Os árbitros José Pedro Carvalho (árbitro presidente), Arlindo José Francisco e Pedro Galego, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
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No dia 14 de Fevereiro de 2017, A…, S.A., NIPC…, com sede na Avenida…, n.º…, fração…, …-… Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de Liquidação de IRC nº 2016… de 2014, no valor de € 213.299,15.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:
i. Os encargos financeiros suportados pela Requerente para financiamento das suas participadas são fiscalmente dedutíveis;
ii. Aqueles encargos financeiros suportados qualificam-se como gasto fiscal nos termos e para os efeitos previstos no artigo 23.º do CIRC;
iii. Não legalmente pressuposto, nos termos daquela norma, um nexo de causalidade entre os gastos incorridos e os proveitos tributados para efeitos da sua dedutibilidade em sede de IRC.
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No dia 15-02-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 03-04-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 21-04-2017.
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No dia 25-05-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações pela Requerida.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
1- A Requerente é, e era em 2014, uma sociedade anónima que tem por objecto a gestão de participações sociais não financeiras de sociedades.
2- A Requerente está, e estava em 2014, enquadrada para efeitos de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável.
3- A Requerente acresceu, no campo 746 da Declaração Modelo 22 do exercício de 2014, encargos financeiros no montante de € 110.349,02, de um total de gastos de financiamento suportados pela sociedade no referido período de € 1.110.349,02, em virtude da aplicação da limitação prevista no artigo 67.° do Código do IRC, o que totalizou a final um montante de gastos de financiamento dedutíveis do exercício de € 1.000.000,00.
4- Os financiamentos referidos no ponto anterior foram aplicados pela Requerente no financiamento de sociedades suas participadas.
5- A Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção interna de âmbito parcial, aberto através da ordem de serviço n.º OI2015…, para análise do IRC do período de 2014.
6- No âmbito da referida acção de inspeção, a Requerente foi notificada do projecto de Relatório de Inspecção Tributária, proposto pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, no qual se propunha a realização da seguinte correção:
7- Do Relatório de Inspecção Tributária conta o seguinte:
8- Notificada a Requerente do projecto de conclusões do relatório, para exercer o direito de audição prévia pelo Ofício n.º… de 2016.08.08, Registo RD … PT, o mesmo não foi exercido no prazo estabelecido.
9- Através do ofício n.º…, de 08.11.2016, vieram os Serviços de Inspecção Tributária emitir o Relatório final de Inspecção Tributária, que mantinha a correcção proposta nos exactos termos e montantes constantes do projecto de relatório.
10- A 17 de Novembro de 2016, a Requerente foi notificada das demonstrações de liquidação de IRC n.º 2016… e da demonstração de acerto de contas n.º 2016…, as quais incorporam as correcções efectuadas em sede de inspecção, determinando uma redução do prejuízo fiscal do exercício para o valor de € 213.299,15.
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§2. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.
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§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
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III.2. DE DIREITO
A Requerente funda o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto tributário controvertido, na violação do artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC.
A situação sub iudice desenha-se com contornos simples. Com efeito, verificando a AT que a Requerente suportou gastos com financiamentos em montante (muito) superior aos respectivos proveitos, entendeu desconsiderar o excedente de gastos para o cômputo do lucro tributável da Requerente, por o considerar desnecessário, ao abrigo do disposto no artigo 23.º do CIRC, na redação aplicável à data.
No processo arbitral 695/2015T[1], cuja contextualização e considerandos se subscrevem na sua generalidade, e para os quais se remetem, é revista doutrina e jurisprudência anterior sobre a matéria, e em particular a consideração de que “… a actividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus ativos e da gestão dos seus passivos”.
Em síntese, conforme referido no referido aresto, quanto ao conceito de “indispensabilidade”, apreciado na finalidade de “para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, relevam-se os seguintes aspectos, constantes da sua fundamentação:
“A indispensabilidade … afere-se num sentido económico: os custos indispensáveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade, por inserção no seu escopo lucrativo (de forma mediata ou imediata) …
A Autoridade Tributária não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado … à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa”.
Assim, o critério de indispensabilidade destina-se a “impedir a consideração fiscal de gastos” incorridos em benefício de “interesses alheios”.
Quanto ao conceito de activo e de fonte produtora, na fundamentação do processo arbitral referido supra, são considerados os activos financeiros, incluindo as participações financeiras, e quanto à questão “Uma sociedade participada que se endivide e ceda esses fundos a entidades participadas, cobrando-lhes juros nulos, ou inferiores aos pagos, está a desenvolver atividade própria ou alheia (i.e., a realizar atos de gestão alheios ao seu interesse)?, estabelece que “a dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto de tais financiamentos contribuíram para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro)”.
Entendeu-se, no caso, que quando a participante financia as participadas (seus activos financeiros), na contabilidade da participante “a alocação de fundos às participadas tem como contrapartida o incremento do valor do investimento contabilizado na conta "41-Investimentos financeiros". A fonte produtora que é financiada, na qual se reforça a posição da investidora é, em primeira linha, o conjunto de ativos financeiros” da participante.
“Isto é, a fonte produtora materializa-se jurídica e contabilisticamente no ativo da [participante], que concentra legal, económica e financeiramente as características de uma fonte produtora da [participante]: é um conjunto de ativos previamente adquirido por esta entidade, que lhe outorga direitos sobre as participadas, e dele se esperam rendimentos na esfera da adquirente.”
“… a AT corrige apenas o diferencial de juros e não a totalidade dos juros pagos pela [participante]. …, esta lógica de ajustamento fiscal afigura-se desajustada. Querendo-se questionar o diferencial de preços (taxas de juro) pagos e cobrados, seriam as normas de preços de transferência as que se deveriam aplicar, e não as do artigo 23.º do CIRC”.
Como se nota no referido aresto, é hoje relativamente consensual qual a leitura a fazer da norma em que assenta a correcção operada pela AT, contra a qual a aqui Requerente se insurge, podendo sintetizar-se da seguinte forma:
- o juízo sobre a indispensabilidade dos gastos suportados implica que seja verificado o seu contributo para a obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro” e “a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, no processo n.º 0107/11[2]);
- “os custos (...) não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.” (Ac. STA, proferido a 30-05-2012, no processo n.º 0171/11);
- “um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a actividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respectivas actividades.” (Ac. STA, proferido a 04-09-2013, no processo n.º 0164/12);
- o conceito de indispensabilidade é de preenchimento casuístico, e o nexo de causalidade económica não pode estar desligado da factualidade do caso concreto, sendo que “a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.” (Ac. TCA-Sul, proferido a 16-10-2014, processo n.º 06754/13);
- “A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à actividade empresarial. Se o custo não é estranho à actividade da empresa, isto é, se se relaciona com a actividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.” (Ac. TCA-Norte, proferido a 20-12-2011, processo n.º 01747/06.3BEVIS);
- “da noção legal de custo fornecida pelo art. 23.° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o art. 23.° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.
A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo n.º 0107/11);
- “A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.
O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.
O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.
Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.” (Ac. STA, proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05).
Densificados, deste modo, os critérios de apreciação da indispensabilidade dos gastos, à luz do artigo 23.º do CIRC, resta, então, a operação de aplicação de tais critérios ao caso concreto, apreciando-se àquela luz os argumentos da AT que sustentam a sua posição.
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No presente quadro, relativo ao exercício de 2014, verifica-se que está exclusivamente em causa, a circunstância de os gastos de financiamentos desconsiderados pela AT, apenas terem gerado € 366,67 de rendimentos sujeitos a IRC, por ser a única circunstância em que se fundamentou o relatório de inspecção em que assenta a liquidação objecto da presente acção arbitral.
Face a este quadro factual, crê-se resultar de forma relativamente evidente que não se poderá concluir de outra forma, que não a de que os encargos suportados pela Requerente com os financiamentos em questão se devem ter como incorridos no normal prosseguimento da actividade própria daquela.
Com efeito, e como referia já o Prof. Teixeira Ribeiro, à luz do CCI[3], as alíneas do n.º 2 do art.º 23.º do CIRC não poderão ser entendidas de outra maneira que não a de que quando os custos ou perdas estão especificamente elencados no artigo 23.º, presume-se a sua essencialidade, dispensando-se, consequentemente, o contribuinte da correspondente prova, sendo, precisamente esse o propósito da enumeração (retirado, para além do mais, da utilização da expressão «nomeadamente»).
Assim, face ao disposto no al. c) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC, na redacção aplicável, dever-se-á presumir a indispensabilidade dos gastos suportados com juros de capitais alheios aplicados na exploração do sujeito passivo, sendo que, como se viu, se deve considerar que os capitais alheios aplicados no financiamento de entidades participadas, se devem ter por aplicados na exploração das participações sociais detidas, dado que tais participações são susceptíveis de gerar rendimento sujeitos a IRC.
Não quer isto dizer, obviamente, que a AT não possa infirmar tal presunção, demonstrando que, pelas circunstâncias concretas em que ocorreram, os financiamentos às entidades participadas não preenchem os requisitos gerais da consideração como gastos dos respectivos juros, previstos no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC aplicável.
No caso, a AT, para o fazer, invocou unicamente a circunstância de os gastos de financiamentos por si desconsiderados, apenas terem gerado € 366,67 de rendimentos sujeitos a IRC.
Ora, tal julgamento é ilegítimo, face ao que tem sido a doutrina e a jurisprudência que se tem consolidado na matéria em questão, que tem entendido, como se viu atrás que:
“O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.
O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais”
Ou seja, por reduzido (ou mesmo nulo) que seja o proveito gerado por um determinado gasto, não se poderá daí concluir que aquele foi desnecessário, para efeitos da respectiva dedutibilidade.
Como ainda recentemente se escreveu no Ac. do STA de 28-06-2017, proferido no processo 0627/16, não pode a AT desconsiderar um gasto “com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade (cfr. art. 23.º do CIRC na referida redacção) baseada numa inexigível e até impossível falta de identificação dos “proveitos futuros decorrentes” do mesmo, mais se podendo ler no mesmo aresto que “o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos (...) independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram”.
Ora, no caso não foi isso que a AT fez, tendo-se escorado, exclusivamente, no resultado (eventual inêxito) que, em concreto, os gastos em causa proporcionaram à Requerente, em lugar de demonstrar a respectiva inaptidão, à partida, para gerar proveitos daquela sujeitos a IRC.
Neste enquadramento, o acto de Liquidação de IRC nº 2016… de 2014, respeitante ao exercício de 2014, e a respectiva demonstração de acerto de contas, padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, o que constitui vício de violação de lei, que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.
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Em sede arbitral, veio a Requerida sustentar que os gastos suportados com os financiamentos em questão devem ser desconsiderados, porquanto os mesmos terão servido para a Requerente financiar, por sua vez, participadas da Requerente, a título gratuito.
Ora, como bem refere a Requerente, tal circunstância não poderá ser apreciada e valorada por este Tribunal arbitral, na medida em que, conforme resulta dos factos provados, não integra os fundamentos (de facto) do acto tributário objecto da presente acção arbitral.
Como se escreveu no Ac. do STA de 23-09-2015, proferido no processo 0134/11[4], “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional de IVA que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.”, sendo que “A validade de um acto de liquidação deve aferir-se exclusivamente em relação às razões que a AT externou como seu fundamento, não podendo considerar-se os fundamentos que só ulteriormente à prática do acto foram invocados como seu motivo”[5].
Deste modo, a jurisprudência invocada pela Requerida em sede arbitral, exemplificativamente abordada de seguida, em nada infirma o quanto aqui se conclui, já que tem subjacente, justamente e para além do mais, aquela circunstância de terem atendido ao facto de os sujeitos passivos que eram parte nos processos respectivos terem concedido financiamento a título gratuito a empresas participadas.
Assim, relativamente ao Acórdão do STA de 07/02/2007, proferido no processo 01046/05, verifica-se que, não só, o financiamento concedido ali concedido foi a custo gratuito, como se apurou que as verbas financiadas não estavam “directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é a fabricação de azulejos e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade”, situações que, como se viu, não têm qualquer correspondência na fundamentação do acto tributário em causa nos presentes autos.
O mesmo se diga relativamente aos Acórdãos do STA de 20/05/2009, proferido no processo 01077/08 (e não 01077/05, como consta do RIT), de 30/11/2011, proferido no processo 0107/11, e de 30/05/2012, proferido no processo 0171/11[6], onde os financiamentos em causa foram gratuitos e as verbas em questão não estavam “directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.”.
Quanto ao Acórdão do TCA-Sul de 24-04-2012, proferido no processo 05251/11, não se verificará, igualmente, qualquer identidade com a situação ora sub iudice, na medida em que, não só estavam, igualmente, ali em causa prestações acessórias de capital, não remuneradas, como as correcções se deram porquanto “a Inspecção Tributária não aceitou como custos fiscalmente relevantes com fundamento de que os encargos financeiros suportados relativos a créditos bancários obtidos para acorrer à obrigação de prestações suplementares, em razão da detenção de participações sociais nas demais sociedades no âmbito da actividade de detenção e gestão de participações financeiras, não representam um gasto indispensável à realização dos proveitos sujeitos a imposto, podendo apenas destinar-se à manutenção da fonte produtora da participada e ser nestas consideradas como custo, o qual não seria de considerar no âmbito do grupo de sociedades porquanto, tratando-se de sociedades gestoras de participações sociais as mesmas beneficiam de uma exclusão de sujeição a IRC quanto às mais-valias ao abrigo do disposto no artº 31º do E.B.F., pelo que não sendo os proveitos sujeitos a imposto tais custos não são fiscalmente dedutíveis.”.
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IV. DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
- por erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, anular , o acto de Liquidação de IRC nº 2016… de 2014, respeitante ao exercício de 2014, no valor de € 213.299,15;
a) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 213.299,15.
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CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
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Lisboa, 7 de Setembro de 2017.
Os Árbitros,
(José Pedro Carvalho - Presidente)
(Arlindo José Francisco - Vogal)
(Pedro Galego - Vogal)
[2] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[3] Comentário ao acórdão do Supremo de 9 de Outubro de 1985, RLJ n.º3743, p. 39-43.
[5] Acórdão do TCA-Sul de 30-06-2009, proferido no processo 02475/08.
[6] Note-se, alías, que a relatora deste acórdão é a mesma do proferido no processo arbitral 695/2015T, já citado, onde em situação análoga às dos presentes autos se conclui pela inaplicabilidade da jurisprudência citada pela AT.