DECISÃO ARBITRAL
A Árbitro Dra. Filipa Barros (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 14 de Fevereiro de 2017, acorda no seguinte:
I. RELATÓRIO
A sociedade A…, S.A. com o NIPC…, com domicílio na Av …, …, … –…Lisboa, adiante “Requerente”, vem, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante referido por “RJAT”[1], requerer a constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia sobre a ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IVA, e respectivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2012, respeitantes a IVA indevidamente deduzido, identificados pelos seguintes números:
Documento de liquidação n.º
|
Período
|
Natureza
da dívida
|
Valor
€
|
n.º de
Documento no processo
|
2016 …
|
201212
|
IVA
|
2.166,28
|
1
|
“
|
201212
|
Juro
|
293,42
|
2
|
2016 …
|
201211
|
IVA
|
6.645,11
|
3
|
“
|
201211
|
Juro
|
923,39
|
4
|
2016 …
|
201210
|
IVA
|
3.533,84
|
5
|
“
|
201210
|
Juro
|
503,06
|
6
|
2016 …
|
201209
|
IVA
|
4.187,23
|
7
|
“
|
201209
|
Juro
|
608,92
|
8
|
2016 …
|
201208
|
IVA
|
3.193,21
|
9
|
“
|
201208
|
Juro
|
475,91
|
10
|
2016 …
|
201207
|
IVA
|
3.393,58
|
11
|
“
|
201207
|
Juro
|
516,93
|
12
|
2016 …
|
201206
|
IVA
|
3.896,23
|
13
|
“
|
201206
|
Juro
|
606,74
|
14
|
2016 …
|
201205
|
IVA
|
3.403,21
|
15
|
“
|
201205
|
Juro
|
541,52
|
16
|
2016 …
|
201204
|
IVA
|
3.899,08
|
17
|
“
|
201204
|
Juro
|
632,82
|
18
|
2016 …
|
201203
|
IVA
|
5.372,59
|
19
|
“
|
201203
|
Juro
|
890,81
|
20
|
2016 …
|
201202
|
IVA
|
1.533,50
|
21
|
“
|
201202
|
Juro
|
259,30
|
22
|
2016 …
|
201201
|
IVA
|
3.781,99
|
23
|
“
|
201201
|
Juro
|
651,53
|
24
|
Para fundamentar o seu pedido, considera a Requerente, em síntese, que no exercício da sua atividade de gestão e exploração de estabelecimentos hoteleiros e similares, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) procedeu indevidamente à desconsideração da dedução do IVA constante das facturas emitidas pelos seguintes fornecedores:
a) Um lote de facturas emitidas pela sociedade B…, SA (B…), por não conterem no descritivo a menção aos serviços concretamente prestados;
b) Um lote de facturas emitidas pela mesma entidade, por referir no seu descritivo “serviços prestados” e “diversos”; e
c) Um lote referente a facturas emitidas por uma outra entidade - C… S.A. a um sujeito passivo de IVA que não a Requerente D… . Este lote não está em causa neste pedido de pronúncia arbitral.
Defende a Requerente que foi objeto de uma ação de inspeção às suas instalações e que durante a presença dos funcionários da AT nunca foi colocada a questão do esclarecimento do conteúdo das facturas supra referidas, nem da falta de cumprimento dos requisitos legais constantes do artigo 36.º n.º 5 do Código do IVA. Por este motivo, e sem qualquer intenção de subtrair elementos no âmbito da fase de Inspeção, a Requerente apenas em sede de audição prévia se apercebeu do que estava em causa, juntando de imediato os mapas anexos às facturas emitidas dos quais consta o detalhe para esclarecer quais os serviços concretamente prestados e os elementos relevantes para efeitos de cálculo do imposto.
Neste contexto, a Requerente alega que no âmbito do dever de cooperação entre a AT e os administrados, não é razoável, que estando os inspetores presentes nas instalações não digam concretamente do que necessitam para que não seja determinado o incumprimento de regras legais que levam à desconsideração de custos ou deduções para efeitos de IVA, traduzindo-se tais ações num aumento de carga fiscal com sanções acrescidas a cargo do sujeito passivo.
Apoiando-se na jurisprudência do TJUE, e na doutrina, defende que o problema dos vícios formais das facturas tem por base a natureza estrutural do direito à dedução e a sua importância na neutralidade do imposto. Assim, a análise à suficiência das menções apostas na factura deverá ser orientada segundo o princípio da proporcionalidade, procurando a harmonização entre o exercício do direito à dedução e o fim da correta cobrança do imposto e eficaz controlo das operações. Com efeito, o TJUE tem vindo a relativizar os requisitos de forma para o exercício do direito à dedução e a função que ai cabe à factura, entendendo que a substância das operações prevalece sobre os vícios das facturas relativos a elementos tipificados na Diretiva, desde que tal não crie risco de fraude.
A Requerente conclui afirmando que a AT preconiza uma leitura intransigente e formalista do disposto no n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, ao desconsiderar a possibilidade das suas facturas conterem uma grelha anexa que complete os requisitos formais da operação.
Tal entendimento é contrário ao principio da neutralidade, sendo que o objetivo destas normas é assegurar a fiscalização com eficácia as obrigações tributárias, permitindo identificar a operação de modo bastante para que possam extrair-se as devidas consequências quanto ao imposto a liquidar, exigências que estão asseguradas no caso concreto, se a factura for lida em conjugação com os respectivos quadros anexos.
No dia 30 de Novembro de 2016, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.
A Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro.
Assim, nos termos e para os efeitos do disposto do nº 1 do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foi designado árbitro do Tribunal Arbitral Singular a signatária, que comunicou, ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 14 de Fevereiro de 2017, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Para tanto, considera que as prestações de serviços facturadas à Requerente são tituladas por documentos que não contém a discriminação dos serviços concretamente prestados, as quantidades unitárias e os seus totais, não podendo ser considerados para efeitos do exercício do direito à dedução do IVA. Ao contrário do que pretende a Requerente, a correção em apreço não assenta numa mera exigência formalista, mas num verdadeiro requisito de substância atinente à comprovação da dedutibilidade do IVA suportado com as prestações de serviços facturadas, pois faltando as referidas menções na factura a AT não pode saber a que prestações de serviços as facturas respeitam concretamente.
Acresce que em momento oportuno, a Requerente não apresentou a informação complementar que lhe foi solicitada para esclarecer quais os serviços que foram prestados pela entidade B… S.A., escudando-se no argumento de não ter compreendido o esclarecimento solicitado, o que, face ao teor da respectiva notificação, afigura-se incompreensível.
Com efeito, a Requerente limitou-se a dizer que os serviços prestados referem-se a cedências de pessoal para suprir necessidades de pessoal no âmbito da exploração do D…, no entanto, segundo a AT a falta de forma legal não fica sanada com declarações que atestam os elementos omitidos, uma vez que, essas declarações não constituem facturas. A AT impugna também a alegação de que as facturas em causa tivessem sido emitidas com mapa anexo, considerando que a Requerente não faz prova desse facto, nem, em todo caso, a falta de cumprimento das formalidades das facturas pode ser suprida por outros meios de prova.
Finalmente, a Requerida entende que a jurisprudência do TJUE sobejamente transcrita pela Requerente na sua PI não se aplica à situação de facto em discussão.
Conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
10cessivas no prazo de
5 dias.omo gasto fiscal ao abrigo do previsto no artigo 28.º n.º 1 alrA 24 de Abril de 2017 , atendendo a que, no caso, não se verificava qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, e tendo em conta a posição tomada pelas partes, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º alínea c), 19.º e 29.º n.º 2 do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo as partes sido notificadas para apresentação de alegações escritas sucessivas no prazo de 10 dias.
Foram apresentadas alegações escritas pela Requerente, seguidas das alegações da Requerida.
Nas alegações apresentadas as partes reiteraram no essencial as posições defendidas nos respetivos articulados.
II. SANEAMENTO DO PROCESSO
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1, alínea a), 5.º e 6º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
III. FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos dados como provados
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos no âmbito do processo administrativo, o pedido de pronúncia arbitral e na resposta apresentada pela AT, nos termos seguidamente indicados.
1) A Requerente encontra-se registada para o exercício da atividade Hotéis com Restaurante (CAE - 055111), desde 1979-11-01;
2) A Requerente é uma participada da E…SGPS S.A. em 85,8% e participante em todas as restantes empresas do GRUPO E…, de forma direta ou indireta;
3) A Requerente tem como atividade a gestão e exploração de estabelecimentos hoteleiros, quer pela exploração direta de unidades hoteleiras que são propriedade de empresas do Grupo, (F…, e D…), quer relativamente à gestão operacional das unidades hoteleiras que estabeleceram contratos de gestão hoteleira, a saber:
- G… SA, nipc…;
- B… (Porto) SA, nipc…;
- H… SA, nipc…;
- I… Lda, nipc…;
- J… SA, nipc…;
- K…Lda, nipc… .
4) A Requerente realiza a exploração direta de dois hotéis de 3 estrelas, cujos imóveis são propriedade de terceiros:
- F…, situado na Rua da …, …-… Porto, com 62 Quartos,
- D…, situado na … -…, …-… Porto, com 120 Quartos.
5) No capital da Requerente participam as seguintes entidades:
- 85,76%, (4.288.000,00€) a empresa E…, SGPS, S.A., nipc…, com sede em Av. … … … Lisboa;
- 8,9% a empresa L… Lda, e,
- O restante capital de 5,34% está distribuído por acionistas individuais: M… e N….
6) A Requerente participa nas seguintes entidades:
NIPC
|
Designação social
|
%
|
Valor da participação EM EUROS
|
…
|
O… S A
|
25,0
|
375.000
|
…
|
P… S A
|
25,0
|
625.000
|
…
|
Q… LDA
|
40,0
|
10.000
|
…
|
R… SA
|
51,0
|
12.750
|
…
|
S… LDA
|
25,0
|
2.500
|
…
|
T… LDA
|
98,5
|
295.500
|
…
|
U… SA
|
49,75
|
995.000
|
…
|
B…
|
70,0
|
700.000
|
…
|
V… SA
|
33,34
|
666.800
|
…
|
W… SA
|
70,0
|
70.000
|
…
|
X… SA
|
22,8
|
22.800
|
…
|
Y…
|
30,0
|
150.000
|
…
|
J… SA
|
99,8
|
1.497.000
|
…
|
D… SA
|
61,8
|
927.000
|
7) A Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo direcionado ao exercício de 2012, credenciado pela ordem de serviços OI2015…, levado a cabo pela Direção de Finanças de Lisboa, Serviços de Inspeção Tributária, Divisão…, Equipa …;
8) Ao abrigo do relatório de inspeção foram efectuadas correções relativas à desconsideração da dedução do IVA constante de um conjunto de facturas emitidas por fornecedores da Requerente;
9) Com base nas conclusões apuradas no RIT, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, AT efetuou um conjunto de correções no total do IVA deduzido pela Requerente às seguintes situações:
“III-6- IVA em falta - Dedução indevida de IVA, nos termos dos artº 19º nº 2 e 36º nº 5 b) ambos do Codigo do IVA, contido nas facturas emitidas pelo fornecedor …- B…, SA
Verificou-se que as facturas emitidas pelo fornecedor B…, SA (B…), que se juntam em anexo V fls 162 a 170, e a fls 151 a 158 do anexo IV, não contêm no descritivo a menção dos serviços que em concreto foram prestados.
Através de notificação de 05.05.2016, (anexo III fls 137) foi solicitado ao contribuinte o necessário esclarecimento relativamente aos serviços prestados pela entidade B…, nipc…, contabilizados como gastos na conta 62211-trabalhos especializados e com Iva deduzido na conta 24323123-Iva deduzido taxa 23%, por credito da conta 2213702- B…, e a que se referem as facturas a seguir mencionadas uma vez que na descrição constante das referidas facturas está mencionado, “ Diversos- prest. serviços “ e “diversos”:
(...)
Em resposta á notificação que se junta anexo IV fls 146, o contribuinte vem informar que:
“os serviços prestados pela sociedade referem-se a cedências de pessoal para suprir necessidades de pessoal no âmbito da exploração do D…”
Só confere direito á dedução o Imposto contido em facturas passadas na forma legal.
Estabelecendo a lei determinadas exigências relativas á emissão de facturas, conforme o artº 36º do Codigo do IVA, que enuncia requisitos vários e pormenorizados quanto ao seu preenchimento, que são condição para a dedução do imposto por parte do sujeito passivo adquirente, em harmonia com o preceituado no artº 19º nº 2 do Código do IVA, é de concluir que a factura constitui uma formalidade “ad substantiam” para o exercício do direito á dedução do IVA, a qual não pode ser dispensada na prova do respetivo facto, nem substituída por prova testemunhal.
As facturas que não preencham todos os requisitos legais a que se refere o artº 36º do CIVA, designadamente por não discriminarem os serviços que em concreto foram prestados, as quantidades unitárias e seus totais, não podem considerara-se passadas na forma legal, e, consequentemente não permitem a dedução do respetivo IVA de harmonia com o artº 19º nº 2 do CIVA, independentemente da prova da realidade das operações subjacentes.
Essa falta de forma legal não fica sanada com a junção de declarações em que se atestam os elementos omitidos, já que essas declarações não constituem facturas.
Assim, não é aceite o valor do IVA deduzido, de € 24.060,37 nos termos dos artº19º nº 2 e artº 36º ambos do Código do IVA.
III-7- IVA em falta - Dedução indevida de IVA, nos termos dos artº 19º nº 2 e 36º nº 5 b) ambos do Codigo do IVA, contido nas facturas emitidas pelo fornecedor 2213802- B…, SA
Verificou-se que as facturas emitidas pelo fornecedor B…, SA (B…), não contêm no descritivo a menção dos serviços que em concreto foram prestados, conforme se verifica das fotocópias respetivas que se juntam em anexo VI fls 171 a 183.
De facto, na descrição constante das facturas a seguir mencionadas, no mapa que segue, está mencionado, “ Diversos- prest. serviços “ e “diversos”:
As facturas citadas foram contabilizadas a debito das contas 62211-trabalhos especializados e 24323123-Iva deduzido taxa 23%, por crédito da conta 2213802-B…, SA
(...)
Tal como ficou mencionado no ponto anterior, as facturas que não preencham todos os requisitos legais a que se refere o artº 36º do CIVA, designadamente por não discriminarem os serviços que em concreto foram prestados, as quantidades unitárias e seus totais, não podem considerar-se passadas na forma legal, e, consequentemente não permitem a dedução do respetivo IVA de harmonia com o artº 19º nº 2 do CIVA, independentemente da prova da realidade das operações subjacentes. Essa falta de forma legal não fica sanada com a junção de declarações em que se atestam os elementos omitidos, já que essas declarações não constituem facturas.
Assim, não é aceite o valor do IVA deduzido, de € 15.266,69, nos termos dos artº19º nº 2 e artº 36º ambos do Código do IVA.”
10) As operações praticadas pela Requerente relativas à atividade hoteleira conferem direito à dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços necessários ao exercício da atividade;
11) Todas as facturas emitidas pelo fornecedor B… S.A. à Requerente têm como descritivo comum o seguinte: “Diversos – prest. Serviços”;
12) Ao descritivo comum, acrescenta-se, consoante o caso, a data da emissão da factura e o mês a que respeitam os serviços, designadamente: “Out” ou “Janeiro”;
13) Os termos concretos do apuramento do montante de cada uma das facturas emitidas relativas à designação de “Diversos – prest. Serviços”, resulta de um mapa anexo à factura intitulado, designadamente, “Cedência de Pessoal / Mês de Outubro de 2012” ou “Cedência de Pessoal / Mês de Janeiro de 2012” através do qual se determina o valor a facturar;
14) As facturas emitidas pelo fornecedor B… S.A. à Requerente não mencionam no seu descritivo a existência de um mapa anexo;
15) Do mapa anexo à factura consta a seguinte informação: nome do trabalhador, funções desempenhadas, entidade a quem foi cedido, montantes pagos (vencimentos, feriados, subsídio de alimentação, subsídio noturno, abono para falhas, prémio línguas, subsídio de férias, subsídio de natal, prémios, medicina do trabalho, encargos, seguros), total de encargos por trabalhador e a soma final.
16) Todas as facturas do fornecedor B… S.A foram sujeitas a IVA à taxa normal de 23%, calculado sobre os valores da soma final constantes do mapa anexo;
17) Em 5 de Maio de 2016, o Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, Divisão…, Equipa…, notifica a Requerente para “esclarecer em concreto quais os serviços prestados pela entidade B… S.A. nipc …, contabilizados na conta 2213702 – B…(que se junta a fls.6) e a que se referem as facturas a seguir mencionadas uma vez que na descrição constante das referidas facturas está mencionado, nomeadamente, “Diversos-presta. Serviços”. “diversos”.
Esclarecer também em que contas de gastos foram contabilizadas as facturas em causa, que são as seguintes:”
18) Em 12 de Maio de 2016, em resposta à notificação enviada pela AT, a Requerente responde no ponto 2. da sua exposição, o seguinte: “2.1 Os serviços prestados pela entidade B…, S.A. (NIPC:…) referem-se a cedências de pessoal desta sociedade à A…, S.A. para suprir necessidades de pessoal no âmbito da exploração do D…, cuja titularidade é da A…, S.A.
2.2 As facturas constantes do quadro apresentado foram contabilizadas na conta 62211- Trabalhos especializados”
2.3 Juntam-se as cópias das facturas: (...)”.
19) A Requerente foi notificada do projeto de relatório para exercer o seu Direito de Audição ao abrigo do disposto no artigo 60.º da LGT e no artigo 60.º do RCPITA, no âmbito da Ordem de Serviço n.º OI2015…;
20) Em 29 de Junho de 2016 a Requerente exerceu o seu Direito de Audição ao projeto de Relatório elaborado pela Inspeção Tributária no qual referiu o seguinte: “os gastos mencionados neste ponto do relatório correspondem a, como referido no mesmo, cedência de pessoal para suprir necessidades de pessoal no âmbito da exploração do D…, constituindo, portanto, gastos comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto. Acontece que por limitações de software de facturação de que o fornecedor dispunha à data da operação, as facturas foram emitidas com um mapa anexo que detalha todos os elementos necessários a uma correta identificação da quantidade e da natureza dos serviços prestados, bem como das datas de prestação dos mesmos, pelo que entendemos que os gastos em causa devem ser considerados aceites. Juntamos cópia das facturas em causa, com o referido mapa anexo.
Pelas razões expostas no ponto anterior e dado que a factura combinada com o referido “mapa anexo” cumpre os requisitos legais, atendendo a que o IVA foi corretamente liquidado e integralmente pago pelo fornecedor, não havendo portanto qualquer prejuízo para o Estado, entendemos que se encontram sanadas as faltas mencionadas, devendo ser aceite a respetiva dedução.”
21) Em 5 de Julho de 2016 a Requerente foi notificada da decisão do direito de audição, no sentido do respetivo indeferimento;
22) Em 8 de Julho de 2016 a Requerente foi notificada das correspondentes liquidações de IVA, no valor global de €46.231,46, tendo procedido ao respetivo pagamento;
23) Em 30 de Novembro de 2016, a Requerente deduziu o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo (cfr. requerimento electrónico ao CAAD).
2. Factos não provados
Não se constataram factos com relevo para a apreciação da matéria que não se tenham provado.
3. Motivação
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
4. Matéria de Direito
Fixados os factos relevantes, cumpre delimitar o objeto do pedido do presente processo arbitral.
As facturas desconsideradas para efeitos do direito à dedução do IVA, conforme resulta do RIT correspondem a 2 situações diferentes :
- Dois lotes de facturas emitidas pela sociedade B…, S.A. (B…), por referirem no seu descritivo “serviços prestados” e “diversos-Janeiro”, não contendo no descritivo a menção aos serviços concretamente prestados. Quanto ao mapa anexo à factura, entende a AT que este não seria contemporâneo daquela. As correspondentes liquidações adicionais de imposto e de juros compensatórios ascendem a €46.231,46, sendo a anulação deste montante de correção o objeto do pedido de pronúncia arbitral.
- Um terceiro lote referente a facturas emitidas por uma outra entidade – C… S.A. - respeitam a um sujeito passivo de IVA que não a Requerente, correspondendo as liquidações adicionais de imposto e de juros compensatórios ao valor de €5.678,72. Este lote de facturas, e as correspondentes liquidações adicionais, não são objeto do pedido de pronúncia arbitral.
Assim, a questão a decidir nos presentes autos passa por aferir se o IVA contido nas facturas emitidas à Requerente pela sociedade B… S.A. deverá ou não ser passível de dedução, tendo em consideração as regras que regem este imposto de acordo com o Direito da União Europeia, com a respetiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo, especialmente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). A este respeito importará analisar a questão do preenchimento ou não, dos requisitos necessários à respetiva dedutibilidade, tendo em conta a interpretação do disposto nos artigos 226.º da DIVA e os artigos 19.º n.º 2 alínea a) e 36.º n.º 5 do Código do IVA.
Nestes termos importa tecer algumas considerações prévias relativas à natureza e amplitude do direito à dedução.
4.1 Do direito à dedução
Como é sabido, o IVA é um imposto indireto de matriz comunitária, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o ato de consumo.
O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica – a neutralidade.
O mecanismo do direito à dedução permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante retirando o efeito cumulativo e a tributação em cascata que caracterizavam sistemas anteriores de tributação do consumo. Assim, o direito à dedução assenta no designado método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das facturas.
De acordo com este método, e em conformidade com o disposto no artigo 19.º do Código do IVA, através de uma operação aritmética de subtração, ao imposto apurado nas vendas e prestações de serviços (outputs) e identificável nas respetivas facturas, deduz-se o imposto suportado nas compras e outros gastos (inputs). Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2 do artigo 1.º da DIVA “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço”.
Tal como previsto na DIVA, o Código do IVA determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos.
As situações expressas de exclusão do direito à dedução são excecionais e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador nacional em termos taxativos, de acordo com o estatuído na DIVA, em função do tipo de despesas em causa.
As regras do exercício do direito à dedução do imposto contemplam requisitos objetivos, mais ligados ao tipo de despesas, subjetivos, relativos ao sujeito passivo, e temporais, atinentes ao período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, os quais se devem verificar em simultâneo para se exercer o direito à dedução.
Como requisitos objetivos do exercício do direito à dedução do IVA temos, nomeadamente, o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (ou seja, deverá obedecer, nos seus requisitos, aos termos gerais previstos no atual artigo 36.º, n.º 5, e artigo 40.º do Código do IVA), de se tratar de IVA português, e de a despesa, por si, conferir o direito à dedução do imposto (isto é, não se deve tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do Código do IVA).
Como requisitos subjetivos do exercício do direito à dedução do imposto determina-se, nomeadamente, que os bens e serviços deverão estar diretamente relacionados com o desenvolvimento de uma atividade económica. Com efeito, de acordo com a DIVA, no artigo 168.º (transposto, em parte, pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA), o sujeito passivo pode deduzir o IVA suportado no Estado membro em que se encontra estabelecido, nas transmissões de bens e prestações de serviços, assim como operações assimiladas nas aquisições intracomunitárias de bens e nas importações ali localizadas, desde que “os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas (…)” (sublinhado nosso).
Note-se que o TJUE admite a possibilidade de dedução do IVA mesmo que não se assista à efetiva realização de operações tributáveis, no caso dessas operações, por factos que ultrapassem a vontade da entidade, não se venham efetivamente a concretizar, ocorrendo a liquidação da sociedade. Acresce que este normativo, em conformidade com as regras do Direito da União Europeia, vem exigir que exista um nexo de causalidade entre o bem ou serviço adquirido (input) e o output tributado, para que o IVA seja susceptível de ser dedutível. Isto é, o IVA suportado a montante numa determinada operação só é dedutível na medida em que possa estar relacionada a jusante com uma operação efetivamente tributada, devendo a relação ser aferida em função do reporte e inclusão do custo suportado, no preço da operação tributada.
No que diz respeito aos regimes de dedução de IVA, o TJUE tem vindo a considerar que o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do próprio imposto, que não pode em princípio ser limitado, e que se exerce em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante, sublinhando ainda que “toda e qualquer limitação do direito à dedução tem incidência ao nível da carga fiscal e deve aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros. Em consequência, só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela Directiva”[2].
Acresce referir que qualquer limitação do direito à dedução deve observar os princípios da proporcionalidade e da igualdade o que pressupõe uma ponderação equilibrada dos benefícios derivados da medida e do sacrifício que esta implica[3].
4.2 Dos requisitos formais para o exercício do direito à dedução
Nos termos do artigo 178º, alínea a) da DIVA o sujeito passivo "... deve possuir uma factura em conformidade com os artigos 220.º a 236.º, 238.º, 239.º e 240.º". Deve, por isso, interpretar-se o conceito de "factura" por referência às disposições conjugadas dos artigos 226.º e 231.º da DIVA.
Note-se que a importância formal do documento de suporte no IVA, supera a que vigora nos impostos sobre o rendimento. No entanto, tal importância será necessariamente mais reduzida num contexto de inversão do sujeito passivo uma vez que não estamos em presença de um imposto repercutido por terceiros, mas antes do imposto devido pelo próprio destinatário, pelo que o risco inerente à evasão fiscal se encontra igualmente reduzido.
No que concerne aos elementos que devem constar das facturas, o artigo 226.° da DIVA tem a seguinte redação:
“Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente directiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas facturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.° e 221.° são as seguintes:
1) A data de emissão da factura;
2) O número sequencial, baseado numa ou mais séries, que identifique a factura de forma unívoca;
3) O número de identificação para efeitos do IVA, [...], ao abrigo do qual o sujeito passivo efetuou a entrega de bens ou a prestação de serviços;
4) O número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou destinatário [...];
5) O nome e o endereço completo do sujeito passivo e do adquirente ou destinatário;
6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados;
7) A data em que foi efectuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços [...];
8) O valor tributável para cada taxa ou isenção, o preço unitário líquido de IVA, bem como os abatimentos e outros bónus eventuais, se não estiverem incluídos no preço unitário;
9) A taxa do IVA aplicável;
10) O montante do IVA a pagar, salvo em caso de aplicação de um regime especial para o qual a presente diretiva exclua esse tipo de menção.”
Transpondo estas regras para o Código do IVA, determina o n.º 5 do artigo 36.º deste diploma legal, que as facturas devem conter os seguintes elementos:
“a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;
b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável;(...)
c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;
d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;
e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;
f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura.”
Decorre, portanto, desta disposição, aliás, conforme sufragado no âmbito do Processo C-368/09, de 15 de Julho de 2010, do TJUE, que “não é legítimo aos Estados Membros associar o exercício do direito à dedução do IVA ao preenchimento de pressupostos relativos ao conteúdo das facturas que não estão expressamente previstos nas disposições da DIVA. Esta interpretação é igualmente corroborada pelo artigo 273º desta diretiva, que prevê que os Estados Membros podem impor obrigações que considerem necessárias para assegurar a exata percepção do IVA e para evitar a fraude, mas que esta faculdade não pode ser utilizada para impor obrigações de facturação suplementares às fixadas, designadamente, no artigo 226º da referida diretiva”. Isto significa que, conforme jurisprudência do TJUE, embora esta disposição permita aos Estados membros adoptar determinadas medidas, estas não deverão, todavia, ir para além do que é necessário para atingir esse fim e não poderão, por isso, ser utilizadas de tal forma que ponham sistematicamente em causa o direito à dedução do IVA, que é um princípio fundamental do sistema comum do IVA[4].
Com efeito, o princípio da efetividade exige que as legislações nacionais, bem como os procedimentos administrativos adoptados pelos Estados membros não tornem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício de direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária. Neste sentido se pronunciou o TJUE, no Acórdão proferido no processo C-25/03[5], que “(…) é jurisprudência assente que a exigência, para o exercício do direito à dedução, de outros elementos na factura para além dos enunciados no artigo 22º, nº 3, alínea b), da Sexta Directiva deve ser limitada ao necessário para assegurar a cobrança do imposto sobre o valor acrescentado e a sua fiscalização pela Administração Fiscal. Além disso, esses elementos não devem, pelo seu número ou tecnicidade, tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução (Acórdão de 14 de Julho de 1988, Jeunehomme e EGI, 123/87 e 330/87, Colect. P. 4517, n.º 17). Outrossim, as medidas que os Estados membros têm a possibilidade de tomar, nos termos do n.º 8 do artigo 22.º da mesma Directiva, para garantir o exacto recebimento do imposto e evitar a fraude não devem exceder o necessário para atingir aqueles objectivos. Não poderão por isso ser utilizadas de forma que ponham em causa a neutralidade do IVA, que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação comunitária na matéria (acórdãos de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C110/98 a C147/98, Colect., p.I1577, n.º 52, e de 19 de Setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C454/98, Colect., p. I6973, n.º 59).”
Assim, no âmbito da jurisprudência enunciada, colocou-se sempre o problema de saber em que circunstâncias os vícios formais na factura deverão por em risco o direito à dedução do imposto existente no plano da relação material subjacente, considerando especialmente a importância do princípio da neutralidade na aplicação do IVA.
Ora, nos processos supra enunciados, que aliás não esgotam a análise da questão relativa ao conteúdo das facturas no domínio da aplicação do IVA, resulta um entendimento uniforme que associa os requisitos formais das facturas às finalidades de cobrança do imposto e da sua efetiva fiscalização pela Administração Fiscal dos Estados membros, admitindo-se a tese de que a existência de vícios formais não determina por si só e automaticamente a negação do exercício do direito à dedução.
Com efeito, a este respeito cita-se a afirmação proferida pelo Advogado-Geral Sir Gordon Slynn segundo o qual “uma factura que preencha as condições constitui o título de acesso ao direito à dedução, sob reserva da administração fiscal vir a demonstrar posteriormente que é falsa; se a factura não preenche as condições, pode acontecer que o sujeito passivo esteja em condições de provar a existência da transação e que o seu fornecedor tenha declarado o imposto pago a montante, mas se a factura está incompleta num aspecto essencial, cabe ao sujeito passivo fazer prova do seu direito à dedução.”[6]
Por conseguinte, seguindo a referida jurisprudência, para que os vícios formais ponham em causa o exercício do direito à dedução é necessário que se encontre afastada a capacidade de correta cobrança do imposto e de fiscalização, de tal modo que a AT não estaria em condições de conhecer a realidade material subjacente em face dos elementos de prova carreados para o processo pelo sujeito passivo.
5. Aplicação do caso concreto
A questão central que se coloca no processo em apreço gira em torno de saber se as facturas emitidas à Requerente pela empresa B… S.A. seriam ou não formalmente válidas, para efeitos do exercício do direito à dedução, à luz dos pressupostos legais previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º do Código do IVA, conjugado com o n.º 5 do artigo 36.º do mesmo Código, considerando, ainda, o disposto no artigo 226.º da DIVA.
Importa, por conseguinte, analisar, à luz dos referidos preceitos legais, a questão do preenchimento dos requisitos legais necessários à dedutibilidade do IVA.
A este respeito, alega a AT, para além do mais que, a descrição contida nas facturas “Diversos-prest. de Serviços-OUT.” e “Diversos” “não faz menção aos serviços que em concreto foram prestados”, sendo esta referência manifestamente insuficiente. Acresce que, segundo a AT “As facturas que não preencham todos os requisitos legais a que se refere o artº 36º do CIVA, designadamente, por não discriminarem os serviços que em concreto foram prestados, as quantidades unitárias e seus totais, não podem considerar-se passadas na forma legal, e, consequentemente não permitem a dedução do respetivo IVA de harmonia com o art.º 19º nº 2 do CIVA, independentemente da prova da realidade das operações subjacentes.”
Reportando-se aos esclarecimentos prestados pela Requerente no âmbito do processo de inspeção e, posteriormente, em sede de Direito de Audição, entende a AT que “Essa falta de forma legal não fica sanada com a junção de declarações em que se atestam os elementos omitidos, já que essas declarações não constituem facturas.”
Conforme resulta do probatório, através de notificação de 05 de Maio de 2016, foi solicitado ao contribuinte o necessário esclarecimento relativamente aos serviços prestados pela entidade B… S.A., tendo o contribuinte informado, em resposta a essa notificação que “os serviços prestados pela sociedade referem-se a cedências de pessoal para suprir necessidades de pessoal no âmbito da exploração do D…”.
Em sede de Direito de Audição, foi ainda explicado que “por limitações do software de facturação que o fornecedor dispunha à data da operação, as facturas foram emitidas com um mapa anexo que detalha todos os elementos necessários a uma correcta identificação da quantidade e natureza dos serviços prestados, bem como as datas de prestação dos mesmos”.
Por seu turno, para a AT, a afirmação da existência de um mapa anexo contemporâneo às facturas é falsa pelo simples facto da factura não conter menção a qualquer anexo, considerando não resultar minimamente provado quais as prestações de serviços subjacentes ao IVA liquidado. Neste sentido, conclui a AT que por falta de acatamento integral do formalismo legalmente imposto no que toca à emissão de facturas, não se pode considerar comprovada a dedutibilidade do IVA, por recurso a “declarações escritas, documentos supervenientes ou prova testemunhal”.
Ora, salvo melhor opinião, não assiste razão à AT, conforme veremos em seguida.
O que está em causa nos autos é o incumprimento do disposto da alínea b), do número 5 do artigo 36.º do Código do IVA, por falta de indicação concreta dos serviços prestados, das quantidades unitárias e seus totais.
A este respeito não se poderá falar de uma pura e simples omissão, mas antes da suficiência ou não de tais referências legais no corpo da factura.
Com efeito, conforme refere a AT e resulta da matéria de facto fixada, todas as facturas contém uma menção, ainda que vaga, à realização de prestações de serviços diversos, indicando uma quantidade por referência à duração mensal dos serviços que resulta da inscrição no corpo da factura do mês a que os serviços respeitam, designadamente, “Out.” Ou “Janeiro”. A factura faz também menção à taxa de IVA, ao valor base de incidência e ao valor total.
Ora, no domínio da suficiência das referências quanto à quantidade e denominação dos bens transmitidos ou serviços prestados acompanhamos o defendido pelo Tribunal Arbitral no processo n.º 411/2014-T de 27 de Março de 2015 segundo o qual, apelando a uma perspectiva hermenêutica, as menções das facturas poderão ter carácter genérico considerando designadamente o seguinte:
1) O elemento literal da norma, em especial a utilização de vocábulos “natureza” e “denominação usual”;
2) A natureza transnacional do IVA e a vocação deste imposto para as transações económicas no espaço da União pouco compatível com formalismos excessivos;
3) A possibilidade de utilização repetitiva de expressões de modo a diminuir o trabalho burocrático;
4) A funcionalização das exigências formais às necessidades de fiscalização e controlo pela Administração Fiscal;
5) O facto de a própria DIVA apresentar uma descrição abstrata dos serviços, sendo a norma nacional a expressão de uma regulamentação comunitária que se posiciona a montante; e por fim acrescentamos,
6) A posição que tem sido reiteradamente assumida pela jurisprudência do TJUE relativamente à redação do artigo 226.º n.º 6 da Diretiva IVA, segundo o qual deverá ser especificada a extensão e natureza dos serviços prestados, sem, contudo, precisar que é necessário descrever os serviços específicos prestados de forma exaustiva.[7]
Note-se, que ao nível da jurisprudência nacional também no Ac. do TCA- S de 07-01-2004, proferido no processo 0479/03 se escreveu que “A designação da quantidade e da denominação usual das mercadorias transmitidas ou dos serviços prestados deve ser indicada na factura de forma a que a Administração possa fiscalizar com eficácia as obrigações tributárias.”
Ou seja, a exigência de forma da facturação ao nível do IVA, relativa à “designação da quantidade e da denominação usual das mercadorias transmitidas ou dos serviços prestados”, terá em vista, como se apontou, assegurar “que a Administração possa fiscalizar com eficácia as obrigações tributárias” permitindo “identificar a operação de modo bastante para que possam extrair-se as devidas consequências quanto ao imposto (sua incidência, sujeitos, taxa, cobrança, reembolsos, etc.)”.
Esta funcionalização das formalidades ora em causa, não poderá justificar a total omissão de requisitos mínimos que permitam identificar o concreto enquadramento jurídico-tributário da operação, no entanto, entende este Tribunal, na esteira aliás da jurisprudência do TJUE, que o grau de exigência no descritivo das facturas não deverá ser desproporcional, para efeitos do exercício do direito à dedução, face aos fins de identificação da operação e o controlo da fraude e evasão fiscais.
Por conseguinte, do ponto de vista da neutralidade, assente que na substância assista ao sujeito passivo o direito à dedução, importará saber se, no caso concreto, eventuais incompletudes da factura poderão colocar em risco os fins de correta cobrança do imposto e o eficaz controlo das operações.[8]
Com efeito, a ponderação do valor funcional atribuído aos requisitos de forma das facturas, levaria o TJUE a considerar que “(...) embora uma factura tenha efetivamente uma função documental importante pelo facto de poder conter dados controláveis, existem circunstâncias nas quais os dados podem ser validamente comprovados através de outros meios que não sejam uma factura e em que a exigência de dispor de uma factura em todos os pontos conforme com as disposições da Diretiva 2006/112 teria como consequência por em causa o direito à dedução de um sujeito passivo.[9] (Sublinhado nosso).
Apelando a uma abordagem mais flexível do que aquela que tem sido utilizada pela jurisprudência nacional, o TJUE admite que a substância das operações, uma vez comprovada, prevaleça sobre os vícios da factura, quando estejam em causa elementos previstos na lei interna dos estados-membros, e na limitada medida em que a Diretiva IVA permite a sua introdução. O Tribunal vai mais longe admitindo mesmo que a substância das operações prevaleça sobre vícios das facturas relativamente a elementos tipificados na Diretiva IVA, posto que não se crie risco de fraude.[10]
*
Atendendo à realidade dos autos, se dúvidas existissem quanto à natureza e quantidade dos serviços prestados, titulados pelas facturas do fornecedor B… S.A., tais dúvidas teriam sido ultrapassadas utilizando os esclarecimentos prestados pelo contribuinte em sede procedimento inspetivo e o mapa anexo de suporte às facturas apresentado em sede de Direito de Audição, que integra o PA.
Com efeito, o que está em causa é uma prestação de serviços de cedência de pessoal, a qual se encontra, no entender deste Tribunal, suficientemente espelhada na descrição comum utilizada pelo fornecedor “Diversos- Prestação de Serviços - Janeiro”, menções que surgem acompanhadas por um mapa anexo intitulado “cedência de pessoal” no qual se indica o nome do trabalhador, as funções desempenhadas, o valor do vencimento, dos subsídios e demais encargos pagos, o valor unitário por trabalhador cedido, o mês a que respeitam as prestações, e o valor total líquido de imposto, constando, por seu turno, do corpo da factura, a taxa de IVA (23%) aplicada ao valor total da prestação de serviços, calculada com base na soma dos vários valores unitários constantes do mapa anexo.
Note-se que, partindo da análise da letra da alínea b), do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, que encontra correspondência direta no ponto 6 do artigo 226.º da Diretiva IVA “as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas facturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º são as seguintes (...) 6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados”.
Ora, no contexto dos serviços prestados, ainda que as indicações constantes do corpo das facturas se afigurem genéricas, tais indicações não devem deixar ser associadas aos documentos juntos em sede de procedimento inspetivo e de Direito de Audição, na medida em tais elementos, e em particular, o mapa anexo às facturas, permitiria à AT levar a cabo as suas funções de controlo da fuga e fraude fiscais através do cruzamento da informação relevante.
Efetivamente, entende este Tribunal que para efeitos de garantir um controlo eficaz da receita fiscal resultante das prestações de serviços em causa, o mapa anexo à factura é um elemento de prova fundamental para efeitos do exercício do direito à dedução do IVA, permitindo não só aferir a natureza concreta dos serviços prestados, como também conhecer os vários elementos constitutivos do preço, através de elementos qualitativos e quantitativos, como sejam o nome e funções de cada um dos colaboradores envolvidos na cedência de pessoal, o salário praticado, o valor dos benefícios acessórios, a duração dos serviços, os valores totais por funcionário cedido, e o preço total líquido de imposto.
Dir-se-á, neste contexto, que o mapa anexo à factura permite demonstrar o preenchimento dos requisitos substantivos para o exercício do direito à dedução, de forma suficiente e credível, não sendo, por outro lado, de duvidar das dificuldades informáticas alegadas pela Requerente no que respeita ao processamento no corpo da factura de toda a informação supra referida, constante do mapa anexo.
Aliás, apesar da factura não conter menção direta ao referido mapa anexo, tratando-se de uma liquidação oficiosa, incumbiria à AT demonstrar os pressupostos da legalidade da sua atuação, gozando a Requerente, em princípio, da presunção de veracidade constante do art.º 75.º n.º1 da LGT.[11]
Ora, do RIT não resultam indícios de que as prestações de serviços não tenham efetivamente ocorrido, tanto que a dedução do seu valor foi integralmente aceite para efeitos da consideração do custo em sede de IRC. Por conseguinte, a AT reconhece que não está em causa a prova da realidade das operações subjacentes, considerando-se, porém, que o facto da Requerente não ter operado uma discriminação precisa dos serviços prestados, e quantidades unitárias, constitui um vício de forma insusceptível de suprimento por quaisquer outros meios de prova alternativos.
Ora, é convicção deste Tribunal que o não cumprimento estrito de certas exigências formais na emissão de uma factura, poderá não ser suficientemente grave para por em causa o direito à dedução, quando sejam apresentados outros meios probatórios, credíveis, que atestam a materialidade da operação e não exista risco sério de perda da receita tributária.[12] Ademais, no caso controvertido, o fornecedor sujeitou o valor tributável total (resultante da soma dos vários valores unitários reflectidos no anexo à factura) à taxa aplicável às prestações de serviços em causa, concretamente a taxa normal de 23% (portanto, a taxa mais elevada), tendo sido assegurada a arrecadação do imposto devido.
Assim, não se trata de substituir a factura por outros meios de prova, contudo, se for caso disso, trata-se de precisar os contornos da operação material subjacente através de informação adicional de suporte (no caso optou-se por um mapa anexo à factura que deverá ser conjugado com esta), que valide o seu descritivo e assegure a qualificação das operações no plano jurídico-tributário.[13]
À luz das considerações anteriormente tecidas, e sem nos afastarmos do princípio que tem vindo a ser seguido pela jurisprudência do TJUE, segundo o qual as exigências formais não podem ser dissociadas das finalidades de controlo do pagamento do imposto devido e dos riscos de perda de receita fiscal, entendemos que as facturas em causa dão o mínimo de cumprimento ao disposto no artigo 36.º n.º 5 alínea b) do Código do IVA, para efeitos da viabilização do exercício do direito à dedução.
Não podemos concluir sem fazer referência à recente jurisprudência do TJUE, no Acórdão Barlis, relativamente à importância de ponderar as consequências de uma violação do artigo 226.º da DIVA sobre o exercício do direito à dedução à luz das finalidades prosseguidas pela referida norma.[14] Reforçando a sua jurisprudência em matéria de vícios formais, o Tribunal refere que o princípio da neutralidade do IVA “exige que a devolução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber se os requisitos materiais foram cumpridos não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C‑385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C‑280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.os 58, 59 e jurisprudência aí referida)”. E concretiza, acrescentando “Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a factura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.º 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.” (Sublinhado nosso). E finalmente, aduz, em defesa do princípio da proporcionalidade, que os “os Estados‑Membros são competentes para prever sanções em caso de violação dos requisitos formais relativos ao exercício do direito a dedução do IVA.” (...) “O direito da União não impede os Estados‑Membros de aplicarem, sendo caso disso, uma multa ou uma sanção pecuniária proporcionada à gravidade da infração, a fim de punir a violação das exigências formais.”
Em suma, afigura-se-nos que as formalidades sobre as quais nos debruçámos se deverão ter por suficientemente cumpridas, porquanto no contexto dos serviços prestados foram assegurados os fins evidenciados pela jurisprudência do TJUE de identificação das operações no plano jurídico-tributário, de aferição da respectiva incidência, determinação da taxa aplicável, não tendo sido posta em causa a exata cobrança e correta fiscalização do imposto.
Reputando-se as facturas emitidas pelo fornecedor B… S.A. adequadas a titular o exercício do direito à dedução da Requerente, em cumprimento da alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, deverão os atos tributários em questão no presente processo, que ascendem ao montante de 46.231,46, ser anulados, por vício de violação de lei.
6. Juros indemnizatórios
A Requerente peticionou ainda a condenação da Requerida em juros indemnizatórios, vencidos e vincendos até à data da devolução das quantias de imposto indevidamente liquidadas, por considerarem, no caso concreto, que ocorreu liquidação de IVA superior ao devido por erro imputável aos serviços.
Nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária e artigo 61.º do CPPT “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Entende-se por erro imputável à administração, o erro que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto e de direito que, não sejam da responsabilidade do contribuinte. Assim, “o direito a juros indemnizatórios abrange apenas uma das causas de responsabilidade da Administração tributária, agindo como tal: a originada pelo pagamento indevido de tributos, que lhe for imputável (...) o direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte provem, em regra geral, de um dever de indemnização da Administração tributária resultante da forçada improdutividade das importâncias desembolsadas pelo contribuinte.”(cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, p. 204 e 205).
No caso em apreço, foi demonstrado que a Requerente procedeu ao pagamento do imposto e dos correspondentes juros compensatórios, por força das liquidações objeto do presente processo.
Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).
Acresce que, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.
Assim, deverá a Requerida dar execução ao presente acórdão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos efetuados até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).
Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão da Requerente quanto ao pagamento de juros indemnizatórios.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado pela Requerente e, em consequência:
a) Anular os atos de liquidação objeto do presente processo, correspondentes ao valor de €46.231,46;
b) Em consequência, ordenar o reembolso desse montante de IVA cuja dedução foi negada;
c) Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios;
d) Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 46.231,46, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 1 de Junho de 2017
A Árbitro
(Filipa Barros)
[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.
[2]Vide, nomeadamente, acórdãos de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz, C-62/93, n.°18, e de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa C -110/98 a C-47/9, n.° 43, bem como de 6 de Julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C- 439/04 e C-440/04, n.°47.
[3] A propósito ver acórdão de 11 de julho de 1989, Schrader, C- 265/87, n.º 21 e acórdão de 19 de setembro de 2000, Ampafrance, C-177/99.
[4] Vide acórdãos de 18 de Dezembro de 1997, Molenheide e o C-286/94, C-340/95, C-401/95 e C-47/96, nº 47
[5] Acórdão de 21 de Abril de 2005, Finanzamt Bergisch Gladbach, C-25/03, n.º 80.
[6] Acórdão de 14 de julho de 1988, Lea Jeunehomme e EGI, C-123 e 130/87.
[7] Acórdão de 15 de Setembro de 2016, Barlis 06, C-516/14, n.º 26
[8] Vide Sérgio Vasques (2015) O Imposto Sobre o Valor Acrescentado, p. 344.
[9] Acórdão de 1 de Março de 2012, Polsky Trawertyn, C-280/10, n.º 47-49.
[10] Vide, Sergio Vasques, p. 345.
[11] Ac. TCA-Sul de 16-01-2007, proferido no processo 00911/03.
[12] Vide neste sentido, Miguel Agrellos, Paulo Pichel e André Mena Husgen, “Ainda Sobre as Formalidades nas Facturas: análise da Jurisprudência dos Tribunais Portugueses, Cadernos IVA 2016, p. 291.
[13] Vide neste sentido Acórdão do STA Proc. n.º 24857, de 24 de Maio de 2000.
[14] Acórdão citado, Barlis 06, n.º 37-48.