Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 98/2017-T
Data da decisão: 2017-09-25  IRS  
Valor do pedido: € 172.256,56
Tema: IRS (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) - Mais-Valias mobiliárias
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

  1. A…, contribuinte n.º…, e B…, contribuinte n.º…, casados, com residência fiscal na Rua…, n.º…, …, …-… Póvoa de santa Iria, doravante designados por “Requerentes”, vieram requerer, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do chamado Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), que integra o Decreto-lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, a constituição de tribunal arbitral coletivo e apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº …2016… e, consequentemente, a anulação da liquidação oficiosa de IRS nº 2016 …, de 06/01/2016, referente ao IRS de 2014, da qual resultou um imposto a pagar no montante global de € 170.565,88.
  2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada somente por “Requerida”).
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 06-02-2017.
  4. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo o Juiz José Poças Falcão, o Prof. Doutor Pedro Soares Martínez e o Prof. Doutor Paulo Nogueira da Costa, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  5. Em 21-03-2017 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  6. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 05-04-2017.
  7. Alegam os Requerentes, em síntese, que:

a)  Adquiriram, entre os anos de 2007 e 2014, 7.160.961 ações, emitidas pelo C…, pelo valor global de € 4.334.289,27;

b)  Entre julho e agosto de 2014, as referidas ações foram alienadas pelo valor total de € 602.200,77;

c)  Da alienação das ações mencionadas, resultou, portanto, uma menos-valia cifrada em € 3.732.088,50;

d) A AT, no cálculo das mais-valias ou menos-valias, não tomou em consideração o valor de aquisição das ações;

e) Deve ser anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, notificada aos Requerentes por Ofício datado de 15 de novembro de 2016 e, em consequência, anulada a liquidação de IRS n.º 2016 …, de 6 de janeiro de 2016, referente ao ano de 2014, no montante de € 170.565,88, com todas as consequências legais.

 

  1. A Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, alegando, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:
  1. Os Requerentes não fundamentaram a alegação de que a alienação das ações em causa não gerou mais-valias, mas antes menos-valias, o que, segundo os mesmos, “se deve ao facto da AT não ter introduzido no respectivo cálculo o valor de aquisição, ignorando o facto de os Requerentes terem adquirido as acções a título oneroso, em valor substancialmente superior ao da alienação”;
  2. Os Requerentes não fizeram qualquer prova quanto ao valor de aquisição das ditas ações;
  3. Nos termos conjugados da alínea a) do nº 1 do art. 9º e da alínea b) do nº 1 do art. 10º, ambos do CIRS, os Requerentes estavam obrigados a declarar os rendimentos obtidos pela alienação das ações do C…, o que não fizeram;
  4. Apenas nestes autos arbitrais, pela primeira vez, os Requerentes vêm invocar a existência de menos-valias, juntando um extrato do Banco C…, reportado à venda de ações no decurso do ano de 2014;
  5. Sucede que este documento não tem a virtualidade de fazer a prova pretendida pelos Requerentes, uma vez que se trata de um documento que não está sequer assinado e cujo conteúdo não permite, de forma inequívoca, efetuar o cruzamento com a informação da declaração Modelo 13 submetida pelo Banco C…;
  6. Esse documento não foi apresentado em sede de reclamação graciosa;
  7. Sem conceder, mesmo que se entendesse que a demonstração da menos-valia estava efetuada, certo é que nunca poderiam ser imputadas à Requerida as custas do processo arbitral, porque não foi esta que deu azo ao mesmo.
  1. As Partes apresentaram alegações finais escritas, nas quais reiteram, no essencial, os argumentos expendidos no Requerimento inicial e na Resposta.

 

II – SANEADOR     

  1. Não foram invocadas exceções.
  2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

 

III. MÉRITO

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

§1.       Factos provados

  1. O Tribunal considera provados os seguintes factos:
  1. De acordo com as declarações modelo 13, apresentadas pelas instituições financeiras, e, no caso específico, pelo Banco C…, os Requerentes, no decurso do ano de 2014, alienaram os seguintes títulos:

Código Valor Mobiliário

Data Operação

N.º de Títulos

Valor Operação (em euros)

PTB CPO …

2014/07/17

3.503.422

224.219,00

PTB CPO …

2014/07/21

3.022.860

317.784,24

PTB CPO …

2014/08/15

75.628

6.609,89

PTB CPO …

2014/08/19

559.051

53.587,65

 

TOTAL

7.160.961

602.200,78

 

  1. Em 28/05/2015, os Requerentes submeteram a declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2014, acompanhada dos anexos A, G1 e H, não tendo declarado as referidas alienações de bens mobiliários;
  2. A mencionada declaração deu origem a um processo de divergências – “Incrementos Patrimoniais-Divergência de Rendimentos”, o qual foi notificado aos Requerentes;
  3. Os Requerentes, em 16/07/2015, solicitaram, através do Portal das Finanças, “que me indiquem mais concretamente do que se trata, dado não estar a conseguir identificar de que rendimento se trata”;
  4. Em 28/06/2015, foi gerada a notificação “Os rendimentos de incrementos patrimoniais são inferiores aos conhecidos”;
  5. Em 20/11/2015 e 30/11/2015, os Requerentes foram notificados, para audição prévia – “PROPÕE-SE CORRIGIR A DECLARAÇÃO MOD. 3 PARA INCLUIR RENDIMENTOS RESULTANTES DA ALIENAÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS REALIZADA PELO SP NO ANO DE 2014 CF. DECLARAÇÃO DO C…, SA”;
  6. Os Requerentes não entregaram declaração de substituição, nem justificaram a declaração Mod. 13 do C…;
  7. Foi emitida uma liquidação oficiosa de acordo com os elementos conhecidos pela AT, ou seja, a existência de uma venda, por parte dos Requerentes, de ações do Banco C…, pelo valor de € 602.200,77;
  8. Os Requerentes deduziram reclamação graciosa contra o ato de liquidação oficiosa;
  9. Os Requerentes foram notificados do projeto de decisão, em sede de audição prévia, não tendo, contudo, exercido o direito de pronúncia (notificações de 26/09/2016 e 12/10/2016, remetidas para o domicilio fiscal dos Requerentes);
  10. Por decisão de 27/10/2016, a reclamação graciosa foi indeferida;
  11. Dessa decisão foram os Requerentes notificados a coberto do ofício …, de 17/11/2016, da DF de lisboa;
  12. Não se conformando com a decisão, os Requerentes apresentaram junto do CAAD requerimento de constituição de tribunal arbitral, o qual deu origem ao presente processo;
  13. As ações alienadas no decurso do ano 2014 [descritas supra, na alínea a)] foram adquiridas, entre os anos de 2007 e 2014, pelo valor global de € 4.334.289,27, conforme extrato bancário assinado e junto aos autos pelos Requerentes;
  14. O documento referido na alínea anterior não foi apresentado à AT em sede de reclamação graciosa.

 

 

§2. Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos não provados.

 

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

  1. No tocante à matéria de facto provada e não provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes em sede de facto, no Processo Administrativo e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

§1. Questão decidenda

  1. No presente processo, importa saber se a alienação onerosa dos valores mobiliários em causa (ações do C…) gerou mais-valias para os Requerentes que fundamentem, consequentemente, a respetiva tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, ou se, pelo contrário, essa operação gerou uma menos-valia para os Requerentes, conforme alegado por estes. Tal significa que o litígio no presente processo assenta numa divergência quanto aos factos, assumindo particular relevo a prova feita pelas Partes relativamente aos mesmos.

 

§2. Apreciação da questão decidenda

  1. Os Requerentes suscitam a ilegalidade da liquidação oficiosa de IRS nº 2016 …, de 06/01/2016, referente ao IRS de 2014, com o fundamento de que a alienação das ações não gerou mais-valias, mas antes menos-valias, “o que se deve ao facto da ATA não ter introduzido no respectivo cálculo o valor de aquisição, ignorando o facto de os Requerentes terem adquirido as acções a título oneroso, em valor substancialmente superior ao da alienação …” (cfr. art. 5º da p.i.).
  2. A documentação junta aos autos permite fazer prova dos valores de aquisição (€ 4.334.289,27) e realização (€ 602.200,77) das ações em causa.
  3. Assim, por aplicação do disposto no artigo 10.º, n.º 4, alínea a) do CIRS, conclui-se não existir a mais-valia que originou a liquidação em crise, mas sim uma menos-valia no montante de € 3.732.088,50.
  4. Sucede que a prova da existência da referida menos-valia apenas foi feita no presente processo, não tendo a mesma sido feita em sede de reclamação graciosa.
  5. A prática do ato de liquidação em crise não se deveu a qualquer erro dos serviços da AT, mas antes ao não cumprimento de obrigação declarativa por parte dos Requerentes, conforme resulta da factualidade dada como provada.
  6. Deste modo, a anulação do ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa em apreço e a anulação da liquidação de IRS, consequência da inexistência da mais-valia que fundamentou esta liquidação, não têm associado qualquer dever de ressarcimento dos Requerentes pela Requerida.

 

 

IV – DECISÃO

  1. Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa e a anulação da liquidação de IRS contestadas.

 

 

V- VALOR DO PROCESSO

  1. De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 172.256,56.

 

 

 

VI – CUSTAS

  1. A Requerida sustenta na sua Resposta e nas alegações finais apresentadas que “mesmo que se entendesse que a demonstração da menos-valia estava efectuada, certo é que nunca poderiam ser imputadas à Requerida as custas do processo arbitral, porque não foi esta que deu azo ao mesmo”.
  2. A regra geral em matéria de custas é a de que “[a] decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito” (art. 527.º, n.º 1, do CPC), considerando-se que “dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for” (art. 527.º, n.º 2, do CPC). 
  3. Admite, porém, o n.º 1 do art. 535.º do CPC que “[q]uando o réu não tenha dado causa à ação e a não conteste, são as custas pagas pelo autor”.
  4. No caso vertente, os Requerentes apenas fizeram prova da inexistência da mais-valia com a junção aos autos de extrato bancário assinado, no momento da apresentação das alegações finais.
  5. A Requerida pronunciou-se sobre a nova documentação junta aos autos pelos Requerentes, contestando a aptidão da mesma para fazer a prova pretendida por estes.
  6. Sustenta a Requerida que «[o]s documentos ora apresentados, em particular o documento do Banco C… (que já constava destes autos, sendo que agora tem aposto um carimbo da instituição bancária) não permitem aferir se estamos perante os bens mobiliários constantes da Modelo 13».
  7. Conclui-se que a Requerida contestou a ação, apesar de não lhe ter dado causa, pelo que não se verificam os requisitos cumulativos previstos no art. n.º 1 do art. 535.º do CPC – caso em que as custas seriam pagas pelos Requerentes.

 

  1. Assim, com base no disposto no art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, e no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 25-9-2017

O Árbitro Presidente

 

(José Poças Falcão)

 

O Árbitro Vogal

 

 

 (Pedro Soares Martínez)

 

 

O Árbitro Vogal

 

(Paulo Nogueira da Costa)