Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 11/2017-T
Data da decisão: 2017-08-24  IRS  
Valor do pedido: € 64.817,15
Tema: IRS – União de facto.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Leonardo Marques dos Santos e Rui Ferreira Rodrigues, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 04 de Janeiro de 2017, A…, titular do NIF …, residente na Rua …, …, …-… Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS nº 2014…, referente ao período de 2012, no valor de € 62.707,44.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que se verifica erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na medida em que, à data, se encontrava na situação de unido de facto com B…, e na consequente violação do artigo 14.º do Código do IRS (CIRS).

 

  1. No dia 06-01-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 27-02-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 14-03-2017.

 

  1. No dia 21-04-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

  1. Notificado para o efeito, o Requerente exerceu o seu contraditório relativamente à matéria de excepção contida na Resposta da Requerida.

 

  1. No dia 14-06-2017, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pelo Requerente.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações pela Requerida.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1do artigo 2.ºdo artigo 5.º e do n.º 1 do artigo 6.ºdo RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      Durante os anos de 2010 e 2011, o Requerente e a B… viveram em união de facto e tiveram residência fiscal em França, e constavam do cadastro fiscal português como não residentes fiscais, por não preencherem os requisitos de residência fiscal nos termos do artigo 16.° do Código do IRS.

2-      Em 2012, o Requerente e a sua família, composta por B… e pelos dois filhos de ambos, frutos da sua uniã﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽sta poraa da Requeridaerente ão de facto, C…, contribuinte fiscal número … e D…, contribuinte fiscal número …, passaram a residir em Portugal com carácter de permanência.

3-      No início do ano de 2012, as pessoas singulares referidas no ponto anterior viveram num apartamento situado na Rua …, n.º…, Lisboa.

4-      No dia 08 de Junho de 2012, o Requerente alterou o seu estatuto fiscal para residente fiscal em Portugal.

5-      Nesta data já residia juntamente com a sua família na Rua …, n.º…, …, Lisboa, passando a ser esta a morada a constar do cadastro fiscal e a morada da família.

6-      Na referida data não houve qualquer alteração do estatuto e domicílio fiscal de B… .

7-      A referida B… não auferiu, durante o ano de 2012, qualquer rendimento.

8-      À data, o Requerente e aquela B… tinham intenção de alterar a sua casa de morada de família, na Rua…, para uma nova habitação.

9-      No dia 6 de julho de 2012, o Requerente assinou a escritura de compra e venda da habitação sita na Rua …, n.º …, …, Lisboa.

10-  Por contrato de arrendamento (por um período de 5 anos, renovável de três em três anos) assinado a 25 de agosto de 2012 e com produção de efeitos a partir de 1 de Setembro de 2012, o Requerente e a sua referida família transferiram a sua residência para a Rua…, n.º…, Lisboa.

11-  Na Cláusula Quinta do referido contrato consta que "o imóvel arrendado destina-se a habitação permanente e exclusiva do Segundo Outorgante e do respetivo agregado familiar" .

12-  O Requerente e a referida B… procederam à alteração da morada fiscal para a Rua …, n.º…, Lisboa, no dia 11 de Dezembro de 2012.

13-  Em 2012, os filhos do Requerente e de B… estudaram no liceu Francês, em Lisboa.

14-  No dia 30 de Julho de 2013, o Requerente procedeu à entrega da sua declaração de IRS referente ao ano de 2012, na qual se declarou unido de facto com B…, contribuinte fiscal número … .

15-  Em 27 de Agosto de 2013, o Requerente recebeu a nota de liquidação n.º 2013…, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 57.159,23.

16-  Em 16 de Setembro de 2013 (no decurso do prazo de pagamento voluntário), o Requerente efectuou o pagamento da referida nota de liquidação.

17-  Em 12 de Agosto de 2013 o Requerente foi notificado pela Autoridade Tributária de que havia sido detectado um "não cumprimento pelos sujeitos passivos, de requisitos legais da união de facto".

18-  No dia 27 de Agosto de 2013, o Requerente respondeu à referida notificação, indicando que se encontrava a residir com B…, no mesmo domicílio, por um período superior a dois anos.

19-  Em 17 de Março de 2014, o Requerente recebeu notificação da Autoridade Tributária para exercer o direito de audição.

20-  Na referida notificação, a A.T. informou que pretendia desconsiderar a entrega da declaração de IRS referente a 2012 uma vez que o Requerente se havia declarado como unido de facto com B…, mas não residia conjuntamente com ela num domicílio fiscal, em Portugal, por um período superior a dois anos, pelo que deveriam ter apresentado a sua declaração de IRS de 2012 em separado.

21-  O Requerente exerceu atempadamente o seu direito de audição prévia no dia 31 de Março de 2014.

22-  Na sequência desta resposta, a A.T. emitiu nova nota de liquidação "a zeros” e procedeu ao reembolso do montante anteriormente pago, no montante de € 57.159,23.

23-  A A.T. emitiu também a nota de liquidação n.º 2014…, de onde consta um montante de imposto a pagar no montante de € 64.817,15, sendo € 62.707,44 correspondentes ao imposto apurado e € 2.109,71 ao montante de juros compensatórios, calculados tendo por base o período de 2013/06/01 a 2014/04/03.

24-  O Requerente efectuou o pagamento da referida liquidação.

25-  No dia 2 de Setembro de 2014, o Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra a mesma liquidação.

26-  Em 12 de Dezembro de 2014, o Requerente foi notificado do indeferimento da Reclamação Graciosa.

27-  Daquela decisão resulta que a Autoridade Tributária deu como sanada a questão da territorialidade da união de facto, mas entende que a 31 de Dezembro de 2012, o Requerente e B… não tinham aposta no cadastro fiscal português uma mesma morada há pelo menos dois anos.

28-  Mais resulta que a Autoridade Tributária entendeu que a B… tinha efetuado inscrição no cadastro fiscal português como não residente fiscal, no dia 19 de Agosto de 2011, apenas passando a existir uma morada conjunta com o Requerente no dia 11 de Dezembro de 2012, data em que ambos alteraram a sua morada fiscal para a Rua …, n.º … -…, em Lisboa, e em que ambos passaram a constar do cadastro como residentes fiscais em Portugal.

29-  Face ao exposto, a Autoridade Tributária decidiu pela não revogação da nota de liquidação objecto da Reclamação Graciosa.

30-  O Requerente, oportunamente, apresentou Recurso Hierárquico do indeferimento da Reclamação Graciosa.

31-  O referido Recurso foi indeferido por decisão da qual o Requerente foi notificado no dia 04 de Outubro de 2016.

 

A.2. Factos dados como não provados

1-      O Requerente tentou alterar o seu estatuto fiscal português para residente fiscal logo após a sua chegada a Portugal, no entanto foi informado pela Autoridade Tributária que apenas poderia efectuar tal alteração após o sexto mês em Portugal, pelo que manteve a sua morada fiscal em França.

2-      No ano de 2012 o Requerente e família tiveram de efectuar várias viagens para tratar dos assuntos familiares e profissionais da transferência de residência para Portugal, e viajaram conjuntamente e em família.

3-      Nas reservas de avião apenas consta uma morada em França pelo facto de as reservas haverem sido efetuadas através de um intermediário em França.

 

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior n.º 1 do artigo 511.º do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.ºdo RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Em especial, relativamente aos factos dados como provados nos pontos 1, 2, 3, 5, 8, 10, e 13, foram tidos em conta os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, que revelaram conhecimento directo dos factos tal como se consideraram provados, e depuseram de forma lógica e coerente, entre si e com a prova documental disponível, evidenciando credibilidade.

Com efeito, a prova documental disponível, designadamente o atestado das autoridades francesas relativo à existência de uma união de facto entre o Requerente e B… desde 2005, bem como a apresentação, nos anos anteriores a 2012, de declarações fiscais em conformidade com tal estado, conjugado com a existência de filhos do casal e as declarações das testemunhas no sentido de que aqueles faziam vida de marido e mulher, não deixam quaisquer dúvidas no espírito deste Tribunal, relativamente à existência de uma efectiva relação de união de facto entre o Requerente e a referida B… .

Os factos dados como não provados decorrem da inexistência ou insuficiência de prova a seu respeito.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

a. da matéria de excepção

 

            Começa a Requerida por questionar que o pedido formulado pela Requerente não pode ser atendido tal como se encontra formulado, com a extensão dada pelo Requerente, já que, no seu entender, mesmo que o Requerente venha a obter vencimento de causa no âmbito do presente processo, que tal vencimento nunca se poderá traduzir na anulação total da liquidação de IRS n.º 2014-…, no valor de € 64.817,15, mas apenas se poderá traduzir numa anulação parcial daquela liquidação, com o consequente recálculo dos juros compensatórios, dado que apenas se está a discutir a aplicação, ou não, do quociente conjugal relativamente aos rendimentos declarados, e não a legalidade da tributação de todos os seus rendimentos, pelo que, a concluir-se pela ilegalidade da não aplicação daquele quociente, obviamente que haverá apenas que reintroduzi-lo no cálculo do imposto.

            Ressalvado o respeito devido, entende-se que não assiste razão à Requerida.

            Com efeito, como resulta dos factos dados como provados e como a própria Requerida expressamente o reconhece[1], a AT procedeu à anulação da liquidação n.º 2013…, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 57.159,23, dando-a sem efeito e emitindo nova liquidação a zeros, e posteriormente emitiu nova liquidação, a liquidação n.º 2014-…, no valor de € 64.817,15.

            Ou seja, a AT não se limitou a corrigir a liquidação original, mas anulou-a, emitindo uma nova, o que desde logo indica que a própria AT considera que o referido acto tributário não é divisível e, como tal, susceptível de correcções parciais.

Com efeito, e na sequência do que tem sido entendido pelo STA[2], a consideração ou não do quociente conjugal é susceptível de influir na taxa de imposto aplicável, pelo que, concluindo-se pela aplicação daquele, será impraticável a mera anulação parcial porque o tribunal não pode substituir-se à administração tributária na aplicação da taxa de imposto ao rendimento tributável que subsista.

            Como se escreveu no Ac. do STA de 30-01-2007, proferido no processo 040201A[3]:

“A sentença anulatória de um acto administrativo tem um efeito constitutivo, que, em regra, consiste na invalidação do acto impugnado, fazendo-o desaparecer do mundo jurídico desde o seu nascimento. Tem, também, um outro efeito, próprio de toda e qualquer sentença de um tribunal, seja qual for a natureza deste, que advém da força do caso julgado, apelidado de efeito conformativo (também designado de preclusivo ou inibitório), que exclui, no mínimo, a possibilidade de a Administração reproduzir o acto com os mesmos vícios individualizados e condenados pelo juiz administrativo. Ainda, um outro efeito, existe que é o da reconstituição da situação hipotética actual (também chamado efeito repristinatório, efeito reconstitutivo ou reconstrutivo da sentença). Segundo este princípio, a Administração tem o dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se o acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade”.

Daí que na sequência da anulação total que se venha a dar, reconhecendo-se a imperatividade da consideração do quociente conjugal, será repristinada a liquidação n.º 2013…[4], a menos que, na execução do seu “dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se o acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade”, a AT pratique novo acto que revogue, novamente, aquela liquidação.

            O quanto vem de se expor, resolve já uma outra questão prévia, formulada pela Requerida, no que diz respeito ao valor da causa.

            Com efeito, como se referiu, está em questão nos autos a anulação total, e não meramente parcial, do acto de liquidação n.º 2014-…, no valor de € 64.817,15, pelo que é este o valor da causa a atender, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT.

 

*

            Suscita ainda a Requerida, a incompetência parcial do Tribunal Arbitral Coletivo, relativamente aos seguintes pedidos formulados pelo Requerente:

-                           consideração que no ano de 2012 o Requerente se encontrava unido de facto com B… há mais de 2 anos; e

-                           consideração, como correta, da liquidação n.º 2013-5…, referente ao período de 2012, no valor de € 56.785,85.

Nesta matéria, haverá que considerar assistir razão à Requerida já que, sem prejuízo da competência do Tribunal arbitral para julgar e apreciar a questão da verificação ou não da existência de união de facto há mais de 2 anos, à data de 2012, na medida do necessário para aferir da arguida ilegalidade do acto de liquidação n.º 2014-…, no valor de € 64.817,15, que constitui o objecto da pronúncia arbitral, extravasa as suas competências a emissão de uma pronúncia declarativa em termos genéricos, nos termos peticionados.

Por outro lado, não integrando o acto de liquidação n.º 2013-…, referente ao período de 2012, no valor de € 56.785,85, justamente, o objecto da presente acção arbitral, não compete igualmente a este Tribunal arbitral pronunciar-se sobre a legalidade ou não de tal acto de liquidação.

Deverá, portanto, nesta parte, proceder a excepção arguida pela Requerida.

 

***

b. do fundo da causa

            Conforme a Requerida expressamente o reconhece, em questão nos presentes autos de processo arbitral está apenas apreciar a aplicação, ou não, do quociente conjugal relativamente aos rendimentos declarados pelo Requerente, no ano de 2012.

            A este propósito, dispõe o artigo 14.º do CIRS, na redacção aplicável, que:

“1 - As pessoas que vivendo em união de facto preencham os pressupostos constantes da lei respetiva, podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.

2 - A aplicação do regime a que se refere o número anterior depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respetiva declaração de rendimentos.”.

            Sustenta a este propósito a Requerida que “o estatuto tributário da união de facto incorpora nos seus pressupostos aquisitivos o requisito formal de cumprimento tempestivo da obrigação declarativa de inscrição ou atualização do domicílio no registo de contribuintes, requisito que acresce à identidade de residência habitual, não se bastando com esta.”, pelo que “Os dados comunicados à Requerida para constarem do sistema de gestão do registo de contribuintes adquirem, por esta via, um valor qualificado em sede dos pressupostos aquisitivos do estatuto tributário da união de facto, uma vez que este estatuto tem subjacente, quer a conformidade dos factos materiais com a lei que protege as uniões de facto, nos termos do artigo 14.º/1 do CIRS, quer o ónus de declarar em tempo o domicílio para efeitos fiscais, nos termos do seu n.º 2, no cumprimento de uma obrigação legal que, não obstante a sua natureza formal, constitui um instrumento essencial no combate mais eficaz à fraude e evasão fiscais, na prossecução dos princípios da justiça e da equidade fiscais.”, concluindo que “o artigo 14.º/2 do CIRS pressupõe que seja idêntico o domicílio dos sujeitos passivos em união de facto nos termos da lei respectiva, comunicado à Requerida, para constar no sistema de gestão de registo de contribuintes, há mais de dois anos a contar do dia 31 de dezembro do ano de tributação em causa”.

            Não tem sido este, todavia, o entendimento da jurisprudência que se tem pronunciado sobre tal questão, podendo consultar-se, a tal respeito, os acórdãos[5] do STA de 16-11-2016 (Proc. n.º 0761/15), do TCAS de 08-10-2015 (Proc. n.º 06685/13), e de 07-04-2011 (Proc. n.º 04550/11), bem como as decisões do processos arbitrais do CAAD[6], nos processos n.º 547/2016, 413/2016, 773/2015, 713/2015, 564/2015, 304/2015, 497/2014, tendo-se considerado inequivocamente, no primeiro dos processos referidos, que “O incumprimento do disposto no artigo 14º, n.º 2 do CIRS, na redacção em vigor à data dos factos, não impedia os interessados de optar pelo regime da tributação própria dos contribuintes unidos pelo casamento.”.

            Não se descortinando aqui motivos para dissidir da referida jurisprudência, haverá que concluir não assistir razão à Requerida no entendimento que sustenta.

            Como se escreveu no referido acórdão do STA, “As exigências vertidas no artigo 14º, n.º 2 do CIRS, indicação de uma morada comum e da assinatura conjunta da declaração de rendimentos, apenas podem ser vistas como requisitos formais que facilitam a prova perante a AT da referida união de facto e, caso os interessados não cumpram tais exigências, incumbe-lhes fazer a prova, por qualquer meio, de que podem efetivamente beneficiar do regime próprio das uniões de facto. Bem como recaem sobre os mesmos as penalidades e ónus legalmente previstos pela não atualização, junto da AT, da sua situação pessoal e familiar”.

            Ora, no caso, conforme decorre da matéria de facto acima fixada e correspondente fundamentação, foi feita prova cabal da existência de união de facto, nos dois anos anteriores ao facto tributário, pelo que, conforme arguido pelo Requerente, enferma efectivamente o acto tributário objecto da presente acção arbitral de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, como tal, ser anulado.

 

***

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, os erros que afectam a liquidação são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou o acto de liquidação ilegal por sua iniciativa.

Tem, pois, direito a ser reembolsado o Requerente da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e n.º 1 do artigo 24.º do RJAT) e, ainda, a ser indemnizado pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

***

 

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Anular o acto de liquidação de IRS nº 2014…, referente ao período de 2012, no valor de € 62.707,44, acrescido de juros compensatórios no montante de € 2 109,71;

b)      Determinar a restituição ao Requerente dos valores peticionados de imposto liquidado e pago, no valor de € 5.921,59, e de juros compensatórios liquidados e pagos, no valor de € 1.736,33;

c)      Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima discriminados;

d)      Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de € 2.448,00.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo € 64 817,15, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 24 de Agosto de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Leonardo Marques dos Santos)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

 

 

 



[1] Cfr. pontos 30 a 32 da Resposta.

[2] Cfr., neste sentido, os Acórdãos de 09-07-2014 e 23-11-2016, proferidos respectivamente nos processos 01146/13 e 039/16, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

[3] Disponível em www.dgsi.pt.

[4] Cfr. neste sentido o Ac. do STA de 20-11-2005, proferido no processo 01855/02 (disponível em www.dgsi.pt), onde se pode ler “Pela nossa parte, entendemos, com a jurisprudência maioritária que, a sentença anulatória, com efeitos retroactivos à data do acto anulado de revogação, implica o restabelecimento da situação que lhe era anterior, significando, neste caso o ressurgimento na ordem jurídica do acto de deferimento tácito.”.

[5] Todos disponíveis em www.dgsi.pt.

[6] Todas disponíveis em www.caad.org.pt