Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
1 – A…, SA NIPC[1]…, com sede na Rua … nº…, …-…– Porto, apresentou em 01/03/2017 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a ATA[3], com vista à apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação do IS[4],conforme documentos de cobrança identificados na petição e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, referentes ao ano de 2015, incidente sobre um prédio com andares e divisões com utilização independente sito na Rua …, … e … inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de …, área do … Serviço de Finanças do concelho do Porto.
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente notificado à ATA em 01/03/2017.
3 – Nos termos e efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.
4 - O tribunal foi constituído em 15/05/2017 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012 de 31 de dezembro
5 – Com o seu pedido visa, a requerente, a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação do IS, já referidos, da verba 28 da TGIS[6] que incidiram sobre o valor patrimonial das partes ou unidades independentes do prédio já identificado com afetação habitacional, tudo como melhor consta na respetiva petição.
6- Invoca para o efeito, em síntese, o seguinte:
6.1- Haver erro sobre os pressupostos de facto e falta de fundamento de direito dos atos tributários de liquidação do IS aqui postos em crise, uma vez que o imóvel sobre que recaíram não tem afetação exclusivamente habitacional, uma vez que tem partes afetas a atividades comerciais, pelo que a reclamação graciosa deveria ter sido considerada procedente.
6.2- Haver violação da lei - verba 28.1 da TGIS, uma vez que a ATA faz errónea interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, violando o princípio da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.
6.3 – Entende ainda que os referidos atos de liquidação, violam o artigo 24 nº1, alínea d) do RJAT, na medida em que a ATA ignora decisões arbitrais favoráveis à requerente, às quais está vinculada e deveria, por isso, abster-se de praticar os referidos atos de liquidação.
6.4- Pelo exposto deverá a ATA ser condenada a devolver à requerente o IS indevidamente pago bem como os montantes pagos no âmbito dos processos de execução fiscal, incluindo juros moratórios e custas, tudo acrescido de juros indemnizatórios, calculados sobre os montantes pagos, desde data do pagamento até à data do reembolso.
7 – Por sua vez a ATA entende:
7.1- Que não assiste razão à requerente uma vez que é relevante para a incidência do IS o VPT[7] total do prédio urbano e não o VPT de cada parte que o comportam ainda que suscetíveis de utilização independente.
7.2- Refere ainda a ATA que, um imóvel em propriedade total e um imóvel em propriedade horizontal têm diferente valoração e tributação donde decorre diferentes efeitos jurídicos; enquanto na propriedade horizontal há uma divisão da propriedade total e autonomia de cada uma das frações, no prédio em propriedade total há uma única realidade jurídica;
7.3 - Cada parte suscetível de utilização independente não é autónoma, por matriz, possuindo uma discrição do prédio na sua totalidade;
7-4 – Conclui que a verba 28.1 da TGIS incide sobre os prédios urbanos com afetação habitacional, que o prédio em questão tem valor superior a € 1 000 000,00, pelo que as liquidações aqui postas em crise não sofrem de qualquer ilegalidade, devendo ser mantido o despacho de indeferimento da reclamação graciosa bem como os atos impugnados, por serem legais, absolvendo-se a requerida do pedido.
II – SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Na sua resposta, a AT, considerou estar apenas em causa uma questão de direito requereu a dispensa da realização da reunião do artigo 18º do RJAT.
O tribunal proferiu em 06/06/2017 o seguinte despacho: “Notifique-se a requerente, para em 10 dias se pronunciar, querendo, quanto à proposta da requerida de dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.
Notifique-se ainda as partes para no mesmo prazo se pronunciarem, querendo, sobre a desnecessidade da produção de alegações orais ou escritas, uma vez que as suas posições se encontram perfeitamente definidas”.
Em 12/06/2016 foi apresentado pela autora requerimento e em 26/06/2017, foi proferido o seguinte despacho:” Vistos os autos, verifica-se a concordância da requerente quanto à desnecessidade da reunião do artigo 18º do RJAT suscitada na resposta da requerida, bem como da produção de alegações quer orais quer escritas.
Entende o tribunal, estarem reunidas condições para proferir decisão, fixando o dia 14 de Julho próximo para o efeito, devendo, até essa data, a requerente fazer prova junto do CAAD do pagamento da taxa de arbitragem subsequente”.
Assim não padecendo o processo de nulidades, não tendo sido suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, consideramos reunidas as condições para ser proferida a decisão.
IV – FUNDAMENTAÇÃO
1 – Questão a dirimir nos presentes autos
a) Saber se a reclamação graciosa deveria ou não ter sido considerada procedente.
b) Saber se as liquidações aqui postas em crise, são ou não ilegais por violarem a verba 28.1 da TGIS e o artigo 24ºnº 1 do RJAT.
c) Em caso de procedência do pedido se haverá ou não lugar a pagamento de juros indemnizatórios sobre o IS indevidamente pago, bem como dos valores pagos no âmbito dos processos de execução fiscal, incluindo as respetivas custas.
2 – Matéria de facto
A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
a) A requerente era, em 31 de Dezembro de 2015, proprietária dos prédios, sitos na rua …, … e …, que abrange a Rua … nºs … a …, com inscrição na matriz urbana da freguesia de … sob o artigo U-…, área do segundo serviço de finanças da cidade do Porto.
b) O imóvel está constituído em regime de propriedade vertical ou total, composto por sete pisos e dezanove andares suscetíveis de utilização independente, destinados, alguns a comércio e outros a habitação.
c) O VPT total do referido artigo matricial era em 31 de Dezembro de 2015 de € 2 324 780,00, e o somatório das divisões ou andares suscetíveis de utilização independente, com fins habitacionais, era na mesma data de € 1 679 560,00.
d) O VPT de cada uma das divisões ou andares, suscetíveis de utilização independente, destinadas à habitação varia entre € 104 710,00 e € 105 760,00, individualmente apurado na respetiva matriz e como se constata bem inferior ao valor de € 1 000 000,00, previsto na verba 28.1 da TGIS.
e) A requerente foi notificada dos atos de liquidação do IS previsto na TGIS, verba 28.1, respeitante ao ano de 2015, apurado individualmente sobre o VPT das partes ou andares suscetíveis de utilização independente com destino habitacional, para pagamento em três prestações, com vencimento em Abril, Julho e Novembro de 2016.
f) Por não concordar com as liquidações apresentou reclamação graciosa em 13/06/2016 que veio a ser indeferida, conforme notificação de 23 de Novembro de 2016.
g) Entretanto, como a reclamação não suspende, por si só, o processo de cobrança, foram instaurados, pela ATA, os competentes processos de execução fiscal, neles procedendo à compensação de créditos, conforme se alcança dos documentos juntos aos autos de aplicação de créditos e acerto de contas.
Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão dos autos.
3 – Do Direito
3.1 – Da legalidade das liquidações e da procedência da reclamação
a) A questão a resolver, de modo a aferir a legalidade das liquidações aqui em crise, é saber se de acordo com o disposto na verba 28.1 da TGIS se deverá ou não considerar o somatório do VPT de cada uma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, uma vez que nenhuma delas tem valor igual ou superior a €1 000 000,00 ou, se deveremos atender ao seu VPT, individual, para efeitos de tributação em IS.
b) A requerente sustenta a anulação das liquidações no facto das mesmas violarem a verba 28.1 da TGIS e também o artigo 24º nº 1 alínea d) do RJAT.
c) Quanto à violação da verba 28.1, temos que saber qual é conceito de “prédio habitacional “nela referido, que o CIS[8] não nos dá, remetendo para o CIMI[9] a regulação de tal conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS (nº 6 do artigo 1º e nº2 do artigo 67º ambos do CIS).
d) Ora o CIMI no seu artigo 2º, dá-nos um conceito generalista de prédio, no artigo 3º do mesmo diploma o legislador, usando critérios de afetação e localização estabeleceu o conceito de prédios rústicos, vindo depois, numa classificação pela negativa, no seu artigo 4º, estabelecer que prédios urbanos serão todos os que não devam ser classificados como rústicos.
e) O artigo 6º do CIMI classifica os prédios urbanos em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.
f) No caso concreto estamos em presença de prédio urbano com partes ou divisões suscetíveis de utilização independente que compõem o imóvel em questão, preenchendo, cada uma, o conceito de prédio estabelecido no artigo 2º do CIMI, cuja afetação é de habitação e comércio.
g) Como já se disse cada uma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente que compõem o imóvel em questão preenche o conceito de prédio estabelecido no artigo 2º do CIMI, na medida em que elas são física e economicamente independentes e fazem parte do património de pessoa singular ou coletiva, no caso concreto, pessoa coletiva.
h) O nº 4 do artigo 2º do CIMI contempla expressamente as frações autónoma dos prédios em propriedade horizontal como prédio, também é verdade que não há nada na lei que determine a discriminação de tributação entre as frações dos prédios em propriedade horizontal (artigo único e frações identificadas por letras) e as partes ou divisões com utilização independente (só não estão identificadas por letras) dos prédios em propriedade vertical que, como já referimos, preenchem o conceito de prédio plasmado no artigo 2º do CIMI.
i) O critério de tributação tem que ser uniforme, isto é, se uma fração habitacional de um prédio em propriedade horizontal só é tributada em IS se o seu VPT for igual ou superior a € 1 000 000,00, igualmente um andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical com afetação habitacional só será tributada em IS se o seu VPT for igual ou superior a € 1 000 000,00.
j) Como já se disse o andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical reúne o conceito de prédio estabelecido no CIMI, tal como as frações autónomas dos prédios em propriedade horizontal.
k) Nesta perspetiva e considerando que nenhuma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente com destino ou afetação habitacional tem VPT igual ou superior a € 1000 000,00 forçoso é concluir que os atos de liquidação do IS são ilegais por não ter sido observado as condições definidas na verba 28 da TGIS.
l) O critério usado pela ATA ao considerar o somatório dos VPT das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, argumentando que o prédio não está constituído em propriedade horizontal, carece de sustentação legal, sendo, em nosso entender, o contrário que resulta da aplicação das normas do CIMI, aplicáveis por remissão.
m) Chegados a esta conclusão, entende o tribunal, que a reclamação graciosa oportunamente apresentada contra as liquidações aqui em crise, deveria ter sido deferida, dada a ilegalidade das mesmas, ao mesmo tempo que considera desnecessária a analise da eventual violação do nº 1 do artigo 24º do RJAT.
3.2 – Direito a pagamento de juros indemnizatórios.
Considerando que concluímos pela ilegalidade das liquidações e que as mesmas terão sido parcialmente e/ou total pagas por compensação de crédito, a requerente tem direito ao reembolso do IS indevidamente pago.
De acordo com o artigo 43º da LGT[10] são devidos juros indemnizatórios, sempre que se verifique que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento indevido de prestação tributária. O artigo 100º também da LGT determina a obrigação da ATA reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios.
Comprovado o pagamento/compensação parcial e/ou total e a ilegalidade das liquidações tem a requerente direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos precisos termos do já citado artigo 43º da LGT e artigo 61º do CPPT[11].
3.2 - Devolução das custas pagas no âmbito dos processos de execução fiscal
Pretende a requerente que lhe sejam também devolvidos os juros moratórios e as custas que tenham sido pagas nos processos de execução fiscal, sem, contudo, quantificar o seu montante nem fazendo prova que tal pagamento tenha ocorrido. Mas mesmo que tal tivesse acontecido, não caberia a este tribunal conhecer de tal pedido, uma vez que de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 103º da LGT, os atos praticados, no âmbito da execução fiscal, pelo órgão administrativo, são reclamáveis para o juiz da execução.
V – DISPOSITIVO
Face ao exposto o tribunal decide o seguinte:
a) Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação do IS respeitante ao ano de 2015, postos em crise nos presentes autos, com a sua consequente anulação, no montante de € 16 795,60.
b) Declarar procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento proferido no processo de reclamação graciosa interposta das liquidações do IS agora anuladas, com as consequências legais daí decorrentes.
c) Declarar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios sobre os valores de IS indevidamente pagos, contados desde a data do pagamento indevido até à data da sua devolução.
d) Declarar improcedente o pedido do pagamento de juros moratórios e custas eventualmente pagas no âmbito dos processos de execução fiscal, tendo em conta o disposto no nº 2 do artigo 103º da LGT.
e) Fixar o valor do processo em € 16 795,60, considerando as disposições contidas nos artigos 299º nº1 do CPC[12],97-A do CPPT e artigo 3º nº 2 do RCPAT[13].
f) Custa a cargo da requerida, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT, fixando o seu montante em € 1 224,00 de harmonia com a tabela I do RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 14 de Julho de 2017
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 131º nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.
O árbitro singular,
Arlindo José Francisco
[1] Acrónimo de Número de Identificação de pessoa coletiva
[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária
[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira
[4] Acrónimo de Imposto do Selo
[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa
[6] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo
[7] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário
[8] Acrónimo de Código do Imposto do Selo
[9] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis
[10] Acrónimo de Lei Geral Tributária
[11] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário
[12] Acrónimo de Código de Processo Civil
[13] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária