Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 715/2016-T
Data da decisão: 2017-09-22  IRC  
Valor do pedido: € 109.816,80
Tema: IRC - Dedutibilidade de encargos financeiros - Empréstimos não remunerados a empresas participadas.
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DECISÃO ARBITRAL

Os Árbitros, Dr. José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Dr.ª Mariana Vargas e Dr. Henrique Fiúza (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo constituído em 9 de fevereiro de 2017, acordam no seguinte:

I.          RELATÓRIO

Em 30 de novembro de 2016, a sociedade A…, SA, com o NIPC … e com sede na …, n.º … –…, em Lisboa (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e da Portaria n.º 112-A, de 22 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2016…, referente ao exercício do ano de 2012, e respetivos juros compensatórios, no valor global de € 109 816,80, por vício material de violação de lei, requerendo ainda a condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios sobre a quantia paga, desde a data do pagamento até à data do seu integral reembolso.

 

Síntese da posição das Partes

a.    Da Requerente:

Não havendo factos controvertidos, o que está em causa é apenas uma questão de direito, ou seja, a de saber se os custos com financiamentos bancários incorridos pela Requerente, destinados à concessão de empréstimos não remunerados a entidades suas associadas, devem ser reconhecidos como custo fiscal, na medida em que estão relacionados com a sua atividade empresarial.

A AT assim não entende, por considerar que a obtenção de rendimentos por parte de um contribuinte não pode resultar de um investimento feito numa pessoa jurídica diferente, por mais direta e forte que seja a ligação entre elas.

Ora, a Requerente tem como atividade a gestão e exploração de estabelecimentos hoteleiros e similares, podendo, nos termos do seu contrato de sociedade, prestar serviços técnicos de administração e gestão às sociedades em que possua participações.

Entende a Requerente que, nos termos do artigo 23.º, do Código do IRC, na redação em vigor para o exercício em causa, a dedutibilidade de um custo fiscal não se limita à conexão causal direta e imediata entre o custo e o proveito correlativo, pois a atividade de uma empresa não é só constituída pela sua atividade operacional, incluindo, também, a tomada e reforço de participações financeiras, das quais se espera um retorno económico futuro. Assim, os empréstimos que faz às suas subsidiárias e associadas têm por objetivo a promoção e obtenção de rendimentos para si própria, uma vez que os empréstimos visam o crescimento das respetivas atividades que, por sua vez, se repercutirá no seu próprio crescimento.

Quer a doutrina, quer a jurisprudência do CAAD, têm ido no sentido de que indispensabilidade não significa uma necessária ligação causal entre custos e proveitos, dependendo sim da motivação empresarial (business purpose), tendo em conta que as participações financeiras se consubstanciam em ativos das empresas, não sendo as participadas entes estranhos à atividade da Requerente, assim como os custos em que esta incorre para as financiar não lhe são alheios.

Pelos motivos expostos, conclui a Requerente pela ilegalidade da liquidação de IRC impugnada, por vício de violação de lei, requerendo a sua anulação e a condenação da Requerida à restituição do pagamento indevido, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais.

 

b.   Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta e fez juntar o processo administrativo (PA), defendendo a legalidade e a manutenção da liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.

Entende a Requerida que os encargos financeiros decorrentes dos empréstimos efetuados pela Requerente no exercício de 2012, contabilizados nas diversas subcontas da conta SNC 25 (Financiamentos Obtidos), não podem ser aceites como gasto fiscal, à luz do disposto no artigo 23.º, do CIRC, dado que esta, ao mesmo tempo que suportou encargos financeiros, nomeadamente juros de financiamentos bancários, resultantes dos empréstimos contraídos, concedeu empréstimos a outras sociedades, suas associadas, não tendo sido remunerada pelo valor dos empréstimos concedidos.

Que, para que estes gastos fossem aceites fiscalmente, seria necessária a sua indispensabilidade com vista à realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, ou seja, que se provasse serem utilizados na sua atividade, enquanto entidade autónoma; a aferição da dedutibilidade fiscal do custo depende, assim, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva desenvolvida da própria empresa e não por outras sociedades, ainda que com ela relacionadas. 

Que, o critério da indispensabilidade criado pelo legislador, impede a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, tenham sido efetuados para a prossecução de interesses alheios, como é o caso dos juros suportados por uma empresa, decorrentes de empréstimos cujos fundos são desviados da sua própria exploração para a de outra entidade com a qual está relacionada.

Invocando jurisprudência dos Tribunais Superiores, conclui a AT que, no caso sub judice, “não restam dúvidas de que a correção efetuada pelos SIT (controvertida nestes autos) é válida e legítima, consubstanciando em si mesma uma correta subsunção dos factos ao direito aplicável, decaindo assim (todos) os fundamentos esgrimidos pela ora Requerente”, devendo o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente e mantida a liquidação impugnada.

 

Posteriormente, as Partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram os respetivos argumentos.

 

II. SANEAMENTO

1.    O pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 30 de novembro de 2016 e foi automaticamente notificado à AT em 13 de dezembro de 2016.

2.    O Tribunal Arbitral é competente e foi regularmente constituído em 9 de fevereiro de 2017, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

3.    As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

4.    Não foram invocadas exceções que cumpra apreciar.

5.    O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

III.      FUNDAMENTAÇÃO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta à petição inicial (PI) e do processo administrativo (PA), não contestada pelas Partes, fixa-se como segue:

 

A – Factos Provados

1.    De acordo com o seu contrato de sociedade, o objeto social da Requerente “(…) consiste na gestão e exploração estabelecimentos hoteleiros ou similares” (artigo 3.º), no âmbito do qual “(…) poderá efetuar a prestação de serviços técnicos de administração e gestão às sociedades em que possua participações ou com as quais tenha celebrado contratos de subordinação, assim como desenvolver as demais atividades que legalmente lhe sejam permitidas” (artigo 4.º) e “(…) adquirir e alienar participações em sociedades, de direito nacional ou estrangeiro, com objeto igual ou diferente do referido no artigo terceiro, em sociedades reguladas por leis especiais, em sociedades de responsabilidade ilimitada, bem como associar-se com outras pessoas jurídicas para, nomeadamente, formar novas sociedades, agrupamentos complementares de empresas, agrupamentos europeus de interesse económico, consórcios e associações em participação” (artigo 5.º), (Doc. 3, junto à PI);

2.    O capital social da Requerente é detido maioritariamente (em 85,76%) pela B…, SGPS, SA, com o NIPC … (artigo 8.º, da PI e pág. 8, do Relatório de Inspeção Tributária – adiante, RIT);

3.    Por sua vez, a Requerente, que se encontra registada pela atividade Hotéis com restaurante (CAE 055111), abrangida pelo regime geral de tributação de IRC, tem como atividade efetiva “a gestão e exploração de estabelecimentos hoteleiros, quer pela exploração direta de unidades hoteleiras que são propriedade de empresas do Grupo, (Hotel C… e Hotel D…), quer relativamente à gestão operacional das unidades hoteleiras que estabeleceram contratos de gestão hoteleira com o contribuinte, a saber: 1.E…, SA, nipc…; 2. F…(Porto), SA, nipc…; 3. G…, SA, nipc…; 4. H…, Ld.ª, nipc…; 5. I…, SA, nipc … e 6. Hotel J…, Ld.ª, nipc…” (pág. 7, do RIT), detém participações sociais em diversas outras entidades do mesmo ramo, ente as quais as identificadas a págs. 7 a 9 do RIT:

Nipc

Designação social

% part.

Valor da part.  €

K…, SA

25,0

375 000

L…, SA

25,0

625 000

M…, LDA

40,0

10 000

N…, SA

51,0

12 750

O…, LDA

25,0

2 500

P…, LDA

98,5

295 500

E…, SA

49,75

995 000

R…, SA (R…)

70,0

700 000

S…, SA

33,34

666 800

T…, SA

70,0

70 000

U…, SA

22,8

22 800

V…, SA

30,0

150 000

I…, SA

99,8

1 497 000

D…, SA

61,8

927 000

 

4.    Nos termos dos contratos de gestão hoteleira celerados entre a Requerente, na qualidade de Gestora e as sociedades E…, SA e R…(Porto), SA, vigentes no exercício de 2012, a retribuição paga à Requerente pelos serviços de gestão inclui uma comissão base fixa e comissões variáveis, nomeadamente em função do resultado da exploração (Doc. 5, junto à PI);

5.    Relativamente ao exercício do ano de 2012, a Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção externo, que teve por base a ordem de serviço n.º OI2015…, iniciado em 16 de março de 2016, com a assinatura da ordem de serviço por um dos seus administradores, e concluído em 3 de junho de 2016, conforme o artigo 61.º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira – RCPITA (cfr. o Relatório da Inspeção Tributária – Departamento B, Div. III, Equipa 33, da Direção de Finanças de Lisboa – Doc. 4, junto à PI e PA);

6.    De acordo com o RIT, a ação inspetiva teve âmbito geral e destinou-se ao controlo de diversas situações, entre as quais as relativas à análise dos “Gastos não aceites fiscalmente (…) nos termos do artigo 23.º, do Código do IRC”, de que resultaram correções meramente aritméticas à matéria tributável;

7.    Em sede de direito de audição sobre o projeto de relatório, exercido em 29 de junho de 2016, na sequência do ofício-notificação da Direção de Finanças de Lisboa, de 9 de junho de 2016, a Requerente, relativamente à proposta de correção dos encargos financeiros, alegou sucintamente que “A análise foi feita cristalizando no tempo (31.12.2012) saldos das contas de financiamentos (contas 25xxx), de contas de investimentos financeiros (contas 41xxx) e de terceiros (contas 26/7xxx).

… Não sendo possível estabelecer uma relação direta entre financiamento obtido e crédito concedido … conforme quadro seguinte, os financiamentos foram sendo efetuados ao longo do tempo, consoante a sociedade necessitava de apoio à tesouraria corrente, e/ou aportar capitais próprios aos projetos de investimento em curso no âmbito das sociedades participadas.

Em sentido inverso os saldos devedores das contas do quadro abaixo (41xxx e 26/27xxx) foram surgindo ao longo do tempo, sem ligação direta aos financiamentos e sem se conseguir aferir que parte resultou de financiamentos e que parte resultou de capitais próprios disponíveis na sociedade, sendo que:

As contas 41xxx correspondem a prestações acessórias.

As contas 26/27xxx correspondem a suprimentos, tratando-se de operações normais entre empresas do mesmo grupo económico.

Acresce que, sendo a A…, Sa a sociedade participante nas sociedades mencionadas, apesar de não terem sido liquidados juros, ocorre benefício económico destes empréstimos:

a)      logo que concluídos os investimentos nas sociedades participadas..

b)      a médio e longo prazo perspetiva-se distribuição de dividendos..” – cfr. págs. 41 e 42, do RIT;

8.    Já anteriormente, em resposta ao pedido de esclarecimentos que lhe foi solicitado através da notificação de 5 de maio de 2016, “relativamente aos empréstimos concedidos às sociedades antes mencionadas, cujo montante total ascende a 7.186.687,66€, nomeadamente se os referidos empréstimos concedidos têm como finalidade a obtenção de rendimentos pelo contribuinte A…, SA, uma vez que não estão registados na contabilidade quaisquer juros e rendimentos similares obtidos”, a Requerente esclareceu que “o montante de 7.186.687,66€ (saldo em 31.12.2012) relativo a empréstimos concedidos às sociedades participadas, na forma de prestações acessórias e/ou suprimentos foi sendo financiado com recurso a capitais próprios e empréstimos bancários nas modalidades de contas correntes caucionadas e financiamentos a médio/longo prazo … a maioria dos empréstimos em causa destinaram-se a investimentos da própria sociedade em sociedades subsidiárias na forma de participações no capital social, prestações acessórias e suprimentos, criando assim uma dinâmica de crescimento empresarial através do desenvolvimento de novas unidades de negócio (…) O financiamento mencionado na conta 25110613, contratado em 2004 destinou-se à remodelação do Hotel C… . O financiamento mencionado na conta 2510671 e 25110672 contratado em 2010, destinou-se à remodelação o D... …” – cfr. pág. 26, do RIT e Doc. 5, junto à PI;

9.    E, no ponto 5 dos referidos esclarecimentos, precisou a Requerente que “(…) no desenvolvimento da sua atividade comercial e de novos negócios na área da exploração e gestão hoteleira desenvolve e mantém a exploração e/ou gestão de unidades hoteleiras que operam com marcas que são sua propriedade (…) para proteção do desenvolvimento de uma marca ligada à palavra “…” foram registadas a nível nacional e comunitário diversas variantes com o intuito de promover uma distinção de categoria de Hotel associada ao respetivo nome. Em 2012 procedeu ao registo das marcas “W…” destinado ao segmento de 4 estrelas e “X…” reservada para o segmento de 5 estrelas (…)”;

10.                  Após análise do direito de audição da Requerente, foram mantidas as seguintes correções meramente aritméticas em sede de IRC, que deram origem à liquidação n.º 2016…, referente ao exercício de 2012, objeto dos autos (pág. 45, do RIT):

Lucro Tributável declarado

604 782,56

Correções:

 

Gastos não aceites fiscalmente (ponto III-1)

8 043,74

Gastos não aceites fiscalmente (ponto III-2)

361 792,12

Valor total das correções

369 835,86

Lucro Tributável corrigido

974 618,42

 

11.                  Os gastos não aceites como custos do exercício de 2012, a que se refere o ponto III-1, do RIT, no valor de € 8 043,74, tiveram as seguintes proveniências (págs. 23 e 24, do RIT):

a.    Contabilizou na conta 65512 – Deslocações e estadas, gastos no valor de € 3 789,06, respeitante a uma fatura contabilizada em nome de outro sujeito passivo;

b.    Contabilizou na conta 65512 – Deslocações e estadas, gastos no valor de € 1 614,84, cujo documento de suporte foi emitido em nome de outro sujeito passivo;

c.    Contabilizou na conta 65512 – Deslocações e estadas, gastos no valor de € 609,68, relativo a passagens aéreas atribuídas a entidades alheias ao contribuinte;

d.    Verifica-se a contabilização de gastos no valor de € 2 030,16, na conta 68111 – IMI. O contribuinte não é proprietário de qualquer imóvel;

12.                  A não-aceitação de encargos financeiros, no valor de € 361 792,12, é justificada no ponto III-2, do RIT (págs. 24 a 31), como segue:

a.    “Financiamentos obtidos – Da análise efetuada aos elementos contabilísticos do exercício de 2012, verificou-se que o sujeito passivo recorre a financiamentos bancários, que se encontram contabilizados nas diversas subcontas da conta SNC 25 (Financiamentos Obtidos), as quais apresentam” (…) um saldo credor, em 31/12/2012, num total de € 6 934 717,53:

Conta

Saldo credor em 31/12/2012

25110511 –Y…– 10003022957

2 547 000,00

25110611 – Z…

2 495 000,00

25110613 –Z…– C. MUT

248 705,93

25110616 –Z…– PME

300 000,00

25110671 –Z…– …– ITP

279 183,88

25110672 –Z…– …-PROT

418 968,555

25110911 –AA…– A…– CONT

145 859,17

25110911 –AA…– A…– PME

500 000,00

TOTAL

6 934 717,53

 

b.    “Empréstimos concedidos a empresas do Grupo

Empréstimos Concedidos

Saldo devedor em 31/12/2012

41302– E…

 1 802 019,00

41303– F…

 140 000,00

41304– BB…

 928 509,39

2683908– CC… SA

 1 201 788,14

2682101- DD…

 24 221,35

2683906– CC…SA

 50 402,13

2788224– EE…

 35 000,00

2788230– M…

 215 596,64

2788233– K…

 16 065,00

2788247– FF…

 1 558 433,15

2788257– CC…

 99 722,86

2788263 – E…

 749 930,00

2788264– S…

 365 000,00

TOTAL

 7 186 687,66

 

Assim, verifica-se que o sujeito passivo, ao mesmo tempo que suportou encargos financeiros (…) resultantes de empréstimos contraídos, concedeu empréstimos a outras sociedades, suas associadas, não tendo sido remunerado pelo valor dos empréstimos concedidos.

Gastos contabilizados, suportados com financiamentos bancários

 

6911 – Juros de financiamentos obtidos

334 264,33

6918 – Outros juros

51 079,92

TOTAL

385 344,25

 

(…)”.

c.    “Enquadramento legal dos gastos financeiros

Face ao facto de o sujeito passivo estar a suportar encargos financeiros (…) resultantes de empréstimos que o mesmo contraiu e de simultaneamente, estar a conceder empréstimos a empresas associadas, não remunerados, importa avaliar se estes encargos são ou não aceites fiscalmente, face ao disposto no artigo 23.º do CIRC.

Nos termos do n.º 1 do referido artigo, na sua redação à data dos factos “…Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (…)

c)      De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios, aplicados na exploração …”

É assim requerido que aqueles gastos, para serem fiscalmente aceites como gasto fiscal estejam comprovados (prova documental) e se verifique a indispensabilidade dos mesmos com vista à realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

(…) No caso em análise, verifica-se que o sujeito passivo contraiu empréstimos, suportando encargos com os mesmos, e, simultaneamente, “concede” financiamentos, não remunerados, às empresas relacionadas elencadas no Quadro “Empréstimos Concedidos”.

Daqui resulta que parte dos referidos encargos não estão diretamente relacionados com a atividade do sujeito passivo, cujo objeto social (…) consiste na gestão e exploração de estabelecimentos hoteleiros, quer pela exploração direta de unidades hoteleiras quer relativamente à gestão operacional das unidades hoteleiras que estabeleceram contratos de gestão hoteleira com o contribuinte, atividade que está enquadrada no CAE-055111 – Hotéis com restaurante. (…)

(…) são aceites fiscalmente gastos no valor de 23 552,13 €, correspondentes aos encargos financeiros destinados às obras de remodelação dos hotéis explorados pelo contribuinte (…).

Face a todo o exposto não são aceites fiscalmente os gastos de financiamento contabilizados nas contas 6981 – outros gastos relativos a financiamentos, 6911 – juros de financiamentos, 6918 – outros juros, no valor de 361 792,12 € (385 344,25 € - 23 552,13€) ”;

13.                  O Quadro 03A – Demonstração dos Resultados por Naturezas, da Demonstração dos Resultados da Requerente, para o exercício de 2012, transcrito a págs. 13 e 14, do RIT, apresenta na rubrica A5003 – Ganhos/perdas imputadas a subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos, o saldo positivo de € 415 430,07, registando uma variação de 48,19% relativamente ao exercício de 2011;

14.                  O RIT, na sua versão final, foi notificado à Requerente através do ofício n.º…, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, de 4 de julho de 2016 (Doc. 4, junto à PI);

15.                  Em 7 de julho de 2016, foi emitida a liquidação de IRC do exercício de 2012, com o n.º 2016…, da quantia de € 80 954,30 e, em 14 de julho de 2016, a demonstração de liquidação de juros e a demonstração de acerto de contas, pelo valor global de € 109 816,80, com data limite para pagamento voluntário em 9 de setembro de 2016 (Doc. 1, junto à PI);

16.                  O documento de cobrança referente à demonstração de acerto de contas foi pago em 6 de setembro de 2016, na Tesouraria de Finanças de Lisboa … (Doc. 2, junto à PI).

 

 B – Factos não provados

Não se provou em que medida os empréstimos não remunerados concedidos pela Requerente às sociedades do Grupo económico a que pertence tiveram origem nos financiamentos por si obtidos junto da Banca, nem em que parte provieram de capitais próprios.

 

 

III.2. DO DIREITO

1.    A questão decidenda:

A questão que cabe ao Tribunal decidir consiste em saber se os encargos financeiros, decorrentes de empréstimos bancários obtidos e suportados por uma sociedade, podem ser deduzidos à respetiva matéria tributável de determinado exercício, quando a mesma sociedade concede financiamentos não remunerados a outras sociedades suas participadas, de cujo capital social não é a única detentora.

Caberá, em concreto, decidir se, à luz do n.º 1 do artigo 23.º, do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos, os encargos financeiros no montante de € 361 792,12, suportados pela Requerente durante o exercício de 2012 com a contratação de financiamentos bancários, cujo saldo, em 31 de dezembro de 2012, ascendia a € 6 934 717,53, é considerado ou não como gasto fiscalmente dedutível, dado que concedeu créditos, cujo saldo era, àquela data, de € 7 186 687,66, sem que, com referência aos empréstimos concedidos, tenha recebido qualquer tipo de retribuição.

 

Encontrando-se tais custos documentalmente provados e registados na contabilidade da Requerida, constituindo gastos contabilísticos, não se trata, pois, de uma questão de comprovação, mas sim da qualificação daqueles gastos como dedutíveis ou não dedutíveis, ou seja, a sua subsunção no conceito indeterminado de “indispensabilidade”.

 

A fim de responder a tal questão, haverá que proceder, previamente, à interpretação normativa daquele n.º 1 do artigo 23.º, do Código do IRC, tendo em vista a sua aplicação ao caso concreto, sem perder de vista que à interpretação das normas tributárias são aplicáveis, de acordo com o n.º 1 do artigo 11.º, da Lei Geral Tributária (LGT), as regras e princípios gerais de interpretação das leis, designadamente o artigo 9.º do Código Civil (CC), com uma tónica especial, quando persista “a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar”, na “substância económica dos factos tributários” (cf. o n.º 3 do artigo 11.º, da LGT).

 

Mas haverá ainda que questionar se, não havendo um domínio total da Requerente nas suas participadas, os gastos incorridos no respetivo financiamento, ainda que tais gastos possam ser qualificados como indispensáveis para a atividade da Requerente, são dedutíveis na sua totalidade, para efeitos da determinação da matéria tributável do exercício em análise. Estaremos, neste caso, perante um problema de quantificação, no domínio da comprovação e do ónus da prova.

 

1.1.                Da interpretação do n.º 1 do artigo 23.º, do Código do IRC – os conceitos de indispensabilidade e de fonte produtora:

A redação do n.º 1 do artigo 23.º, do Código do IRC, em vigor para o ano de 2012, era a seguinte:

Artigo 23.º - Gastos

1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

(…)

c)      De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

(…)”.

Como se avançou já, o conceito de indispensabilidade encerra o critério de repartição entre os gastos não aceites e os fiscalmente aceites como elementos negativos da determinação do lucro tributável, “constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 17.º, do Código do IRC.

 

Diga-se, desde logo, que este conceito de indispensabilidade tem vindo a ser utilizado, na sua aplicação concreta, segundo uma perspetiva restrita, exigindo a correlação direta entre um gasto suportado e um rendimento obtido (princípio da necessidade) e numa aceção mais lata, que admite a dedutibilidade de qualquer gasto que seja incorrido no âmbito de operações relativas ao escopo societário (ótica económico-empresarial).

 

A doutrina mais relevante na matéria tem vindo a defender que “(…) A indispensabilidade subsume-se a todo qualquer ato realizado no interesse da empresa (…) A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os atos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social (…)”[1], que “Só pode[ndo]m ser os custos objeto de correção direta, nos termos do artigo 23.º do CIRC, quando se trate de factos que, por natureza e univocidade se evidenciem como estranhos ao objetos e ao fim económico e gestionário global da empresa[2], que “ (…) A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objeto societário (…)”[3] e que “A invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por um outro juízo, também de índole empresarial, feito pela administração fiscal ou pelos tribunais. Um custo não deixa de o ser (não deve deixar de ser considerado como tal para efeitos fiscais) pelo facto de, numa avaliação a posteriori, se revelar inútil ou ineficaz (p. ex. por não se revelar gerador de proveitos) ou, simplesmente, excessivo na ótica dos interesses fazendários.”.[4]

 

Refere-se a indispensabilidade dos gastos “à realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora”.

 

Deste modo, colocando o legislador, em alternativa, a indispensabilidade dos gastos, como condição para sua aceitação fiscal, em relação com a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou com a manutenção da fonte produtora, “a comprovação, a posteriori, da ausência de proveitos diretamente relacionados com o gasto não é um fator relevante para se concluir pela não dedutibilidade do custo. Se assim fosse, os encargos suportados com projetos de investimento que se revelaram não rendíveis nunca seriam custos fiscalmente dedutíveis. Semelhante posição não é, por certo, defensável.”[5]

 

Conclui-se, assim, não ser a realização de rendimentos condição sine qua non da dedutibilidade fiscal dos gastos incorridos pela empresa. Resta, portanto, analisar em que consiste a “manutenção da fonte produtora”.

 

A fonte produtora de uma empresa, enquanto conjunto de meios técnicos, humanos e financeiros, organizados com vista à concretização de um determinado fim económico, inclui o acervo de ativos (tangíveis, intangíveis biológicos, financeiros e outros) que lhe permitem prosseguir a sua atividade, constando a definição de ativo do § 49 da Estrutura Concetual (EC) do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) como sendo “um recurso controlado pela entidade com resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam benefícios económicos futuros”, encontrando-se o conceito de benefícios económicos futuros especificado nos § 52 a 58 da mesma EC, em especial nos § 52 e 54 a 56:

52 – Os benefícios económicos futuros incorporados num ativo são o potencial de contribuir, direta ou indiretamente, para o fluxo de caixa e equivalentes de caixa para a entidade. O potencial pode ser um potencial produtivo que faça parte das atividades operacionais da entidade. Pode também tomar a forma de convertibilidade em caixa ou equivalentes de caixa ou a capacidade de reduzir os exfluxos de caixa, tais como quando um processo alternativo de fabricação baixe os custos de produção.

54 – Os benefícios económicos futuros incorporados num ativo podem fluir para a entidade de diferentes maneiras. Por exemplo, um ativo pode ser:

(a) Usado isoladamente ou em combinação com outros ativos na produção de bens ou serviços para serem vendidos pela entidade;

(b) Trocado por outros ativos;

(c) Usado para liquidar um passivo; ou

(d) Distribuído aos proprietários da entidade.

55 – Muitos ativos, por exemplo, ativos fixos tangíveis, têm uma forma física. Porém, a forma física não é essencial à existência de um ativo; daqui que as patentes e os direitos de autor, por exemplo, sejam ativos se se espera que deles fluam benefícios económicos futuros para a entidade e se eles forem controlados pela entidade.

56 – Muitos ativos, por exemplo, as dívidas a receber e propriedades, estão associados a direitos legais, incluindo o direito de propriedade.”.

 

Por seu turno, o Código de Contas do SNC individualiza, na conta 4, as espécies de ativos (investimentos), entre os quais os investimentos financeiros, em que se incluem as participações sociais:

4- INVESTIMENTOS

41 Investimentos financeiros

42 Propriedades de investimento

43 Ativos fixos tangíveis

44 Ativos intangíveis

45 Investimentos em curso

46 Ativos não correntes detidos para venda”.

 

Como decorre dos normativos citados, o potencial de produção de benefícios económicos futuros de um ativo para a entidade que o controla, tanto “pode ser um potencial produtivo que faça parte das atividades operacionais da entidade”, assim como pode ser um potencial “associado(s) a direitos legais, incluindo o direito de propriedade” (§ 56, da Estrutura Concetual).

 

Daí o entender-se que a atividade de uma empresa não se esgota na sua atividade produtiva ou operacional, mas antes, como se fundamentou no Acórdão tirado no processo n.º 695/2015-T, de 18 de maio de 2016 que, com a devida vénia se transcreve:

Nesse sentido, a atividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus ativos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objeto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).

(…) a “atividade” de uma empresa não se esgota, como muitas vezes parece emergir de algumas interpretações, no conjunto de operações produtivas ou operacionais. “Atividade” é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras aqui não expressamente referidas.”.

 

É que, como refere Rui Duarte Morais, “A expressão manutenção da fonte produtora não pode ser entendida num sentido estático (de conservação da empresa tal como existe), mas sim num sentido dinâmico. As empresas visam o seu desenvolvimento, o seu crescimento”.[6], sendo livres nas suas escolhas de gestão, no âmbito da sua capacidade de exercício. Por isso, continua o Autor[7], “(…) a questão de saber se um custo deve ou não ser havido por indispensável se deve resolver a partir do intuito objetivo da transação (ou seja, com recurso ao business purpose test, corrente na doutrina e jurisprudência anglo-saxónicas)” ou da “teoria francesa dos atos anormais de gestão. Um ato anormal de gestão será aquele a que, embora legítimo, não presidiu o interesse societário”.

 

Pelos motivos que antecedem, acompanha-se a fundamentação da Decisão Arbitral proferida no processo n.º 12/2013-T, do CAAD, em que foi Árbitro único Tomás Tavares, nos termos da qual “Uma sociedade pode obter fundos (e pagar juros) e depois entregar esses fundos a uma filial sem qualquer remuneração causal e direta – e ainda assim exercer adequadamente a sua atividade, dentro da sua capacidade e escopo lucrativo: pode efetuar um aumento de capital (art.º 25.º do CSC), prestações suplementares ou acessórias sem juros (art.º 210.º e 287.º do CSC) ou suprimentos sem juros (art.º 243.º do CSC) – e em qualquer desses casos atua totalmente dentro da sua capacidade de exercício e com um ânimo lucrativo e no exercício da sua atividade”.

 

Concluindo-se, por isso, que, desde que direcionados para o interesse da entidade e inseridos no seu escopo lucrativo, os encargos financeiros suportados por uma sociedade, que concede financiamentos não remunerados a outras sociedades suas participadas, constituem encargos dedutíveis, para efeitos da determinação da sua matéria coletável, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC.

 

1.2.                 A quantificação dos encargos financeiros não dedutíveis. A condição da proporcionalidade.

Sublinham a doutrina e jurisprudência citadas a relação entre a dedutibilidade dos gastos e a prossecução do interesse societário, ainda que de forma indireta, através do financiamento não remunerado a sociedades participadas, equiparando, para esse efeito, o financiamento sem juros a um verdadeiro investimento.

 

Porque, como observam Fernando Carreira de Araújo e António Fernandes de Oliveira[8], “A expressão “suprimento não remunerado” é, sobretudo quando usada no plano fiscal, altamente enganadora (…) este investimento via suprimento sem juros de não-remunerado nada tem (…)”.

 

E, continuam os Autores[9], “O que é um financiamento com remuneração? Numa perspetiva estritamente jurídica, no sentido civilístico do termo, diríamos, será aquele em que por ocasião do financiamento se acorda, como contrapartida do mesmo numa determinada remuneração garantida (…). Um financiamento via subscrição de capital social não preenche, no nosso sistema jurídico, este requisito este conceito estreito, jurídico formal, de financiamento oneroso (…). E, no entanto, é sabido que este investimento via capital social visa a obtenção de uma remuneração, e em termos potenciais poderá gerar remuneração muito mais elevada que a do financiamento com contrapartida fixada à partida: a remuneração será uma função do sucesso empresarial da sociedade, e será recebida sob a forma de dividendos, de mais-valias (valorização da participação social) ou quota de liquidação.

Para o direito fiscal em sede de tributação do rendimento (…), ambos os financiamentos (com e sem juros acordados) se encaixam na mesmíssima categoria: a das aplicações de capital, ou investimentos, com causação empresarial, i.e., com propósitos lucrativos.”.

 

Acabando por estabelecer uma equivalência entre os investimentos via capital social, via prestações suplementares e via suprimentos não remunerados, pois “Se o investimento em participadas for efetuado via capital social, originará partes de capital (…) e se for efetuado via prestações suplementares ou suprimentos ditos “não remunerados” originará créditos ou expetativas de reembolso para o acionista (…) reforçam a capacidade financeira da participada e, com ela, potenciam os seus investimentos e atividades, pelo que têm indiretamente o mesmíssimo efeito económico para o acionista investidor que uma contribuição a título de capital social adicional: reforço da capacidade da participada para gerar retornos adicionais, i.e, reforço do potencial lucrativo do investimento do acionista na participada”.

 

Porém, para que os encargos de financiamento sejam integralmente dedutíveis na esfera da sociedade participante, necessário se torna que seja ela o sócio único ou, não o sendo, que todos os restantes sócios da participada acompanhem o investimento realizado, na proporção das respetivas participações sociais (condição da proporcionalidade), de modo a que o “potencial de retorno do mesmo aproveite ao sócio que o realiza”[10].

 

Caso tal não aconteça e a sociedade que não detenha a totalidade do capital social da participada à qual empresta dinheiro sem juros, seja a única a contribuir para o financiamento da participada, não poderá dizer-se que o retorno do seu investimento lhe aproveitará em exclusivo, antes tendo caráter de liberalidade, na parte em que aproveite aos restantes acionistas da participada.

 

Não poderá então dizer-se que, nesta situação, em que o financiamento beneficia terceiros, os gastos suportados devam ser integralmente dedutíveis, para efeitos de determinação da matéria tributável da sociedade que o prestou à sua participada; contudo, também não valerá a lógica do “tudo ou nada”, da não-aceitação fiscal da parte dos gastos suportados na proporção da participação social na sociedade financiada.

 

E, caso os restantes acionistas da participada a que uma sociedade prestou financiamento não remunerado e esta estejam ligadas entre si por “relações especiais”, como frequentemente acontece entre as sociedades de um grupo económico, não seria de convocar aqui o regime dos preços de transferência a fim de operar as correções devidas à matéria tributável? Estamos em crer que sim. A questão é que sejam corretamente determinados, quantificados, os encargos financeiros suportados pela sociedade participante, a percentagem de participação no capital social da participada e a existência das relações especiais entre a participante financiadora e os restantes sócios da sociedade financiada.

 

1.3.                A liquidação impugnada. A determinação dos encargos financeiros suportados pela Requerente.

Revertendo para a situação dos autos, verifica-se que, de acordo com o ponto III-2, do Relatório da Inspeção Tributária (RIT), págs. 24 a 31, as correções meramente aritméticas ao lucro tributável da Requerente, para o exercício de 2012, fundamentam-se nos seguintes factos:

a.    “Financiamentos obtidos – Da análise efetuada aos elementos contabilísticos do exercício de 2012, verificou-se que o sujeito passivo recorre a financiamentos bancários, que se encontram contabilizados nas diversas subcontas da conta SNC 25 (Financiamentos Obtidos), as quais apresentam” (…) um saldo credor, em 31/12/2012, num total de € 6 934 717,53;

b.    “Empréstimos concedidos a empresas do Grupo

Empréstimos Concedidos

Saldo devedor em 31/12/2012

41302 – E…

 1 802 019,00

41303 – F…

 140 000,00

41304 – BB…

 928 509,39

2683908 –CC… SA

 1 201 788,14

2682101 – DD…

 24 221,35

2683906 –CC… SA

 50 402,13

2788224 – EE…

 35 000,00

2788230 – M…

 215 596,64

2788233 – K…

 16 065,00

2788247 – FF…

 1 558 433,15

2788257 – CC…

 99 722,86

2788263 – E…

 749 930,00

2788264 – S…

 365 000,00

TOTAL

7        186 687,66

 

c.    Gastos contabilizados, suportados com financiamentos bancários

6911 – Juros de financiamentos obtidos

334 264,33

6981 – Outros juros

51 079,92

TOTAL

385 344,25

 

Há, desde logo que atentar no facto de as contas 41302 –E…, SA, 41303 – F…, SA e 41304 – BB…, SA serem contas de “Investimentos Financeiros” que, segundo afirma a Requerente e a AT não contesta, refletem prestações acessórias a favor de sociedades cujo capital social é participado pela Requerente em 49,75%, 70% e 61,8%, respetivamente, percentagens suscetíveis de influenciar significativamente as decisões de gestão das sociedades participadas.

 

Os artigos 209.º e 287.º, do Código das Sociedades Comerciais não impõem a onerosidade das prestações acessórias, certamente por o legislador ter considerado que as mesmas representam investimentos na sociedade, feitos no interesse dos sócios.

 

As contas 26 e 27 correspondem, segundo a Requerente, a suprimentos, muito embora não esteja demonstrado nos autos a participação desta no capital social das sociedades EE… e FF… .

 

Também o artigo 243.º, do Código não impede a gratuitidade dos suprimentos, pela mesma razão anterior.

 

Há, porém, que distinguir entre os empréstimos não remunerados concedidos pela Requerente às sociedades em que detém participações sociais significativas e os que concedeu a sociedades de que não resulta provado ser sócia, casos em que, naturalmente, os encargos financeiros por si suportados não pode ser aceites como gastos fiscalmente dedutíveis.

 

No entanto, a AT parece ter-se limitado a estabelecer a comparação entre o valor total dos saldos credores das contas relativas aos financiamentos obtidos pela Requerente junto da banca com os financiamentos por esta concedidos a outras empresas do Grupo e com os encargos financeiros decorrentes da contração daqueles empréstimos, concluindo que aqueles encargos financeiros correspondiam aos que a Requerente não teria suportado com a sua atividade produtiva, caso não tivesse canalizado aqueles fundos, gratuitamente, para as suas participadas.

 

Raciocínio que parece encerrar um “outro juízo, também de índole empresarial, feito pela administração fiscal (…)”, que a doutrina rejeita, por não consentâneo com o princípio da liberdade de gestão das empresas.

 

No que respeita aos financiamentos não remunerados a sociedades participadas, justificou a Requerente o interesse societário em sede de direito de audição sobre o projeto do Relatório que lhe foi notificado, transcrito a págs. 41 e 42, do RIT, no sentido de que “A análise foi feita cristalizando no tempo (31.12.2012) saldos das contas de financiamentos (contas 25xxx), de contas de investimentos financeiros (contas 41xxx) e de terceiros (contas 26/7xxx). … Não sendo possível estabelecer uma relação direta entre financiamento obtido e crédito concedido … conforme quadro seguinte, os financiamentos foram sendo efetuados ao longo do tempo, consoante a sociedade necessitava de apoio à tesouraria corrente, e/ou aportar capitais próprios aos projetos de investimento em curso no âmbito das sociedades participadas.

Em sentido inverso os saldos devedores das contas do quadro abaixo (41xxx e 26/27xxx) foram surgindo ao longo do tempo, sem ligação direta aos financiamentos e sem se conseguir aferir que parte resultou de financiamentos e que parte resultou de capitais próprios disponíveis na sociedade, sendo que:

As contas 41xxx correspondem a prestações acessórias.

As contas 26/27xxx correspondem a suprimentos, tratando-se de operações normais entre empresas do mesmo grupo económico.

Acresce que, sendo a A…, SA a sociedade participante nas sociedades mencionadas, apesar de não terem sido liquidados juros, ocorre benefício económico destes empréstimos:

a)         logo que concluídos os investimentos nas sociedades participadas..

b)         a médio e longo prazo perspetiva-se distribuição de dividendos.”.

 

Para além de que, ainda que por via indireta, a alavancagem das participadas com as quais a Requerente estabeleceu contratos de gestão hoteleira, permitirá que estas incrementem a sua capacidade produtiva, com reflexos ao nível da retribuição paga pela prestação daqueles serviços de gestão, como se alcança dos contratos com cópia junta aos autos, celebrados entre a Requerente na qualidade de Gestora e as sociedades E…, SA e  F… (Porto), SA, vigentes no exercício de 2012, retribuição que inclui uma comissão base fixa e comissões variáveis, nomeadamente em função do resultado da exploração (Doc. 5, junto à PI).

 

Não se compreende, pois, que a AT tenha aceitado como fiscalmente dedutíveis os encargos financeiros suportados pela Requerente, pela quantia de € 23 552,13, referentes à remodelação do C… e do D…, que embora explorados diretamente por aquela, são propriedade de outras empresas do Grupo, e não aceite os restantes encargos financeiros, provado que está terem servido o interesse lucrativo da investidora.

 

Como decorre da factualidade provada, as sociedades às quais a Requerente concedeu financiamentos não remunerados, são, na sua larga maioria, suas participadas, embora a Requerente não seja o sócio único.

 

Não restando dúvidas de que os referidos financiamentos, sob a forma de prestações acessórias e/ou de suprimentos se relacionam com o fim societário (o interesse lucrativo e a manutenção da fonte produtora, como se julga decorrer, aliás, dos ganhos imputados a subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos registados na Demonstração dos Resultados por Naturezas – pág. 13, do RIT), caberia à AT a prova de que a Requerente não foi acompanhada pelos restantes acionistas das sociedades suas participadas, a fim de atender a uma condição de proporcionalidade, como chave de repartição entre os encargos financeiros dedutíveis e não dedutíveis, na esfera da Requerente, lançando mão, sendo caso disso, das regras relativas aos preços de transferência, para efetuar as correções que se impusessem à luz daquelas regras, caso concluísse que, entre os restantes acionistas das sociedades participadas pela Requerente e esta, existem relações especiais, por se tratar de sociedades pertencentes ao mesmo grupo económico.

 

Não tendo a AT feito prova de que os financiamentos não remunerados, concedidos pela Requerente às suas associadas, não o foram exclusivamente no seu interesse social, beneficiando terceiros (os restantes acionistas das participadas), haverá que concluir pela sua integral dedutibilidade, para efeitos de determinação da matéria coletável, porque, evidenciando estes um escopo lucrativo, não podem deixar de ser havidos como indispensáveis para a manutenção da sua fonte produtora.

 

No que respeita aos financiamentos não remunerados, concedidos pela Requerente a sociedades de que não resulta provado ser sócia (EE… e FF…), avançámos já que não podem os encargos financeiros por si suportados ser aceites como gastos fiscalmente dedutíveis, por não se provar que respeitem ao interesse social.

 

A questão é que tais encargos estejam devidamente quantificados, uma vez que a quantificação é um dos aspetos que integram o elemento objetivo do facto gerador do imposto ou pressuposto de facto da obrigação tributária, permitindo efetuar uma medição do seu aspeto material, geralmente associado a uma manifestação da capacidade contributiva[11].

 

Não obstante, não indica a AT qual a chave de repartição utilizada para imputar os encargos financeiros que não aceitou como gastos dedutíveis aos empréstimos concedidos a cada uma das sociedades beneficiárias, participadas (percentagem da participação no capital social daquelas sociedades? Outro?) e não participadas pela Requerente: não indica, nomeadamente, o termo inicial e final de cada um dos empréstimos concedidos a cada uma das empresas do Grupo ou a coincidência temporal entre os empréstimos concedidos e os financiamentos obtidos – sirvam de exemplo os esclarecimentos prestados pela Requerente no âmbito do procedimento de inspeção tributária, transcritos na pág. 26, do RIT, de que “…O financiamento mencionado na conta 25110613, contratado em 2004 destinou-se à remodelação do C… . O financiamento mencionado na conta 2510671 e 25110672 contratado em 2010, destinou-se à remodelação o D…”, que a AT não contesta (embora tenha aceite a dedutibilidade dos gastos respetivos, por motivos diversos). Assim como não leva em consideração que parte dos financiamentos concedidos pela Requerente às empresas do Grupo provêm dos fundos obtidos junto da Banca ou qual a parte que foi financiada com recurso a capitais próprios.

 

Ora, não sendo possível apurar o montante dos encargos financeiros suportados pela Requerente com os empréstimos não remunerados que concedeu a sociedades de que não é sócia, fica a dúvida sobre a quantificação de tal facto tributário.

 

Efetivamente, mesmo nas situações em que a determinação da matéria coletável seja feita por métodos indiretos, o que não é o caso dos autos, em que as correções efetuadas são meramente aritméticas, não fica a AT dispensada de fundamentar e quantificar os factos que servem de base ao ato tributário de liquidação.

 

Citemos, a propósito, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 26 de fevereiro de 2016, no processo 0329/14, disponível em www.dgsi.pt:

I - No que respeita à quantificação da matéria tributável, deve considerar-se suficiente a fundamentação que permite ao destinatário conhecer os motivos por que a fixação foi naquele concreto montante, habilitando-o a conformar-se ou contra ela reagir graciosa e contenciosamente.

II - Assim, ainda que a AT esteja legitimada a recorrer aos métodos indiretos para a fixação da matéria tributável, na respetiva decisão tem de indicar qual o critério que utilizou para a quantificação, o qual, devendo constituir um modo adequado de aproximação à realidade, tem de apresentar-se como adequado e racionalmente justificado.

(…)”.

 

Se assim é no caso de determinação da matéria coletável por métodos indiretos, por maioria de razão o será quando, nessa determinação, se recorra a correções meramente aritméticas, já não baseadas em indícios ou presunções, mas sim em factos, cujo ónus da prova recai sobre quem os invoque (nos termos do n.º 1 do artigo 74.º, da Lei Geral Tributária (LGT).

 

A falta de indicação do critério de repartição dos encargos financeiros suportados pela Requerente, imputáveis aos empréstimos não remunerados por si concedidos às sociedades EE… e FF…, deixa fundadas dúvidas sobre a sua quantificação.

 

E, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 100.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário “1 - Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.”.

 

Em conclusão: atendendo à prova produzida e aos factos alegados, devem os encargos financeiros suportados pela Requerente com os financiamentos bancários obtidos e por si canalizados para sociedades participadas, sob a forma de prestações acessórias e/ou suprimentos não remunerados, ser qualificados como indispensáveis à sua atividade, independentemente da respetiva quantificação, por potenciarem o fim lucrativo, sendo, por isso, integralmente dedutíveis, para efeitos da determinação da matéria coletável do exercício do ano de 2012, anulando-se o imposto liquidado por referência à desconsideração de tais gastos, dado o vício de violação de lei de que padece, por errada interpretação do conceito de “indispensabilidade”, a que alude o artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC.

 

Na falta de elementos que permitam a exata quantificação dos encargos financeiros suportados com a concessão de financiamentos não remunerados a sociedades de que a Requerente não é sócia, assistindo ao Tribunal Arbitral a fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário, deve o ato de liquidação ser, nessa parte, anulado.

 

Trata-se, porém, de uma anulação parcial, apenas no que aos encargos financeiros diz respeito, subsistindo as correções meramente aritméticas a que se refere o ponto III.1, do RIT (Gastos não aceites fiscalmente no valor de 8 043,74 €, nos termos do artº 23º do Código do IRC), por se tratar de gastos constantes de documentos processados em nome de outros sujeitos passivos, não imputáveis à sua atividade, o que a Requerente não coloca em causa.

 

 

1.4.                Do pedido de juros indemnizatórios

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

Nem a tal obsta a anulação meramente parcial do ato tributário, divisível por natureza, pois que, nos termos do artigo 100.º, da LGT, “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

 

São, assim, requisitos cumulativos do direito a juros indemnizatórios: “ – que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; – que ele seja imputável aos serviços; – que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; – que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.[12].

 

Por outro lado, o processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se que se compreendem na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os mesmos poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o erro imputável aos serviços.

 

No caso em apreço, afigura-se manifesto que, declarada a ilegalidade e consequente anulação, ainda que parcial, da liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral, terá de reconhecer-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre o valor indevidamente pago, desde a data do respetivo pagamento, conforme se estatui no n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT, já que tal ilegalidade é exclusivamente imputável à Administração Tributária, que praticou aquele ato tributário sem o necessário suporte legal.

 

 

IV.                 DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide o Tribunal Arbitral:

1.      Anular parcialmente a liquidação de IRC impugnada, na parte respeitante à não-aceitação dos encargos financeiros suportados pela Requerente, da quantia de € 361 792,12;

2.      Condenar a AT na restituição do valor do imposto anulado;

3.      Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, ambos da LGT.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 109 816,80 (cento e nove mil, cento e dezasseis euros e oitenta cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 3 060,00 (três mil e sessenta euros), a repartir pela AT (€ 2 754,00) e pela Requerente (€ 306,00), por ser esta a taxa arbitral mínima prevista a respetiva Tabela.

 

Lisboa, 22 de setembro de 2017.

Os Árbitros,

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

Mariana Vargas

(Vogal)

 

 

Henrique Fiúza

(Vogal)

(Vencido conforme anexo)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Voto de vencido

O objeto do presente pedido de pronúncia arbitral consiste em saber, se à luz do art. 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), devem ou não ser considerados como fiscalmente relevantes os custos com juros e demais encargos suportados com empréstimos bancários contraídos pela Requerente, para emprestar a totalidade dos valores assim obtidos a sociedades onde tem participações sociais.

Antes de mais, importa referir que a Requerente é uma sociedade comercial cuja actividade principal é a exploração de unidades hoteleiras, e que do seu objecto social não consta, nem podia constar, a gestão de participações sociais, porque tal objecto é exclusivo das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS). Também não é uma sociedade de capital de risco (SCR). Os seus estatutos permitem-lhe, entre outras, “…adquirir e alienar participações em sociedades…“mas a Requerente não tem por objecto a gestão de participações sociais, nem podia ter.

Estabelece o artigo 23º do CIRC, à data dos factos, que:

1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, …

Por sua vez, determina o artigo 45º do CIRC, à data dos factos, que:

1 — Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

g) Os encargos não devidamente documentados;

Da conjugação das duas normas do CIRC indicadas, pode concluir-se que, para que os gastos sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais, torna-se necessário que:

  1. Os gastos sejam comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto (IRC) ou para a manutenção da fonte produtora dos mesmos; e que
  2. Os gastos se encontrem devidamente documentados.

A Requerente endividou-se junto da banca para financiar as sociedades em que participa no capital social (e a outras sociedades das quais não ficou demonstrado nos autos que é sócia – EE… e FF…), suportando os respectivos gastos, não tendo debitado às sociedades beneficiárias dos financiamentos quaisquer encargos financeiros.

Ora, Requerente e participadas são entidades jurídicas e económicas distintas, com obrigação de elaboração e apresentação de contas distintas. Mesmo quando exista uma relação de domínio – e não há, no caso - as sociedades tem personalidade jurídica e capacidade tributária distintas e por isso não se podem confundir ao ponto de uma suportar os gastos da outra.

A não ser assim, poderia ser imputado a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação (de participação, de domínio, de grupo ou de controlo conjunto).

Devido ao facto de participante e participadas serem sociedades jurídica e economicamente independentes, como se disse, com personalidade jurídica e capacidade tributária distintas, cada uma delas deve preparar as suas contas de cada período, apresentando os resultados da sua actividade, com base nas suas operações, apurados a partir da totalidade dos seus rendimentos e dos seus gastos, não podendo uma entidade suportar gastos e considerar rendimentos que foram gerados pela actividade da outra.

Até nos grupos económicos em que há domínio das participadas pela participante, casos em que a participante é usualmente uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) – que não é o caso em apreciação - cada uma das sociedades que integra esse grupo é obrigada a preparar as contas individuais com total segregação de operações, não misturando rendimentos e gastos de umas nas contas das outras.

Veja-se a este propósito o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, previsto no artigo 69º e seguintes do Código do IRC, e em especial o artigo 70º.

Artigo 70.º

Determinação do lucro tributável do grupo

 1 — Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.

Resumindo, cada sociedade apura o resultado líquido do período e consequentemente o lucro tributável (ou prejuízo fiscal), seguindo o disposto na normalização contabilística e na legislação fiscal, devendo tal resultado ser apurado pela contabilização de todas as operações por si realizadas durante um determinado período e eventualmente corrigido nos termos do CIRC.

Vem a Requerente alegar que os encargos financeiros que suportou com a obtenção de financiamentos para emprestar o dinheiro assim obtido a sociedades em que participa no seu capital social, são gastos seus por fazerem parte da sua actividade, uma vez que “os empréstimos que faz às suas subsidiárias e associadas tem por objectivo a promoção e obtenção de rendimentos para si própria, uma vez que os empréstimos visam o crescimento das respectivas actividades que, por sua vez, se repercutirá no seu próprio crescimento.” (sublinhado nosso)

A seguir-se esta lógica, qualquer sociedade que possua uma participação no capital social de outra sociedade, poderia suportar quaisquer encargos da participada, alegando que esse gasto se vai repercutir nos rendimentos da participada que, por sua vez, se irão reflectir nos rendimentos de si própria. E não se diga que, suportar encargos financeiros é diferente de suportar outro tipo de encargos, porque todos seriam feitos para aumentar os rendimentos da participada e por fim da participante.

Continuando. A seguir a linha de raciocínio – cujas conclusões rejeitamos - caso a Requerente entendesse promover os serviços das suas participadas, poderia organizar campanhas publicitárias, suportando os respectivos custos, e alegar que são gastos seus que fazem parte da sua actividade, uma vez que as campanhas publicitárias que faz às suas subsidiárias e associadas tem por objectivo a promoção e obtenção de rendimentos para si própria, uma vez que as campanhas publicitárias visam o crescimento das respectivas actividades que, por sua vez se repercutiriam no seu próprio crescimento.

E se assim a Requerente continuasse a entender as suas atribuições, poderia adquirir máquinas que reduzissem o tempo de execução de uma tarefa para metade, suportando os respectivos custos, e alegar que são gastos seus que fazem parte da sua actividade, uma vez que o fornecimento das máquinas que faz às suas subsidiárias e associadas tem por objectivo a obtenção de rendimentos para si própria, uma vez que as máquinas visam o crescimento das respectivas actividades que, por sua vez se repercutiriam no seu próprio crescimento.

E por aí adiante, levando a que, os gastos suportados com a actividade das associadas fossem considerados gastos da Requerente, sem qualquer racional económico, contabilístico ou fiscal.

É claro que a lei fiscal não proíbe a Requerente de tomar todas essas decisões nem de fazer os referidos investimentos ou aquisições de bens ou serviços, o que o artigo 23º do CIRC não aceita é que os encargos gerados com decisões do género das dadas como exemplo sejam aceites como gastos para efeitos fiscais no cálculo do imposto a pagar pela participante.

Gerir uma participação social é exercer os direitos e os deveres que essa participação social confere ao seu proprietário, nos termos da lei e dos estatutos.

Cabem nos direitos e deveres dos sócios, entre outros: quinhoar nos lucros, participar nas assembleias-gerais, obter informações da sociedade, ser designado ou designar membros para os órgãos da sociedade, mas também realizar o capital com dinheiro ou outros bens susceptíveis de penhora, quinhoar nas perdas, suportar os encargos com a propriedade das acções/quotas (guarda de títulos, registos, averbamentos, declarações bancárias, deslocações às assembleias-gerais, etc), nos quais se inclui também os encargos financeiros relacionados com a propriedade das participações.

Por mais dinâmica que seja a gestão das participações sociais, por mais que essa gestão se faça numa perspectiva de grupo empresarial, aqueles são resumidamente os direitos e os deveres dos sócios.

E não cabem certamente no âmbito da gestão das participações sociais a obtenção de financiamentos onerosos para financiar gratuitamente as sociedades em que se participa.

Dependendo da organização empresarial dos grupos de empresas, poderá ser política do grupo que a obtenção de financiamentos seja feita pela participante (ou outra entidade do grupo), de forma a optimizar os respectivos custos de financiamento necessários a várias ou a todas as entidades participadas, mas não lhe cabem por certo suportar os custos que forem devidos com tais financiamentos.

Os encargos financeiros suportados, no caso de serem contabilizados como gastos da sociedade que obteve os financiamentos e não das sociedades que utilizaram os meios financeiros assim obtidos, dará lugar à não dedução para efeitos fiscais desses gastos, por não serem indispensáveis para a realização dos seus rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da sua fonte produtora dos mesmos.

Não vence o argumento da Requerente quando, justificando a necessidade de meios financeiros por parte de associada para a realização de obras, afirma que quem decidiu fazer as obras foi a participante e não a participada.

A decisão de realização de obras por parte de uma sociedade cabe à sua administração. Quando os poderes da administração de uma sociedade são limitados e não permitem a realização de obras, a decisão cabe à assembleia-geral da sociedade. Portanto, sendo a administração e a assembleia-geral órgãos da sociedade, a afirmação produzida pela Requerente é desprovida de qualquer racional ou cobertura legal.

A haver obras realizadas por uma sociedade, a sua decisão foi certamente tomada pelo órgão social a quem a lei e os estatutos atribuem esse poder. Portanto, não vencendo a alegação da Requerente, os custos com o financiamento, são custos da actividade da entidade que utilizou os meios financeiros respectivos, isto é, da dona do activo que sofreu obras de remodelação, ou seja, da sociedade participada.

Também não vence o alegado pela Requerente quando afirma que “Essa gestão (das participações sociais) pode requerer operações de financiamento que fazem parte da actividade da Requerente e não das suas participadas”. (entrelinhado nosso)

Tal afirmação está desligada de qualquer conexão à realidade jurídica e empresarial portuguesa, pois em nenhum normativo legal é afirmado que não é dever das sociedades obter os seus próprios financiamentos e que esse dever é das sociedades que participam no seu capital social.

A Requerente ao não debitar os respectivos encargos financeiros às participadas (e a outras sociedades nas quais não participa no capital social) a quem emprestou o dinheiro, suportando os respectivos encargos, deduziu indevidamente no cálculo do seu lucro tributável os juros pagos à banca, tendo a AT procedido correctamente ao acrescer ao lucro tributável os juros indevidamente deduzidos.

É vária a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que decidiu de forma semelhante à opinião aqui defendida, nomeadamente através dos Acordãos a seguir indicados, aplicáveis com as necessárias adaptações ao caso em apreço:

- Acordão de 7 de Fevereiro de 2007 relativo ao processo nº 1046/05;

- Acordão de 20 de Maio de 2009 relativo ao processo nº 1077/08;

-Acordão de 30 de Novembro de 2011 relativo ao processo nº 0107/11;

- Acordão de 30 de Maio de 2012 relativo ao processo nº 0171/11

No mais recente dos referidos Acordãos, que transcreve o essencial do anterior Acordão do Supremo Tribunal Administrativo de 20/05/2009, pode ler-se o seguinte:

 “O objeto do presente recurso consiste em saber, se à luz do art. 23.º do CIRC, devem ou não ser considerados como fiscalmente relevantes os custos com juros e impostos de selo de empréstimos bancários contraídos pela impugnante, ainda que em seu prejuízo e não sejam estritamente necessários para a obtenção dos seus ganhos e proveitos individuais, sendo certo que entre a impugnante e as empresas beneficiadas existe uma relação de domínio total”.

Dispõe o predito normativo legal “Consideramse custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: …c) encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de ações, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso…”.

A que se seguem os seguintes motivos justificativos:

“Daqui resulta que os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte.

Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.

A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.

As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.

Tais verbas não estão, pois, diretamente relacionadas com qualquer atividade do sujeito passivo inscrita no seu objeto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indiretamente, à sua atividade.” (sublinhado nosso)

Aos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo indicados, podem adicionar-se no mesmo sentido, Decisões Arbitrais do CAAD, das quais destaco a proferida no Processo nº 538/2016-T com a qual concordo em pleno.

Pelo exposto, deveria o Tribunal ter formado a convicção de que os encargos financeiros em causa não estão diretamente relacionados com a atividade própria da Requerente, não podendo ser aceite a sua dedutibilidade na esfera desta última, nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC, pelo que andou bem a Autoridade Tributária ao corrigir os respetivos montantes. Em consequência, devia o pedido arbitral improceder nesta parte, mantendo-se a liquidação de IRC agora contestada.

 

 

Henrique Fiúza

(Economista)

 

 



[1] Cfr. TOMÁS TAVARES, “Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas coletivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, 1999, pág. 137.

[2] VÍTOR FAVEIRO, “O Estatuto do Contribuinte: a pessoa do contribuinte no estado social de Direito”, Coimbra, 2002, págs. 847 e 848.

[3] ANTÓNIO M. PORTUGAL, “A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa”, Coimbra Editora, 2004, pág. 112.

[4] RUI DUARTE MORAIS, “Apontamentos ao IRC”, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 86.

[5] ANTÓNIO MARTINS, “Uma nota sobre o conceito de fonte produtora constante do artigo 23.º do CIRC: sua relação com partes de capital e prestações acessórias”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, n.º 2, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 37.

[6] Op. Cit., pág. 83.

[7] Op. Cit., pág. 87 e nota 191.

[8] Cfr. os AA citados, “A Limitada Aplicabilidade do Regime de Preços de Transferência ao Financiamento do Sódio à Sociedade”, in Cadernos Preços de Transferência 2013, Coord. João Taborda da Gama, Almedina (reimpressão), págs. 75 a 110 – pág. 85, nota 14.

[9] Idem, págs. 88 a 90.

[10] Op. Cit., pág. 86.

[11] Neste sentido, cfr. Freitas Pereira, “Fiscalidade”, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 31 a 34.

[12]   Cfr. SOUSA, Jorge Lopes de, Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado, I Volume, Áreas Editora, 2006, pág. 472.