DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), José Coutinho Pires e José Nunes Barata, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
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No dia 03 de Janeiro de 2017, a A…, S.A, NIPC…, com sede na …, n.º…, …-… Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de Liquidação de Imposto do Selo nº 2016… de 2013, nº 2016… de 2014 e nº 2016… de 2015, no valor total de € 365.024,01.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que a remuneração por si recebida pela gestão dos Fundos não está sujeita a Imposto do Selo nos termos da verba 17.3.4, da TGIS, já que a Requerente não se inclui no conceito legal de “instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”, nem a gestão dos Fundos consubstancia uma operação financeira em sentido estrito nos termos daquela verba.
Mais alega a Requerente que, ainda que se acolha o entendimento de estar sujeita ao imposto de selo, estaria isenta do mesmo.
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No dia 04-01-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 27-02-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 16-03-2017.
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No dia 02-05-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A A… S.A é uma sociedade gestora de fundos de pensões, que se rege pelo disposto no Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, que regula a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões e transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva no 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais.
2- Nessa qualidade é responsável pela gestão do C…– … (…) e do C…– … (…).
3- Na sequência dos procedimentos inspetivos n.ºs OI 2016…, OI 2016… e OI 2016…, efetuados aos exercícios de 2013, 2014 e 2015 resultaram correções em sede de Imposto do Selo, verba 17.3.4 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS).
4- Nos termos da alínea d) da Cláusula 3.ª e da Cláusula 7.ª dos contratos de gestão celebrados entre o D… e a A…, esta entidade cobra diretamente ao D… uma comissão de gestão pela administração dos fundos (remuneração de gestão), a qual é estabelecida, pelo D…, no início de cada ano, sob proposta da A… .
5- Durante o ano, essa remuneração de gestão pode ser revista, por acordo entre as partes.
6- A remuneração de gestão é facturada pela A… de acordo com as cláusulas 6.ª e 7.ª dos contratos de gestão assinados com o D… .
7- Pela emissão da factura da remuneração de gestão, a A… reconhece o rédito das comissões aprovadas anualmente (e eventuais revisões), com referência a cada mês, a crédito na conta 721 – “Gestão de Fundos de Pensões”, por contrapartida da conta 27811 – “Remuneração de Gestão”.
8- No exercício da sua atividade, a A… recorre a trabalhadores cedidos pelo D…, pelo que, ao abrigo da cláusula 6.ª do acordo de cedência de trabalhadores, o reembolso dos encargos com cedência de pessoal é efetuado por encontro de contas.
9- Para cada mês, a Requerente reconhece os gastos pela faturação emitida pelo D…, relativa à cedência de pessoal, debitando a conta 63 – “Gastos com Pessoal”, por contrapartida da conta 27811 – “Remuneração de Gestão”.
10- Desta forma, o fluxo financeiro corresponde à diferença entre estas duas rubricas: a remuneração de gestão, deduzida dos valores faturados à A… pelo D… a título de cedência de pessoal.
11- É na conta 27811 – “Remuneração de Gestão” que se concretiza o encontro de contas, pelo que estes valores são liquidados quando a A… reconhece nesta conta as quantias devidas a título de “Gastos com Pessoal”, provocando uma diminuição do valor do crédito a receber do D…, constituindo assim este o momento de cobrança desses montantes.
12- O saldo remanescente dos valores a receber é arrecadado através de bancos (registado a débito da conta 12111 – “B…”) e encontra-se espelhado na conta 2789 – “O. Devedores e Credores C/Passagem”.
13- A Requerente não procede à liquidação de IVA ou Imposto do Selo sobre estas comissões de Remuneração de Gestão.
14- Tendo considerado que as comissões cobradas a um Fundo por uma A… preenchem cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva contidos na Verba 17.3.4 da TGIS, e, estão nessa conformidade, sujeitas ao imposto do selo por força do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do CIS, e que estas comissões de gestão e administração cobradas pelas Entidades Gestoras aos respetivos Fundos, não beneficiam da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, os serviços de inspecção tributária, procederam os mesmos ao apuramento do Imposto do Selo em falta atendendo à data da cobrança efectiva das comissões de remuneração de gestão e, nos casos de encontro de contas, à data do registo do encontro de contas com os Gastos com Pessoal.
15- A A… foi notificada do projeto de relatório, através do ofício n.º…, datado de 04-07-2016, registo dos CTT n.º RD … PT, tendo-lhe sido concedido prazo para o exercício do direito de audição, o que fez.
16- A AT considerou que a Requerente não apresentou factos susceptíveis de alterar as correcções propostas nos Projetos de Relatório, tendo estes dado lugar aos posteriores Relatórios Finais.
17- Em concretização das correcções levadas a cabo pelos serviços de inspecção tributária, foram emitidas e notificadas à Requerente as seguintes liquidações:
a. a Liquidação de Imposto do Selo nº 2016… de 2013, com referência às comissões cobradas pela Requerente em 2013, no valor de € 110.210,75, e ainda juros indemnizatórios, no valor de € 13.003,38;
b. a Liquidação de Imposto do Selo nº 2016… de 2014, com referência às comissões cobradas pela Requerente em 2014, no valor de € 111.427,15, e ainda juros indemnizatórios, no valor de € 10.512,04;
c. a Liquidação de Imposto do Selo nº 2016… de 2015, com referência às comissões cobradas pela Requerente em 2015, no valor de € 113.655,65, e ainda juros indemnizatórios, no valor de € 6.215,04.
18- A Requerente pagou, em prazo, as liquidações supra-referidas.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Em causa no presente processo arbitral está em primeira linha em causa a aplicação da verba 17.3.4 da TGIS, que sujeita a IS as:
“17.3 Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado: (...)
17.3.4 Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros 4%”
Relativamente a esta matéria, sustenta a Requerente que não se encontra abrangida pela previsão de tal norma, na medida em que não se subsume a qualquer dos conceitos “de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”, nem a gestão dos Fundos constituiu um serviço financeiro para efeitos da referida verba.
No que diz respeito à qualificação, ou não, das entidades que gerem fundos de pensões como instituições financeiras, trata-se de questão que foi já tratada, com profundidade e acerto, no âmbito dos processos arbitrais n.º 348/2016T, 633/2016T e 667/2016T, todos do CAAD[2], podendo-se ler no primeiro deles, em termos acolhidos pelos restantes, para além do mais, que:
“6. Para efeitos da sujeição a imposto, o legislador elege um único critério: a circunstância das comissões e contraprestações por serviços financeiros serem cobradas por determinados tipos de entidades, ponto é que se trate de operações financeiras, uma vez que as operações não financeiras em geral se encontram sujeitas a IVA e não a IS. O tipo de operações que em concreto são abrangidas é-nos dado pelas normas que definem a competência das entidades referidas.
7. Alega a Requerente que não é abrangida pela incidência da norma na medida em que o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, prevê expressamente, no artigo 6.º, n.º 3, que as entidades gestoras de fundos de pensões “não se consideram sociedades financeiras”.
8. Este argumento não tem, porém, o alcance que a Requerente pretende retirar dele.
9. Com efeito, note-se que o legislador do RGICSF, ao ter o cuidado de explicitar que aquela afirmação vale exclusivamente para efeitos do diploma em causa, não exclui que as entidades gestoras de fundos de pensões possam ser consideradas instituições financeiras noutros contextos e para outros efeitos. Neste sentido, afirma Carlos Costa Pina (Instituições e Mercados Financeiros, Coimbra, 2005, pág. 249) que essa limitação do conceito de sociedades financeiras é meramente formal, apenas para efeito da aplicação do RGICSF: na verdade, as sociedades seguradoras e as sociedades gestoras dos fundos de pensões são materialmente instituições financeiras, compondo, enquanto tais, dois relevantes subsectores institucionais do sector financeiro: o sector segurador e o sector dos fundos de pensões, uma vez o seu objeto consistir na realização de operações material e formalmente financeiras. Situação que não é alheia à tendência verificada do “progressivo desaparecimento das barreiras e das distinções entre os três setores financeiros tradicionais (banca, valores mobiliários e seguros)”, com a consequente fusão de interesses e atividades entre os diversos tipos de instituições da área financeira, em especial, entre as instituições financeiras monetárias e não monetárias, e o aparecimento de novos conceitos como os da banca universal, bancassurance, ou de assurfinance, etc., que tendem a exprimir fórmulas de colaboração entre instituições financeiras de objetos distintos mas similares concorrendo entre si.
10. Na ausência da definição expressa de um conceito de instituição financeira sempre se admitiu a existência de um conceito em sentido estrito (o constante do RGICSF-instituições financeiras monetárias) a par de um conceito amplo (instituições financeiras não monetárias). Esta distinção encontra apoio, quer no entendimento do setor financeiro em sentido amplo, que compreende os subsetores bancário, dos valores mobiliários e dos seguros, quer na legislação nacional e da União Europeia.
11. Na lei portuguesa não encontramos, uma definição de “instituição financeira”, limitando-se o legislador, na senda do que acontece ao nível do Direito da União, em várias instâncias, a listar entidades que qualifica casuisticamente como “instituições de crédito“, “sociedades financeiras” e “instituições financeiras”, para efeitos de aplicação de um determinado regime.
12. Nos termos e para os efeitos do Regulamento (EU) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, entende-se por “Instituição Financeira”: “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/EU[4], incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamentos na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamentos no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE.”
13. No ponto 27. Uma “Entidade do setor financeiro” compreende:
a) Uma instituição;
b) Uma instituição financeira;
c) Uma empresa de serviços auxiliares incluída na situação financeira consolidada de uma instituição;
d) Uma empresa de seguros;
e) Uma empresa de seguros de um país terceiro;
f) Uma empresa de resseguros;
g) Uma empresa de resseguros de um país terceiro;
h) Uma sociedade gestora de participações do setor dos seguros;
i) (…)”.
14. Para efeitos da aplicação do regime da Diretiva 2009/138/CE do Parlamento e do Conselho de 25 de novembro, relativo ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II) (reformulação), no artigo 13.º, sob a epígrafe “Definições”, ponto 25., entende-se por “Instituição financeira, qualquer das seguintes entidades:
a) Uma instituição de crédito, uma instituição financeira ou uma empresa de serviços bancários auxiliares, na acepção, respectivamente, dos pontos 1, 5 e 21 do artigo 4.º da Directiva 2006/48/CE;
b) Empresas de seguros, empresas de resseguros ou sociedades gestoras de participações no sector dos seguros na acepção da alínea f) do n.º 1 do artigo 112.º;
c) Uma empresa de investimento ou uma instituição financeira, na acepção do ponto 1 do n.º 1 do artigo 4.º da Directiva 2004/39/CE:
d) (…)”.
15. Retira-se, daqui, que uma sociedade gestora de participações no setor dos seguros cabe, na ótica deste Regulamento, nas “entidades do setor financeiro” e, por conseguinte, num conceito amplo de instituição financeira.
16. Por sua vez, na Diretiva 2003/41/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de Junho de 2003[5], relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais, encontramos várias referências no sentido do enquadramento destas entidades no conceito de instituição financeira em sentido amplo.
17. No Considerando (1) pode ler-se que o objetivo é a criação de “um verdadeiro mercado interno dos serviços financeiros”, tendo já sido realizados importantes progressos “no sentido da criação desse mercado interno, que permite às instituições financeiras desenvolver actividades noutros Estados-Membros e assegurar um elevado nível de protecção dos consumidores de serviços financeiros” (Considerando (2).
18. Também o Considerando (4) reafirma a ideia de estarmos perante “instituições financeiras” que prestam relevantes “serviços financeiros”, que exige quadro legal harmonizado no que concerne à supervisão prudencial de tais entidades.
19. O referido Considerando tem o seguinte conteúdo:
“O plano de acção para os serviços financeiros considera premente a elaboração de uma directiva relativa à supervisão prudencial das instituições de realização de planos de pensões profissionais, já que estas importantes instituições financeiras, que têm um papel-chave a desempenhar na integração, eficácia e liquidez dos mercados financeiros (…)”.
20. Esta diretiva foi transposta para o direito português através do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de janeiro, que regula a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões, dispondo o seu artigo 32.º que “[o]s fundos de pensões podem ser geridos quer por sociedades constituídas exclusivamente para esse fim, designadas no presente Decreto-Lei por sociedades gestoras, quer por empresas de seguros que explorem o ramo «Vida» e possuam estabelecimento em Portugal.”
21. O n.º 4 do mesmo preceito dispõe que “[a]s entidades gestoras realizam todos os seus actos em nome e por conta comum dos associados, participantes, contribuintes e beneficiários e, na qualidade de administradoras de fundos, podem negociar valores mobiliários ou imobiliários, fazer depósitos bancários na titularidade do fundo e exercer todos os direitos ou praticar todos os actos que directa ou indirectamente estejam relacionados com o património do fundo.” Porém a estas entidades gestoras são também vedadas algumas atividades, quando actuem como gestoras de fundos de pensões, tais como adquirir ações próprias, contrair empréstimos, exceto quando seja justificado por inequívoca necessidade de liquidez do fundo de pensões e conceder empréstimos, com exceção de empréstimo hipotecário aos seus trabalhadores (artigo 36.º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 12/2016, segundo a redação dada pela lei n.º 147/2015, de 9 de setembro).
22. No que se refere às regras prudenciais a observar, o artigo 38.º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 12/2006, segundo a redação dada pelo artigo 4.º da Lei nº 147/2015, de 9 de setembro, que estabelece o regime jurídico de acesso e exercício da atividade seguradora e resseguradora, bem como o regime processual aplicável aos crimes especiais do setor segurador e dos fundos de pensões e às contraordenações cujo processamento compete à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de pensões, dispõe que:
“São aplicáveis às sociedades gestoras de fundos de pensões, com as necessárias adaptações, as disposições do regime jurídico de acesso e exercício da actividade seguradora e resseguradora, aprovado pela Lei n.º 147/2015, de 9 de setembro, relativas a:
a) Controlo dos detentores de participações qualificadas;
b) Registo das pessoas que dirigem efetivamente a empresa, a fiscalizam ou são responsáveis por funções-chave;
c) Requisitos de qualificação e de idoneidade das pessoas que dirigem efetivamente a empresa, a fiscalizam, são responsáveis por funções-chave ou exercem funções-chave;
d) Acumulação de cargos e incompatibilidades;
e) Registo de acordos parassociais;
f) Uso ilegal de denominação.”
23. No que se refere às regras prudenciais, importa ter presente que as sociedades gestoras de fundos de pensões estão igualmente sujeitas “a dispor de uma margem de solvência disponível suficiente em relação ao conjunto das suas atividades” (artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 12/2006 - segundo a redação dada pela Lei n.º 147/2015), margem essa determinada em função dos compromissos assumidos estabelecidos nos termos do artigo 46.º do mesmo diploma.
24. Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 7.º dos Estatutos da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) (aprovados pelo Decreto-Lei n.º 1/2015 de 6 de março), são atribuições desta designadamente “supervisionar e regular a atividade seguradora, resseguradora, de mediação de seguros e de fundos de pensões, bem como as atividades conexas ou complementares” [n.º1 alínea a)].
25. As entidades gestoras de fundos de pensões não apenas se aproximam das congéneres sociedades gestoras que atuam no setor segurador e ressegurador do ponto de vista dos requisitos formais e materiais da sua atividade, como estão igualmente sujeitas à supervisão da ASF (cfr. em especial, 17.º, 19.º, 20.º, 24.º, 30º, 32.º, e 38.º, nº2, do DL n.º 12/2006, segundo a redação introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 147/2015).
Ante o supra exposto, extrai-se diretamente do regime legal aplicável, em especial do direito da União, que as entidades gestoras de fundos de pensões realizam operações material e formalmente financeiras aproximando-se pelas características da sua atividade das empresas de seguros e de resseguros. Donde a conclusão natural do seu enquadramento no conceito amplo de instituição que opera no sistema financeiro.
26. Aqui chegados, impõe-se determinar qual o sentido de instituição financeira recebido pelo legislador na verba 17.3.4 da TGIS.
27. Recorde-se que o preceito se refere a operações “realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras” (negrito nosso).
28. Começando pela letra do preceito, repare-se que o legislador, depois de se referir “a instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas” acrescenta e “quaisquer outras instituições financeiras” aponta expressamente para um conjunto mais vasto de instituições financeiras do que o composto pelas instituições de crédito e sociedades financeiras, sob pena de tal referência se mostrar desprovida de sentido.
29. Dito por outras palavras, a letra da lei aponta necessariamente para um conceito de instituição financeira mais amplo do que os de instituições de crédito e sociedades financeiras que são expressamente referidas.
30. Afigura-se, desta forma, inequívoco poder extrair da letra do preceito que as sociedades gestoras de fundos de pensões preenchem o tipo de quaisquer outras instituições financeiras previsto na verba 17.3 da TGIS.”
Ao quanto vem de se citar, acresce que, no preâmbulo do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro, se refere que “ao proceder-se à reforma da regulamentação geral do sistema financeiro português, com exclusão do sector de seguros e de fundos de pensões”[3], de onde se verifica que, há longo tempo se considera que os fundos de pensões integram o sistema financeiro português, e que resulta do artigo 1.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pelo , que os fundos de pensões, não obstante sujeitos a regime especial, são instituições financeiras do tipo “organismo de investimento colectivo”.
Conclui-se, deste modo, que a Requerente está abrangida pela previsão da verba 17.3.4, da TGIS, na parte em que se refere a “quaisquer outras instituições financeiras”.
No que diz respeito à alegação da Requerente segundo a qual a gestão dos Fundos não constituiu um serviço financeiro para efeitos da referida verba, considera-se igualmente não merecer procedência.
Com efeito, e desde logo, sendo, como se vem de ver, as entidades gestoras de fundos de pensões, instituições financeiras, naturalmente que a actividade própria de tais entidades – a gestão de fundos de pensões – não se poderá deixar de ter como uma actividade financeira.
Por outro lado, o artigo 68.º do já citado Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, refere, para além do mais, que:
“1 - A sociedade gestora de fundos de investimento mobiliário tem por atividade habitual a gestão, alternativa ou cumulativamente, de organismos de investimento coletivo em valores mobiliários, organismos de investimento alternativo em valores mobiliários e de organismos de investimento em ativos não financeiros.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a sociedade gestora de fundos de investimento mobiliário cuja atividade habitual seja a gestão de organismos de investimento coletivo em valores mobiliários pode ainda, mediante registo prévio na CMVM, exercer as seguintes atividades:
a) Gestão discricionária e individualizada de carteiras por conta de outrem, incluindo as correspondentes a fundos de pensões e instituições de realização de planos de pensões profissionais, com base em mandato conferido pelos participantes, a exercer nos termos do Decreto-Lei n.º 163/94, de 4 de junho, alterado pelos Decretos-Leis n.º 17/97, de 21 de janeiro, e n.º 99/98, de 21 de abril, desde que as carteiras incluam instrumentos financeiros enumerados na secção C do anexo I da Diretiva n.º 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004;
b) Consultoria para investimento relativa aos instrumentos financeiros a que se refere a alínea anterior;
c) Registo e depósito de unidades de participação de organismos de investimento coletivo.
3 - Quando a atividade habitual da sociedade gestora de fundos de investimento mobiliário abranja a gestão de organismos de investimento alternativo em valores mobiliários ou de organismos de investimento em ativos não financeiros:
a) As atividades referidas nas alíneas a) e b) do número anterior podem respeitar a outros ativos;
b) A sociedade pode ainda exercer a atividade de receção e transmissão de ordens relativas a instrumentos financeiros.”
Do normativo transcrito resulta, também, que as actividades próprias da gestão de fundos de pensões, ali referidas, dever-se-ão qualificar como operações financeiras, quanto mais não seja por serem próprias e reservadas a instituições financeiras, e serem objecto de regulação própria no âmbito de tal sector.
Por fim, nota-se ainda que em sede de IVA, a “A administração ou gestão de fundos de investimento” está isenta, no ponto 27 do artigo 9.º, previsão dedicada, manifestamente, a operações de índole financeira.
Assim, e por todo o exposto, aqui, como na jurisprudência arbitral anteriormente citada, se conclui que se verificam os pressupostos de incidência do IS, em especial os previstos na verba 17.3.4 da TGIS.
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Aqui chegados cumpre aferir se, como pretende a Requerente, se verificam os pressupostos da isenção prevista na alínea e) do artigo 7.º do CIS, ou se, como sustenta a Requerida, tal não ocorre.
Na redacção aplicável (Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro)”, é o seguinte o teor daquela norma:
“Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças”.
Também esta matéria foi objecto de aturada análise na jurisprudência arbitral atrás citada, tendo-se concluído no processo 348/2016T, em termos acolhidos nos acórdãos subsequentes que:
“34. A isenção prevista na alínea e) do artigo 7.º do CIS assume natureza mista, em parte objetiva e noutra parte subjetiva. É objetiva na medida em que abrange todas as operações aí previstas “os juros e comissões cobradas, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituição de crédito”. É, por outro lado, subjetiva porquanto a isenção de tais operações se restringe às realizadas entre determinadas entidades: instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras.
35. A aplicação desta norma tem suscitado divergências quanto ao tipo de entidades abrangidas e quanto à natureza das operações beneficiadas pela isenção.
36. Quanto ao âmbito subjetivo
37. A aplicação desta norma ao caso em apreço pressupõe que tanto as sociedades gestoras de fundos de pensões possam ser qualificadas como os fundos de pensões possam ser qualificados como instituições financeiras.
38. Concluímos atrás que as sociedades gestoras de fundos de pensões integram o conceito amplo de instituições financeiras, não havendo razões para excluir que também aqui vigore o referido conceito amplo de instituição financeira.
39. Na verdade, na falta de indicação da lei em sentido diferente, deve entender-se, por força dos princípios da segurança e da certeza jurídicas e da própria unidade do sistema fiscal, que o mesmo conceito de instituição financeira tem um sentido e extensão uniformes em todo o Código e Tabela Geral e não um sentido e extensão diferentes, mais amplo em caso de normas de incidência e mais estrito em normas de isenção: O mesmo deve dizer-se, aliás, do conceito de operações financeiras, ou serviços financeiros, a que reporta a verba 17.3.4. da Tabela Geral.
40. De qualquer modo, importa, ainda, que os mesmos requisitos subjetivos se verifiquem em relação aos fundos de pensões, uma vez que apenas as operações mencionadas realizadas entre estas entidades estariam isentas. A aplicação da isenção às comissões cobradas aos fundos pelas sociedades gestoras depende de se considerarem instituições financeiras, tanto as sociedades gestoras que cobram as comissões de gestão, como os fundos que as devem.
41. Segundo o artigo 2.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 12/2006, na redação dada pela Lei nº 147/2015, de 9 de setembro, entende-se por “Fundo de pensões”: “património autónomo exclusivamente afeto à realização de um ou mais planos de pensões e ou planos de benefícios de saúde, podendo ainda simultaneamente estar afeto ao financiamento de um mecanismo equivalente nos termos da Lei n.º 70/2013, de 30 de agosto”.
42. Não obstante estarmos perante um património autónomo desprovido de personalidade jurídica, aos fundos de pensões é reconhecida personalidade jurídica para efeitos fiscais e, por outro lado, os mesmos integram-se, tal como as respetivas entidades gestoras, no conceito de instituições financeiras em sentido amplo.
43. Em primeiro lugar, a qualificação como instituição financeira dos fundos de pensões é reconhecida no relatório de inspeção, do qual resulta a liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, a partir do referido Parecer n.º 25/2013 do Centro de Estudos Fiscais, que qualifica como instituições financeiras os organismos de investimento coletivo em geral, independentemente de estarem ou não abrangidos pela Diretiva n.º 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, designadamente os fundos de investimento alternativo que são os fundos de capital de risco. Por identidade de fundamentos, tal qualificação de instituições financeiras estender-se-ia aos fundos de pensões.
44. Constaria a mesma qualificação igualmente do projeto de decisão notificado à Requerente para efeitos do exercício do direito de audição.
45. Por outro lado, a qualificação como instituições financeiras, tanto dos fundos de pensões como das sociedades gestoras, assenta no artigo 30º, nº 1, alíneas e) e f), do Código dos Valores Mobiliários e de outra legislação comunitária abundantemente referida no projeto de decisão e no mencionado Parecer nº 25/2013 do Centro de Estudos Fiscais, que expressamente aglutinam no mesmo conceito de instituição financeira os fundos de pensões e respetivas sociedades gestoras.
46. Em especial, resulta desse artigo 30º, nº 1, alíneas e) e f), do Código dos Valores Mobiliários serem instituições financeiras, sujeitas à intervenção da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, todos os investidores qualificados referidos nas alíneas a) a l) e entre esses investidores qualificados figurarem os fundos de pensões.
47. É de referir que a expressa qualificação como instituições financeiras dos fundos de pensões e respectivas sociedades gestoras apenas seria efectuada pelo Decreto-Lei nº 66/2004, de 24 de Março, cujo art. 1º alteraria o art. 30º do Código dos Valores Mobiliários, já que a redacção inicial desse art. 30º limitava-se a qualificar de investidores qualificados as sociedades gestoras dos fundos de pensões e não os fundos de pensões.
48. Por força dessa alteração legal, no entanto, a alínea e) do nº 1 do art. 30º do Código dos Valores Mobiliários definiria como investidores qualificados tanto os fundos de pensões como as sociedades gestoras.
49. A subsequente alínea f) desse nº 1, ao identificar as instituições financeiras com as características de investidores qualificados, mencionaria expressamente, entre essas instituições financeiras, os fundos de pensões e sociedades gestoras, os fundos de titularização de créditos e sociedades gestoras e fundos de capital de risco e sociedades gestoras.
50. Tal qualificação dos fundos de pensões como instituições financeiras resulta também de, nos termos do artigo 32.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Junho, a sociedade gestora atuar não apenas por conta comum mas em nome dos fundos, pelo que os atos praticados por aquela não podem deixar de se refletir diretamente na esfera dos fundos, para efeitos da sua qualificação como instituições financeiras. Situação similar é a dos fundos de investimento, que são havidos como instituições financeiras, enquanto tais, sujeitos a IRC, nos termos do artigo 22.º, n.º 1, do EBF. No entanto, porque os fundos de investimento, como os fundos de pensões, não dispõem de capacidade jurídica, atuando através da sociedade gestora, que atua com independência dos investidores, não são os fundos mas a sociedade gestora quem está sujeito às disposições do RGICSF.
51. Resulta, assim, quer da legislação da União quer da portuguesa que os fundos de pensões integram o conceito amplo de instituições financeiras sendo equiparados às respetivas entidades gestoras, nos termos e para os efeitos da incidência subjetiva prevista na verba 17.3.4 da TGIS.
52. Quanto ao âmbito objetivo
53. Nesta sede, a questão que concretamente se coloca é a de saber se o âmbito da norma de isenção se restringe, dentro do universo dos serviços financeiros, a operações e serviços tipicamente bancários donde seriam de excluir designadamente as comissões cobradas por entidades gestoras de fundos de pensões aos respetivos fundos. É de referir, no entanto, que, no desenho da norma de incidência da verba 17.3.4, como já acontecia na anterior Tabela Geral, o legislador não se limitou a incluir os serviços bancários, mas todo o universo, hoje muito mais amplo, dos serviços financeiros.
54. Para responder a esta questão, impõe-se interpretar a norma recorrendo aos critérios de hermenêutica jurídica, em especial, os elementos histórico, literal e teleológico.
55. Elemento histórico e literal
56. Realce-se que inicialmente não estava prevista na norma inscrita na Tabela anexa ao Regulamento do Imposto do Selo relativa às “operações bancárias” qualquer isenção para as operações aí identificadas.
57. De acordo com o art. 120º-A da anterior Tabela Geral, aprovada pelo art. 1º do Decreto nº 21.916 de 28 de Novembro de 1932, a tributação das operações financeiras não sujeitas ou isentas de IVA, excluídas da incidência do imposto do selo, nos termos do art. 3º da Lei nº 3/86, de 7 de Fevereiro, era regulada pela alínea e) do art. 120º- A, salvo quando fossem por garantias prestadas, caso em que era regulada pela alínea f).
58. Despacho do Subdirector-Geral das Contribuições e Impostos de 19 de Novembro de 1992, proferido no Processo n º 12/120º-A, Livro 10/3376, da 6º Direcção de Serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (transcrito in Madeira Curvelo e Joaquim dos Ramos Costa, “O Imposto do selo- Regulamento e Tabela Comentados e Anotados”, Coimbra, 1994, pág. 433), com o fundamento de a incidência da alínea c) do art. 120º- A da Tabela Geral depender de as operações que originaram a cobrança das comissões serem realizadas ou intermediadas por instituições de crédito ou sociedades financeiras esclareceria que as comissões cobradas aos fundos de pensões pelas sociedades gestoras não estavam sujeitas a imposto do selo da alínea c) do art. 120º da Tabela Geral.
59. Tal posição seria confirmada por despacho do Subdirector-Geral das Contribuições e Impostos de 12 de Março de 1999, dirigido ao Presidente da Associação Portuguesa de Bancos, citado pelo referido Parecer do Centro de Estudos Fiscais. De acordo com esse despacho, as sociedades gestoras, por, como as seguradoras, estarem excluídas expressamente do âmbito de aplicação do RGICSF pelo nº 3 do seu art. 6º, não sendo, assim, susceptíveis de serem qualificadas como sociedades financeiras para efeitos da aplicação das normas do referido Regime, não eram sujeitos passivos de imposto do selo. Não havia, assim, qualquer isenção das comissões cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões tais comissões não estavam sujeitas a imposto do selo, não se colocando, assim, a questão da isenção.
60. Consultado o art.º 120-A, n.º 2, da Tabela Geral do Imposto do Selo, por exemplo, na redação de 1979 em que ainda se mantinha a redação do Decreto-Lei n.º 16732 de 1929.04.13, observa-se que as operações financeiras sujeitas a imposto do selo – inscritas em apenas 2 números – não beneficiavam de qualquer isenção.
61. Só mais tarde, foram previstas isenções, mas tão só circunscritas aos juros, da seguinte forma: “Ficam isentos do imposto os juros dos empréstimos concedidos para aquisição de habitação própria, bem como os devidos por instituições de crédito ou parabancárias a instituições da mesma natureza” (redação do nº 1 do art. 120º-A dada pelo Decreto-Lei n.º 154/84, de 16.05).
62. O DL 223/91, que alterou os artigos 13.º, 15.º, 27.º-A, 94.º, 120.º-A, 120.º-B, 141.º e 145.º da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pelo Decreto 21.916 de 28 de Novembro de 1932, além dos juros, prevêem-se outras isenções, mas não há referência a comissões.
63. Posteriormente, o nº 2, alínea b), 1ª parte, do art. 120º-A, na redacção dada pelo art. 1º da Lei nº 24/94, de 18 de Julho, adaptando o anterior nº 1 à nova terminologia introduzida pelo RGICSF, passaria a isentar de imposto do selo os juros cobrados por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades legalmente equiparadas a instituições, sociedades ou entidades da mesma natureza, umas e outras domiciliadas em território português.
64. Com a aprovação do Código do Imposto do Selo da Tabela anexa pelo art. 1º da Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, com a epígrafe “Outras isenções”, o artigo 6.º do CIS, alíneas e) e f), dispunha:
“e) Os juros cobrados e a utilização do crédito concedido por instituições de crédito …”
f) As comissões cobradas por instituições de crédito …”
65. Em suma, nos termos da alínea e), do n.º 1 do artigo 6.º, na numeração originária do artigo 1.º da Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, estavam isentos de imposto do selo os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objeto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997.
66. A alínea f) desse n.º 1 ampliaria a isenção às comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objeto preenchessem os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, desde que igualmente cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997.
67. Com esta alteração, a isenção do imposto do selo, anteriormente limitada aos juros, passaria a também abranger a concessão de crédito e os juros e comissões cobradas, nos termos definidos nessas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 6º, no que parecia ser um claro incentivo à atividade financeira, com a consequente atenuação da tributação em cascata que, ao contrário do IVA, caracteriza este tipo de impostos (é referir que a revisão do imposto do selo no sentido de assegurar uma maior neutralidade do imposto e da própria tributação das comissões cobradas vinha prevista na Resolução do Conselho de Ministros nº 119/97, de 14 de Julho, que continha as linhas gerais para a reforma do imposto do selo (ver também o Relatório “Estruturar o sistema fiscal para o Portugal desenvolvido”, publicado pelo Ministério das Finanças, Coimbra, 1998, pp. 282 e 283).
68. O enquadramento das isenções de imposto do selo das operações financeiras em que interviessem exclusivamente instituições de crédito e sociedades financeiras constaria de alíneas separadas, dado serem distintos os pressupostos das isenções aplicáveis respetivamente à utilização do crédito e aos juros e às comissões cobradas: no primeiro caso, a isenção aproveitava às instituições de crédito e sociedades financeiras, no segundo caso, exclusivamente às instituições de crédito.
69. A isenção dessas alíneas e) e f) do nº 1 do art. 6º do Código do Imposto do Selo, no entanto, como anteriormente se referiu, apenas se aplicava respetivamente à concessão de crédito e juros cobrados por instituições de crédito e sociedades financeiras a entidades da mesma natureza, ou seja outras instituições de crédito e sociedades financeiras e às comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições de crédito e não às sociedades financeiras e outras instituições financeiras.
70. No entanto, o artigo 37.º da Lei n.º 30-C, de 29 de Dezembro de 2000 (Orçamento do Estado para o ano de 2001), veio introduzir ao artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, as seguintes alterações:
Artigo 6.º
“[...]
“e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças;
f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças.
2 - O disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas.
[...]”.
71. Com a nova redação, dada ao n.º 2 do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, o legislador determinou que as isenções previstas nestas duas alíneas se restringissem “às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito”.
72. O legislador veio dizer expressamente que a aplicação da norma de isenção se limitava precisamente à concessão de crédito e aos juros e comissões que lhe estão associados, de tal modo que a isenção apenas seria de aplicar às comissões da verba 17 quando estivessem diretamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas nas alíneas anteriores.
73. Como resulta da expressão “directamente destinadas”, foi propósito do legislador limitar a isenção referida nas alíneas e) e f), às operações diretamente ligadas com a concessão de crédito e, mesmo dentro das operações de crédito as ligadas, ao financiamento da atividade da concessão de crédito desenvolvida pelas instituições de crédito mutuárias.
74. De fora da isenção ficaria, por exemplo, o crédito obtido por instituições de crédito com vista ao financiamento da aquisição de outras instituições de crédito ou empresas em geral, para aquisição da sede social ou para adoção de planos de reestruturação empresarial.
75. A isenção em causa ficaria, assim, limitada ao crédito, respetivos juros e comissões associadas ao contrato, com vista ao financiamento da atividade tradicional das instituições de crédito, a concessão de crédito.
76. Não está em causa, assim, o que o legislador pretendeu dizer: o nº 2 introduzido no art. 6º visa limitar o sentido e alcance das isenções das alíneas e ) e f) do nº 1.
77. O legislador, no entanto, não conferiria formalmente qualquer carácter interpretativo a tal disposição, deixando em aberto o seu carácter interpretativo ou inovatório.
78. É de referir, no entanto, que até à entrada em vigor da Lei nº 30-C/2000, a Administração Fiscal, não obstante os esclarecimentos abundantes prestados sobre a aplicação dos novos Código e Tabela Geral do Imposto do Selo à atividade bancária (ver em especial a Circular nº 15/2000, de 5 de Julho) jamais declararia as isenções das alíneas e) e f) se aplicarem apenas às operações diretamente relacionadas com a concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras. Não se conhece igualmente qualquer litígio sobre o assunto, motivado por a Administração Fiscal ter atuado de acordo com essa interpretação da lei que, aliás, jamais publicamente exprimiu.
79. O art. 30º da Lei nº 32- B/2002, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2003) aboliria o nº 2 do art. 6º do Código do Imposto do Selo, na redação introduzida pelo art. 37º, nº 1, da Lei n 30-C/2000, passando os nºs 3 e 4 da anterior redação a ser os nºs 2 e 3 da nova redação. Fundiria, por outro lado, em uma só alínea, a e), as anteriores alíneas e) e f).
80. A referida nova alínea e), resultante da fusão das anteriores alíneas e) e f) passou a isentar de imposto os juros e comissões cobradas, bem como a utilização do crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades cuja forma e objeto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.
81. Tal norma legal ampliaria, assim, em primeiro lugar, a isenção do imposto do selo, então limitada ao crédito, incluindo os respetivos juros, concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a entidades da mesma natureza ao crédito, incluindo os respetivos juros concedidos por instituições de crédito e sociedades financeiras às sociedades de capital de risco, então reguladas pelo Decreto-Lei nº 319/2002, de 29 de Dezembro.
82. A isenção seria ampliada, em segundo lugar, às comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades financeiras e sociedades de capital de risco.
83. Foi, assim, expressamente e não apenas tacitamente eliminada a limitação da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras.
84. Segundo a Administração Fiscal, a eliminação do n.º 2 do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo não teria qualquer alcance prático. Para a entidade Requerida, a limitação da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras decorria da nova alínea e), resultante da fusão entre as anteriores alíneas e) e f). Por sua vez, a eliminação do anterior n.º 2 terá ficado a dever-se ao facto de com a fusão das referidas alíneas tal norma legal ter deixado de ser necessária a essa limitação, tornando-se, assim, supérflua.
85. A letra do preceito, atenta a nova redação que lhe foi dada, e a razão de ser da alteração introduzida contrariam, porém, esta tese.
86. Vejamos.
87. A primeira inovação substancial introduzida no artigo 6.º do CIS resultaria da remodelação do regime de investimento em capital de risco entretanto operada pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 29 de Dezembro, que este último instrumento legislativo fortemente estimularia, nomeadamente através de novos incentivos fiscais.
88. Aquela inovação consistiria na ampliação da isenção às comissões e juros cobrados e ao crédito utilizado pelas sociedades de capital de risco no âmbito das operações realizadas entre as sociedades de capital de risco e instituições de crédito ou sociedades financeiras. Por não serem instituições de crédito, as sociedades de capital de risco não aproveitavam dos benefícios previstos na anterior redação dessas alíneas.
89. Por outro lado, a isenção passaria a abranger as comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades financeiras, incluindo as sociedades de capital de risco.
90. O legislador harmonizaria os pressupostos da isenção da alínea e) com os da alínea f): tal como a isenção da alínea e), a isenção da alínea f) passaria a abranger as operações que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito, sociedades financeiras e fundos de capital de risco e não apenas as operações em que o destinatário fosse instituição de crédito. Uniformizando-se os regimes em um só, óbvias razões de simplicidade e clareza impunham que deixassem de constar de alíneas separadas, o que foi feito.
91. Assim sendo, a razão de ser da fusão das alíneas não tem a ver com a incorporação na nova alínea e) do n.º 1 do expressamente revogado n.º 2 do artigo 6.º, mas com a uniformização dos pressupostos da isenção de imposto do selo do crédito concedido e dos juros cobrados com o das comissões cobradas em operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito e sociedades financeiras.
92. No mesmo sentido do propugnado vai a letra do preceito.
93. Com efeito, a expressão “bem como”, que quer dizer “igualmente”, “também” e “do mesmo modo”, utilizada na nova redação da alínea e) quer dizer claramente a isenção dos juros e comissões cobradas se aplicar em termos idênticos à utilização do crédito. Chama a atenção para a uniformidade dos pressupostos da isenção de imposto do selo do crédito concedido e dos juros cobrados com o das comissões cobradas, em operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito e sociedades financeiras, não tendo qualquer alcance restritivo.
94. A expressão “utilização do crédito” não limita, assim, retroativamente o alcance da isenção dos juros e comissões anteriormente referidas, no sentido de apenas abranger os juros e comissões relativas a operações de crédito.
95. A Administração Fiscal interpreta essa alínea e) como se dissesse: “Estão isentos de imposto os juros e comissões cobradas, bem como a utilização do crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades cuja forma e objecto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças, em operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas entidades anteriormente referidas”.
96. Ora, tal interpretação, além de não ter qualquer suporte legal, é tanto mais absurda quando o objeto das sociedades de capital de risco não é a concessão de crédito mas a aquisição de instrumentos de capital próprio e alheio em atividades de elevado potencial de desenvolvimento.
97. Como resulta dos arts. 2º e 7º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 319/2002, as sociedades de capital de risco não podiam, aliás, como ainda não podem, conceder crédito.
98. O crédito obtido pelas sociedades de capital de risco não pode, assim, ser utilizado por estas sociedades para conceder crédito.
99. A produção de efeitos do nº 2 do então art. 6º do Código do Imposto do Selo, para além da sua revogação expressa, implicaria as sociedades de capital de risco estarem sujeitas a imposto do selo nos termos gerais, com a consequente inutilidade do art. 30º da Lei nº 32-B/2002, o que obviamente não se deve presumir ter sido a vontade do legislador.
100. É de referir, mesmo assim, que a nova redação da norma continuaria a não isentar de imposto do selo o crédito concedido e os juros e comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras a outras instituições financeiras, ou seja, instituições financeiras não abrangidas no âmbito de aplicação do RGICSF, como as empresas seguradoras, salvo quando a entidade mutuária fosse sociedade de capital de risco.
101. Manteve-se, assim, o enquadramento anterior das comissões cobradas aos fundos de pensões pelas sociedades gestoras, bem como, aliás, das comissões cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de capital de risco.
102. Posteriormente, no entanto, o artigo 36.º, n.º1, da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2004), daria nova redação ao artigo 6.º, n.º1, alínea e), que passaria a isentar de imposto do selo as garantias prestadas, os juros e comissões cobradas e, bem assim, a utilização do crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco a outras sociedades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.
103. Com esta alteração, o âmbito objetivo da isenção seria ampliado às garantias prestadas e no plano subjetivo aos tipos de instituições financeiras previstos na legislação comunitária, em que se incluem os fundos de pensões regulados na Diretiva 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, e não exclusivamente as instituições de crédito e sociedades financeiras reguladas no RGCSF.
104. O objeto principal da atividade das instituições financeiras excluídas da aplicação do RGICSF não é a concessão de crédito. Também o não é, aliás, das próprias sociedades financeiras reguladas no RGICSF.
105. A limitação da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida, preconizada pela Administração Fiscal tornaria, assim, de todo inútil a alteração do artigo 36.º, n.º 1, da Lei n.º 107-B/2003 que ampliaria às instituições financeiras que não fossem instituições de crédito e sociedades financeiras incluindo fundos de pensões e fundos de capital de risco, o universo subjetivo dos destinatários da isenção da alínea e) do nº 1 do artigo 6.º, tudo se passando como tal redação não tivesse sido alterada.
106. Em suma, a evolução histórica do preceito aponta de forma clara que apenas no período em que vigorou a redação dada pelo artigo 37.º da Lei n.º 30-C de 29 de Dezembro (que acrescentou um n.º 2 ao artigo 6.º), a isenção tinha claramente como elemento catalisador o crédito concedido nos termos mencionados em tal normativo, no sentido de crédito obtido pelas instituições de crédito junto das instituições de crédito para emprestar posteriormente aos seus clientes.
107. No que se refere em particular às comissões cobradas a isenção apenas se podia aplicar àquelas que tivessem subjacente operações destinadas à concessão de crédito, por força da restrição introduzida no mencionado n.º 2 do artigo 6.º.
108. A partir do momento em que por vontade expressa do legislador aquele n.º 2 foi revogado e se dá a fusão das alíneas e) e f) numa única alínea e), o preceito perdeu homogeneidade inicial, com a consequente erosão do elemento catalisador da concessão do crédito. Perda de homogeneidade que é acentuada com as alterações introduzidas pela Lei n.º 107-B/2003, indo no mesmo sentido a razão de ser que presidiu, como vimos, às sucessivas alterações que o preceito foi sofrendo. Essa homogeneidade inicial apenas se manteria se fosse admissível, à luz dos critérios gerais de interpretação das leis, a sobre-vigência de uma norma revogada e jamais repristinada.
109. Pelas razões expostas não podemos deixar de concluir que a isenção do artigo 7º, nº 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo não se restringia, anteriormente à entrada em vigor da Lei nº 7-A/2016, às operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras, como se defende no relatório de inspeção em que a liquidação se baseou.
110. Aquela restrição apenas voltou a ser expressamente instituída pela Lei nº 7-A/2016.”
Subscreve-se em termos gerais, nesta parte igualmente, o entendimento veiculado no acórdão transcrito.
Com efeito, e não obstante não se ter por concludente o argumento sustentado no regime relativo ao capital de risco (que não ficou esvaziado pelo regime emergente da Lei nº 7-A/2016), face à revogação expressa do n.º 2 do artigo 6.º, considera-se que não tem qualquer apoio literal ou sistemático o entendimento de que a excepcionação consagrada naquela revogada nova (e repristinada pela referida Lei nº 7-A/2016) se manteve em vigor.
De resto, a jurisprudência não arbitral conhecida[4], relativa à isenção que nos ocupa, não só não é concludente no sentido que dela retira a AT, como inclusivamente aponta no sentido oposto.
Efectivamente, apesar de sumariada, frequentemente, no sentido de que “A isenção concedida pelo art.º 7.º nº 1 al. e) do CISelo, na redacção do DL n.º 287/2003NOV12, alterada pela Lei n.º 107-B/2003DEZ31, tem como elemento catalisador, - a que se reportam os juros, as comissões cobradas, as garantias prestadas ou a (sua) mera utilização -, o crédito concedido nos termos mencionados no mesmo normativo”[5], o certo é que tal jurisprudência se sustenta em doutrina que afirma que:
“Nos termos desta norma beneficiam de isenção do imposto a que se referem os números 10 e 17 da Tabela as garantias prestadas e as operações financeiras efectuadas por instituições de crédito e sociedades financeiras às sociedades de capital de risco e a outras sociedades e entidades da mesma natureza domiciliadas na União Europeia ou noutro Estado, salvo se domiciliadas em países, territórios ou regiões que sejam considerados “paraísos fiscais.” A isenção abrange, além da concessão de crédito, outras operações financeiras não necessariamente com ela conexas realizadas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras, no âmbito da sua actividade, desde que tenham como destinatárias as entidades referidas nesta norma”[6].
Deste modo, a referida jurisprudência, que determina a não abrangência na isenção da al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, ora em causa, das situações sujeitas à verba 22 da TGIS, terá subjacente o entendimento de que tal isenção abrange as situações sujeitas aos números 10 e 17 da TGIS – como é o presente caso – e que a isenção abrange, além da concessão de crédito, outras operações financeiras não necessariamente com ela conexas, como também é o caso.
Face ao exposto, conclui-se assim que a isenção da al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS abrange as comissões sujeitas nos termos do ponto 17.3.4 da TGIS, desde que cobradas, e referentes a serviços prestados, entre as entidades ali previstas.
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Aqui chegados, cumpre apreciar da aplicabilidade ao caso do disposto no artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, que qualifica como norma interpretativa o n.º 7 do artigo 7.º do CIS, introduzido pelo artigo 152.º da mesma lei.
A propósito desta questão, escreveu-se no sobre-citado acórdão proferido no processo arbitral 348/2016T:
“112. De acordo com o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, estão isentos de imposto:
“Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliárias nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.” (…)
113. Por sua vez, o n.º 7 do mesmo preceito tem o seguinte conteúdo:
“O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea”.
114. A redação da alínea e) foi dada, como vimos, pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, e o n.º 7 foi aditado, pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de Março ( Lei do Orçamento de Estado para 2016), tendo por sua vez o artigo 154.º qualificado de norma interpretativa o referido n.º 7.
115. Como é sabido, a lei interpretativa integra-se na lei interpretada (artigo 13.º do Código Civil), aplicando-se a situações e factos anteriores. No entanto, ao fixar uma das interpretações possíveis da lei anterior com que os interessados podiam e deviam contar, e uma solução os tribunais poderiam ter adotado, não é suscetível de violar as expetativas seguras e legitimamente fundadas dos cidadãos.
116. O problema emerge quando o legislador designa uma norma de “lei interpretativa” quando na verdade está em causa uma lei inovadora, tratando-se em muitas situações de um disfarce da retroatividade da lei nova.
117. Para Baptista Machado uma lei nova é realmente interpretativa se se verificarem dois requisitos:” que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a LN vem consagrar, então esta é decididamente inovadora”.
118. Aplicando os critérios expostos ao caso em apreço, a explanação feita supra [A)2-] afigura-se clara quanto ao caráter incerto da solução de direito contida na norma em apreço, pelo menos no sentido que a AT lhe pretende atribuir. De igual modo, ficou também demonstrado que a lei nova veio consagrar um sentido que pelo menos depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 32-B/2002, é claramente inovador. Tanto assim que a lei nova veio precisamente reintroduzir uma redação para este n.º7 do artigo 7.º do CIS muito similar à redação que havia sido instituída pela Lei do Orçamento do Estado para 2001 para o então artigo 6.º do CIS e que vigorou até ser expressamente revogada pela Lei n.º 32-B/2002 (Lei do Orçamento do Estado para 2003).
119. No sentido do caráter inovador do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, repete-se que, se num primeiro momento, o da Lei nº 30-C/2000, o legislador pretendeu restringir a isenção do então artigo 6.º, n.º 1, alínea e), às operações diretamente destinadas à concessão de crédito, num segundo momento, o da Lei n.º 32-B/2002, o mesmo legislador quis abolir essa limitação, restabelecendo o regime anterior, através da revogação expressa do n.º 2 do artigo 6.º do CIS. Finalmente, num terceiro momento, através das alterações introduzidas pela Lei n.º 107-B/2003, o legislador ampliou ainda mais essa isenção, no sentido de abranger, entre outras operações, as comissões cobradas por instituições financeiras, ainda que não sejam instituições de crédito ou sociedades financeiras, a instituições da mesma natureza.
120. O teor literal da expressão “bem assim”, que tem inequivocamente um alcance ampliativo e não restritivo da 1ª parte do artigo 6º, nº 1, alínea e), não pode extrair-se, como pretende a Requerida, a intenção do legislador do artigo 36.º, n.º1, da Lei nº 107-B/2003, a repor a exclusão da isenção das comissões às operações diretamente relacionadas com a concessão de crédito que tinha sido revogada no ano anterior, pela Lei n.º 32-B/2002.Tal interpretação é, aliás, incompatível com o sentido geral da nova redação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, que vai no sentido de ampliar a isenção às comissões cobradas por instituições financeiras a outras instituições financeiras.
121. A Lei do Orçamento para 2016 veio, desta forma, restringir o campo de aplicação da isenção em imposto do selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, e, sendo designada pelo legislador de interpretativa, será aplicada desde a vigência da norma interpretada. Os sujeitos passivos serão, desta forma, confrontados com a imposição de um encargo fiscal, apenas balizado pela caducidade do imposto, com que não contavam nem poderiam em princípio prever, de acordo com as regras de hermenêutica aplicáveis.
122. E nem se argumente no sentido não inovador da Lei n.º 7-A/2016, a jurisprudência dos tribunais tributários superiores, iniciada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21 de Setembro de 2010, processo 2754/08, e confirmada, embora com oscilações de fundamentação, por posteriores e recentes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente, entre outros o de 18 de Janeiro de 2016, processo 0835/16, de 15 de Junho de 2016, processo 770/15, de 9 de Junho de 2016, processo 01630/15, e de 3 de Novembro de 2016, processo 0976/16. É de referir que a argumentação da Fazenda Pública em todos esses processos não foi qualquer interpretação restritiva da alínea e) do nº 1 do art. 7º do Código do Imposto do Selo, mas a mediação de seguros não ser uma atividade financeira. A colocação dos seguros junto do público não seria, assim, uma operação financeira e por isso não estaria abrangida pela incidência da verba 17.3.4. da Tabela Geral. Estaria sujeita a uma tributação diferente, a da verba 22.2.
123. Segundo essa jurisprudência estariam sujeitas e não isentas de imposto do selo as comissões cobradas às empresas seguradoras pelas instituições de crédito ou outras entidades financeiras, legalmente autorizadas, tais como meros particulares, a exercer a atividade de mediação de seguros, nos termos do Decreto-Lei nº 144/2006, de 31 de Julho, sem que do facto resulte a sua redenominação em instituições financeiras.
124. Ora, a referida jurisprudência não abrange, no entanto, ao contrário do que parece resultar da argumentação da Requerida, direta ou indiretamente, as comissões de gestão dos fundos de pensões cobradas aos fundos pelas sociedades gestoras e, em geral, as comissões ou outras contraprestações resultantes da prestação de serviços financeiros, sujeitos à verba 17.3.4.
125. As comissões a que se reporta essa jurisprudência são, na verdade, as comissões cobradas pelo exercício da atividade de mediação seguradora, tributadas pela verba 22.2, que se distingue da prestação de serviços financeiros abrangidos pela verba 17.3.4, ambas da TGIS.
126. O imposto do selo sobre essas comissões tem natureza distinta daquele a que se refere a verba 17.3.4. da Tabela Geral: na verdade, como refere o Acórdão de 15 de junho de 2016 anteriormente citado, essas comissões não são a contraprestação de qualquer serviço financeiro mas um serviço que, embora conexo com uma atividade financeira, no caso, a atividade seguradora e, por isso, isento de IVA nos termos do n.º 29.º, atual 28.º, do Código do IVA e objeto da regulação específica no Decreto-Lei n.º 144/2006, não é materialmente um serviço financeiro, ainda quando prestado por instituição de crédito, como admite o artigo 11.º do referido Decreto-Lei.
127. Aquele imposto não é, ao contrário do previsto nessa sub-verba 17.3.4. um imposto indireto, mas um imposto direto, incidindo sobre o proveito bruto do mediador, através do sistema de retenção na fonte efetuada pela empresa seguradora.
128. É o que diretamente resulta da já referida alínea o) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo, que considera esse imposto encargo do mediador e não da empresa seguradora, que se limita a deduzir o imposto nas comissões pagas ao mediador.
129. Em suma, as comissões de mediação, além de a sua causa ser o exercício de uma atividade substancialmente não financeira, não são, segundo essa jurisprudência, cobradas ao cliente do mediador, motivo pelo qual não estão sujeitas ao imposto do selo da verba 17.3.4. nem estão abrangidas pela isenção do artigo 6.º [atual artigo 7.º, n.º 1, alínea e)], do Código do Imposto do Selo.
130. Não é, desse modo, legítima a extrapolação dessa jurisprudência sobre o sentido e alcance do mencionado preceito para o caso dos autos e em ordem a excluir da isenção do imposto do selo as comissões cobradas em virtude do exercício da atividade de gestão de fundos de pensões. Nem tão pouco pode ser invocada essa jurisprudência como corrente jurisprudencial consolidada consagradora de um sentido inequívoco que resultasse claramente da lei antiga e que a lei nova se tivesse limitado a acolher[18].
131. Em suma, pelas razões que vão expostas, considera-se que a Lei n.º 7-A/2016 veio, através da interpretação conjugada dos seus artigos 152.º e 154.º, delimitar o âmbito material da isenção prevista no artigo 7.º, n.º1, alínea e), do CIS, de forma inovadora. Aqueles preceitos ao instituírem uma redação que não constava na ordem jurídica desde 2003 têm de considerar-se retroativos e, como tal, inconstitucionais, por violação do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica. (...)
132. Ainda que se entendesse estarmos perante verdadeira norma interpretativa (lei interpretativa material e não puramente formal), a legitimidade do alcance interpretativo do artigo 7.º, n.º1, alínea e), do CIS conferido pelos artigos 152.º e 154.º da Lei n.º 7-A/2016 estaria sempre ferida de inconstitucionalidade, por violação da proibição constante o artigo 103.º, n.º3, da CRP.
133. Senão vejamos.
134. Desde a revisão constitucional de 1997 encontra consagração constitucional expressa o princípio da não retroatividade dos impostos, dizendo-se no n.º 3 do artigo 103.º da CRP que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da legislação, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”
135. Como refere Nuno M. Morujão, “a doutrina fiscal maioritária que se debruça especificamente sobre o problema das normas interpretativas, não se lhes opõe, desde que se trate de normas interpretativas “autênticas “”.
136. No entanto, para outros autores, “no domínio fiscal, havendo norma constitucional expressa a proibir a retroatividade pouco importa avaliar se a lei interpretativa o é em sentido material ou apenas em sentido formal (no caso de se tratar de lei inovadora)”. Saldanha Sanches, em anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 275/98, de 9 /3/1998 (proc n.º 370/97), pondera que “ a mudança constitucional tem de ser interpretada como uma espécie de crítica do legislador à jurisprudência constitucional: o legislador constitucional, ao modificar a lei e ao acrescentar mais uma garantia no texto constitucional, está a afirmar implicitamente que neste campo a jurisprudência constitucional não concedeu uma tutela efetiva aos direitos fundamentais do contribuinte”, concluindo, que “não nos parece que a lei interpretativa possa ter lugar em matéria fiscal: se até aqui o que estava em causa eram as leis falsamente interpretativas, a revisão constitucional veio impedir os efeitos retroativos de qualquer norma, em matéria fiscal, incluindo os provocados por norma interpretativa”.
137. No mesmo sentido, Jónatas Machado e Paulo Nogueira da Costa[22] referem que as normas interpretativas “não têm apenas uma natureza declarativa, produzindo efeitos constitutivos. Na medida em que vinculam os tribunais a uma determinada interpretação, entre várias em abstrato possíveis e já acolhidas por outros tribunais, elas implicam, inevitavelmente, uma aplicação retroativa da lei interpretanda”.
138. A mencionada doutrina vai, no fundo, ao encontro da jurisprudência afirmada, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/2000, processo 762/98, relativo à constitucionalidade do artigo 28.º, n.º 7, da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março, sobre a dedutibilidade da derrama enquanto custo de exercício de IRC. É de referir que o sentido do Acórdão não é contrariado pelos votos de vencido, que divergem apenas sobre a fundamentação da decisão.
139. Aquele Acórdão consideraria as leis interpretativas que vinculem retroativamente o intérprete serem incompatíveis com a proibição da criação de impostos retroativos introduzida pela Quarta Revisão.
140. Sendo certo, para o Tribunal Constitucional, que as leis autenticamente interpretativas, não abalam, verdadeiramente, as expetativas concretas anteriores dos destinatários das mesmas, no caso de a interpretação tornada vinculativa já ser conhecida e tiver sido mesmo aplicada. Todavia, mesmo nesses casos, a vinculação interpretativa que tais leis comportam, ao tornar-se critério jurídico exclusivo da aplicação do texto anterior da lei, nos casos em que a lei constitucional proíba a sua retroatividade, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários.
141. A exclusão pela lei interpretativa de outras interpretações propugnadas, seguindo ainda esse Acórdão, leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica, com a consequente frustração do princípio constitucional da irretroatividade dos impostos.
142. Nesta medida, prosseguiria o Acórdão, poder-se-á entender que a lei interpretativa, ainda que autêntica, ao pretender vigorar para o período anterior à sua emissão, nos termos do n.º 1 o artigo 13.º do Código Civil, altera o contexto de auto -vinculação dos órgãos de aplicação do Direito ao Direito e, consequentemente, afeta a segurança dos destinatários das normas protegida por uma proibição (constitucional) de retroatividade.
143. Haveria, consequentemente, nesta última situação, uma garantia de segurança mais forte inerente à proibição de retroatividade.
144. No presente caso, não existia, antes da edição da norma interpretativa, qualquer corrente doutrinária ou até jurisprudencial que sustentasse a posição que adotou, não se podendo considerar como tal, é evidente, a fundamentação do ato impugnado.
145. Nessa medida, no que concerne ao novo n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, a interpretação que é dada à alínea e) do anterior n.º 1, pelo artigo 152.º, com o alcance do artigo 154.º ambos da Lei n.º7-A/2016, não pode ser considerada genuinamente autêntica. A genuinidade da interpretação é pressuposto de aplicação de toda e qualquer norma formalmente interpretativa.
146. De facto, a única orientação doutrinária anterior à entrada em vigor da Lei nº 7-A/2016, no sentido de as comissões isentas nos termos da alínea e) do nº 1 do art. 7º do Código do Imposto do Selo, é aquela em que se fundamentaram as liquidações impugnadas, pelo que não pode ser considerada, a não ser que se legitime a prática de legislativamente, pela edição de normas apenas formalmente interpretativas, se resolverem os litígios entre a Administração Fiscal e os contribuintes.
147. Mesmo que o fosse, como resulta da jurisprudência do Tribunal Constitucional, a norma interpretativa constante do referido artigo 154.º, por implicar imposto retroativo, sempre violaria o n.º 3 do artigo 103.º da CRP, pelo que, nos termos do seu artigo 204º, não poderia ser aplicada no caso sub judice.
148. Por tudo o que vai exposto, não assiste razão à Autoridade Tributária ao não considerar as comissões cobradas pela Requerente isentas de Imposto do Selo em conformidade com o disposto no artigo 7.º, n.º1, alínea e), do CIS.
149. Termos em que procede o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de Imposto do Selo e juros compensatórios objeto do pedido arbitral, por erro de direito quanto ao sentido e alcance dos mencionados preceitos, com a consequente anulação das mesmas.”
Também aqui, finalmente, se subscreve o decidido no acórdão que se vem transcrevendo.
Efectivamente, como se escreveu no recente Ac. 267/2017, de 31-05-2017, do Tribunal Constitucional[7]:
“do ponto de vista da Constituição, para que uma disciplina normativa autoqualificada como meramente interpretativa seja considerada constitutiva (de novo direito) e, como tal, substancialmente retroativa, basta a verificação de que à norma interpretada na sua primitiva versão pudesse ter sido imputado pelos tribunais um sentido que, na sequência da norma interpretativa, ficou necessariamente excluído
Dado o conteúdo gravoso para os contribuintes da nova solução legal – visto que tende a agravar o quantum devido (..) –, a pretensão de a mesma se aplicar a anos fiscais anteriores ao do início da sua vigência mostra-se flagrantemente incompatível com a proibição constitucional de impostos retroativos (cfr. o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição).”.
É esse, precisamente, o caso do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, que em obediência e com os fundamentos do decidido pelo Tribunal Constitucional, haverá, in casu, de desaplicar, por inconstitucionalidade, na medida em qualifica como norma interpretativa o n.º 7 do artigo 7.º do CIS, introduzido pelo artigo 152.º da mesma lei.
Assim, e face a tudo o que atrás se expôs, conclui-se que as liquidações objecto da presente acção arbitral enfermam de erro de direito, devendo, como tal, ser anuladas, procedendo o pedido arbitral formulado.
***
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso, os erros que afectam a liquidação são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou o acto de liquidação ilegal por sua iniciativa.
Tem, pois, direito a ser reembolsada a Requerente da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e n.º 1 do artigo 24.º do RJAT) e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,
a) Anular os actos de Liquidação de Imposto do Selo nº 2016… de 2013, nº 2016… de 2014 e nº 2016… de 2015, no valor total de € 365.024,01;
b) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima discriminados;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de € 6.120,00.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 365.024,01, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 6.120,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se, incluindo o Ministério Público.
Lisboa 30 de Agosto de 2017
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(José Coutinho Pires)
O Árbitro Vogal
(José Nunes Barata)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[4] Cfr. Acs. do TCA-Sul de 21-09-2010 (p. 02754/08), e do STA de 15/06/2016 (p. 0770/15), de 29/06/2016 (p. 01630/15), de 03-11-2016 (0976/16), de 18-01-2017 (0835/16), de 05-04-2017 (01391/16), e de 28/06/2017 (p. 01627/15), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Cfr., p. ex., o Ac. do STA de 28-06-2017, proferido no processo 01627/15 (disponível em www.dgsi.pt).
[6] Idem, sublinhados nossos.