Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 185/2013-T
Data da decisão: 2014-04-11  Selo  
Valor do pedido: € 17.910,30
Tema: Propriedade vertical; Verba 28.1 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

I.          RELATÓRIO

A…, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva …, doravante designada por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando:

  1. a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos tributários de liquidação do Imposto do Selo sobre propriedade imobiliária, no valor de € 17.910,30, bem como a anulação das respectivas guias de pagamento referentes às primeiras e segundas prestações, já emitidas, e terceiras prestações, caso venham a ser emitidas;
  2. a condenação da Requerida a devolver todos os valores pagos, acrescidos dos juros que se vencerem, desde o pagamento das liquidações até ao reembolso efectiva das referidas quantias.

 

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

  1. é proprietária de diversas fracções do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de …, concelho de …;

 

  1. o prédio é constituído por 22 divisões com utilização independente;

 

  1. todas as divisões com utilização independente foram individualmente avaliadas para os efeitos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) a 23 de Setembro de 2012, sendo que nenhuma delas tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1 milhão de euros;

 

  1. a Administração Tributária considerou ser a Requerente sujeito passivo do Imposto do Selo, verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), por ser proprietária de um prédio com um valor patrimonial tributário de € 1.791.030,00, valor este ao qual chegou através da soma dos valores das várias divisões afectas a habitação detidas pela Requerente naquele prédio;

 

  1. a tributação em sede de Imposto do Selo deve ser aferida tendo em conta o valor patrimonial constante da matriz;

 

  1. para efeitos de sujeição ou não a Imposto do Selo, não pode a Administração Tributária proceder à soma dos valores das divisões de que determinado sujeito é proprietário num prédio;

 

  1. ao invés, o Imposto do Selo apenas incidirá sobre os prédios cujo valor matricial exceda o montante de 1 milhão de euros, o que não é o caso de nenhuma das divisões com utilização dependente detidas pela Requerente no indicado prédio;

 

  1. na hipótese de se entender que, para efeito de sujeição a Imposto do Selo, deverão ser consideradas não as divisões com utilização independente mas o prédio na sua totalidade, apenas são tributados em sede de Imposto do Selo os prédios com afectação habitacional, o que não é o caso do prédio da Requerente, que tem afectação mista: comércio e habitação.

 

A Requerente juntou 6 documentos e arrolou quatro testemunhas.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, como árbitro, o signatário.

O tribunal arbitral singular foi constituído em 26 de Setembro de 2013.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, invocando em síntese que o prédio em causa nos presentes autos não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal, razão pela qual o seu valor patrimonial foi determinado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 7º nº 2 b) do CIMI.

Calculado o valor patrimonial global do prédio, nos termos expostos, conclui a Requerida que, sendo o seu valor superior a 1 milhão de euros, integra-se na previsão da Verba 28 da TGIS, impondo-se, por isso, a liquidação do Imposto do Selo.

Conclui peticionando a improcedência do pedido e, consequentemente, a manutenção dos actos de liquidação em crise.

A Requerida juntou um documento, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

Em 26/07/2013 teve lugar a primeira reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT, no âmbito da qual a Requerente prescindiu da inquirição das testemunhas por si arroladas.

Foram apresentadas por ambas as partes alegações finais por escrito.

 

II.           SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

Não existem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

III.         QUESTÕES A DECIDIR:

As questões a decidir são as seguintes:

  1. determinar qual o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência do Imposto do Selo nos casos de prédios constituídos em regime de propriedade total, compostos por várias divisões com utilização independente, dos quais alguns com afectação habitacional: o valor patrimonial tributário de cada uma das divisões do prédio ou o valor patrimonial tributário global do prédio, correspondente à soma de todos os valores patrimoniais tributários das divisões que o compõem?

 

  1. no caso de se entender que o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência do Imposto do Selo nos casos de prédios constituídos em regime de propriedade total, compostos por várias divisões com utilização independente, corresponde ao valor patrimonial tributário global do prédio, determinar quais as divisões que devem ser consideradas para efeito de cálculo da incidência do Imposto do selo: apenas as divisões com afectação habitacional ou todas as divisões?

 

 

  1. MATÉRIA DE FACTO:

 

  1. FACTOS PROVADOS:

Com relevância para a decisão de mérito, foi provada a seguinte factualidade:

 

  1. A Requerente é dona e legitima proprietária do prédio urbano sito na…, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...;
  2. O prédio a que se alude em a) anterior é composto por 22 divisões com utilização independente;
  3. Na matriz predial consta que 20 das divisões do prédio a que se alude em a) anterior são afectas a habitação, uma afecta a armazéns e actividade industrial e outra afecta a comércio;
  4.  Todas as divisões do citado prédio foram objecto de avaliação individual, nos termos e para os efeitos do disposto no CIMI;
  5. A Requerente foi notificada da avaliação efectuada a cada uma das divisões por ofício datado de 25 de Outubro de 2012;
  6. De acordo com a avaliação efectuada, foi atribuída a cada uma das divisões o seguinte valor patrimonial:

 

  1. Artigo … - € 83.620,00;
  2. Artigo …- € 59.480,00;
  3. Artigo … - € 97.860,00;
  4. Artigo … - € 92.140,00;
  5. Artigo … - € 97.860,00;
  6. Artigo … - € 92.140,00;
  7. Artigo …- € 97.860,00;
  8. Artigo …- € 92.140,00;
  9. Artigo …- € 97.860,00;
  10. Artigo … - € 92.140,00;
  11. Artigo … - € 97.860,00;
  12. Artigo … - € 97.860,00;
  13. Artigo … - € 88.310,00;
  14. Artigo … - € 95.350,00;
  15. Artigo … - € 88.310,00;
  16. Artigo … - € 95.350,00;
  17. Artigo … - € 94.020,00;
  18. Artigo …  - € 93.920,00;
  19. Artigo … - € 90.130,00;
  20. Artigo … - € 65.220,00;
  21. Artigo … - € 65.220,00;
  22. Artigo … - € 103.960,00.

 

  1. Em 22 de Março de 2013, a Requerida liquidou Imposto do Selo por cada uma das divisões do prédio afectas a habitação, no valor global de € 17.910,30, tendo a Requerente sido notificada das referidas liquidações;
  2. Em 30 de Abril de 2013, a Requerida procedeu ao pagamento da primeira prestação das liquidações do Imposto do Selo efectuadas, no montante global de €  5.970,20;
  3. Em 23 de Julho de 2013, a Requerida procedeu ao pagamento da segunda prestação das liquidações do Imposto do Selo efectuadas, no montante global de € 5.970,05;
  4. No dia 12/09/1969 foi efectuada pela Comissão Permanente de Vistorias da Direcção dos Serviços de Edificações Urbanas da Câmara Municipal de … uma vistoria ao prédio a que se alude em a), tendo resultado da dita vistoria que as divisões do prédio constituem unidades independentes, formando fracções autónomas;
  5. Encontra-se registada, pela Ap. …, de 04/07/2013, a constituição da propriedade horizontal do prédio a que se alude na alínea a), pela qual foram constituídas 22 fracções autónomas.

 

  1. FACTOS NÃO PROVADOS:

Com interesse para os autos não se provou mais nenhum facto.

 

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental indicada em relação a cada um dos pontos, junta pela Requerente, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas pela Requerida.

Já no que respeita à factualidade não provada, esta ficou a dever-se à total ausência de prova nesse sentido efectuada.

 

V.        DIREITO:

Invoca a Requerente que, não obstante à data das liquidações em causa nos presentes autos o prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, deve ser, para efeitos de sujeição ou não a Imposto do Selo, tratado como tal, atento o facto de todas as divisões constituírem verdadeiras fracções autónomas, por constituírem divisões com utilização independente.

 

Por seu turno, a Requerida argumenta que, não se encontrando o prédio constituído em regime de propriedade horizontal, não pode ser este objecto de tal tratamento, correspondendo o valor patrimonial tributário do prédio à soma dos valores das suas partes, tal como disposto no artigo 7º nº 2 b) do CIMI, e sendo sobre este valor, se aplicável, calculado o Imposto do Selo.

 

Para a apreciação das questões em causa nos presentes autos importa, antes de mais, trazer à colação o artigo 4º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, que aditou à Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, a verba nº 28, com a seguinte redacção:

 

“28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afectação habitacional — 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”

 

Nos termos do disposto no artigo 6º da citada Lei, no ano de 2012, o valor patrimonial tributário a considerar para efeito de liquidação do Imposto do Selo corresponde ao que resultar das regras previstas no CIMI, por referência ao ano de 2011.

 

Resulta ainda das disposições transitórias previstas no indicado artigo 6º que, no ano de 2012, a taxa do Imposto do Selo aplicável será, no caso de prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do CIMI, de 0,5%.

 

Dito isto,

 

Na verba 28 da TGIS e no artigo 6º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, utilizou-se um conceito inovador, que não é utilizado por mais nenhuma legislação tributária: o conceito de prédio com afectação habitacional.

 

Nem no CIMI, indicado pela referida Lei 55-A/2012 como diploma de aplicação subsidiária relativamente ao tributo introduzido pelo aditamento da verba 28 à TGIS, é utilizado qualquer conceito assim definido.

 

Com efeito, o CIMI define o conceito de prédio, define os vários tipos de prédios e identifica as espécies dos prédios urbanos.

 

Assim,

 

Nos termos do artigo 2º do CIMI, “prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico”.

 

O número 4 do citado artigo 2º prescreve expressamente que cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

 

Os prédios dividem-se em rústicos (artigo 3º), urbanos (artigo 4º) ou mistos (artigo 5º), subdividindo-se os prédios urbanos em 4 espécies: habitacionais; comerciais, industriais ou para serviços; terrenos para construção e outros (artigo 6º).

 

Por seu turno, o número 2 do artigo 6º do CIMI esclarece que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

 

Da análise conjugada dos referidos preceitos verifica-se que o CIMI não faz qualquer distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou total. Com efeito, pese embora o número 4 do artigo 2º refira expressamente que as fracções autónomas dos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal constituem, cada uma delas, um prédio, a verdade é que não exclui de tal classificação as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total ou vertical.

 

E, onde a lei não distinguiu, não pode o intérprete fazê-lo.

 

Sendo certo, ademais, que, analisada a definição de prédio ínsita no número 1 do artigo 2º do CIMI, não vislumbramos qualquer razão para aqui não incluir as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total, pois que estas constituem uma fracção de território que faz parte integrante do património de uma pessoa singular ou colectiva e que tem valor económico.

 

Assente que está a classificação das divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total como prédios, nos termos e para os efeitos do CIMI, parece-nos evidente constituírem cada uma destas divisões prédios com afectação habitacional, o que ademais constitui matéria sobre a qual já se debruçou diversa jurisprudência deste arbitral[1], dispensando-nos de dissecar o conceito de afectação, o qual, como é sabido, consiste na acção de destinar alguma coisa a determinado uso.

 

Assim, “prédio com afectação habitacional” não poderá ter outro significado que não a acção de dar a determinado prédio o destino de habitação.

 

Por último, atento o disposto no número 2 do artigo 6º do CIMI, que convoca a noção de “destino normal” do prédio, parecem não restar dúvidas sobre a identidade, pese embora a divergência vocabular, entre os conceitos de “prédio habitacional” e “prédio com afectação habitacional”.

 

No caso dos autos, cada uma das divisões com utilização independente encontra-se individualmente classificada, sendo 20 afectas a habitação, uma afecta a armazéns e actividade industrial e outra afecta a comércio – cfr. alínea c) dos factos provados.

 

Aliás, não fossem as divisões em causa nos presentes autos individualmente classificadas como um prédio e não teria qualquer sentido a elaboração de 20 notas de liquidação do Imposto do Selo, uma respeitante a cada unidade independente.

 

Com efeito, se estas divisões não fossem classificadas, individualmente, como prédios, então deveria ser elaborada uma única nota de liquidação, respeitante ao prédio.

 

O argumento expendido pela Requerida de que a avaliação foi efectuada nos termos do artigo 7º nº 2 b) do CIMI, correspondendo, neste caso, o valor do prédio à soma dos valores das suas partes não tem qualquer acolhimento legal, nem na letra, nem no espírito da lei.

 

De facto, por um lado, basta ler o corpo do nº 2 do artigo 7º para verificar que a avaliação apenas poderá ser efectuada nos termos aí expostos no caso de prédios com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do nº1 do artigo 6º, isto é, prédios compostos, que tenham, simultaneamente, mais do que uma afectação.

 

Não é este, manifestamente, o caso dos autos, já que cada um dos prédios, das divisões com utilização independente propriedade da Requerente, tem apenas uma afectação e não várias – cfr. alínea c) dos factos provados.

 

Assim, não sendo os prédios em causa nos presentes autos compostos por partes enquadráveis em mais de uma das classificações do nº1 do artigo 6º, parece manifesto não ser de aplicar o disposto no artigo 7º nº 2 b), como defendido pela Requerida.

 

Por outro lado, no que diz respeito ao espírito da lei, importa referir que, conforme tem vindo a ser defendido pela mais recente jurisprudência arbitral, já citada, a introdução da verba 28 na TGIS teve como objectivo a tributação dos prédios urbanos de elevado valor.

 

Pretendeu-se, com a introdução da tributação prevista na verba 28 da TGIS, tributar a riqueza, exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos “de luxo”, com afectação habitacional.

 

Aliás, conforme resulta da jurisprudência arbitral supra citada, a qual seguimos de perto, dir-se-á que, conforme resulta da análise da discussão da proposta de Lei nº 96/XII na Assembleia da República, a fundamentação da medida designada por taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.

 

Ora, se o objectivo da lei foi adequar a tributação em sede de Imposto do Selo à capacidade contributiva dos contribuintes, parece não revestir qualquer relevância a distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou vertical.

 

Com efeito, não se vislumbra como possa a propriedade de determinadas divisões num prédio em regime de propriedade total significar maior riqueza e maior capacidade contributiva do que a propriedade do mesmo número de fracções num prédio em regime de propriedade horizontal.

 

Manifestamente, não é por aí que se revela a maior ou menor capacidade contributiva, tanto mais que, como é sabido, a propriedade horizontal é um instituto jurídico relativamente recente, sendo certo que uma grande parte dos prédios antigos não se encontram constituídos neste regime, apesar de, na prática, funcionarem como tal.

 

Ora, o princípio da prevalência da substância sobre a forma impõe que a administração tributária valorize a verdade material. E, no caso dos autos, a verdade material consiste na inexistência de qualquer diferença substantiva entre as divisões propriedade da Requerente e as fracções de um prédio constituído em propriedade horizontal.

 

Tanto mais que, in casu, já desde 1969 que as divisões do prédio dos autos constituem verdadeiras fracções autónomas, tendo vindo o prédio, muito recentemente e já após as liquidações em causa nos presentes autos, a ser constituído em regime de propriedade horizontal – cfr. alíneas j) e k) dos factos provados.

 

E a própria Requerida acaba por aceitar tal identidade substancial, quando, no artigo 49º da resposta apresentada, admite que a constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo lugar a uma nova avaliação.

 

Ora, se a alteração operada é meramente jurídica e não factual, que razão existe para a diferença de tratamento fiscal entre uma e outra situação? Parece-nos que nenhuma.

 

No caso dos autos, verificada a identidade entre as divisões propriedade da Requerente e as fracções de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal, nenhum fundamento poderá ser invocado para justificar a não aplicação do mesmo regime a ambas as situações.

 

E, se no caso das fracções do prédio constituído em regime de propriedade horizontal nenhuma dúvida existe de que o valor patrimonial tributário relevante para efeito de determinação da aplicação ou não do Imposto do Selo é o valor individual de cada uma das fracções, não se vislumbra porque deverá tal questão suscitar-se no caso de divisões que não façam parte de prédio constituído em propriedade horizontal.

 

Distinguir, para efeito de sujeição ou não a Imposto do Selo, as fracções autónomas dos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal das divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total, representa uma clara violação dos princípios da justiça, da igualdade e proporcionalidade fiscal, da verdade material e da capacidade contributiva, não podendo, assim, ser acolhida.

 

Assim, não poderá colher a tese defendida pela Requerida de que o facto de o prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal impede a aplicação do seu regime.

 

No caso dos autos, conforme resulta dos factos provados, nenhuma das divisões com utilização independente, ou melhor, nenhum dos prédios propriedade da Requerente, tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros, pelo que não se encontram estes abrangidos pela norma de incidência prevista na verba 28 da TGIS.

 

De qualquer forma, ainda que fosse de aplicar a referida verba 28 – que não é – sempre se dirá que, conforme resulta das disposições transitórias previstas no artigo 6º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, no ano de 2012, a taxa a aplicar seria de 0,5% e não a taxa efectivamente aplicada pela Requerida, de 1%.

Em face de tudo quanto ficou exposto, dúvidas não restam de que o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência do Imposto do Selo nos casos de prédios constituídos em regime de propriedade total, compostos por várias divisões com utilização independente, dos quais alguns com afectação habitacional é o valor patrimonial tributário de cada uma das divisões do prédio e não, como defendido pela Requerida, o valor patrimonial tributário global do prédio, correspondente à soma de todos os valores patrimoniais tributários das divisões que o compõem.

Fica, assim, prejudicado o conhecimento da segunda questão enunciada, já que o seu conhecimento pressupunha que o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência do Imposto do Selo nos casos de prédios como os em causa nos presentes autos fosse o valor patrimonial tributário global do prédio, correspondente à soma de todos os valores patrimoniais tributários das divisões que o compõem o que, como vimos, não sucede.

Em face de tudo quanto ficou exposto, não havendo fundamento legal para os actos de liquidação efectuados, impõe-se a sua anulação e consequente reembolso do imposto pago.

 

 

  1. DISPOSITIVO:

 

Em face do exposto, decide-se:

  1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação do Imposto de Selo no valor de € 17.901,30 e consequente anulação das guias de pagamento emitidas;
  2. Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias que hajam sido pagas pela Requerente; e
  3. Julgar procedente o pedido de pagamento de juros à taxa legal, calculados sobre os montantes indevidamente pagos, desde a data do pagamento e até efectivo e integral pagamento por parte da Requerida.

 

***

De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CCPT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 17.910,30.

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do artigo 4.º do RCPAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

***

Registe e notifique.

 

Lisboa, 11 de Abril de 2014

O Árbitro,

 

Alberto Amorim Pereira

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 138.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 



[1] Veja-se, entre outras, decisões proferidas no âmbito dos processos 48/2013-T, 50/2013-T e 132/2013-T, todas disponíveis em www.caad.org.pt