução à coleta de IRC, ascenderam a € 974.954,29 e € 1.372.416,17, respetivamente;

 

F. Do saldo acumulado e da dotação dos períodos só foi deduzido o montante de 13.733,03 no exercício de 2011;

G. No exercício de 2012 não foi deduzido qualquer montante por insuficiência da coleta de IRC;

 

H. A programação do site da AT não permitia, aquando da autoliquidação de IRC, a dedução daquelas verbas de SIFIDE II aos montantes apurados a título de coleta das tributações autónomas;

                                                               

I. Respetivamente nos exercícios de 2011 e 2012, a Requerente possuía coleta de tributações autónomas nos montantes de € 19.613,86 e € 38.073,48;

 

J.  O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado a 4 de janeiro de 2017 na sequência do ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa;

 

K. Este último foi apresentado pela Requerente a 25 de maio de 2016, tendo visado a anulação dos seguintes atos tributários:

 

(i) Autoliquidação de IRC, relativa ao exercício fiscal de 2011, com o código de validação n. º...;

(ii) Autoliquidação de IRC, relativa ao exercício fiscal de 2012, com o código de validação n.º...;

 

L. Sobre o pedido de revisão oficiosa não foi proferida qualquer decisão expressa;

 

M. Nos exercícios de 2011 e 2012 foram apurados créditos fiscais em sede de SIFIDE II nos montantes acima referidos;

 

N. Os ditos créditos fiscais não foram deduzidos à coleta das tributações autónomas;

 

O. O IRC apurado nos exercícios de 2011 e 2012, o qual se restringiu à coleta das tributações autónomas, encontra-se integralmente pago;

P. Nos exercícios de 2011 e 2012, o lucro tributável da Requerente não foi apurado pela AT com base em métodos indiretos;               

      

Q. Em tais exercícios, a Requerente não era devedora ao Estado ou à Segurança Social de quaisquer impostos ou contribuições.

 

Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra elencada.

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos fornecidos pela Requerente, cuja correspondência à realidade não é controvertida.

 

III. QUESTÕES A DECIDIR

 

Para este Tribunal Arbitral, as questões a decidir são essencialmente três:

 

(i) É o Tribunal Arbitral competente (exceção) para apreciar o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa?

(ii) Se assim for, pode o sujeito passivo lançar mão da revisão oficiosa, esgotado que esteja o prazo para reclamação graciosa ou impugnação judicial?

(iii) A ser assim, e só nesse caso, podem os créditos fiscais atinentes ao SIFIDE II ser deduzidos à coleta decorrente das tributações autónomas em sede de IRC?

 

IV.         MATÉRIA DE DIREITO

 

i.) Posição das partes

 

Posição da Requerente

 

A Requerente relembra que em 2011 e 2012 vigorava o SIFIDE II, o qual havia sido aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011), e que no seu artigo 4.º estabelecia que “1 — Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado afundo perdido (...)”; razão pela qual entende que, de acordo com esse dispositivo legal, as despesas incorridas e aceites no âmbito do SIFIDE II podem ser deduzidas à coleta de IRC apurada nos termos do artigo 90.º CIRC.

 

Por sua vez, este artigo 90.º do CIRC estabelecia as formas de liquidação do IRC, quer pelo sujeito passivo, quer pela AT, aplicando-se esta norma ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no CIRC, estipulando que: “1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos: a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122. º, tem por base a matéria coletável que delas conste; b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6. º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada; c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.”

 

A Requerente salienta ainda não haver no CIRC qualquer outra norma que estabeleça um procedimento específico de liquidação aplicável às tributações autónomas. A este propósito salienta que, de acordo com a decisão arbitral de 5 de outubro de 2015, proferida no processo n.0 219/2015-T, referente a um caso de IRC do exercício de 2011, “As diferenças entre a determinação do montante resultante de tribulações autónomas e o montante resultante do lucro tributável residem na determinação da matéria tributável e nas taxas, previstas nos Capítulos III e IV do CIRC, mas não nas formas de liquidação, que se preveem no Capítulo V do mesmo código e são de aplicação comum às tribulações autónomas e à restante matéria coletável de IRC”. E reitera que a mesma decisão do CAAD conclui que “Por isso, sendo para o artigo 90.º, inserido neste Capítulo V, que se remete no artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE, não se vê suporte legal para efetuar uma distinção entre a coleta proveniente das tributações autónomas e a restante coleta de IRC, pelo facto de serem distintas as taxas e as formas de determinação da matéria coletável”.

 

Assim, a autonomia das tributações autónomas face ao IRC restringir-se-ia às taxas aplicáveis e à respetiva matéria tributável, mas o apuramento do montante seria já efetuado nos termos do artigo 90.º.

A Requerente vem ainda notar que em recente decisão proferida no processo n.º 369/2015-T, com data de 25 de janeiro de 2016, onde se discutia a possibilidade de deduzir os benefícios fiscais do RFAI à coleta das tributações autónomas do exercício de 2011, e onde também foi proferida decisão no sentido da sua admissibilidade, foi decidido que “o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal (...) ser limitada à coleta do artigo 90.º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja coleta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas”. E ainda em decisão de 28 de abril 2016, referente a um caso de IRC dos exercícios de 2012 e 2013, proferida no processo n.º 637/2015-T: “Está assim respondida a questão colocada pela AT que esteve na base do indeferimento da reclamação graciosa, a saber: a questão que cumpre apreciar nos presentes autos é a de saber se o montante pago a título de tributações autónomas deve ser entendido como parte integrante da coleta de IRC, para efeitos de dedução do montante atribuído no âmbito do RFAI. Ou seja, a alínea b) do n. º 2 do artigo 90.º do Código do IRC permite deduzir ao IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, onde se inclui o apuramento do IRC resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC, os benefícios fiscais, como é o caso do RFAI”. Em decisão ainda mais recente, de 27 de julho de 2016, referente a um caso de IRC do exercício de 2012, foi defendido no processo n.º 5/2016-T o seguinte: “Na interpretação da lei, e sem prejuízo da consideração dos diversos elementos interpretativos, não pode o intérprete chegar a um resultado que não tenha um mínimo de correspondência na letra da lei. Ora se o legislador determina expressamente, no SIFIDE e no RFAI, que a dedução é feita «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» ou, o que resulta no mesmo, «a coleta de IRC», não pode o intérprete concluir que a ratio legis aponta para uma dedução à matéria coletável de IRC e não à coleta deste imposto. Acresce que estamos perante termos técnicos, com um significado jurídico-fiscal preciso, presumindo-se que os mesmos foram empregados pelo legislador intencionalmente, até porque desde que os regimes jurídicos do SIFIDE e do RFAI foram criados já vários diplomas legais estenderam os seus efeitos ou alteraram alguns dos seus preceitos, mas nunca foi alterada a referência à dedução «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» (no SIFIDE) nem a previsão da dedução «à coleta de IRC» (no RFAI). Portanto, as deduções previstas no SIFIDE e no RFAI devem ser feitas após o apuramento do montante global de IRC, que inclui o resultado da aplicação das taxas de tributação autónoma, nos termos previstos no artigo 90.º do CIRC. E o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira deveria refletir fielmente as opções do legislador nesta matéria, permitindo que as deduções do SIFIDE e do RFAI sejam feitas à coleta de IRC, globalmente considerada (isto é, após a aplicação das taxas de tributação autónoma)”.

 

Assim para a Requente não há qualquer dúvida quanto ao facto de a coleta das tributações autónomas ser considerada como coleta do IRC, sendo aquela parte integrante deste imposto, tal como várias decisões do CAAD têm vindo a pronunciar-se a propósito do regime legal das tributações autónomas, considerando que estas apenas fazem sentido no contexto da tributação em sede de IRC.

 

De acordo com as decisões proferidas nos processos n.os 210/2013-T e 255/2013-T do

CAAD, ambas de 12 de maio de 2014, e referentes aos exercícios fiscais de 2008 a 2011: “embora se reconheça que o regime das tributações autónomas constitui, no quadro do IRC, um regime especial quanto à forma de apuramento da tributação, isso não o afasta da sua natureza intrínseca de regime de tributação do rendimento das pessoas coletivas. É verdade que este regime pode, por via dessa integração e do processo de complexificação que vem sofrendo, ter-se tornado multifacetado e diversificado no seu modo de atuação, mas não deixa por isso de ser um regime dedicado à tributação do rendimento das pessoas coletivas e à obtenção de receita fiscal por essa via. Se esta é, por vezes, obtida através da tributação de determinadas despesas que reduzem o lucro tributável, ainda assim se consegue vislumbrar aí uma forma de tributação desse mesmo lucro tributável que é própria dos objetivos que subjazem ao IRC - de resto, as próprias tributações autónomas são devidas a título deste imposto”.

 

Esta posição tem acolhimento na Doutrina, como o salienta a Requerente. No entendimento de Sérgio Vasques, a tributação autónoma é um elemento do IRC, apenas com a caraterística particular de ser de obrigação única e não ter caráter progressivoi. Também Guilherme de Oliveira Martins segue esta posição, afirmando que a tributação autónoma é um mecanismo de preservação da base tributável em sede de IRC, estando adstrita aos mesmos princípios e objetivos do IRCii.

 

Pelo que, sendo as tributações autónomas uma parte integrante do IRC, sendo devidas a este título, e não havendo qualquer outra norma específica para a forma de liquidação das mesmas, aplicar-se-iam as regras do artigo 90.º do CIRC. E, deste modo, não poderiam ser feitas distinções, para efeitos de dedução das despesas incorridas no âmbito do SIFIDE II, entre a coleta do IRC propriamente dita e a coleta das tributações autónomas.

 

Ainda de acordo com as decisões proferidas nos processos n.os 219/2015-T, de 5 de outubro de 2015, e 769/2014-T, de 8 de abril de 2015, referentes ao exercício fiscal de 2011, e a propósito da natureza antiabuso das tributações autónomas, entendeu a Requerente que “não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas, uma explicação para o seu afastamento da respetiva coleta do âmbito da dedutibilidade do beneficio SIFIDE, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à coleta proporcionada por correções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização”.

 

Não tem dúvida de que as tributações autónomas também visam desincentivar certos comportamentos potencialmente abusivos, mas está longe de ser este o objetivo único das mesmas. Citando novamente o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a Requerente vem enfatizar que “também é certo que, como está ínsito naquela afirmação, essas tributações autónomas apenas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais, e os benefícios concedidos, por definição, são «medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º1, do EBF). E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspetiva legislativa, de enorme importância, como se infere do facto de estes benefícios serem indicados como estando especialmente excluídos do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC. Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento prevista no SIFIDE é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da coleta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldade das finanças públicas”. E, de acordo com a decisão do processo n.º 369/2015-T, “No confronto entre estes dois objetivos, é a própria lei que nos indica o que deve prevalecer. Os interesses públicos que determinaram a criação de um benefício fiscal são, por natureza, superiores aos da tributação que impedem. Tal é, ainda mais, manifesto relativamente aos incentivos fiscais ao investimento, uma vez que constituem uma verdadeira promessa publica, no sentido de que aos sujeitos passivos que adotarem determinados comportamentos, supostamente do maior interesse económico e social, é garantida determinada recompensa fiscal”. Pelo que para a Requerente, uma eventual natureza de norma antiabuso das tributações autónomas não é suficiente para afastar a possibilidade de dedução dos benefícios fiscais reconhecidos aos sujeitos passivos.

 

Em síntese, para a Requerente, é seguro que as despesas incorridas no âmbito do SIFIDE II podem ser deduzidas à coleta das tributações autónomas.

 

Tendo a Requerente pago as liquidações de IRC dentro do prazo para o pagamento voluntário e sem tais deduções de SIFIDE, considera serem tais liquidações ilegais, por erro da entidade competente para a liquidação (conferir o referido a propósito do site da AT), razão pela qual entende dever ser reconhecido o direito da Requerente ao reembolso dos montantes já pagos, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º e 100.º da LGT e 61º do CPPT. Isto porque, não obstante estarmos diante de atos de autoliquidação, efetuados pela Requerente, sustenta que o erro que as afeta é imputável à AT, por se ter provado que a estrutura da declaração Modelo 22 do IRC não permitiu à Requerente apurar a autoliquidação, deduzindo os benefícios fiscais de SIFIDE II ao montante das tributações autónomas.

 

Posição da AT

 

Já a AT perfilha posição radicalmente inversa.

 

Mas, preliminarmente, sustenta a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido.

 

Neste contexto, a AT sustenta que a remissão feita pelo artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, para os artigos 131.º a 133. º do CPPT exclui a possibilidade do Tribunal Arbitral conhecer de pedidos de impugnação que tenham por base atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa (in casu, na sequência de atos de autoliquidação).

 

Depois porque o pedido de pronúncia arbitral decorre do indeferimento de pedido de revisão oficiosa de atos de autoliquidação de IRC relativos aos exercícios de 2011 e de 2012, tendo sido formulado em 25 de maio de 2016. Isto é, já depois de decorrido o prazo de reclamação graciosa a que alude o artigo 131.º do CPPT. Daqui resultaria a extemporaneidade do pedido.

 

A incompetência para apreciar o pedido resulta do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e, bem assim, dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. Impondo-se por isso a absolvição da Requerida da instância (cfr. artigos 576. º, n. os 1 e 2 e 577.º, alínea a), do Código de Processo Civil, ex-vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Isto porquanto a Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (Orçamento do Estado para 2010), contemplou, no seu artigo 124.º, uma autorização legislativa relativa à arbitragem em matéria tributária, prevendo que a mesma deveria constituir um meio processual alternativo à impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, ambas consagradas no CPPT. E, no uso de tal autorização legislativa, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que instituiu o RJAT. Mas, nos termos do artigo 2.º do aludido diploma, sob a epígrafe “Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável”, determina-se que a competência dos tribunais arbitrais compreende, designadamente a apreciação e a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta (cfr. alínea a). Todavia, por força do disposto no n.º 1 do artigo 4. º do RJAT, “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

 

A aludida Portaria (n.º 112-A/2011, de 22 de março) define, no seu artigo 2.º, alínea a), que a AT se encontra vinculada a pedidos arbitrais que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, “com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos lermos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. Assim, o pedido de pronúncia arbitral sub judice dirige-se, ainda que de forma mediata, à declaração de ilegalidade de um ato de autoliquidação de imposto, no caso IRC. Acontecendo que a pretensão se mostra formulada sem que esse ato de autoliquidação tenha sido precedido de impugnação administrativa “nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que determina, inelutavelmente, ficar afastada a sua apreciação em sede arbitral. Isto é, a sindicância de atos de autoliquidação de imposto apenas seria admitida em sede arbitral se, em momento prévio, os mesmos tivessem sido impugnados administrativamente, nos termos do artigo 131.º do CPPT. Com efeito, o artigo 2. º, alínea a), da mencionada Portaria exclui, literalmente, do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral “as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, sem que aí seja mencionado o mecanismo de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributaria (LGT). Ou seja, o legislador optou por restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação/autoliquidação, tenham sido precedidas da reclamação prevista no artigo 131.º do CPPT.

 

Aliás, se assim não fosse, para a Requerida bastaria que o legislador houvesse reduzido a exclusão prevista no artigo (2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) à expressão “que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa”, nada mais distinguindo. O que não sucedeu, existindo antes a referência expressa ao prévio recurso à via administrativa nos termos, in casu, do artigo 132. º do CPPT, ou seja, mediante apresentação de reclamação graciosa necessária, independentemente dos seus fundamentos. Por isso, não seria viável incluir na autorização concedida o procedimento administrativo de revisão oficiosa, em especial por duas ordens de razão.

 

Em primeiro lugar, porque tal interpretação decorre do elemento literal ínsito na norma legal em questão, conforme supra se aludiu. E, no que à interpretação concerne, estabelece-se no artigo 11.º, n.º 1, da LGT que, na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. E nesse quadro rege o disposto no artigo 9. º do Código Civil (“CC”), onde se determina que: “1. - A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. - Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".

 

Interpretar uma lei para a AT é fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar os seus sentidos e alcance decisivos. Se a apreensão literal do texto é o ponto de partida de toda a interpretação ela é incompleta, pois será sempre necessária uma tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal. Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.

 

O elemento sistemático compreende, na exposição da Requerida, a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma a interpretar. Isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Este elemento compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma em interpretação no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.

 

O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.

 

O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

 

Dos elementos interpretativos referidos, para a Requerida, não se alcança outra solução interpretativa para a situação sub judice que não a de que a AT apenas se vinculou, nos termos da Portaria n. º 112-A/2011, de 22 de março, à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração de ilegalidade de ato de autoliquidação tiver sido precedido de recurso à via administrativa de reclamação (nos termos do já aludido artigo 132º do CPPT). E quando o legislador se refere ao recurso à via administrativa, quer-se apenas referir aos meios previstos nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, atento o elemento literal do artigo 2. º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. Daqui resultando que a letra da lei não pode ser afastada, sendo a principal referência e ponto de partida do intérprete.

 

Efetivamente, atenta a natureza voluntária e convencional da arbitragem (aqui entendida no seu sentido lato, uma vez que a competência material dos tribunais arbitrais resulta de regulamentação de natureza pública efetuada no RJAT), o intérprete não poderia ampliar o objeto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da AT à jurisdição arbitral.

 

Ora, a AT sustenta que da simples leitura do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março, infere-se a obrigatoriedade expressa da prévia apresentação de processo gracioso como forma de abrir a via arbitral para apreciação do presente litígio.

 

Neste sentido, entende Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, II Volume, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, página 420): “No entanto, de harmonia com o disposto no artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, relativamente a atos de retenção na fonte. a Administração Tributária apenas se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração de ilegalidade de ato de retenção na fonte tiver sido precedido de recurso à via administrativa, isto é, de reclamação graciosa. Por isso, se o sujeito passivo quiser optar pela via arbitral, terá sempre de fazer uso de reclamação graciosa”.

                                                 

Igual entendimento foi perfilhado no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 51/2012-T, onde, em suma, se decidiu: “Tal incompetência material é reforçada no caso de arbitragem tributária, porquanto a simples leitura do artigo 2. º, alínea a), da Portaria n.º  112-A/2011, de 22 de março, portaria publicada conforme o disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, impõe expressamente que o citado procedimento administrativo prévio como forma de abrir a via arbitral para apreciação do litígio. Afigura-se, deste modo, inquestionável, a incompetência em razão da matéria (e não do meio processual) do tribunal arbitral tributário (...). Concluindo: a arbitralidade de litígio relativo às pretensões a que alude o artigo 2.º (objeto de vinculação) da Portaria n.º112-A de 22 de março, só é reconhecida se, previamente, tiver sido apresentada reclamação graciosa (e não em qualquer outra sede, designadamente, por processo de revisão de ato tributável, que, constituindo garantia disponível dos contribuintes, tem, no entanto, especificidades próprias)”.

E isso foi mesmo decidido pelo Signatário na decisão arbitral proferida no processo arbitral que correu termos sob o n.º 236/2013-T: “Quanto à pretensa redação «deficiente» do artigo 2.º, alínea a), da Portaria diga-se ainda que, independentemente dos méritos de uma ampla arbitrabilidade de atos tributários, o certo é que: (a) há, com efeito em erro de concordância ao utilizar o particípio passado «precedidos» no plural masculino quando deveria ser no plural feminino, a concordar com «pretensões». Tal lapso gramatical, porém, não prejudica nem afeta o entendimento da parte seguinte do texto que aqui está verdadeiramente em causa; (b) a expressão «recurso à via administrativa» constitui uma fórmula genérica ampla que em si mesma pode abranger todos os meios de o contribuinte defender os seus direitos, antes de recorrer a tribunais. É uma fórmula ampla mas não errada nem suscetível de induzir em erro. Aliás, a Administração (Ministérios da Justiça e das Finanças) especificou a seguir, de forma bem precisa, quais as disposições em causa indicando-as numa clara enumeração taxativa e não exemplificativa; (c) temos assim a designação genérica «via administrativa» e uma caraterização específica: «nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário». Estamos perante uma técnica que respeita o discurso lógico-jurídico, em perfeita consonância com o n.º 3 do artigo 9.º do CC; (d) pretender o intérprete acrescentar ainda a este membro da frase «e do artigo 78. º da Lei Geral Tributária», que manifestamente ali não está, constitui uma violação dos princípios fundamentais da hermenêutica jurídica aplicáveis quer às normas jurídicas quer aos atos jurídicos”.

 

A AT salienta ainda que a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, foi aprovada e publicada já após extensa e profusa jurisprudência que reafirmava que, atenta a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto nos artigos 131.º a 133.º do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento. Assim, se a jurisprudência tem sustentado o entendimento de que, atenta a natureza administrativa do procedimento de revisão oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto nos artigos 131.º a 133.º do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento; já tal equiparação estaria legalmente vedada em sede arbitral, estando excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT, aí não se incluindo o procedimento de revisão oficiosa gizado no artigo 78. º da LGT.

 

A confirmar este entendimento estão, entre outras, as decisões proferidas no CAAD nos processos n.ºs 48/2012-T, 51/2012-T, 73/2012-T, 236/2013-T, 603/2014-T, 669/2015-T, 584/2016-T - todas julgadas a favor da Requerida.

 

• Resposta à matéria de exceção pela Requerente

 

A Requerente respondeu à exceção, como referido, não dando razão à AT. Porque o artigo 2.º do RJAT não prevê qualquer tipo de limitação neste sentido, na medida em que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, sem qualquer limitação aos casos em que tenha sido apresentada reclamação prévia - decisão proferida no processo n.º 704/2015-T, de 10 de agosto de 2016, um caso onde se discutiu questão semelhante à levantada pela AT e onde se concluiu que “A norma em causa deverá também ser entendida como explicando-se pela circunstância de, na sua ausência - e face ao teor do artigo 2. º do R.JAT - se perfilar como possível a impugnação direta de atos de autoliquidação, sem precedência de pronúncia administrativa prévia. Ou seja, tendo em conta que face ao RJAT não se configurava como necessária qualquer intervenção administrativa prévia a impugnação arbitral de uma autoliquidação, o teor da Portaria deve ser interpretado como equiparando - nesta matéria - o processo arbitral tributário ao processo de impugnação judicial e não, como decorreria da posição sustentada pela Requerida, passar de 80 para 8, pegando numa impugnabilidade mais ampla do que a possível nos Tribunais Tributários, e transmutando-a numa mais restrita”.

 

Depois porque o elemento literal constante da Portaria revela uma intenção de submeter ao crivo da AT atos relativamente aos quais esta entidade ainda não se tenha pronunciado, como os atos de autoliquidação. Mas, o pedido de revisão oficiosa serviria o propósito desse “filtro administrativo”, ao dar oportunidade à AT de se pronunciar sobre o ato de autoliquidação. Mais, excluir o acesso aos tribunais arbitrais apenas porque o meio administrativo não foi uma reclamação graciosa constituiria uma violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”). Este entendimento foi o propugnado na decisão proferida no processo n.º 704/2015-T onde se esclarece que “Efetivamente, não se vislumbra qualquer razão substancial -  e a Requerida nada apresenta nesse sentido - para que, atentos os condicionalismos e especificidades próprios de cada um dos meios graciosos em causa, nos mesmos termos em que os tribunais tributários estão vinculados, não seja cognoscível em sede arbitral a legalidade dos atos de autoliquidação objeto de pedido de revisão oficiosa, apresentado para lá do prazo de reclamação graciosa”. E no mesmo sentido ver ainda a decisão arbitral tirada no processo n.º 630/2014-T onde se reafirma que “a fórmula «declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n. º 1 do artigo 2. º do R.JAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau, que confirme um ato de liquidação, incorporando a sua legalidade". E, ainda de acordo com este acórdão, “Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11. º, n. º 1, da LGT) e o artigo 9. º, n. º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada». Quanto à correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9. º, n. º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa".

 

Acresce que, como tem defendido o STA, os pedidos de revisão oficiosa devem ser entendidos como comparáveis às reclamações graciosas, inclusive nos casos em que a lei exige uma reclamação graciosa prévia à impugnação do ato. Esta posição consta do Acórdão do STA proferido no processo n.º 0402/06, de 7 de dezembro de 2006, onde se pode ler que: “O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa mas dentro dos limites temporais em que a Administração Tributária pode rever o ato com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [artigo 95.º, m os 1 e 2, alínea d), da LG.T.]. A formulação de pedido de revisão oficiosa do ato tributário pode ter lugar relativamente a atos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artigo 152.º do CPT (ou 132.º do CPPT), pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial. O meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação)".

 

No mesmo sentido, veja-se ainda o acórdão do STA proferido no processo n.º 565/07, de 14 de novembro de 2007, onde se conclui que: “a alínea d) do n.º 2 do artigo 95.º da LGT' refere os atos de indeferimento de pedidos de revisão entre os atos potencialmente lesivos, que são suscetíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz aqui qualquer distinção entre atos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efetuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, pelo que a impugnabilidade contenciosa a atos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que, aliás, é corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os atos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (artigo 268.º, n.º 4, da CRP). Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do ato de liquidação, não impedia a impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o ato de indeferimento desta. Exposto este regime da revisão do ato tributário e impugnação das decisões proferidas (ou omitidas) no seu âmbito, chega-se à conclusão que não obsta à possibilidade de impugnação contenciosa a falta da reclamação prevista no artigo 152.º do CPT”

Em suma e para a Requerente, quer por via da interpretação conforme com a Constituição propugnada pela jurisprudência citada do CAAD, quer por via do apoio que se encontra na jurisprudência do STA aqui identificada, no sentido de não discriminar os dois meios de reação (reclamação e revisão), deverá a exceção invocada pela AT ser considerada improcedente, com todas as consequências legais.

 

ii) Posição do Tribunal Arbitral

 

  Quanto à primeira questão decidenda [É o Tribunal Arbitral competente (exceção) para apreciar o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa?]

 

Perante a posição adotada pelo Tribunal Central Administrativo Sul no acórdão de 11 de julho de 2019, o Tribunal Arbitral altera o seu sentido decisório, reformando-o, aderindo ao entendimento perfilhado naquele aresto: “Perfilha este Tribunal uma perspetiva menos restritiva da competência dos tribunais arbitrais tributários, de forma a que nela se inclua a apreciação da ilegalidade oriunda de ato de indeferimento do pedido de revisão do ato tributário (...). Acolhendo (...) uma interpretação mais ampla do citado artigo 2.º, entende-se que tendo a Impugnante [Requerente] previamente ao pedido de pronúncia arbitral recorrido à via administrativa para corrigir a autoliquidação, por via da interposição de revisão do ato tributário, dimana inequívoco que a questão colocada ao Tribunal Arbitral não é inarbitrável, podendo/devendo o Tribunal Arbitral dela conhecer”.

 

No mesmo sentido, admitindo o recurso à via arbitral em situação idêntica à presente, pronuncia-se o Tribunal Constitucional no âmbito do acórdão n.º 244/2018, proferido a 11 de maio de 2018: “Conclui-se, assim, pela não inconstitucionalidade da norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu "recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ", para efeitos da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD” [sublinhado nosso].

Em consequência, improcede a exceção de incompetência material invocada pela Requerida, inexistindo obstáculos à apreciação das demais questões de direito.

 

  Quanto à segunda questão decidenda [Se assim for, pode o sujeito passivo lançar mão da revisão oficiosa, esgotado que esteja o prazo para reclamação graciosa ou impugnação judicial?]

 

No que à presente questão concerne importa referir que a revisão do ato tributário constitui ainda um meio gracioso ao dispor dos contribuintes para que estes possam defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos, mesmo que já decorrido o prazo legal para apresentação de reclamação graciosa.

 

Nesta matéria merece particular atenção o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de julho de 2006, proferido no âmbito do processo n.º 0402/06, em sede do qual se deixou firmado que: "Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial a Administração Tributária tem o dever de revogar atos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no artigo 78.º da LGT. O dever de a Administração efectuar a revisão de atos tributários, quando detetar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua atividade (art. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da LGT, os erros das liquidações que tenham conduzido à  arrecadação de quantias de tributos que não devidas à face da lei” [sublinhado nosso].

 

Assim sendo, “A revisão do ato tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração Tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 (anterior n.º 6) do art. 78.º da LGT. o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que a Administração Tributária o pode exercer. O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em que não é formulado dentro do prazo de reclamação administrativa, mas dentro dos limites temporais em que a Administração Tributária pode rever o ato com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte” [sublinhado e realce nossos] — cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de julho de 2006, proferido no âmbito do processo n.º 0402/06.

 

Em conformidade, o meio procedimental de revisão de atos tributários não pode ser considerado como um meio excecional de reação contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo aos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda possam ser utilizados) ou complementar dos mesmos (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos demais meios impugnatórios do ato de liquidação).

 

Em igual sentido pronuncia-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente os Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.ºs 1462/03, de 5 de novembro de 2003, 1237/03, de 12 de novembro de 2003, 1171/04, de 2 de fevereiro de 2005, e 0402/06, de 12 de julho de 2006, de cujo conteúdo resulta ser “inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência de iniciativa sua, a “revisão oficiosa” (que a Administração deve realizar também por sua iniciativa). Por outro lado, a alínea d) do n.º 2 do artigo 95.º da LGT refere os atos de indeferimento de pedidos de revisão entre os atos potencialmente lesivos, que são suscetíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz aqui qualquer distinção entre atos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efectuado no prazo da reclamação administrativa para além dele, pelo que a impugnabilidade contenciosa de atos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que, aliás, é corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os atos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (artigo 268.º, n.º 4, da CIRP). Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do ato de liquidação não impedia a impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o ato de indeferimento desta" [sublinhado nosso] - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de julho de 2006, proferido no âmbito do processo n.º 0402/06.

 

Em consequência, inexistem obstáculos à apreciação da última questão de direito e, por conseguinte, do mérito da causa.

 

 Quanto à terceira questão decidenda [A ser assim, e só nesse caso, podem os créditos fiscais atinentes ao SIFIDE II ser deduzidos à coleta decorrente das tributações autónomas em sede de IRC?]

 

Da aplicação do regime ínsito no artigo 90. º do CIRC (incluindo do n.º 2) à coleta resultante das tributações autónomas

 

A título preliminar cumpre referir configurarem as tributações autónomas mecanismos de tributação em sede de IRC.

 

Com efeito, as tributações autónomas consistem na aplicação de taxas de IRC - como se verifica pela sua localização sistemática no CIRC -, traduzindo mecanismos reflexos de tributação em sede deste imposto, incidindo, nesse contexto, sobre determinados encargos dos sujeitos passivos.

 

Subjacente à tributação autónoma de determinado tipo de despesas está a dificuldade de fiscalização e controlo das empresas por parte da AT e, de igual modo, a necessidade de tributar despesas que não possuam escopo empresarial fiscalmente relevante na aceção do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.

 

A noção de que as tributações autónomas são uma componente do IRC resulta igualmente do artigo 12.º do CIRC, nos termos do qual “As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas" [sublinhado nosso].

 

Da redação deste preceito legal decorre que as tributações autónomas integram o IRC, sendo esta a única justificação para tal referência expressa às tributações autónomas.

 

Aliás, a noção de que as tributações autónomas são parte integrante do IRC tem sido a posição dominante da AT nas situações em que, previamente à reforma do IRC operada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, os sujeitos passivos suscitaram a questão da dedutibilidade das tributações autónomas ao lucro tributável.

 

Com efeito, por exemplo nas contra-alegações produzidas no âmbito do processo arbitral n.º 93/2014-T, sustentou a AT: “D. Na realidade, formalmente, as tributações autónomas são IRC apresentando-se como uma sua componente, um seu complemento(...)

F. Tanto o legislador como a lei. no artigo 12. º do CIRC, consideram as tributações autónomas componente do IRC. G. Neste sentido, as tributações autónomas deverão ser pagas pelos contribuintes nos termos e prazos previstos respectivamente nos artigos 89. º e seguintes e 104.º e seguintes do CIRC, os quais, de resto, se referem, de modo indiferenciado, quer a IRC sobre o lucro, quer às tributações autónomas em sede de IRC. H. A nova redacção do artigo 23.º-A/1 al.a), introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, tem um manifesto alcance esclarecedor para o futuro quanto ao seguinte facto: as tributações autónomas são uma componente incluída nos encargos suportados a título de IRC. (...) L. Tanto numa perspectiva teleológica, sistemática como funcional, as tributações autónomas são um autêntico adicional do IRC e isto porque, pela natureza das coisas, um imposto não pode ser dedutível a si mesmo (...). N. As tributações autónomas estão funcionalmente imbricadas no IRC sendo que, e paralelamente, existe uma norma (88.º/14 do CIRC) que faz depender a alíquota da tributação autónoma da circunstância do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal” [sublinhados nossos].

 

Em sentido idêntico, vide as contra-alegações produzidas no âmbito do processo arbitral n.º 282/2013-T e, bem assim, nos processos n.ºs 0429/14 e 0525/14, os quais correram termos perante o Supremo Tribunal Administrativo.

 

Este mesmo entendimento mereceu acolhimento maioritário na jurisprudência, sendo exemplo disso a decisão arbitral proferida a 27 de junho de 2014 no processo n.º 59/2014-T: “As tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade (...). Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência” [sublinhado nosso].

 

Ademais, apesar das diferenças no apuramento da matéria tributável e nas taxas aplicáveis previstas nos Capítulos III e IV do CIRC, as formas de liquidação plasmadas no Capítulo V do CIRC, destinadas à determinação das tributações autónomas e do lucro tributável, são comummente aplicáveis.

 

Neste contexto irreleva a circunstância de a coleta do IRC stricto sensu ser apurada nos termos do artigo 90.º e as tributações autónomas nos termos do artigo 88. º do CIRC, uma vez que este último preceito limita-se a definir as diferentes taxas de tributações autónomas aplicáveis e não qualquer mecanismo de liquidação do imposto.

 

 

De onde se impõe concluir que o artigo 90. º do CIRC se refere às formas de liquidação do IRC, quer pelo sujeito passivo quer pela AT, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no CIRC, incluindo tributações autónomas, não existindo sequer qualquer outra disposição que preveja termos distintos para a sua liquidação.

 

No mesmo sentido pronuncia-se a jurisprudência arbitral, enfatizando o seguinte: “O artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10). Por isso, ele aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária nos lermos do artigo 90.º do CIRC, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A sua autonomia restringe-se às taxas aplicáveis e à respetiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efetuado nos termos do artigo 90.º” - cfr. decisão arbitral proferida a 5 de outubro de 2015 no processo n.º 219/2015-T.

 

Deste modo, constata-se que a dedução relativa a benefícios fiscais prevista no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC é aplicável à coleta resultante das tributações autónomas.

 

A própria sistematização do CIRC aponta nesse sentido, porquanto o artigo 90.º, sob o descritivo “Procedimento e forma de liquidação”, está inserido no Capítulo V do CIRC, o qual regula a matéria da “Liquidação” aplicável a todas as taxas previstas no capítulo precedente.

 

No sentido de que as tributações autónomas são liquidadas nos termos do artigo 90.º CIRC julgou o Tribunal Constitucional, sustentando no acórdão n. º 267/2017, de 31 de maio de 2017, proferido no processo n.º 466/16, o seguinte: "A autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina - nem lógica nem juridicamente -  a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC - questão regulada. em geral. no artigo 90.º n.º 1. do CIRC -, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n. º 2, do CIRC. Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário - como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC - releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas” [sublinhado nosso].

 

Se o artigo 90.º do CIRC não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no respetivo CIRC, ter-se-ia de concluir que não haveria norma que previsse a sua liquidação nos exercícios de 2011 e 2012.

 

Ora, decorre do artigo 103.º, n.º 3, da CRP que “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (… ) cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

 

Pelo que, semelhante interpretação afrontaria a Lei Fundamental e, por via disso, determinaria a anulação das tributações autónomas tour court.

 

Em sentido consonante pronuncia-se a jurisprudência arbitral, referindo o seguinte: “O princípio da legalidade abrange a forma de liquidação dos tributos, só podendo a sua liquidação ser efetuada “nos termos da lei” [artigo 103. º, n.º 3, da CRP e 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT], pelo que, a não ser aplicável o artigo 90.º do CIRC à liquidação de tributações autónomas, teria de se concluir que não existiria no CIRC qualquer norma sobre a forma de liquidação destas tributações, o que se reconduziria a que enfermaria de inconstitucionalidade a sua liquidação, por ofensa do princípio da legalidade, que se não compagina liquidação de tributos sem os termos em que ela se efetua estarem previstos na lei” - cfr. decisão arbitral proferida a 5 de outubro de 2015 no processo n.º 219/2015-T.

 

Assim, dispondo o artigo 90.º, n.º 2, do CIRC que as deduções são efetuadas “ao montante apurado nos termos do número anterior” e referindo-se o n.º 1 da mesma norma à operação de liquidação do IRC, que inclui as tributações autónomas, da qual resulta o apuramento da coleta, a este montante não poderão deixar de ser efetuadas as deduções elencadas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC.

 

Consequentemente, nos casos em que o montante dos benefícios fiscais seja superior à coleta resultante do lucro tributável, será o remanescente do crédito de imposto dedutível, também, à coleta resultante das tributações autónomas até à concorrência desta.

 

Termos em que, concluindo-se que a coleta de IRC, resultante do lucro tributável e das tributações autónomas, é apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC - como se constata e a própria AT já sufragou nos processos listados supra - dúvidas não podem restar quanto a serem indistintamente aplicáveis a tal coleta as deduções previstas no n.º 2 do referido preceito, dado que se reportam “ao montante apurado nos termos do número anterior”.

 

Acresce ao exposto ser a possibilidade de dedução do SIFIDE II a interpretação que melhor se coaduna com a própria natureza dos benefícios fiscais.

 

Do propósito subjacente à criação do regime do SIFIDE II, atenta a sua (in)suscetibilidade de dedução à coleta das tributações autónomas

 

Com efeito, as normas que criam benefícios fiscais têm natureza excecional, como resulta do artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), o qual dita que os benefícios fiscais são, por definição, “medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.

 

No mesmo sentido, a título de exemplo, pronunciou-se o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0529/12, de 3 de julho de 2018: “Os benefícios fiscais, entre os quais a isenção de tributação, são, por natureza, de carácter excepcional, pois encerram uma derrogação aos princípios gerais que presidem à tributação, visto que, de certo modo, derrogam os princípios da capacidade contributiva, da generalidade e da igualdade da tributação e apenas encontram justificação na tutela de interesses públicos constitucionalmente relevantes, superiores aos da própria tributação, sejam de carácter político, económico, social ou cultural (Manual de Direito Fiscal, 11ª edição com adenda, 2000, páginas 323/326, Nuno de Sá Gomes, citado no parecer do Ex. MO Procurador-geral Adjunto)”.

 

A natureza excecional das normas que consagram os benefícios fiscais em referência reforça o entendimento de que estes podem ser deduzidos às tributações autónomas, uma vez que as motivações extrafiscais que os determinaram sobrepõem-se às motivações de arrecadação de receita propulsoras da generalidade das tributações autónomas.

 

Posto de outro modo, sendo as tributações autónomas um instrumento de IRC que visa evitar que os sujeitos passivos se furtem ao pagamento do imposto devido e, bem assim, sobrepondo-se os benefícios fiscais ao objetivo de arrecadação de receita, seria sistematicamente incoerente impedir a dedução dos benefícios fiscais às tributações autónomas por forma a proteger um objetivo de arrecadação de receita que o legislador afastou, em prol de motivações extrafiscais, aquando da criação dos próprios benefícios fiscais.

 

Em concreto, relativamente ao SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são de grande relevância, na medida em que o legislador considerou que o incremento em I&D é determinante para a competitividade das empresas e do país, assim como para a produtividade e crescimento económico a longo prazo.

 

De facto, decorre expressamente do Relatório do Orçamento do Estado para 2011 o seguinte: “Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, a Proposta de Orçamento do Estado para 2011 propõe renovar o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE II, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilitando a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento). Dado o balanço positivo dos incentivos fiscais à I&D empresarial, e considerando também a evolução do sistema de apoio dos outros países, foi decidido rever e reintroduzir por mais cinco períodos de tributação este sistema de apoio. A I&D das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVIII Governo, assim como em vários relatórios internacionais recentes. É neste contexto que, no panorama internacional, a OCDE considera desde 2001 Portugal como um dos três países com um avanço mais significativo na I&D empresarial. Sendo o sistema nacional vigente, comparativamente aos demais sistemas que utilizam a dedução à colecta e a distinção entre taxa base e taxa incremental, é um dos mais atractivos e competitivos”.

 

A relevância que o legislador atribui ao SIFIDE II encontra ainda expressão no artigo 92. º, n. º 2, alínea b), do CIRC, na medida em que este preceito expressamente exclui o benefício em referência do cálculo do limite geral de dedução de benefícios fiscais em sede de IRC.

 

Resulta do artigo 92.º do CIRC que o objetivo de fomentar os investimentos em I&D no âmbito do SIFIDE II é tão relevante que o legislador optou por não prever qualquer limite à dedutibilidade da coleta em sede de IRC.

 

Deste modo, os motivos subjacentes à consagração do SIFIDE II foram considerados pelo legislador mais relevantes que a obtenção de receitas fiscais.

 

Sobrepondo-se este benefício à arrecadação de receitas, tem de se considerar irrelevante que as receitas tributárias, que eventualmente se percam com vista à concretização do incentivo em apreço, provenham da tributação em IRC, incluindo das tributações autónomas.

 

De facto, sendo as tributações autónomas um modo de evitar que os sujeitos passivos obviem à tributação em IRC de determinadas realidades - configurando, por isso, um modo de proteção da receita tributária - não se perceciona como podem estas tributações sobrepor-se à dedutibilidade deste benefício fiscal que, por força da sua natureza excecional, prevalece sobre aquele propósito de arrecadação de receita.

 

Tendo em conta o propósito do legislador de privilegiar o incentivo em I&D empresarial, inexiste fundamento legal para afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II à coleta das tributações autónomas que resulta diretamente dos artigos 36. º, n. º 1 do Código Fiscal do Investimento (republicado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de junho).

 

Acresce que a interpretação ora exposta, ao permitir aplicar o SIFIDE II a sujeitos passivos que, embora apresentem prejuízos fiscais, suportam IRC a título de tributações autónomas, aumenta o número de potenciais beneficiários e, consequentemente, afigura-se a mais apta a promover os objetivos extrafiscais subjacentes à sua criação, traduzindo-se, por isso, na solução mais acertada à luz do artigo 9.º, n.º 1, do CC.

 

Inexiste assim fundamento que obstaculize a dedutibilidade do SIFIDE II ao IRC, pelo que as correspondentes despesas são dedutíveis à globalidade da coleta de IRC, nomeadamente à resultante das tributações autónomas.

 

Da insuscetibilidade de aplicação do artigo 88. º, n. º 21, do CIRC, na redação do artigo 135. º da Lei n. º 74/2016, de 30 de março

 

Ademais, a redação dada ao artigo 88.º, n.º 21, do CIRC pela Lei n. º 74/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2016) não é suscetível de conduzir à adoção de entendimento distinto nos exercícios de 2011 e 2012, conforme em seguida se explanará.

 

Por força da Lei n.º 74/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2016), passou o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC a prever: “liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”[sublinhado nosso].

 

Sucede que o legislador atribuiu natureza pretensamente interpretativa a esta alteração legislativa, resultando do artigo 135.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 o seguinte: “A redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos n.ºs 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa".

 

No sentido de que a atribuição de natureza interpretativa a tal alteração legislativa é inconstitucional, com fundamento na violação do princípio da irretroatividade previsto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP), pronunciou-se o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017 proferido a 31 de maio de 2017 no processo n.º 466/16.

 

Neste contexto, aderindo-se ao entendimento adotado pelo Tribunal Constitucional, importa sublinhar: A solução normativa do artigo 88.º, n.º 21. do CIRC resultante da alteração introduzida pelo artigo 133.º da LOE 2016 é inovadora e diminui as possibilidades de o contribuinte realizar deduções à coleta de IRC, ou seja, agrava desfavoravelmente o modo de calcular o quantum anualmente devido a título de IRC. A determinação da aplicação de tal solução a anos fiscais anteriores ao da entrada em vigor da LOE 2016 prevista no artigo 135.º desta mesma Lei torna-a, por conseguinte, substancialmente retroativa e, nessa mesma medida, incompatível com a proibição da imposição de impostos retroativos do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. No domínio da fiscalização concreta da constitucionalidade, a interpretação do direito infraconstitucional feita pelo tribunal recorrido é, em princípio, vinculativa para o Tribunal Constitucional, já que a este, conforme mencionado anteriormente, compete “julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação” (artigo 79.º C da LTC). No entanto, tal não impede o Tribunal Constitucional, se assim o entender justificadamente, de se afastar da interpretação acolhida pela decisão recorrida, e de a substituir por outra, desde que conforme à Constituição (cfr. o artigo 80.º, n.º 3, da LTC). Com efeito, tal possibilidade é inerente à natureza jurisdicional do Tribunal Constitucional e assegura que a função depuradora própria da fiscalização concreta da constitucionalidade a seu cargo se exerça sobre normas de direito infraconstitucional resultantes de interpretações não unilaterais e, tanto quanto possível, partilhadas pela generalidade dos tribunais. No caso sub iudicio, contudo, inexistem razões para duvidar do acerto da caracterização como inovadora da solução normativa do artigo 88.º, n.º 21. do CIRC resultante da alteração feita pelo artigo 133.º da LOE 2016. A decisão recorrida fundamentou, com base em argumentos de ordem literal, teleológica e sistemática tal caráter inovador e evidenciou a existência de, pelo menos, quatro outras decisões jurisdicionais no mesmo sentido. Assim, não deve o Tribunal Constitucional corrigir a interpretação da norma recusada aplicar pelo tribunal a quo nem inverter o juízo de inconstitucionalidade por este formulado” [sublinhado nosso]

 

Ademais, acrescentou o Tribunal Constitucional naquele aresto o seguinte: “Do ponto de vista da Constituição, para que uma disciplina normativa autoqualificada como meramente interpretativa seja considerada constitutiva (de novo direito) e, como tal, substancialmente retroativa, basta a verificação de que à norma interpretada na sua primitiva versão pudesse ter sido imputado pelos tribunais um sentido que, na sequência da norma interpretativa, ficou necessariamente excluído (cfr. as decisões do Bundesverfassungsgericht de 2.5.2012 e de 17.12.2013, em BVerfGE 131, 20[37-38] e 135, 1 [16-17], respetivamente). Com efeito: “A disciplina clarificadora é constitutiva logo nos casos em que visa excluir a interpretação [da lei preexistente] feita por um tribunal comum — mesmo não se tratando de um tribunal superior - relativamente a situações passadas. O legislador confere à lei retroativa uma eficácia constitutiva, na medida em que pretende esclarecer para o passado, por via de uma lei com um sentido unívoco, certa afirmação que originou, quanto ao direito aplicável, um entendimento aparentemente não unívoco ou, pelo menos, uma aplicação do mesmo não uniforme (...). Decisivo é que o legislador tenha intenção de corrigir ou excluir uma dada interpretação [feita pelos tribunais]” (v. BVerfGE 135, 1 [18-19]) É esse precisamente o efeito do artigo 135.º da LOE 2016, ao qualificar como “lei interpretativa” o n.º 21 aditado pelo artigo 133.º ao artigo 88.º do CIRC. Na verdade, e como bem refere a decisão ora recorrida, aquele que representava um certo entendimento jurisprudencial quanto à admissibilidade de deduções ao montante global da coleta de IRC, incluindo nesta o valor das tributações autónomas - como o sufragado nas decisões do CAAD proferidas no âmbito dos processos n.ºs 769/2014-T, 163/2014-T, 219/2015-T e 370/2015 -, deixou de ser admissível à luz do citado n.º 21. Daí ser inequívoco o caráter substancialmente retroativo desse preceito entendido como lei interpretativa. Dado o conteúdo gravoso para os contribuintes da nova solução legal - visto que tende a agravar o quantum devido a título de IRC -, a pretensão de a mesma se aplicar a anos fiscais anteriores ao do início da sua vigência mostra-se flagrantemente incompatível com a proibição constitucional de impostos retroativos (cfr. o artigo 103.º. n. º 3. da Constituição)" [sublinhado nosso].

 

À luz do exposto impõe-se concluir que o artigo 135.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016, o qual atribuiu natureza interpretativa à nova redação do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da proibição da retroatividade previsto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP), quando interpretado no sentido de ditar, em exercícios prévios à entrada em vigor daquela lei, o afastamento do direito à dedução à coleta de IRC (derivada de tributações autónomas) de benefícios fiscais.

 

Assim sendo, constata-se não ser aplicável aos exercícios em referência (exercícios de 2011 e 2012) o artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na redação do artigo 135.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016, pelo que este regime não se afigura apto a obstaculizar a dedução do SIFIDE II à coleta derivada das tributações autónomas.

 

Por último, note-se que o entendimento supra exposto - no sentido da dedutibilidade de benefícios fiscais à coleta de IRC apurada a título de tributações autónomas – tem merecido relevante acolhimento jurisprudencial, sendo exemplo disso as seguintes decisões arbitrais:

  • Decisão arbitral proferida a 15 de junho de 2018 no processo n.º 45/2018-T;
  • Decisão arbitral proferida a 20 de abril de 2018 no processo n.º 490/2017-T;
  • Decisão arbitral proferida a 5 de março de 2018 no processo n.º 474/2017-T;
  • Decisão arbitral proferida a 12 de fevereiro de 2018 no processo n.º 433/2017-T;
  • Decisão arbitral proferida a 18 de dezembro de 2017 no processo n.º 428/2017-T;
  • Decisão arbitral proferida a 14 de novembro de 2017 no processo n.º 381/2017-T;
  • Decisão arbitral proferida a 6 de novembro de 2017 no processo n. º 216/2017-T;
  • Decisão arbitral proferida a 15 de dezembro de 2017 no processo n.º 193/2017-T;
  • Decisão arbitral proferida a 18 de outubro de 2017 no processo n.º 99/2017-T;
  •  Decisão arbitral proferida a 28 de setembro de 2017 no processo n.º 61/2017-T;
  • Decisão arbitral proferida a IO de agosto de 2017 no processo n.º 60/2017-T;
  •  Decisão arbitral proferida a 28 de junho de 2017 no processo n.º 59/2017-T;
  • Decisão arbitral proferida a I de junho de 2017 no processo n.º 679/2016-T;
  •  Decisão arbitral proferida a 14 de agosto de 2017 no processo n.º 672/2016-T;
  • Decisão arbitral proferida a 13 de junho de 2017 no processo n.º 669/2016-T;
  •  Decisão arbitral proferida a 3 de abril de 2017 no processo n.º 630/2016-T;
  • Decisão arbitral proferida a 15 de março de 2017 no processo n.º 596/2016-T; 
  • Decisão arbitral proferida a 10 de maio de 2017 no processo n. º 578/2016-T;
  • Decisão arbitral proferida a 1 1 de maio de 2017 no processo n.º 576/2016-T;
  • Decisão arbitral proferida a 17 de janeiro de 2018 no processo n.º 385/2017-T;
  • Decisão arbitral proferida a I de junho de 2017 no processo n.º 565/2016-T;
  • Decisão arbitral proferida a 20 de fevereiro de 2017 no processo n.º 536/2016-T;
  • Decisão arbitral proferida a 27 de março de 2017 no processo n.º 530/2016-T;
  • Decisão arbitral proferida a I de fevereiro de 2017 no processo n.º 503/2016-T; 
  • Decisão arbitral proferida a 5 de janeiro de 2017 no processo n.º 456/2016-T;
  • Decisão arbitral proferida a 16 de fevereiro de 2017 no processo n.º 360/2016-T;
  • Decisão arbitral proferida a 26 de janeiro de 2017 no processo n. º 326/2016-T;
  • Decisão arbitral proferida a 6 de outubro de 2016 no processo n.º 31/2016-T;
  • Decisão arbitral proferida a 27 de julho de 2016 no processo n.º 5/2016-T;
  • Decisão arbitral proferida a 13 de maio de 2016 no processo n. º 784/2015-T;
  • Decisão arbitral proferida a 16 de maio de 2016 no processo n.º 740/2015-T;
  • Decisão arbitral proferida a 28 de abril de 2016 no processo n. º 673/2015-T;
  • Decisão arbitral proferida a 28 de abril de 2016 no processo n.º 637/2015-T;
  • Decisão arbitral proferida a 25 de janeiro de 2016 no processo n.º 370/2015-T; 
  • Decisão arbitral proferida a 25 de janeiro de 2016 no processo n.º 369/2015-T;
  •  Decisão arbitral proferida a 5 de outubro de 2015 no processo n.º 219/2015-T.

 

Por tudo quanto se expôs, não merece acolhimento a posição sustentada pela Requerida no âmbito dos presentes autos, padecendo as autoliquidações de IRC dos exercícios de 2011 e 2012 de ilegalidade, geradora de anulabilidade nos termos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), por força da impossibilidade de dedução à coleta resultante das tributações autónomas de benefícios fiscais, designadamente dos referentes ao SIFIDE II.

 

Do erro imputável aos serviços da AT e, concomitantemente, do direito da Requerente à perceção de juros indemnizatórios

 

Enquanto as autoliquidações de imposto supra identificadas não forem anuladas continuarão a produzir efeitos na ordem jurídica ao abrigo do princípio da executoriedade imediata dos atos administrativos, na medida em que a apresentação do pedido de pronúncia arbitral carece de efeito suspensivo.

 

Neste contexto, cumpre sublinhar ter a Requerente indevidamente suportado a título de tributações autónomas os montantes de € 19.613,86 e € 38.073,48, respeitantes aos exercícios de 201 1 e 2012, respetivamente.

 

Ora, de acordo com artigo 43.º, n. º 1, da LGT: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial ou arbitragem em matéria tributária, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

Neste contexto, e no que respeita ao erro imputável aos serviços da AT, LEITE DE CAMPOS, SILVA RODRIGUES e LOPES DE SOUSA afirmam: “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação [incluindo o pedido de pronúncia arbitral] dessa liquidação”  cfr. LEITE DE CAMPOS, SILVA RODRIGUES e LOPES DE SOUSA, “Lei Geral Tributária Comentada e Anotada”, Lisboa, 2003, página 199.

 

No presente caso, as Modelos 22 de IRC dos exercício de 2011 e 2012 foram preenchidas pela Requerente em conformidade com os formulários aprovados pelos Despachos n.ºs 1553-B/2012, de 1 de fevereiro de 2012, e 16568-A/2012, de 28 de dezembro de 2012, os quais não permitem a realização de quaisquer deduções à coleta resultante das tributações autónomas, o que determinou uma incorreta liquidação do montante de imposto de tais exercícios e, concomitantemente, consubstancia uma situação de erro imputável aos serviços da AT.

 

Erro perpetuado no tempo por força da inércia manifestada pela AT no âmbito do procedimento de revisão oficiosa.

 

Consonantemente, no sentido da impossibilidade supra representar uma situação de erro imputável aos serviços da AT, pronuncia-se a jurisprudência dos tribunais arbitrais:

A ilegalidade das autoliquidações é totalmente imputável à AT, Requerida, face ao que foi supra dado como provado relativamente à estrutura da declaração Modelo 22 de IRC no sistema informático da AT, organização que é, naturalmente, da total responsabilidade desta, que não permitia à Requerente efetuar a autoliquidação nos termos que aqui se julgaram serem os legais” - cfr. decisão arbitral proferida a 14 de agosto de 2017 no âmbito do processo n.º 672/2016-T. “Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas (...) Nestas circunstâncias, não podendo a Requerente efetuar a liquidação de acordo com o Direito por tal não ser permitido pelo sistema informático da Requerida, não pode deixar de se considerar ocorrer erro imputável aos serviços (...). Na verdade, considerando-se ocorrer erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas, por igualdade ou maioria de razão, não poderá deixar de se considerar haver erro imputável aos serviços quando o próprio sistema informático da Requerida impõe a apresentação da declaração nos termos em que a mesma foi efetuada” - cfr. decisão arbitral proferida a 13 de junho de 2017 no âmbito do processo n.º 669/2017-T.

 

Padecendo os atos tributários que estão na origem dos presentes autos do vício de violação de lei, como ampla e anteriormente ficou exposto, assiste à Requerente o direito à perceção de juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços da AT, sobre os montantes de € 19.613,86 e € 38.073,48, desde, respetivamente, os dias 31 de maio de 2012 e 31 de maio de 2013 até à emissão das correspondentes notas de crédito.

 

No mesmo sentido pronunciou-se o Tribunal Arbitral na decisão arbitral proferida a 18 de outubro de 2017 no âmbito do processo n.º 99/2017-T: “Não obstante o facto de o imposto ter sido autoliquidado, deve considerar-se que são devidos juros indemnizatórios desde o momento do pagamento indevido do imposto porquanto ao impossibilitar, por via informática, o apuramento do imposto devido por parte do sujeito passivo, a Administração Tributária incorreu em erro determinante de indemnização, nos termos do artigo 43.º, n.ºs 1 e 2, da LGT”.       

 

Em consequência, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, declara-se o erro imputável aos serviços da AT e, nessa medida, o reembolso dos quantitativos, nos montantes de € 19.613,86 e € 38.073,48, indevidamente suportados pela Requerente, ao abrigo do artigo 100.º da LGT, e a satisfação do seu direito ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal aplicável (atualmente, 4%), em consonância com o exposto supra.

 

 

V.          DISPOSITIVO

De harmonia com o exposto, julgam-se procedentes os pedidos deduzidos pela Requerente no âmbito dos presentes autos, anulando-se, em conformidade, os atos tributários de liquidação contestados e condenando-se a Requerida na devolução dos montantes indevidamente suportados pela Requerente (€ 19.613,86 e € 38.073,48) e, bem assim, no pagamento de juros indemnizatórios, computados sobre tais quantitativos, desde os dias 31 de maio de 2012 (quanto ao exercício de 2011) e 31 de maio de 2013 (quanto ao exercício de 2012) e até integral e efetivo pagamento, tudo com as demais consequências legais.

 

VI.         VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 37.852,09 (trinta e sete mil, oitocentos e cinquenta e dois euros e nove cêntimos).

 

VII. CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22. º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, integralmente a cargo da Requerida.

 

Texto elaborado em computador, nos termos do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alínea e), do RJAT, com versos em branco e revisto pelo Árbitro Signatário.

 

Lisboa, 28 de novembro de 2019

O Árbitro

 

(Jaime Carvalho Esteves)

 

 

 

 

__________________________

i Cfr. “Manual de Direito Fiscal”, 2013, Almedina.

ii Cfr. “Da Dedutibilidade das Tributações Autónomas para efeitos de apuramento do lucro tributável - algumas notas em Arbitragem Tributária”, CAAD, n.º 2, janeiro de 2015.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 8/2017-T

Tema: IRC - Pedido de revisão oficiosa – Incompetência do tribunal arbitral – Arbitrabilidade.

 

*Substituída pela Decisão Arbitral de 28 de novembro de 2019.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

Relatório

 

A… S.A. (“A…”), NIPC…, com sede na Rua …, …, Coimbra (“Requerente”), veio, nos termos do disposto nos artigos 2º, n.º 1, al. a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), apresentar PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL para pronúncia sobre a ILEGALIDADE E CONSEQUENTE ANULAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES DE IRC a seguir descritas.

 

O pedido deu entrada no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a 4 de janeiro de 2017 e foi aceite.

 

É Requerida a Administração Tributária e Aduaneira (AT).

 

A Requerente não procedeu à designação de Árbitro. Para o efeito, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou, então, o signatário, que expressamente aceitou essa nomeação. As partes foram devidamente notificadas desta, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

O tribunal arbitral foi assim constituído em 29 de março de 2017.

 

A AT apresentou tempestivamente a sua resposta. Sustentando, primeiro, a incompetência dos tribunais arbitrais para decidirem do pedido, baseando essa exceção no facto deste decorrer de indeferimento de pedido de revisão oficiosa e pugna, depois, pelo indeferimento do pedido arbitral por discordar da interpretação das questões de direito que sustentam a pretensão da Requerente.

 

A Requerente veio apresentar resposta á exceção, o que se entendeu extemporâneo, mas que por motivos de economia processual se optou por considerar, razão pela qual a Requerente já se pronunciou sobre a matéria da exceção.

 

Foram dispensadas as alegações e fixada a data de 1 de setembro para a prolação da decisão arbitral, prazo que não foi possível observar.

 

A posição das partes é absolutamente clara e inexistem questões de facto controvertidas.

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

As partes têm personalidade jurídica, capacidade judiciária e são legítimas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

 

Matéria de facto

 

O pedido da Requerente estriba-se no indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa. A Requerente visava com esse pedido deduzir certas verbas (correspondente a benefícios fiscais por investimento decorrentes do SIFIDE) às tributações autónomas de IRC relativas aos exercícios de 2011 e de 2012.

 

Essa dedução não foi efetuada na autoliquidação, mas foi pedida em revisão oficiosa, a qual foi tacitamente indeferida.

 

Esse pedido de revisão oficiosa leva a AT a considerar este tribunal incompetente para decidir do pedido e este extemporâneo por carecer de prévia e tempestiva reclamação graciosa (ou impugnação judicial).

 

Há abundante jurisprudência sobre esta matéria, a qual não é, porém, uniforme e existe decisão do tribunal constitucional sobre a retroatividade da alteração ao CIRC que veio modificar o texto da norma controvertida.

 

 

Síntese da matéria de facto relevante à boa decisão da causa

 

Dá-se por provada a factualidade que segue:

 

- A Requerente é uma sociedade anónima que possui como objeto social as atividades de engenharia e fabricação de aparelhos e de equipamentos para comunicações e encontra-se enquadrada no regime geral de tributação em IRC.

 

- A Requerente entregou, no dia 31-05-2012, a declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao exercício fiscal de 2011, tendo, nesse momento, procedido à autoliquidação das tributações autónomas no montante de € 19.613,86.

 

- E no dia 31-05-2013 entregou a declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao exercício fiscal de 2012, tendo, nesse momento, procedido à autoliquidação das tributações autónomas no montante de € 38.073,48.

 

- Nas autoliquidações de 2011 e 2012 foram apurados valores a título de despesas realizadas no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (“SIFIDE II”), que ascenderam a € 377.814,33 e a € 397.461,88, respectivamente.

 

- Os valores não usados e disponíveis àquele título nos finais de cada exercício para dedução à coleta eram de € 974.954,29 e de € 1.372.416,17, respetivamente.

 

- Do saldo acumulado e da dotação dos períodos só foi deduzido o valor de € 13.733,03, apenas em 2011, não tendo sido deduzido nenhum valor em 2012.

 

- Isso decorreu de insuficiência da coleta de IRC.

 

- A programação do site da AT levava a que para efeito de autoliquidação de IRC, não era possível a dedução daquelas verbas de SIFIDE aos valores de TA apurados.

 

- O sistema da AT não permite a dedução das despesas incorridas no âmbito do SIFIDE à coleta das tributações autónomas do sujeito passivo.

 

- Requerente possuía coleta de tributações autónomas no valor de € 19.613,86 em 2011 e de € 38.073,48 em 2012, como referido.

 

- O presente pedido arbitral foi apresentado em 4 de janeiro de 2017 na sequência do ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

- Este havia sido apresentado pela Requerente em 25.05.2016, sendo relativo aos atos de autoliquidação de IRC de 2011 e 2012, em concreto:

 

  1. Autoliquidação de IRC, relativa ao exercício fiscal de 2011, com o código de validação n.º…; e
  2. Autoliquidação de IRC, relativa ao exercício fiscal de 2012, com o código de validação n.º… .

 

- Sobre aquele pedido não foi proferida qualquer decisão expressa.

 

- Nesses anos foram apurados créditos fiscais em sede de SIFIDE (Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial) nos valores acima referidos.

 

- Não foi deduzida à coleta das TA os valores dos ditos créditos fiscais.

 

- O valor do IRC apurado no ano de 2011 e 2012, o qual se restringiu à coleta das tributações autónomas, encontra-se inteiramente pago

 

 

- O lucro tributável da Requerente, no exercício de 2011 e 2012, não foi apurado pela AT com base em métodos indiretos.

 

- A Requerente não era em 2011 e 2012 devedora ao Estado ou à Segurança Social de quaisquer impostos ou contribuições.

 

Não há outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se encontrem provados.

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos fornecidos pelo Requerente, cuja correspondência à realidade não é controvertida.

 

Questões a decidir

 

Para este tribunal arbitral, as questões a decidir são essencialmente três:

  1. É o tribunal arbitral competente (exceção) para apreciar do indeferimento tácito de revisão oficiosa;
  2. Se assim for, pode o sujeito passivo lançar mão da revisão oficiosa, esgotado que esteja o prazo para reclamação graciosa ou impugnação judicial;
  3. A ser assim, e só nesse caso, podem os créditos fiscais de SIFIDE II ser deduzidos a coletas decorrentes de tributações autónomas em sede de IRC.

 

Matéria de direito

 

Posição das partes

 

Requerente

 

A Requerente relembra que em 2011 e 2012 vigorava o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDE II), o qual havia sido aprovado pelo artigo 133.º da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei de Orçamento de Estado para 2011), e que no seu art 4º estabelecia que  “1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido (...); razão pela qual entende que de acordo com esse dispositivo legal as despesas incorridas e aceites no âmbito do SIFIDE podem ser deduzidas à coleta de IRC apurada nos termos do artigo 90.º CIRC.

 

Por sua vez, este artigo 90.º do CIRC estabelecia as formas de liquidação do IRC, quer pelo sujeito passivo, quer pela AT, aplicando-se esta norma ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no CIRC, estipulando que:

 

“1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.”

 

A Requerente salienta ainda não haver no CIRC qualquer outra norma que estabeleça um procedimento específico de liquidação aplicável às tributações autónomas. A este propósito salienta que de acordo com a decisão arbitral de 05.10.2015, proferida no processo n.º 219/2015-T do CAAD referente a um caso de IRC do exercício de 2011, “As diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o montante resultante do lucro tributável residem na determinação da matéria tributável e nas taxas, previstas nos Capítulos III e IV do CIC, mas não nas formas de liquidação, que se preveem no Capítulo V no mesmo Código e são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria coletável de IRC”. E reitera que a mesma decisão do CAAD conclui que “Por isso, sendo para o artigo 90.º, inserido neste Capítulo V, que se remete no artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE, não se vê suporte legal para efetuar uma distinção entre a coleta proveniente das tributações autónomas e a restante coleta de IRC, pelo facto de serem distintas as taxas e as formas de determinação da matéria coletável”.

 

Assim a autonomia das tributações autónomas face ao IRC restringir-se-ia às taxas aplicáveis e à respetiva matéria tributável, mas o apuramento do montante seria já efetuado nos termos do artigo 90º.

 

A Requerente vem ainda notar que em recente decisão proferida no processo n.º 369/2015-T, com data de 25.01.2016, onde se discutia a possibilidade de deduzir os benefícios fiscais do RFAI à coleta das tributações autónomas do exercício de 2011, e onde também foi proferida decisão no sentindo da sua admissibilidade, foi decidido que “ o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal (...) ser limitada à coleta do artigo 90.º do CIRC, até a sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja coleta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas”. E ainda que em decisão de 28.04.2016, referente a um caso de IRC dos exercícios de 2012 e 2013, proferida no processo n.º 637/2015-: “Está assim respondida a questão colocada pela AT que esteve na base do indeferimento da reclamação graciosa, a saber: a questão que cumpre apreciar nos presentes autos é a de saber se o montante pago a título de tributações autónomas deve ser entendido como parte integrante da coleta de IRC, para efeitos de dedução do montante atribuído no âmbito do RFAI. Ou seja, a alínea b) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC permite deduzir ao IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, onde se inclui o apuramento do IRC resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC, os benefícios fiscais, como é o caso do RFAI”.  E que em decisão ainda mais recente, de 27.07.2016, referente a um caso de IRC do exercício de 2012, foi proferida decisão no processo n.º 5/2016-T nos seguintes termos: “Na interpretação da lei, e sem prejuízo da consideração dos diversos elementos interpretativos, não pode o intérprete chegar a um resultado que não tenha um mínimo de correspondência na letra da lei. Ora se o legislador determina expressamente, no SIFIDE e no RFAI, que a dedução é feita “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC” ou, o que resulta no mesmo, “à coleta de IRC”, não pode o intérprete concluir que a ratio legis aponta para uma dedução à matéria coletável de IRC e não à coleta deste imposto. Acresce que estamos perante termos técnicos, com um significado jurídico-fiscal preciso, presumindo-se que os mesmos foram empregados pelo legislador intencionalmente, até porque desde que os regimes jurídicos do SIFIDE e do RFAI foram criados já vários diplomas legais estenderam os seus efeitos ou alteraram alguns dos seus preceitos, mas nunca foi alterada a referência à dedução “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC” (no SIFIDE) nem a previsão da dedução “à coleta de IRC” (no RFAI). Portanto, as deduções previstas no SIFIDE e no RFAI devem ser feitas após o apuramento do montante global de IRC, que inclui o resultado da aplicação das taxas de tributação autónoma, nos termos previstos no artigo 90.º do CIRC. E o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira deveria refletir fielmente as opções do legislador nesta matéria, permitindo que as deduções do SIFIDE e do RFAI sejam feitas à coleta de IRC, globalmente considerada (isto é, após a aplicação das taxas de tributação autónoma)”.

 

Assim para a Requente não há qualquer dúvida quanto ao facto de a coleta das tributações autónomas ser considerada como coleta do IRC, sendo aquela parte integrante deste imposto, tal como várias decisões do CAAD têm vindo a pronunciar-se a propósito do regime legal das tributações autónomas, considerando que estas apenas fazem sentido no contexto da tributação em sede de IRC.

 

De acordo com as decisões proferidas nos processos n.º 210/2013-T e 255/2013-T do CAAD, ambas de 12.05.2014, e referentes aos exercícios fiscais de 2008 a 2011: “embora se reconheça que o regime das tributações autónomas constitui, no quadro do IRC, um regime especial quanto à forma de apuramento da tributação, isso não o afasta da sua natureza intrínseca de regime de tributação do rendimento das pessoas coletivas. É verdade que este regime pode, por via dessa integração e do processo de complexificação que vem sofrendo, ter-se tornado multifacetado e diversificado no seu modo de atuação, mas não deixa por isso de ser um regime dedicado à tributação do rendimento das pessoas coletivas e à obtenção de receita fiscal por essa via. Se esta é, por vezes, obtida através da tributação de determinadas despesas que reduzem o lucro tributável, ainda assim se consegue vislumbrar aí uma forma de tributação desse mesmo lucro tributável que é própria dos objetivos que subjazem ao IRC – de resto, as próprias tributações autónomas são devidas a título deste imposto.”

 

Esta posição tem acolhimento na Doutrina, como o salienta a Requerente. No entendimento de Sérgio Vasques a tributação autónoma é um elemento do IRC, apenas com a característica particular de ser de obrigação única e não ter caráter progressivo[1]. Também Guilherme de Oliveira Martins segue esta posição, afirmando que a tributação autónoma é um mecanismo de preservação da base tributável em sede de IRC, estando adstrita aos mesmos princípios e objetivos do IRC[2].

 

Pelo que, sendo as tributações autónomas uma parte integrante do IRC, sendo devidas a este título, e não havendo qualquer outra norma específica para a forma de liquidação das mesmas, aplicar-se-iam as regras do artigo 90.º do CIRC. E deste modo, não poderiam ser feitas distinções, para efeitos de dedução das despesas incorridas no âmbito do SIFIDE, entre a coleta do IRC propriamente dita e a coleta das tributações autónomas.

 

Ainda de acordo com as decisões proferidas nos processos n.º 219/2015-T, de 05.10.2015, e 769/2014-T, de 08.04.2015, referentes ao exercício fiscal de 2011, e a propósito da natureza anti-abuso das tributações autónomas, entendeu a Requerente que “não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas uma explicação para o seu afastamento da respetiva coleta do âmbito da dedutibilidade do benefício SIFIDE, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à coleta proporcionada por correções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização”.

 

Não tem dúvida de que as tributações autónomas também visam desincentivar certos comportamentos potencialmente abusivos, mas está longe de ser este o objetivo único das mesmas. Citando novamente o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a Requerente vem enfatizar que “também é certo que, como está ínsito naquela afirmação, essas tributações autónomas apenas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais, e os benefícios concedidos, por definição, são «medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF). E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspetiva legislativa, de enorme importância, como se infere do facto de estes benefícios serem indicados como estando especialmente excluídos do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC. Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previsto no SIFIDE é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da coleta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldade das finanças públicas”. E, de acordo com a decisão do processo n.º 369/2015-, “No confronto entre estes dois objetivos, é a própria lei que nos indica o que deve prevalecer. Os interesses públicos que determinaram a criação de um benefício fiscal são, por natureza, superiores aos da tributação que impedem. Tal é, ainda mais, manifesto relativamente aos incentivos fiscais ao investimento, uma vez que constituem uma verdadeira promessa pública, no sentido de que aos sujeitos passivos que adotarem determinados comportamentos, supostamente do maior interesse económico e social, é garantida determinada recompensa fiscal”. Pelo que para a Requerente, uma eventual natureza de norma anti-abuso das tributações autónomas não é suficiente para afastar a possibilidade de dedução dos benefícios fiscais reconhecidos aos sujeitos passivos.

 

Em síntese, para a Requerente, é seguro que as despesas incorridas no âmbito do SIFIDE podem ser deduzidas à coleta das tributações autónomas.

 

Tendo a Requerente pago as liquidações de IRC dentro do prazo para o pagamento voluntário e sem tais deduções de SIFIDE, considera serem tais liquidações ilegais, por erro da entidade competente para a liquidação (conferir o referido a propósito do site da AT), razão pela qual entende dever ser reconhecido o direito da Requerente ao reembolso dos montantes já pagos, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43º e 100º da LGT e 61º do CPPT. Isto porque, não obstante estarmos diante de atos de autoliquidação, efetuados pela Requerente, sustenta que o erro que as afeta é imputável à AT, por se ter provado que a estrutura da declaração Modelo 22 do IRC não permitiu à Requerente apurar a autoliquidação, deduzindo os benefícios fiscais de SIFIDE ao montante das tributações autónomas.

 

Posição da AT

 

Já a AT perfilha posição radicalmente inversa.

 

Mas preliminarmente, sustenta a incompetência do tribunal arbitral para apreciar do pedido.

 

A AT sustenta, neste âmbito, que a remissão feita pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 para os artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) exclui a possibilidade do tribunal arbitral conhecer de pedidos de impugnação que tenham por base atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa (in casu na sequência de atos de autoliquidação).

 

Depois porque o pedido de pronúncia arbitral decorre de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de atos de autoliquidação de IRC relativos aos anos de 2011 e de 2012, tendo sido formulado em 25.05.2016. Isto é, já depois de decorrido o prazo de reclamação graciosa a que alude o artigo 131º do CPPT). Daqui resultaria extemporaneidade do pedido.

 

A incompetência para apreciar do pedido decorre do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Impondo-se por isso a absolvição da Entidade Demandada da Instância [cf. artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT]. Isto porquanto a Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (Orçamento de Estado para 2010), contemplou, no seu artigo 124.º, uma autorização legislativa relativa à arbitragem em matéria tributária prevendo que a mesma deveria constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo consagradas no CPPT. E no uso de tal autorização legislativa, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que instituiu o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT). Mas nos termos do artigo 2.º do aludido diploma, sob a epígrafe “Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável”, determina-se que a competência dos tribunais arbitrais compreende, designadamente (cf. alínea a) a apreciação e a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. Todavia, por força do disposto pelo n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, «A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos». 

 

A aludida Portaria (n.º 112-A/2011, de 22 de Março) define, no seu artigo 2.º, alínea a), que a AT se encontra vinculada a pedidos arbitrais que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, «com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário». Assim o pedido de pronúncia arbitral sub judice dirige-se, ainda que de forma mediata, à declaração de ilegalidade de um ato de autoliquidação de imposto, no caso IRC. Acontecendo que a pretensão se mostra formulada sem que esse ato de autoliquidação tenha sido procedido de impugnação administrativa “nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que determina, inelutavelmente, ficar afastada a sua apreciação em sede arbitral. Isto é, a sindicância de atos de autoliquidação de imposto apenas seria admitida em sede arbitral se, em momento prévio, os mesmos tivessem sido impugnados administrativamente, nos termos do artigo 131º do CPPT. Com efeito, o artigo 2.º, alínea a), da mencionada Portaria exclui, literalmente, do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, «(…) as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário»., sem que aí seja mencionado o mecanismo de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT). Ou seja, o legislador optou por restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação/autoliquidação, tenham sido precedidas da reclamação prevista no artigo 131.º do CPPT.

 

Aliás, se assim não fosse, para a Requerida bastaria que o legislador houvesse reduzido a exclusão prevista no artigo (2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011) à expressão «que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa», nada mais distinguindo. O que não sucedeu, existindo antes a referência expressa ao prévio recurso à via administrativa nos termos, in casu, do artigo 132.º do CPPT, ou seja, mediante apresentação de reclamação graciosa necessária, independentemente dos seus fundamentos. Por isso, não seria viável incluir na autorização concedida o procedimento administrativo de revisão oficiosa, em especial por duas ordens de razão.

 

Em primeiro lugar, porque tal interpretação decorre do elemento literal ínsito na norma legal em questão, conforme supra se aludiu. E, no que à interpretação concerne, estabelece-se no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. E nesse quadro rege o disposto no artigo 9.º do Código Civil, onde se determina que:

«1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».

 

Interpretar uma lei para a AT é fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar os seus sentidos e alcance decisivos. Se a apreensão literal do texto é o ponto de partida de toda a interpretação ela é incompleta, pois será sempre necessária uma tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal. Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.

 

O elemento sistemático compreende, na exposição da Requerida, a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma a interpretar. Isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Este elemento compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma em interpretação no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.

 

O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.

 

O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

 

Dos elementos interpretativos referidos, para a Requerida, não se alcança outra solução interpretativa para a situação sub judice que não a de que a AT apenas se vinculou, nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração de ilegalidade de ato de autoliquidação tiver sido precedido de recurso à via administrativa de reclamação (nos termos do já aludido artigo 132º do CPPT). E quando o legislador se refere ao recurso à via administrativa, quer-se apenas referir aos meios previstos nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, atento o elemento literal do artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011. Daqui resultando que a letra da lei não pode ser afastada, sendo a principal referência e ponto de partida do intérprete.

 

Efetivamente, atenta a natureza voluntária e convencional da arbitragem (aqui entendida no seu sentido lato, uma vez que a competência material dos tribunais arbitrais resulta de regulamentação de natureza pública efetuada no RJAT), o intérprete não poderia ampliar o objeto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da AT à jurisdição arbitral.

 

Ora a AT sustenta que da simples leitura do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março, infere-se a obrigatoriedade expressa da prévia apresentação de processo gracioso como forma de abrir a via arbitral para apreciação do presente litígio.

 

Neste sentido, entende Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, II Volume, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, página 420): “No entanto, de harmonia com o disposto no art. 2.°, alínea a), da Portaria n.4 112-A/2011,de 22 de março, relativamente a atos de retenção na fonte, a Administração Tributária apenas se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração de ilegalidade de ato de retenção na fonte tiver sido precedido de recurso à via administrativa, isto é, de reclamação graciosa. Por isso, se o sujeito passivo quiser optar pela via arbitral, terá sempre de fazer uso de reclamação graciosa”.

 

Igual entendimento foi perfilhado no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 51/2012-T, onde, em suma, se decidiu: “Tal incompetência material é reforçada no caso de arbitragem tributária, porquanto a simples leitura do artigo 2.º, al. a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, portaria publicada conforme o disposto no artigo 4.º do decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, impõe expressamente que o citado procedimento administrativo prévio como forma de abrir a via arbitral para apreciação do litígio.

Afigura-se, deste modo, inquestionável, a incompetência em razão da matéria (e não do meio processual) do tribunal arbitral tributário. (…)Concluindo: a arbitralidade de litígio relativo às pretensões a que alude o artigo 2.º (objeto de vinculação) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, só é reconhecida se, previamente, tiver sido apresentada reclamação graciosa (e não em qualquer outra sede, designadamente, por processo de revisão de ato tributável, que, constituindo garantia disponível dos contribuintes, tem, no entanto, especificidades próprias).”

 

E isso foi mesmo decidido pelo signatário na decisão arbitral proferida no processo arbitral que correu termos sob o n.º 236/2013-T:

«Quanto à pretensa redação “deficiente” do art.º 2.º, al. a) da Portaria diga-se ainda que, independentemente dos méritos de uma ampla arbitrabilidade de atos tributários, o certo é que:

(a) há, com efeito em erro de concordância ao utilizar o particípio passado “precedidos” no plural masculino quando deveria ser no plural feminino, a concordar com “pretensões”. Tal lapso gramatical, porém, não prejudica nem afeta o entendimento da parte seguinte do texto que aqui está verdadeiramente em causa;

(b) a expressão “recurso à via administrativa” constitui uma fórmula genérica ampla que em si mesma pode abranger todos os meios de o contribuinte defender os seus direitos, antes de recorrer a tribunais. É uma fórmula ampla mas não errada nem suscetível de induzir em erro. Aliás, a Administração (Ministérios da Justiça e das Finanças) especificou a seguir, de forma bem precisa, quais as disposições em causa indicando-as numa clara enumeração taxativa e não exemplificativa;

(c) temos assim a designação genérica “via administrativa” e uma caraterização específica: “nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de processo Tributário”. Estamos perante uma técnica que respeita o discurso lógico-jurídico, em perfeita consonância com o n.º 3 do art. 9º do Código Civil.

(d) pretender o interprete acrescentar ainda a este membro da frase “… e do art.º 78º da Lei Geral Tributária”, que manifestamente ali não está, constitui uma violação dos princípios fundamentais da hermenêutica jurídica aplicáveis quer às normas jurídicas quer aos atos jurídicos»

 

A AT salienta ainda que a Portaria n.º 112-A/2011 foi aprovada e publicada já após extensa e profusa jurisprudência que reafirmava que, atenta a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto nos artigos 131.º a 133.º do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento. Assim, se a jurisprudência tem provido o entendimento de que, atenta a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto no artigo 131.º a 133.º do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento; já tal equiparação estaria legalmente vedada em sede arbitral, estando excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos do artigo 131.º a 133.º do CPPT, aí não se incluído o procedimento de revisão oficiosa gizado artigo 78.º da LGT.

 

A confirmar este entendimento estão, entre outras, as decisões proferidas no CAAD nos processos n.º 48/2012-T, 51/2012-T, 73/2012-T, 236/2013-T, 603/2014-T, 669/2015-T, 584/2016-T – todas julgadas a favor da Requerida.

 

Resposta á exceção

 

A Requerente respondeu à exceção, como referido, não dando razão à AT. Porque o artigo 2.º do RJAT não prevê qualquer tipo delimitação neste sentido, na medida em que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, sem qualquer limitação aos casos em que tenha sido apresentada reclamação prévia - decisão proferida no processo n.º 704/2015-T de 10/08/2016, um caso onde se discutiu questão semelhante à levantada pela AT e onde se concluiu que “A norma em causa deverá também ser entendida como explicando-se pela circunstância de, na sua ausência – e face ao teor do artigo 2.º do RJAT – se perfilar como possível a impugnação direta de atos de autoliquidação, sem precedência de pronúncia administrativa prévia. Ou seja, tendo em conta que face ao RJAT não se configurava como necessária qualquer intervenção administrativa prévia à impugnação arbitral de uma autoliquidação, o teor da Portaria deve ser interpretado como equiparado – neste matéria – o processo arbitral tributário ao processo de impugnação judicial e não, como decorreria da posição sustentada pela Requerida, passar de 80 para o 8, pegando numa impugnabilidade mais ampla do que a possível nos Tribunais Tributários, e transmutando-a numa mais restrita”.

 

Depois porque o elemento literal constante da Portaria revela uma intenção de submeter ao crivo da AT atos relativamente aos quais esta entidade ainda não se tenha pronunciado, como os atos de autoliquidação. Mas, o pedido de revisão oficiosa serviria o propósito desse “filtro administrativo”, ao dar oportunidade à AT de se pronunciar sobre o ato de autoliquidação. Mais, excluir o acesso aos tribunais arbitrais apenas porque o meio administrativo não foi uma reclamação graciosa constituiria uma violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º da CRP. Este entendimento foi o propugnado na decisão proferida no processo n.º 704/2015-T onde se esclarece que “Efectivamente, não se vislumbra qualquer razão substancial – e a requerida nada apresenta nesse sentido – para que, atentos os condicionalismos e especificidades próprios de cada um dos meios graciosos em causa, nos mesmos termos em que os tribunais tributários estão vinculados, não seja cognoscível em sede arbitral a legalidade dos atos de autoliquidação objeto de pedido de revisão oficiosa, apresentado para lá do prazo de reclamação graciosa.”. E no mesmo sentido ver ainda a decisão arbitral tirada no processo n.º630/2014-T onde se reafirma que “a fórmula «declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau, que confirme um ato de liquidação, incorporando a sua legalidade.”. E, ainda de acordo com este acórdão, “Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada». Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.

 

Acresce que, como tem defendido o STA, os pedidos de revisão oficiosa devem ser entendidos como comparáveis às reclamações graciosas, inclusive nos casos em que a lei exige uma reclamação graciosa prévia à impugnação do ato. Esta posição consta do Acórdão do STA proferido no processo n.º 0402/06, de 07.12.2006, onde se pode ler que: “O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T.].

A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do art. 152.º do CPT (ou 132.º do CPPT), pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial. O meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação)”.

 

No mesmo sentido, veja-se ainda o acórdão do STA proferido no processo n.º 565/07, de 14.11.2007, onde se conclui que: “a alínea d) do n.º 2 do art. 95.º da L.G.T. refere os actos de indeferimento de pedidos de revisão entre os actos potencialmente lesivos, que são susceptíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz, aqui qualquer distinção entre actos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efectuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, pelo que a impugnabilidade contenciosa a actos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que, aliás, é corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os actos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (art. 268.º, n.º 4, da C.R.P.). Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do acto de liquidação, não impedia a impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento desta. Exposto este regime da revisão do acto tributário e impugnação das decisões proferidas (ou omitidas) no seu âmbito, chega-se à conclusão que não obsta à possibilidade de impugnação contenciosa a falta da reclamação prevista no artº 152.º do C.P.T.”

 

Em suma e para a Requerente, quer por via da interpretação conforme com a Constituição propugnada pela jurisprudência citada do CAAD, quer por via do apoio que se encontra na jurisprudência do STA aqui identificada no sentido de não discriminar os dois meios de reação (reclamação e revisão), deverá a exceção invocada pela AT ser considerada improcedente, com todas as consequências legais.

 

 

Matéria de Direito

 

Exceção

 

Analisando a exceção, há que constatar que a boa leitura da AT, nos termos da jurisprudência citada. Deve por isso dar-se provimento à exceção de incompetência do tribunal arbitral para analisar do pedido, por inarbitrabilidade deste, como se decidiu no citado Acórdão n.º 236/2013-T, entendendo-se ser decisivo para a decisão da questão a natureza de auto-vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD.

 

Ficam assim prejudicadas as demais questões suscitadas (extemporaneidade e dedutibilidade), incluindo a temática dos juros indemnizatórios.

 

 

Dispositivo

 

Em resultado do exposto, decide-se julgar procedente a exceção de incompetência do tribunal arbitral e por isso improcedente o pedido da Requerente e, em consequência, mantendo-se na ordem jurídica os atos de liquidação questionados.

 

 

Valor

 

Como referido acima as liquidações objeto do pedido ascendem ao valor total de € 37.852,09 (trinta e sete mil oitocentos e cinquenta e dois euros e nove cêntimos).

 

É assim este o valor do imposto liquidado e, portanto o do pedido e o da sua utilidade económica.

 

Assim e de harmonia com o disposto no art. 306.º, nºs 1 e 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o dito valor.

 

 

Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, integralmente a cargo da aqui Requerente.

 

 

Lisboa, 29 de setembro de 2017

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco, revisto e assinado pelo árbitro signatário.

 

 

O Árbitro

 

 

(Jaime Carvalho Esteves)

 

 

 



[1] Em “Manual de Direito Fiscal”, 2013, Almedina

[2] Da Dedutibilidade das Tributações Autónomas para efeitos de apuramento do lucro tributável - algumas notas em Arbitragem Tributária, CAAD, Nº 2, Janeiro 2015