Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 702/2016-T
Data da decisão: 2017-07-20  IMT Selo  
Valor do pedido: € 2.579,43
Tema: IMT/IS – Regime tributário dos FIIAH – norma transitória
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Decisão Arbitral

 

A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 09 de fevereiro de 2017, decide nos termos que se seguem:

I.                   RELATÓRIO

 

1)      Enquadramento processual

 

No dia 28-11-2016, a sociedade “A…– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL”, NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 13-12-2016.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 25-01-2017.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 09-02-2017, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

 

2)      Síntese dos fundamentos invocados pela Requerente

Com o pedido de pronúncia arbitral apresentado, pretende a Requerente saber se o artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (norma transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH), na medida em que determina a aplicação do atual Regime Tributário dos FIIAH “aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014” consubstancia um novo regime de caducidade das isenções previstas no n.º 7, alínea a) e n.º 8 do artigo 8.º (Regime Tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, o que, em seu entender, consubstanciaria uma violação flagrante e inequívoca do princípio da não retroatividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição.

A favor da sua tese, identifica os seguintes argumentos:

A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (OE 2009), aprovou o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, constante dos respetivos artigos 102.º a 104.º.

Quanto ao regime tributário dos FIIAH, e no que se refere ao IMT, o n.º 7 do artigo 8.º prevê que:

“7- Ficam isentos de IMT:

a)      As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1.

b)      As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.”

A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (OE 2014) aditou ao artigo 8.º os números 14 a 16, com o seguinte texto:

“13 – Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 – Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 – Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.”

Por fim, a mesma Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (OE 2014), veio consagrar no seu artigo 236.º (norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH), o seguinte regime transitório:

“1-  O disposto nos números 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.”

Com base nestas disposições, em concreto do n.º 16 do artigo 8.º, o Requerente solicitou à AT a liquidação de IMT e de Imposto do Selo (IS) dos seguintes atos tributários relativos a imóveis que eram detidos pelo Fundo A… à data da entrada em vigor da LOE 2014.

- Artigo matricial … (fração “E”) da freguesia de …, concelho de Campo Maior, liquidação de IMT n.º …, no valor de € 1.578,43

- Idem, liquidação de IS n.º…, no valor de € 1.001,00.

As referidas liquidações foram pagas no dia 1 de setembro de 2016.

Contudo, a Requerente entende que as referidas liquidações são ilegais por violação do disposto no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição, devendo, por conseguinte, ser declaradas nulas ou, subsidiariamente, caso assim não se entenda, anuláveis. E expõe os seguintes motivos:

- Quer o IMT, quer o IS são impostos de obrigação única;

- Esta qualificação é relevante na medida em que as isenções de IMT e de IS, constantes, respetivamente, dos números 7, alínea a) e 8 do artigo 8.º do Regime Tributário dos FIIAH, foram reconhecidas a requerimento do Fundo A…, nos termos do artigo 10.º (reconhecimento das isenções) do Código do IMT, em momento anterior ao do ingresso dos prédios relevantes no património do Fundo A… .

- Entende a Requerente que isso significa que, quando os prédios ingressaram no património do Fundo A…, ficaram definitivamente cristalizadas na ordem jurídico-tributária as isenções de IMT e de IS previstas, respetivamente, nos números 7, alínea a) e 8 do artigo 8.º do regime tributário dos FIIAH. Efetivamente, o facto tributário é a aquisição do prédio pelo Fundo e as isenções não eram, à data em que os imóveis ingressaram no património do Fundo, condicionadas à verificação ulterior de qualquer facto ou circunstância.

- Assim, quaisquer mudanças introduzidas no regime no sentido de condicionar a validade da isenção devem aplicar-se apenas para o futuro e não a prédios que já tivessem a isenção reconhecida a seu favor.

- Entende, portanto, que o artigo 236.º da LOE 2014, ao estender a aplicação do regime aos prédios adquiridos antes da entrada em vigor da alteração, muito embora aplicando-o apenas após 3 anos contados de 01.01.2014, viola de forma direta e inequívoca o princípio da não retroatividade da lei fiscal consagrado no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição.

- Reforça ainda que este entendimento tem respaldo na jurisprudência do Tribunal Constitucional segundo a qual a proibição de retroatividade no âmbito fiscal abrange apenas a retroatividade autêntica, ou seja, os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga (cf. acórdãos 128(2009, 85/2010, 399/2010).

- A Requerente junta dois pareceres que reforçam a sua tese, um do Prof. Doutor B… e outro do Prof. Doutor C…, cujas conclusões sintetizadas se deixam aqui registadas:

As isenções de IMT e de IS aplicáveis nas aquisições de prédios ou frações autónomas abrangidas pelo regime prévio à alteração introduzida pela LOE2014 bastavam-se com a aquisição pelos FIIAH destinada a arrendamento habitacional, não dependendo da consumação do arrendamento efetivo num determinado prazo nem da não alienação do prédio nesse mesmo prazo, não tendo o legislador feito correr por conta dos FIIAH o risco da não realização do arrendamento.

A exigência introduzida pela LOE2014 não estava prevista no regime originário de 2008, não resultando, designadamente, do pressuposto de que se tratasse de aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas “destinados exclusivamente a arrendamento para habitação”, pois essa destinação é compatível , designadamente em períodos de crise do mercado de arrendamento, com dificuldades e atrasos na concretização do arrendamento, nada obstando, segundo a previsão originária da isenção, a que o imóvel fosse adquirido como destinado exclusivamente a arrendamento para habitação apesar de só vir a ser arrendado, por exemplo, 3 anos e meio ou 4 depois da aquisição.

Do mesmo modo, a alienação, dentro do prazo de 3 anos a contar da aquisição, do imóvel que fora adquirido para ser destinado exclusivamente a arrendamento não obstava também à aplicação da isenção segundo a sua previsão originária – sendo certo, aliás, que apenas 75% do património dos FIIAH tinha obrigatoriamente que ser integrado por prédios destinados a arrendamento (artigo 4.º, n.º 1, do respetivo regime).

A previsão de um prazo para a concretização do arrendamento representa a introdução de um novo pressuposto para a isenção de IMT e de IS, com o efeito de delimitar mais restritivamente a exceção à incidência que resulta da isenção, prevendo-se que esta fica “sem efeito.”

O artigo 103.º, n.º 3 da Constituição proíbe impostos com natureza retroativa, tendo tal proibição, introduzida em 1997, tornado claro que ao legislador não é permitido prever ou alterar nos seus elementos essenciais impostos que incidam sobre factos já esgotados no momento da entrada am vigor da lei – isto é, que sejam autenticamente retroativos.

A redação do artigo 103.º, n.º 3, introduzida em 1997, deu origema  que, posteriormente a 1997, e aplicando o novo parâmetro constitucional, o Tribunal Constitucional tenha passado a decidir no sentido da inconstitucionalidade de normas que criam ou alteram nos seus elementos essenciais impostos para factos que se completaram anteriormente à sua entrada em vigor (retroatividade autêntica, por oposição à mera retrospetividade ou retroatividade inautêntica).

A norma prevista no artigo 236.º da LOE 2014 é uma norma autenticamente retroativa pois ordena a aplicação dos novos pressupostos das isenções – arrendamento e não alienação num prazo de 3 anos, sob pena de estas ficarem sem efeito – a aquisições e a atos (isto é, a factos tributários) anteriores à sua entrada em vigor e que se completaram antes desta.

Por outro lado, a norma não pode ser considerada interpretativa porque os pressupostos que aditou para as isenções não estavam anteriormente previstos.

É irrelevante que se preveja no artigo 236.º, n.º 2 da LOE 2014 que o prazo de três anos se conta a partir da entrada em vigor dessa lei uma vez que tal pressuposto da isenção (o prazo) não era sequer exigido no momento em que os factos tributários relevantes foram praticados.

Entende ainda a Requerente que, verificando-se a inconstitucionalidade da norma que fundamenta as liquidações impugnadas, o vício das mesmas é o da nulidade, ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), porque ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental, o qual pode ser invocado a qualquer tempo.

Caso assim não se entenda, sustenta que as liquidações deverão ser consideradas anuláveis, nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT.

Em qualquer dos casos, peticiona a restituição do montante de imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 63.º da LGT.

3)      Síntese da contra-argumentação da AT

Considera a Requerente que não é legítimo ao legislador impor supervenientemente quaisquer factos ou circunstâncias que determinam a caducidade do direito à isenção em obediência ao princípio da não retroactividade da lei fiscal.

No caso presente, não se trata de alterar os pressupostos, condições de atribuição ou de reconhecimento de um benefício fiscal, mas tão só e apenas de período de tempo para efeitos de comprovação do cumprimento de um requisito previamente estabelecido. Não estamos, pois, em sede de uma situação de reconhecimento de direitos, mas apenas de procedimentos de prova de direitos cuja atribuição está anteriormente regulada.

Nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP a administração está obrigada a actuar em conformidade com o princípio da legalidade, ou seja, os órgãos e agentes administrativos não têm competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade.

Pelo que, e em suma, a AT não podia/pode recusar a aplicação de uma norma ou deixar de cumprir a lei invocando ou questionando a sua constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos arts. 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT.

Quanto à inconstitucionalidade, entende a AT que há que ressalvar que, à data de criação do regime tributário aplicável aos FIIAH, com a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, as isenções em questão, quer em sede de IMT, quer em sede de Imposto do Selo, exigiam, respetivamente:

(i) que a aquisição dos imóveis tivesse como destino exclusivo o “arrendamento para habitação permanente” e,

(ii) que a transmissão tivesse por objecto “prédios destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5”.

Ou seja, os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das referidas isenções, sempre tiveram, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, que cumprir o pressuposto de que tais prédios fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.

Pelo que, falece razão à Requerente quando afirma que as isenções em apreço não eram condicionadas por quaisquer factos ou circunstâncias.

É de concluir, assim, que, com as alterações introduzidas, não se alterou a ratio das isenções consagradas, sendo de sublinhar que não foi determinada a extinção imediata do benefício no caso de não se verificar celebrado o referido contrato de arrendamento, pois que se concedeu um prazo bastante alargado, de três anos, para o efeito.

Na verdade, e ressalvando não se identificar qual a lesão jurídica que a norma referida causou à Requerente, dado que, como se viu, a alienação pressupõe a afectação a um destino distinto do arrendamento, face ao disposto no citado preceito normativo, relativamente aos prédios adquiridos antes de 1 de Janeiro de 2014, de modo a considerar-se realizada a afectação para habitação permanente, teriam que ser celebrados contratos de arrendamento para habitação permanente nos três anos subsequentes.

Estando em causa a concreta alienação dos imóveis, atente-se que, ocorrendo a caducidade da isenção, já nos termos do artigo 14.º, n.º 2, do EBF, o artigo 8.º, n.º 16 do regime vem apenas concretizar uma medida anti-abuso, isto é, concretizando que prédios que não fiquem em carteira com afectação exclusiva ao arrendamento habitacional, não foram adquiridos com tal finalidade.

Finalmente, quanto ao pedido de juros indemnizatórios, entende a AT que aos serviços da AT não pode ser imputado qualquer erro de facto ou de direito, dada a obediência à lei que enforma toda a sua actividade, o que, por sua vez, determina, então, que não há suporte legal para o pedido de juros indemnizatórios.

II. SANEAMENTO

 

1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

3. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

Antes de entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo (PA) junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

III.1. Factos provados

 

Em face dos documentos carreados para o processo e dos factos alegados e não contraditados dá-se como provado que:

 

a)      A A…– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL” – era, à data das liquidações em apreço, proprietária do prédio correspondente ao artigo matricial … (fração “E”) da freguesia de …, concelho de Campo Maior;

b)      O prédio em causa tinha sido adquirido com benefício de isenção de IMT ao abrigo da alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH);

c)      Em 31.08.2016, foi emitida a liquidação de IMT, no valor de € 1578,43, relativa ao facto tributário “aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis”, com a seguinte descrição:

Em 29 de janeiro de 2014 liquidaram o IMT n.º …/2014 pela aquisição do artigo…, fração “E”, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Campo Maior, ao sujeito passivo NIPC … (…) com o benefício código … FIIAH/SIIAH Artigo 87.º do OE pelo preço de € 125.125,00 com afetação habitação.

Nesta data solicitam o pagamento de IMT porque vai ser alienada a fração supra mencionada.

Liquidação de IMT nos termos do n.º 16 do artigo 8.º do Regime dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) aprovado pelo artigo 62.º da Lei n.º 64-A/2008 de 31 de dezembro, aplicável ex vi artigo 236.º da Lei 83-C/2013 de 31 de dezembro (norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH).

d)      Na mesma data foi emitida a liquidação de IS, no valor de € 1.001,00, com o mesmo facto tributário e com descrição equivalente.

e)      Os impostos foram pagos no dia 01.09.2016.

 

III.2. Factos não provados

 

Não existem factos relevantes para a decisão que tenham sido dados como não provados.

 

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

Importa decidir, no caso sub judice, se os atos de liquidação contestados são legais ou ilegais, à luz do regime jurídico-tributário dos FIIAH.

 

Por outro lado, a título incidental, e caso se revele necessário para decidir a questão principal, coloca-se a questão de saber se o artigo 236.º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) previsto pela Lei n.º 83–C/2013, de 31 de Dezembro – na medida em que determina a aplicação do atual Regime Tributário dos FIIAH «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014» - viola o princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

 

A resenha da evolução do regime jurídico, nomeadamente tributário, dos FIIAH já ficou feita na parte inicial desta decisão, pelo que não se considera necessário repeti-la aqui.

Resulta de tal evolução que desde a versão originária do regime jurídico-tributário dos FIIAH que as isenções previstas nos n.ºs 7 e 8 do artigo 8.º respetivo se encontram condicionadas ao cumprimento do requisito específico de os imóveis que delas beneficiem serem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente. E percebe-se porquê: estando em causa uma medida de caráter excecional, a sua legitimidade advém precisamente do interesse extrafiscal a que visa responder (artigo 2.º, n.º 1 do EBF). No caso concreto, esse interesse prende-se com a promoção da oferta de imóveis para arrendamento destinados a habitação permanente e, na altura em que surgiu – o período correspondente ao início da última grande crise do setor imobiliário em Portugal - com a necessidade de promover formas alternativas de cumprimento, por parte das famílias, dos respetivos encargos com habitação.

Ora, por isso mesmo, prevê-se no n.º 3 do artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) que “Quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à direta realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei.”

 

Ora o artigo 14.º do EBF é aplicável, nos termos do artigo 1.º do EBF, não só aos benefícios fiscais constantes do EBF, mas também a outros benefícios fiscais, como era o caso dos benefícios previstos em sede de regime jurídico-tributário dos FIIAH, até à data da entrada em vigor das alterações introduzidas ao regime jurídico-tributário dos FIIAH pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.

Ou seja, mesmo antes das alterações introduzidas pela LOE 2014 ao regime jurídico-tributário dos FIIAH, já se previa que os benefícios concedidos ao abrigo desse regime se extinguiriam se cessassem as condições que estiveram na base da sua atribuição.

As alterações introduzidas pela LOE2014 não alteraram a ratio das isenções consagradas, nem determinaram a extinção imediata do benefício no caso de não se verificar celebrado o contrato de arrendamento, antes se concedendo um prazo de três anos para o efeito.

Conforme resulta das notas de liquidação juntas ao processo, as liquidações tiveram lugar porque o imóvel ia ser alienado. Por conseguinte, não está em causa a aplicação do requisito associado à afetação a um destino específico (arrendamento para habitação permanente) no prazo de três anos, introduzido pelo artigo 236.° do regime transitório já referido, mas sim a alienação de um imóvel afeto a um FIIAH gerido pela Requerente.

O que está em causa no presente processo não é, portanto, o incumprimento do prazo de três anos a que se referem os números 14 a 16 do artigo 8.º do regime jurídico do FIIAH, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, nem a sua eventual aplicação retroativa por força do disposto no artigo 236.º desta lei.

As liquidações contestadas tiveram como fundamento a cessação da condição que esteve na base da atribuição do benefício fiscal - destinar o imóvel a arrendamento para habitação permanente. Nestes termos, entende o Tribunal que as liquidações de IMT e de Imposto do Selo objeto do pedido de pronúncia arbitral não enfermam de qualquer ilegalidade, pelo que improcedem os pedidos de declaração de ilegalidade e nulidade ou, subsidiariamente, anulação, dos atos tributários impugnados. Desta forma, ficam igualmente prejudicados o pedido de condenação da Requerida a reembolsar a Requerente pela totalidade do montante pago por força das liquidações objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, acrescido de juros indemnizatórios

Fica, assim, prejudicada a análise da questão suscitada pela Requerente quanto à alegada inconstitucionalidade da norma transitória contida no artigo 236.° da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em virtude de a mesma não ser relevante para a decisão do mérito da causa.

VI. DECISÃO

Em conformidade com que fica exposto supra, decide-se:

(i)                 Julgar improcedentes os pedidos de declaração de ilegalidade e nulidade, ou anulação, das liquidações impugnadas;

(ii)              Julgar improcedente o pedido de restituição de imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

Valor: em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 315.º do CPC, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT e com o n.º 2 do art. 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.579,43.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00, a suportar pela Requerente nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 20 de julho de 2017

A Árbitro,

Raquel Franco

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.