Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 600/2016-T
Data da decisão: 2019-12-10  IUC  
Valor do pedido: € 24.535,19
Tema: IUC – Reforma da Decisão Arbitral (anexa à decisão).
*Substitui a decisão arbitral de 18 de agosto de 2017.
IUC – Reforma da Decisão Arbitral de 10 de dezembro de 2019 por conter manifesto lapso (em anexo).
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Despacho Arbitral

 

Veio a Requerente requerer a reforma da decisão arbitral proferida por entender conter a mesma manifesto lapso na parte em que se considerou não ter sido feita prova de que a Requerente não provou ter vendido as viaturas automóveis referentes ao IUC objecto do pedido arbitral.

Notificada a Requerida, nada disse. Cumpre decidir.

Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 616º do CPC, a parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quando, não cabendo recurso da mesma, “por manifesto lapso do juiz, tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”.

O RJAT, e designadamente o seu art. 25º, estabeleceu que as decisões arbitrais em matéria tributária não são, em regra, susceptíveis de recurso.

Não se vislumbrando a possibilidade de ser interposto recurso da decisão proferida nos autos, não poderá ser afastada a possibilidade de a Requerente solicitar a reforma da decisão nos termos em que o fez.

Tem razão a Requerente quando refere existir lapso na decisão, de que nos penitenciamos.

 

Com efeito, no segmento dos factos dados por não provados existe lapso de redacção quando se refere que “Não se deu por provado que a Requerente tivesse já vendido os demais veículos automóveis a que respeitam as liquidações impugnadas nas datas a que as mesmas respeitam” pois aí se deverá ter por escrito: “Não se deu por provado que a Requerente tivesse em vigor contratos de locação financeira relativamente aos demais veículos automóveis a que respeitam as liquidações impugnadas nas datas a que as mesmas respeitam”.

Erro que é manifesto, uma vez que só esta redacção corrigida está em conformidade com o corpo da decisão, quando se refere:

- “Da prova documental que a Requerente juntou aos autos constata-se que, efectivamente, num grande número de situações - todas as descritas na alínea d) da relação de factos provados

-              à data da exigibilidade do imposto, estavam em vigor contratos de locação financeira ou equiparados, por si celebrados com terceiros.

-              Todavia, no que respeita a todos os demais casos não incluídos na aludida alínea d) da relação de factos provados, constata-se que os contratos celebrados já haviam terminado”.

Avança-se, do mesmo modo, que tal constatação resulta precisamente do mapa discriminativo que a Requerente anexou aos autos e, mais precisamente, da coluna onde se refere “Data Fim Contrato”.

Da análise desse mapa (que, diga-se lateralmente, foi de difícil e demorada análise) se conseguiu alcançar quais os contratos de locação financeira que, à data das liquidações impugnadas, estavam em vigor e os demais em que, por tal não suceder, a Requerente era, enquanto normal proprietária (não locadora), o sujeito passivo do IUC.

Acresce que o contrato de locação financeiro é um contrato formal cujo documento de titulação deve, no caso de bens móveis sujeitos a registo – como sucede com os veículos automóveis - conter a indicação, feita pelo respectivo signatário, do número, data e entidade emitente do bilhete de identidade ou documento equivalente emitido pela autoridade competente de um dos países da União Europeia ou do passaporte (art. 3º, n.º 4 do DL 149/95, de 24 de Junho, com as sucessivas alterações). Quer isso dizer que para que um contrato de locação financeira automóvel se prolongue validamente para além do prazo nele previsto, terá necessariamente que existir documento escrito com a mesma formalidade que o titule. De nada disso fez prova a Requerente.

Daí, a procedência parcial do pedido.

 

Decorre do exposto que se defere o pedido de reforma e, em consequência, se rectifica o segmento da relação de factos não provados que deverá ter a seguinte redacção:

- Não se deu por provado que a Requerente tivesse em vigor contratos de locação financeira relativamente aos demais veículos automóveis a que respeitam as liquidações impugnadas nas datas a que as mesmas respeitam

Mantém-se, no demais a decisão proferida nos seus exactos termos.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de Fevereiro de 2020

 

O árbitro

 

António Alberto Franco

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

Proferida decisão arbitral, foi a mesma objecto de recurso de impugnação para o TCA Sul que, julgando-o procedente, a anulou por entender existir omissão de pronúncia, razão porque que agora se reformula toda a decisão.

 

1. A..., pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., Lisboa, na qualidade de incorporante, por fusão, da extinta sociedade B..., SA, que teve o n.º de pessoa colectiva  ... e a mesma sede da ora requerente, apresentou, em 06-10-2016, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo. 102º do CPPT, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

 

2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de 497 autoliquidações de Imposto Único de Circulação (IUC) relativas aos anos de 2009 a 2014, no valor global de 24.535,19 €, e do acto de indeferimento da reclamação graciosa às mesmas referentes, com o consequente reembolso do imposto pago, bem como o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 07-10-2016.

 

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, que comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.

 

3.2. Em 30-11-2016 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 19-12-2016.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

3.5. Em 10-07-2017 teve lugar a reunião prevista no art. 18º do RJAT em que foram ouvidas as testemunhas arroladas pela Requerente.

 

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

A requerente é uma instituição financeira que tem por objecto social a prática das operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos e que no exercício da sua actividade, celebra com os seus clientes contratos de aluguer de aluguer de longa duração (ALD), contratos de aluguer de curta duração (Renting) e contratos de locação financeira (Leasing) de veículos automóveis.

Não obstante ter sido surpreendida com os valores de IUC e JC que constavam do Portal das Finanças / área reservada, uma vez que foi sempre seu apanágio ter a sua situação tributária devidamente regularizada e atendendo aos enormes constrangimentos e prejuízos decorrentes do seu não pagamento, tomou a iniciativa de autoliquidar e pagar os respectivos IUC e JC, obtendo os respectivos documentos para pagamento por via da internet, no Portal das Finanças, conquanto discordasse dessas autoliquidações e pagamento.

Todavia, por delas discordar, apresentou tempestivamente reclamação graciosa, uma vez que estando em causa autoliquidações, o prazo para a sua apresentação é de dois anos e, não, cento e vinte dias.

A AT baseou-se única e exclusivamente na informação constante do Registo Automóvel (IRN – Instituto de Registos e Notariado, e IMTT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres), designadamente a falta de “averbamento” de qualquer locatário e a circunstância das viaturas estarem registadas em nome da A... nas datas da exigibilidade do IUC (datas de aniversário das viaturas em relação à data da matrícula inicial).

Nas datas a que se referem as liquidações em causa, a A...:

a) ou já tinha vendido as viaturas em questão a terceiros;

b) ou já as tinha locado a terceiros – terceiros, estes, que eram assim os utilizadores dos veículos e em cujo interesse os veículos entraram em circulação rodoviária.

Acresce que as viaturas em questão não entraram no circuito rodoviário no interesse, por conta ou por virtude da detenção, posse ou propriedade da A..., tendo algumas delas sido por ela vendidas antes da data da exigibilidade do IUC, sendo evidente que a A... não era a proprietária das mesmas naquelas datas.

As vendas da A... a terceiros ocorrem precisamente na data da emissão das facturas pela A... a esses terceiros compradores – facturas, essas, que portanto titulam as vendas das viaturas e que e são enviadas automática e imediatamente, após a sua emissão, aos respectivos clientes (compradores ou locatários).

O preço de venda é pago à A... na data da emissão da factura de venda, mas também nos casos em que a A... locou as viaturas a favor de terceiros, e lhes concedeu a opção de compra das respectivas viaturas por força dos contratos de locação, a A... não era a responsável pelo pagamento do IUC.

Sustenta, em suma, o seu pedido, no entendimento de que o art. 3º do CIUC – em que a AT se estriba para exigir os impostos em causa - estabelece uma mera presunção legal, relativa, juris tantum.

Por outro lado, defende que a função essencial do registo é apenas dar publicidade ao acto, não tendo qualquer eficácia constitutiva funcionando como mera presunção ilidível da existência do direito, bem como da respectiva titularidade

Conclui, por isso, a requerente pela ilegalidade das autoliqudações objecto do pedido arbitral, bem como do aludido despacho de indeferimento.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, tendo sustentado em síntese:

Da análise da reclamação graciosa interposta, verifica-se que tendo a mesma sido apresentada em 2015-07-24 e a data de pagamento mais recente ser de 2014-09-30, se encontra largamente ultrapassado o prazo de 120 dias (artigo 102º, nº 1 do CPPT, ex vi artigo 70º, nº 1 do mesmo Código), para a apresentação da mesma, não podendo nunca a Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento  de uma reclamação graciosa extemporânea, na sua totalidade.

Acresce que, embora o n.º 2 do art. 16º do CIUC refira que a liquidação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo, não estamos perante uma “autoliquidação” no verdadeiro sentido, uma vez que é a Administração Fiscal que efetua o apuramento do montante a pagar pelo sujeito passivo que se limita a imprimir a guia de pagamento do imposto devido, não fazendo qualquer operação de cálculo.

Desta forma, a Requerente não podia lançar mão do procedimento previsto no artigo 131.º CPPT, por não estarmos perante uma autoliquidação, nem perante erro imputável aos serviços, mas sim perante uma liquidação de imposto.

A seguir-se a propugnada tese defendida pela Requerente quanto ao facto do artigo 3.º do CIUC consagrar uma presunção ilidível, então forçoso é concluir que o funcionamento daquele artigo (i.e., a ilisão da presunção) depende igualmente do cumprimento do estatuído no artigo 19.º do CIUC, conforme se retira o seu elemento literal («para efeitos do artigo 3.º do presente código (…)], não tendo a Requerente feito qualquer prova quanto ao cumprimento desta obrigação no que respeita aos veículos automóveis ora em análise.

Por outro lado, o entendimento propugnado pela requerente incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e, por último, decorre de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC.

O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3º, nº 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no nº 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontram registados.

Realça que o legislador não usou a expressão “presume-se”, como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontram registados”.

O normativo fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do nº1 do artigo 3º, em que o legislador fiscal, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, expressa e intencionalmente, consagra o que deve considerar-se legalmente, para efeitos de incidência, de rendimento, de isenção, de determinação e de periodização do lucro tributável, para efeitos de residência, de localização, entre muitos outros.

Trata-se de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel.

Mesmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afecta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, nos termos estabelecidos no CIUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito derroga a norma geral), o legislador tributário quis intencional e expressamente que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.

À luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela requerente no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel, o registo dessa qualidade, é manifestamente errada, na medida em que é própria ratio do regime consagrado no Código do IUC que constitui prova clara de que o que o legislador fiscal pretendeu foi criar um Imposto Único de Circulação assente na tributação do proprietário do veículo tal como constante do registo automóvel.

Por outro lado, a factura não é apta a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático, como é a compra e venda, pois aquele documento não revela por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade por parte do pretenso adquirente.

A inequívoca declaração de vontade dos pretensos adquirentes poderia ser indiciada mediante a junção da cópia do modelo oficial para registo de propriedade automóvel, pois trata-se de um documento assinado pelas partes intervenientes

Conclui, por isso, a requerida pela legalidade dos acto tributários em crise, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, pelo que, não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços.

 

6. Foi realizada a reunião a que se refere o art. 18º do RJAT, tendo nessa ocasião sido inquiridas as testemunhas arroladas pela Requerente, tendo, de seguida, as partes feito alegações orais.

 

II – SANEAMENTO

 

7.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

 

7.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Legitimidade da Requerente que decorre do facto de ter incorporado por fusão a sociedade em nome de quem foram emitidas as liquidações objecto do processo. E assim é na medida em que, com a extinção das sociedades incorporadas, os direitos e obrigações de que aquelas eram titulares transmitiram-se para a requerente, face ao disposto no art. 112º, a) do Código das Sociedades Comerciais.

 

7.3. Invoca a Requerida a extemporaneidade do pedido de constituição de tribunal arbitral, por ser também extemporânea a apresentação da reclamação graciosa, cujo acto de indeferimento agora se impugna.

Vejamos:

É manifesto que as liquidações objecto do presente pedido arbitral foram efectuadas pela própria Requerente, no que se designa por autoliquidação. O que decorre, aliás, do próprio Código do IUC.

É esse, efectivamente, o meio normal de liquidação do IUC. Nesse sentido dispõe o art. 16º, n.º 2: “a liquidação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo através da internet, nas condições de registo e acesso às declarações elctrónicas”.

Autoliquidação que, em qualquer dos casos, seria sempre obrigatória para a Requerente, na medida em que o mesmo preceito impõe que aquela é obrigatória para as pessoas colectivas.

Por sua vez, o art. 131º do CPPT impõe, de forma inequívoca, que “em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa”, a qual deverá ser apresentada no prazo de dois anos.

Procedimento obrigatório que a Requerente observou e de forma tempestiva.

Sendo certo que, de acordo com o disposto no art. 2º, n.º 1, a) do RJAT, pese embora os tribunais arbitrais sejam competentes para a apreciação da declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, daí não resulta a sua competência sem balizamento, uma vez que se lhes impõe que decidam de acordo com o direito constituído e, designadamente com o disposto no CPPT [art. 2º, n.º 4 e 29º, n.º 1, a) do RJAT].

Donde resulta que o pedido arbitral deve, de igual modo, nos casos de autoliquidação ser precedido de reclamação, o que a requerente fez no prazo legal.

Improcede, desse modo, a excepção deduzida pela Requerida, sendo o pedido arbitral tempestivo.

 

7.4. A Requerente pretende ver apreciada a ilegalidade das liquidações de IUC com base em duas circunstâncias de facto diferentes: por, à data das liquidações, não ser a proprietária dos veículos automóveis em causa, por os ter alienado a terceiros ou por os ter locado a terceiros.

Nos termos do disposto no artigo 3º, n.º 1 do RJAT, “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

À face desta norma, é admissível a cumulação de pedidos relativos a actos diferentes, mas é necessário que a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

No caso em apreço, a fundamentação da ilegalidade dos actos de liquidação em causa no pedido arbitral, tem subjacente diferentes situações de facto, pelo que se afigura inadmissível a cumulação de pedidos relativos a actos tributários diferentes.

Tendo a Requerente sido notificada para indicar o pedido que pretendia ver apreciado no processo, esclareceu que o reservava para a “parte em que este respeita aos veículos já locados à data da exigibilidade do IUC”, indicando expressamente, por requerimento de 10-09-2019, as liquidações que pretendia ver excluídas do pedido arbitral (com os n.ºs 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011... 2012..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2012..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2012..., 2012..., 2013..., 2012l..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011... e 2012...).

Desse modo, o objecto do pedido restringe-se à apreciação dessa questão, sendo declarado quanto ao demais a absolvição da instância.

 

7.5. O processo não enferma de nulidades.

 

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

8. Matéria de facto

8.1. Tendo presente que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental junta aos autos e à prova testemunhal produzida, consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A Requerente incorporou, por fusão, a extinta sociedade B..., SA, que teve o n.º de pessoa colectiva ... .

b)           Sendo uma instituição financeira que tem por objecto social a prática das operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos e que no exercício da sua actividade, celebra com os seus clientes contratos de aluguer de aluguer de longa duração (ALD), contratos de aluguer de curta duração (Renting) e contratos de locação financeira (Leasing) de veículos automóveis.

c)            Procedeu à autoliquidação e pagamento das liquidações objecto do pedido arbitral.

d)           A Requerente tinha em vigor contratos de locação de financeira, contratos de aluguer de veículo sem condutor ou contratos de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, à data da emissão das seguintes liquidações de IUC:

                2010..., 2011..., 2010..., 2011..., 2012..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2010..., 2011..., 2012..., 2012..., 2011.., 2010..., 2011..., 2010..., 2011..., 2012..., 2011..., 2012..., 2011..., 2012..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2009..., 2011..., 2012..., 2011..., 2012..., 2009..., 2009..., 2011..., 2011..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2009..., 2009..., 2010..., 2011..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2013..., 2012..., 2013..., 2012..., 2012..., 2012..., 2009..., 2012..., 2012..., 2012..., 2012..., 2009..., 2012..., 2014..., 2009..., 2010..., 2013..., 2009..., 2010..., 2012..., 2012..., 2011..., 2009..., 2012..., 2012..., 2009..., 2011..., 2014..., 2012..., 2009... e 2014... .

e)           A Requerente presentou, em 24-07-2015, reclamação graciosa das liquidações em crise, a qual mereceu despacho de indeferimento, cuja notificação foi expedida por registo postal em 07-07-2016.

 

8.2.        FACTOS NÃO PROVADOS

               

                Não se deu por provado que a Requerente tivesse já vendido os demais veículos automóveis a que respeitam as liquidações impugnadas nas datas a que as mesmas respeitam.

 

8.3.        A matéria dada por provada e não provada teve como base os documentos juntos ao processo pela Requerente (e, de modo particular, o último ficheiro apresentado), o processo administrativo junto pela Requerida e os depoimentos das testemunhas arroladas pela requerente, C... e D..., funcionárias daquela, os quais se revelaram isentos e esclarecidos.

 

 

III.2. Matéria de Direito

 

A questão de fundo a apreciar no presente processo reside, em suma, na interpretação a dar ao n.º 1 do art. 3º do CIUC no sentido de apurar se a norma de incidência subjectiva, nele contida, estabelece uma presunção legal juris tantum – e, como tal, susceptível de ilisão (como sustenta a Requerente) ou, pelo contrário, uma definição expressa e intencional da incidência pessoal, no sentido de que é necessariamente sujeito passivo do imposto aquele em nome de quem o veículo automóvel está registado como proprietário.

 

Dispõe o n.º 1 do art. 3º do CIUC: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares e colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados”.

 

Com base na redacção deste preceito, sustenta a Requerida - AT - que a base de incidência pessoal, que este define, não comporta hoje qualquer presunção legal, uma vez que aquele transmite de forma expressa e intencional o pensamento do legislador tributário, no sentido de se considerar, de modo irrefutável, como sujeitos passivos do IUC as pessoas em nome das quais os veículos automóveis se encontrem registados.

 

Aduz em abono da sua tese, razões hermenêuticas de interpretação da lei, com apelo não só à sua literalidade, como aos elementos sistemático e teleológico.

 

Invocação plena de sentido, na medida em que, de acordo com o disposto no art. 11º da LGT, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”. É que, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., em anotação a tal artigo, “… sem afastar a letra da lei, que tem de ser a principal referência e ponto de partida do intérprete, se exclui a sua aplicação automática, supondo que nas leis há uma racionalidade operante que o intérprete se deve esforçar por reconstruir”.

 

É, pois, dentro deste quadro de interpretação da lei fiscal, no caso o art. 3º, n.º 1 do CIUC, que teremos de encontrar a resposta ao antagonismo de posições entre a Requerente e a Requerida.

 

Para a AT é decisivo para a determinação do sujeito passivo do IUC o registo de propriedade do veículo automóvel, de modo a que será considerado como tal, de modo irreversível, aquele em nome de quem este está registado.

 

O registo de propriedade de veículos é, face ao disposto no art. 5º, n.º 1, a) e n.º 2 do DL 54/75, de 12 de Fevereiro, obrigatório, pelo que, qualquer direito de propriedade que incida sobre a viatura está sujeito a registo, com o que se pretende a segurança do comércio jurídico, bem como a publicidade da situação jurídica dos mesmos.

 

Tal registo goza, nos termos do disposto no art. 7º do Código do Registo Predial (aplicável ao registo automóvel por força do art. 29º do referido DL 54/75), da “… presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

 

Temos, por isso, que a inscrição de registo de propriedade do veículo é, também ela, uma presunção de que o direito de propriedade sobre o mesmo existe nos termos constantes do registo.

 

Quer dizer, o registo de propriedade automóvel não constitui qualquer condição de validade dos contratos a ele sujeitos, à semelhança do que ocorre com o registo predial (cujo regime, como já apontamos, é extensivo ao registo automóvel); o registo tem uma função meramente declarativa.

 

Acontece que o art. 5º, n.º 1 do Código do Registo Predial, impõe que “os factos sujeitos a registos só produzem efeito contra terceiros depois da data do respectivo registo”. Do que parece resultar que tal bastaria para que a AT invocasse a ausência de registo para fazer funcionar de imediato o art. 3º, n.º 1 do CIUC, exigindo o pagamento do imposto àquele em nome de quem o veículo está registado, por ser o sujeito passivo do imposto.

 

Sucede que o n.º 4 do art. 5º do Código do Registo Predial restringe tal entendimento, ao determinar que “terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”. Donde resulta que, por essa via, nunca a AT estaria habilitada a invocar a falta de registo, na medida em que não preenche o conceito de terceiro.

 

Posto isto em termos gerais, há que apurar se, pese embora o que vem de referir-se, o n.º 1 do art. 3º do CIUC contém, ou não, uma presunção legal.

 

Tudo está, em suma, em determinar se a expressão “considerando-se”, ali utilizada, tem a natureza de presunção legal.

 

Parece mais ou menos evidente que, quer do ponto de vista sistemático, quer teleológico, a expressão “considerando-se”, adoptada no n.º 1 do art. 3º do CIUC contempla uma verdadeira presunção, a isso não se opondo a aparente literalidade da expressão, nem o ordenamento tributário.

 

A este propósito, referem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., em anotação ao art. 73º, pag. 651: “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão “presume-se” ou semelhante, como sucede, por exemplo, nos n.º 1 a 5 do art. 6º, na alínea a) do n.º 3 do art. 10º, no art. 19º e 40º, n.º 1, do CIRS. No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real …”, enumerando-se depois um conjunto de exemplos.

 

Entendemos que é precisamente esse o caso contemplado pelo art. 3º, n.º 1 do CIUC: uma presunção implícita, no caso, uma presunção de incidência subjectiva. Presunção, aliás, que sempre existiu no domínio do imposto de circulação automóvel, pese embora anteriormente definido de forma explícita.

 

Ora, o n.º 2 do art. 350º do Código Civil estabelece que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos expressamente previstos na lei.

 

E, no que respeita à ilisão das presunções, temos por boa a doutrina a que o STJ recorreu na fundamentação do Assento n.º 1/91 de 03-04-1991 (DR n.º 114, de 18 de Maio) - para classificar como juris tantum uma presunção estabelecida num diploma laboral - defendida por Vaz Serra [Provas (direito probatório material), BMJ 110-112, pag. 35], bem como por Mário de Brito (Código Civil Anotado, pag. 466) e Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, pag. 429): “… as presunções juris tantum constituem a regra, sendo as presunções jure er de jure a excepção. Na dúvida, a presunção legal é juris tantum, por não se dever considerar, salvo referência da lei, que se pretendeu impedir a produção de provas em contrário, impondo uma verdade formal em detrimento do real provado”.

 

Por seu turno, no âmbito do direito tributário, o art. 73º da LGT dispõe que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”. O que significa que todas as presunções em matéria de incidência tributária, como a que o n.º 1 do art. 3º do CIUC consagra, são juris tantum e, como tal, ilidíveis.

 

Aliás, no que ao IUC respeita, pareceria ofensivo à unidade do sistema jurídico-legal – e até, com as devidas adaptações, em oposição aos n.º 2 e 3 do art. 11º da LGT - que um indivíduo viesse a considerar-se como não proprietário de um bem para efeitos civis e tivesse de o ser necessariamente para efeitos tributários.

 

No presente pedido arbitral a Requerente, nos termos já acima abordados, entende não ser o sujeito passivo do IUC uma vez que, à data da sua exigibilidade, tinha locado os veículos em causa a terceiros. E, desse modo, atendendo a que o n.º 2 do art. 3º do CIUC equipara os locatários financeiros, bem como os titulares de direitos de opção de compra por força de contratos de locação, a proprietários, serão aqueles os sujeitos passivos do imposto.

 

Da prova documental que a Requerente juntou aos autos constata-se que, efectivamente, num grande número de situações - todas as descritas na alínea d) da relação de factos provados - à data da exigibilidade do imposto, estavam em vigor contratos de locação financeira ou equiparados, por si celebrados com terceiros.

 

Quer isso dizer que relativamente a tais situações, logrou a Requerente ilidir a presunção que sobre ela recai, enquanto proprietária registada no Registo Automóvel, afastando, desse modo, a aplicação de IUC por não ser o sujeito passivo do imposto. Qualidade que recai antes sobre os locatários dos veículos automóveis.

 

Todavia, no que respeita a todos os demais casos não incluídos na aludida alínea d) da relação de factos provados, constata-se que os contratos celebrados já haviam terminado, sustentando a Requerente que havia já transmitido os veículos automóveis aos então locatários, para cuja comprovação junta cópias de facturas de venda.

 

A Requerida põe em causa, como princípio balizador, que facturas titulando contratos de compra e venda sejam aptas a comprovar a efectiva transmissão de propriedade dos veículos e, mais do que isso, impugnou todos os documentos – designadamente facturas - juntos pela Requerente.

 

É sabido que o art. 342º, n.º 1 do Código Civil, estabelece como regra geral probatória que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.

 

Ora, como decorre do que atrás se expôs, partimos aqui de uma presunção legal (a que é estabelecida o art. 3º, n.º 1 do CIUC) que, como se concluiu, é ilidível. A ilisão da presunção legal obedece ao disposto no art. 347º do mesmo CC, quando impõe que “a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto”.

 

Por sua vez, em matéria de contraprova, resulta do art. 346º do mesmo código que se a parte contrária conseguir tornar duvidosos os factos relativamente aos quais for apresentada prova, “a questão é decidida contra a parte onerada com a prova”.

 

Concatenadas as facturas juntas ao processo com os depoimentos prestados pelas testemunhas, subsistem sérias dúvidas quanto à efectiva transmissão dos veículos a que dizem respeito as liquidações impugnadas, nas datas dos respectivos vencimentos. Com efeito, ambas as testemunhas foram coincidentes e uniformes no sentido de as facturas em causa serem emitidas de forma automática no termos dos contratos em vigor a que se sucede o pagamento das mesmas, não sabendo confirmar se as mesmas foram efectivamente pagas, o que seria determinante para aferir da transmissão de propriedade dos veículos automóveis.

 

Assim, pese embora propendamos, em tese, a admitir que as facturas de venda possam constituir meio idóneo de prova (como já temos considerado noutras decisões arbitrais), face à insuficiente prova produzida, temos de considerar como não provada a transmissão de veículos alegada pela Requerente. Conclusão que assenta no princípio da liberdade de apreciação da prova em que o tribunal baseia a sua convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova constantes do processo (art. 607º, n.º 5 do CPC).

 

Ou seja, não logrou a Requerente fazer prova – documental ou testemunhal – de que, findos tais contratos, os havia já vendido a terceiros.

 

Desse modo, não tendo a Requerente logrado afastar a presunção legal de incidência subjectiva de IUC que sobre si impende, face ao disposto art. 3º, n.º 1 do CIUC, necessariamente falece a sua pretensão, na medida em que nenhum juízo de censura pode ser apontado a tais liquidações.

 

JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Além do reembolso do imposto, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Tal direito vem consagrado no artigo 43º da LGT, o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

 

O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

No caso dos presentes autos foi a Requerente que procedeu, num primeiro momento, por sua iniciativa, às autoliquidações e ao pagamento do imposto e, só posteriormente, veio em sede de procedimento de reclamação graciosa, expor as suas razões de facto e de direito pelas quais reclama a anulação das liquidações, previamente autoliquidadas e pagas.

 

Em conformidade com esta factualidade não se pode concluir, desde logo pela existência de erro imputável à AT nas liquidações em crise.

 

Porém, após a apresentação do pedido de reclamação graciosa, a Requerida teve oportunidade de verificar a factualidade correcta e concluir que o imposto previamente pago era indevido, relativamente às liquidações que acima se consideram ilegais. Nesse momento, tendo em conta as informações de que dispunha, devia ter reparado o erro. Ao não o fazer e tendo decidido pela improcedência da reclamação, tornou-se responsável a partir desse momento pelo pagamento de juros indemnizatórios, a calcular, note-se, apenas após a data de apresentação da reclamação graciosa. É que só a partir deste momento podemos considerar preenchidos os pressupostos contidos no artigo 43º da LGT.

 

Em conclusão, tem a Requerente direito a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e n.º 1 do artigo 24.º do RJAT) e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios nos termos expostos.

 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)            Absolver da instância a Administração Tributária e Aduaneira das liquidações de IUC com os n.º 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011... 2012..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009.., 2010..., 2011..., 2012..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2012..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2012..., 2012..., 2013..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011... e 2012..., sem prejuízo de a Requerente poder apresentar nova ou novas petições, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão (art. 4º, n.º 7 do CPTA, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art. 29º, n.º 1, c) do RJAT)

b)           Julgar parcialmente procedente, por vício de violação da lei, o pedido de anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa relativa às liquidações de IUC com os n.º 2010..., 2011..., 2010..., 2011..., 2012..., 2011..., 2012..., 2009.., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2010..., 2011..., 2012..., 2012..., 2011..., 2010..., 2011..., 2010..., 2011..., 2012..., 2011..., 2012..., 2011..., 2012..., 2010..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2011..., 2009..., 2011..., 2012..., 2011..., 2012..., 2009..., 2009..., 2011..., 2011..., 2011..., 2012..., 2009..., 2010..., 2009..., 2009..., 2010..., 2011..., 2009..., 2010..., 2011..., 2012..., 2013..., 2012..., 2013..., 2012..., 2012..., 2012..., 2009..., 2012..., 2012..., 2012..., 2012..., 2009..., 2012..., 2014..., 2009..., 2010..., 2013..., 2009..., 2010..., 2012..., 2012..., 2011..., 2009..., 2012..., 2012..., 2009..., 2011..., 2014..., 2012..., 2009.... e 2014... que, desse modo, devem ser anuladas;

c)            Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente o imposto pago relativo a tais liquidações, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data de apresentação da reclamação graciosa;

d)           Julgar improcedente tudo o demais peticionado, dele se absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira;

e)           Condenar a Requerente e Requerida no pagamento das custas do processo, na percentagem do respectivo decaimento, sendo na proporção de 65,25 % para a Requerente e 34,75 % para a Requerida.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 24.535,19 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.530,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de Dezembro de 2019

 

O árbitro

 

 

 

 

António Alberto Franco

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A…, pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua …, Lote…, Lisboa, na qualidade de incorporante, por fusão, da extinta sociedade B…, SA, que teve o n.º de pessoa colectiva … e a mesma sede da ora requerente, apresentou, em 06-10-2016, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo. 102º do CPPT, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

 

2. O requerente pretende, com o seu pedido, a declaração das autoliquidações de Imposto Único de Circulação (IUC) relativas aos anos de 2009 a 2014, no valor global de 24.535,19 €, e do acto de indeferimento da reclamação graciosa às mesmas referentes, com o consequente reembolso do imposto pago, bem como o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 07-10-2016.

 

3.1. A requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, que comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.

 

3.2. Em 30-11-2016 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 19-12-2016.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral o requerente alega, em síntese, o seguinte:

A requerente é uma instituição financeira que tem por objecto social a prática das operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos e que no exercício da sua actividade, celebra com os seus clientes contratos de aluguer de aluguer de longa duração (ALD), contratos de aluguer de curta duração (Renting) e contratos de locação financeira (Leasing) de veículos automóveis.

Não obstante ter sido surpreendida com os valores de IUC e JC que constavam do Portal das Finanças / área reservada, uma vez que foi sempre seu apanágio ter a sua situação tributária devidamente regularizada e atendendo aos enormes constrangimentos e prejuízos decorrentes do seu não pagamento, tomou a iniciativa de autoliquidar e pagar os respectivos IUC e JC, obtendo os respectivos documentos para pagamento por via da internet, no Portal das Finanças, conquanto discordasse dessas autoliquidações e pagamento.

Todavia, por delas discordar, apresentou tempestivamente reclamação graciosa, uma vez que estando em causa autoliquidações, o prazo para a sua apresentação é de dois anos e, não, cento e vinte dias.

A AT baseou-se única e exclusivamente na informação constante do Registo Automóvel (IRN – Instituto de Registos e Notariado, e IMTT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres), designadamente a falta de “averbamento” de qualquer locatário e a circunstância das viaturas estarem registadas em nome da A… nas datas da exigibilidade do IUC (datas de aniversário das viaturas em relação à data da matrícula inicial).

Nas datas a que se referem as liquidações em causa, a A… já tinha vendido as viaturas em questão a terceiros, ou já as tinha locado a terceiros – terceiros, estes, que eram assim os utilizadores dos veículos e em cujo interesse os veículos entraram em circulação rodoviária.

Acresce que as viaturas em questão não entraram no circuito rodoviário no interesse, por conta ou por virtude da detenção, posse ou propriedade da A…, tendo algumas delas sido por ela vendidas antes da data da exigibilidade do IUC, sendo evidente que a A… não era a proprietária das mesmas naquelas datas.

As vendas da A… a terceiros ocorrem precisamente na data da emissão das facturas pela A… a esses terceiros compradores – facturas, essas, que portanto titulam as vendas das viaturas e que e são enviadas automática e imediatamente, após a sua emissão, aos respectivos clientes (compradores ou locatários).

O preço de venda é pago à A… na data da emissão da factura de venda, mas também nos casos em que a A… locou as viaturas a favor de terceiros, e lhes concedeu a opção de compra das respectivas viaturas por força dos contratos de locação, a A… não era a responsável pelo pagamento do IUC.

Sustenta, em suma, o seu pedido, no entendimento de que o art. 3º do CIUC – em que a AT se estriba para exigir os impostos em causa - estabelece uma mera presunção legal, relativa, juris tantum.

Por outro lado, defende que a função essencial do registo é apenas dar publicidade ao acto, não tendo qualquer eficácia constitutiva funcionando como mera presunção ilidível da existência do direito, bem como da respectiva titularidade

Conclui, por isso, a requerente pela ilegalidade das autoliqudações objecto do pedido arbitral, bem como do aludido despacho de indeferimento.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, tendo sustentado em síntese:

Da análise da reclamação graciosa interposta, verifica-se que tendo a mesma sido apresentada em 2015-07-24 e a data de pagamento mais recente ser de 2014-09-30, se encontra largamente ultrapassado o prazo de 120 dias (artigo 102º, nº 1 do CPPT, ex vi artigo 70º, nº 1 do mesmo Código), para a apresentação da mesma, não podendo nunca a Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento  de uma reclamação graciosa extemporânea, na sua totalidade.

Acresce que, embora o n.º 2 do art. 16º do CIUC refira que a liquidação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo, não estamos perante uma “autoliquidação” no verdadeiro sentido, uma vez que é a Administração Fiscal que efetua o apuramento do montante a pagar pelo sujeito passivo que se limita a imprimir a guia de pagamento do imposto devido, não fazendo qualquer operação de cálculo.

Desta forma, a Requerente não podia lançar mão do procedimento previsto no artigo 131.º CPPT, por não estarmos perante uma autoliquidação, nem perante erro imputável aos serviços, mas sim perante uma liquidação de imposto.

A seguir-se a propugnada tese defendida pela Requerente quanto ao facto do artigo 3.º do CIUC consagrar uma presunção ilidível, então forçoso é concluir que o funcionamento daquele artigo (i.e., a ilisão da presunção) depende igualmente do cumprimento do estatuído no artigo 19.º do CIUC, conforme se retira o seu elemento literal («para efeitos do artigo 3.º do presente código (…)], não tendo a Requerente feito qualquer prova quanto ao cumprimento desta obrigação no que respeita aos veículos automóveis ora em análise.

Por outro lado, o entendimento propugnado pela requerente incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e, por último, decorre de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC.

O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3º, nº 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no nº 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontram registados.

                Realça que o legislador não usou a expressão “presume-se”, como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontram registados”.

O normativo fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do nº1 do artigo 3º, em que o legislador fiscal, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, expressa e intencionalmente, consagra o que deve considerar-se legalmente, para efeitos de incidência, de rendimento, de isenção, de determinação e de periodização do lucro tributável, para efeitos de residência, de localização, entre muitos outros.

Trata-se de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel.

Mesmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afecta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, nos termos estabelecidos no CIUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito derroga a norma geral), o legislador tributário quis intencional e expressamente que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.

À luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela requerente no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel, o registo dessa qualidade, é manifestamente errada, na medida em que é própria ratio do regime consagrado no Código do IUC que constitui prova clara de que o que o legislador fiscal pretendeu foi criar um Imposto Único de Circulação assente na tributação do proprietário do veículo tal como constante do registo automóvel.

Por outro lado, a factura não é apta a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático, como é a compra e venda, pois aquele documento não revela por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade por parte do pretenso adquirente.

A inequívoca declaração de vontade dos pretensos adquirentes poderia ser indiciada mediante a junção da cópia do modelo oficial para registo de propriedade automóvel, pois trata-se de um documento assinado pelas partes intervenientes

Conclui, por isso, a requerida pela legalidade dos acto tributários em crise, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, pelo que, não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços.

 

6. Foi realizada a reunião a que se refere o art. 18º do RJAT, tendo nessa ocasião sido inquiridas as testemunhas arroladas pelo requerente, tendo, de seguida, as partes feito alegações orais.

 

 

 

II – SANEAMENTO

 

7.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

7.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Legitimidade da requerente que decorre do facto de ter incorporado por fusão a sociedade em nome de quem foram emitidas as liquidações objecto do processo. E assim é na medida em que, com a extinção das sociedades incorporadas, os direitos e obrigações de que aquelas eram titulares transmitiram-se para a requerente, face ao disposto no art. 112º, a) do Código das Sociedades Comerciais.

 

7.3. Invoca a requerida a extemporaneidade do pedido de constituição de tribunal arbitral, por ser também extemporânea a apresentação da reclamação graciosa, cujo acto de indeferimento agora se impugna.

 

Vejamos:

 

É manifesto que as liquidações objecto do presente pedido arbitral foram efectuadas pela própria requerente, no que se designa por autoliquidação. O que decorre, aliás, do próprio Código do IUC.

 

É esse, efectivamente, o meio normal de liquidação do IUC. Nesse sentido dispõe o art. 16º, n.º 2: “a liquidação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo através da internet, nas condições de registo e acesso às declarações elctrónicas”.

 

Autoliquidação que, em qualquer dos casos, seria sempre obrigatória para a requerente, na medida em que o mesmo preceito impõe que aquela é obrigatória para as pessoas colectivas.

 

Por sua vez, o art. 131º do CPPT impõe, de forma inequívoca, que “em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa”, a qual deverá ser apresentada no prazo de dois anos.

 

Procedimento obrigatório que a requerente observou e de forma tempestiva.

 

Sendo certo que, de acordo com o disposto no art. 2º, n.º 1, a) do RJAT, pese embora os tribunais arbitrais sejam competentes para a apreciação da declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, daí não resulta a sua competência sem balizamento, uma vez que se lhes impõe que decidam de acordo com o direito constituído e, designadamente com o disposto no CPPT [art. 2º, n.º 4 e 29º, n.º 1, a) do RJAT].

 

Donde resulta que o pedido arbitral deve, de igual modo, nos casos de autoliquidação ser precedido de reclamação, o que a requerente fez no prazo legal.

 

Improcede, desse modo, a excepção deduzida pela requerida, sendo o pedido arbitral tempestivo.

 

7.4. O processo não enferma de nulidades.

 

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

8. Matéria de facto

8.1. Tendo presente que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental junta aos autos e à prova testemunhal produzida, consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A requerente incorporou, por fusão, a extinta sociedade B…, SA, que teve o n.º de pessoa colectiva … .

b)           Sendo uma instituição financeira que tem por objecto social a prática das operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos e que no exercício da sua actividade, celebra com os seus clientes contratos de aluguer de aluguer de longa duração (ALD), contratos de aluguer de curta duração (Renting) e contratos de locação financeira (Leasing) de veículos automóveis.

c)            Procedeu à autoliquidação e pagamento das liquidações objecto do pedido arbitral.

d)           Apresentou, em 24-07-2015, reclamação graciosa das liquidações em crise, a qual mereceu despacho de indeferimento, cuja notificação foi expedida por registo postal em  07-07-2016.

 

 

8.2.        FACTOS NÃO PROVADOS

               

                Não se deu por provado que a requerente tivesse já vendido os veículos automóveis a que respeitam as liquidações impugnadas nas datas a que as mesmas respeitam.

 

8.3.        A matéria dada por provada e não provada teve como base os documentos juntos ao processo pela requerente, o processo administrativo junto pela requerida e os depoimentos das testemunhas arroladas pela requerente, B… e D…, funcionárias daquela, os quais se revelaram isentos e esclarecidos.

 

 

III.2. Matéria de Direito

 

A questão de fundo a apreciar no presente processo reside na interpretação a dar ao n.º 1 do art. 3º do CIUC no sentido de apurar se a norma de incidência subjectiva, nele contida, estabelece uma presunção legal juris tantum – e, como tal, susceptível de ilisão (como sustenta a requerente) ou, pelo contrário, uma definição expressa e intencional da incidência pessoal, no sentido de que é necessariamente sujeito passivo do imposto aquele em nome de quem o veículo automóvel está registado como proprietário.

 

Dispõe o n.º 1 do art. 3º do CIUC: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares e colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados”.

 

Com base na redacção deste preceito, sustenta a requerida - AT - que a base de incidência pessoal, que este define, não comporta hoje qualquer presunção legal, uma vez que aquele transmite de forma expressa e intencional o pensamento do legislador tributário, no sentido de se considerar, de modo irrefutável, como sujeitos passivos do IUC as pessoas em nome das quais os veículos automóveis se encontrem registados.

 

Aduz em abono da sua tese, razões hermenêuticas de interpretação da lei, com apelo não só à sua literalidade, como aos elementos sistemático e teleológico.

 

Invocação plena de sentido, na medida em que, de acordo com o disposto no art. 11º da LGT, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”. É que, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., em anotação a tal artigo, “… sem afastar a letra da lei, que tem de ser a principal referência e ponto de partida do intérprete, se exclui a sua aplicação automática, supondo que nas leis há uma racionalidade operante que o intérprete se deve esforçar por reconstruir”.

 

É, pois, dentro deste quadro de interpretação da lei fiscal, no caso o art. 3º, n.º 1 do CIUC, que teremos de encontrar a resposta ao antagonismo de posições entre a requerente e a AT.

 

Para a AT é decisivo para a determinação do sujeito passivo do IUC o registo de propriedade do veículo automóvel, de modo a que será considerado como tal, de modo irreversível, aquele em nome de quem este está registado.

 

O registo de propriedade de veículos é, face ao disposto no art. 5º, n.º 1, a) e n.º 2 do DL 54/75, de 12 de Fevereiro, obrigatório, pelo que, qualquer direito de propriedade que incida sobre a viatura está sujeito a registo, com o que se pretende a segurança do comércio jurídico, bem como a publicidade da situação jurídica dos mesmos.

 

Tal registo goza, nos termos do disposto no art. 7º do Código do Registo Predial (aplicável ao registo automóvel por força do art. 29º do referido DL 54/75), da “… presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

 

Temos, por isso, que a inscrição de registo de propriedade do veículo é, também ela, uma presunção de que o direito de propriedade sobre o mesmo existe nos termos constantes do registo.

 

Quer dizer, o registo de propriedade automóvel não constitui qualquer condição de validade dos contratos a ele sujeitos, à semelhança do que ocorre com o registo predial (cujo regime, como já apontamos, é extensivo ao registo automóvel); o registo tem uma função meramente declarativa.

 

Acontece que o art. 5º, n.º 1 do Código do Registo Predial, impõe que “os factos sujeitos a registos só produzem efeito contra terceiros depois da data do respectivo registo”. Do que parece resultar que tal bastaria para que a AT invocasse a ausência de registo para fazer funcionar de imediato o art. 3º, n.º 1 do CIUC, exigindo o pagamento do imposto àquele em nome de quem o veículo está registado, por ser o sujeito passivo do imposto.

 

Sucede que o n.º 4 do art. 5º do Código do Registo Predial restringe tal entendimento, ao determinar que “terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”. Donde resulta que, por essa via, nunca a AT estaria habilitada a invocar a falta de registo, na medida em que não preenche o conceito de terceiro.

 

Posto isto em termos gerais, há que apurar se, pese embora o que vem de referir-se, o n.º 1 do art. 3º do CIUC contém, ou não, uma presunção legal.

 

Tudo está, em suma, em determinar se a expressão “considerando-se”, ali utilizada, tem a natureza de presunção legal.

 

Parece mais ou menos evidente que, quer do ponto de vista sistemático, quer teleológico, a expressão “considerando-se”, adoptada no n.º 1 do art. 3º do CIUC contempla uma verdadeira presunção, a isso não se opondo a aparente literalidade da expressão, nem o ordenamento tributário.

 

A este propósito, referem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., em anotação ao art. 73º, pag. 651: “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão “presume-se” ou semelhante, como sucede, por exemplo, nos n.º 1 a 5 do art. 6º, na alínea a) do n.º 3 do art. 10º, no art. 19º e 40º, n.º 1, do CIRS. No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real …”, enumerando-se depois um conjunto de exemplos.

 

Entendemos que é precisamente esse o caso contemplado pelo art. 3º, n.º 1 do CIUC: uma presunção implícita, no caso, uma presunção de incidência subjectiva. Presunção, aliás, que sempre existiu no domínio do imposto de circulação automóvel, pese embora anteriormente definido de forma explícita.

 

Ora, o n.º 2 do art. 350º do Código Civil estabelece que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos expressamente previstos na lei.

 

E, no que respeita à ilisão das presunções, temos por boa a doutrina a que o STJ recorreu na fundamentação do Assento n.º 1/91 de 03-04-1991 (DR n.º 114, de 18 de Maio) - para classificar como juris tantum uma presunção estabelecida num diploma laboral - defendida por Vaz Serra [Provas (direito probatório material), BMJ 110-112, pag. 35], bem como por Mário de Brito (Código Civil Anotado, pag. 466) e Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, pag. 429): “… as presunções juris tantum constituem a regra, sendo as presunções jure er de jure a excepção. Na dúvida, a presunção legal é juris tantum, por não se dever considerar, salvo referência da lei, que se pretendeu impedir a produção de provas em contrário, impondo uma verdade formal em detrimento do real provado”.

 

Por seu turno, no âmbito do direito tributário, o art. 73º da LGT dispõe que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”. O que significa que todas as presunções em matéria de incidência tributária, como a que o n.º 1 do art. 3º do CIUC consagra, são juris tantum e, como tal, ilidíveis.

 

Aliás, no que ao IUC respeita, pareceria ofensivo à unidade do sistema jurídico-legal – e até, com as devidas adaptações, em oposição aos n.º 2 e 3 do art. 11º da LGT - que um indivíduo viesse a considerar-se como não proprietário de um bem para efeitos civis e tivesse de o ser necessariamente para efeitos tributários.

 

Posto isto, vejamos, então, se, no caso em apreço, a requerente logrou fazer prova de que não era a proprietária dos veículos a que a respeitam as liquidações objecto do presente pedido arbitral, nas datas limite dos respectivos pagamentos.

 

A resposta é negativa.

 

A requerida põe em causa, como princípio balizador, que facturas titulando contratos de compra e venda sejam aptas a comprovar a efectiva transmissão de propriedade dos veículos e, mais do que isso, impugnou todos os documentos – designadamente facturas - juntos pela requerente.

 

É sabido que o art. 342º, n.º 1 do Código Civil, estabelece como regra geral probatória que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.

 

Ora, como decorre do que atrás se expôs, partimos aqui de uma presunção legal (a que é estabelecida o art. 3º, n.º 1 do CIUC) que, como se concluiu, é ilidível. A ilisão da presunção legal obedece ao disposto no art. 347º do mesmo CC, quando impõe que “a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto.

 

Por sua vez, em matéria de contraprova, resulta do art. 346º do mesmo código que se a parte contrária conseguir tornar duvidosos os factos relativamente aos quais for apresentada prova, “a questão é decidida contra a parte onerada com a prova”.

 

Concatenadas as facturas juntas ao processo com os depoimentos prestados pelas testemunhas, subsistem sérias dúvidas quanto à efectiva transmissão dos veículos a que dizem respeito as liquidações impugnadas, nas datas dos respectivos vencimentos. Com efeito, ambas as testemunhas foram coincidentes e uniformes no sentido de as facturas em causa serem emitidas de forma automática nos termos dos contratos em vigor a que se sucede o pagamento das mesmas, não sabendo confirmar se as mesmas foram efectivamente pagas o que seria determinante para aferir da transmissão de propriedade dos veículos automóveis.

 

Assim, pese embora propendamos, em tese, a admitir que as facturas de venda possam constituir meio idóneo de prova (como já temos considerado noutras decisões arbitrais), face à insuficiente prova produzida, temos de considerar como não provada a transmissão de veículos alegada pela requerente. Conclusão que assenta no princípio da liberdade de apreciação da prova em que o tribunal baseia a sua convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova constantes do processo (art. 607º, n.º 5 do CPC).

 

Desse modo, não tendo a requerente logrado afastar a presunção legal de incidência subjectiva e IUC que sobre si impende, face ao disposto art. 3º, n.º 1 do CIUC, necessariamente falece a sua pretensão, na medida em que nenhum juízo de censura pode ser apontado às liquidações impugnadas.

 

 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar totalmente improcedente o pedido de anulação do actos tributário objecto do pedido arbitral, bem como do indeferimento da reclamação graciosa apresentada;

b)           Condenar a requerente no pagamento das custas do processo.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 24.535,19 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.530,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de Agosto de 2017

 

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

(António Alberto Franco)