Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 219/2016-T
Data da decisão: 2017-07-10  IRC  
Valor do pedido: € 836.154,28
Tema: IRC - Cláusula Geral Anti-Abuso
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RELATÓRIO

 

1.      Em 11 de Abril de 2016, A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua …, n.º…, Apartado …, …-… …, doravante designada por “a Requerente” veio, ao abrigo dos artigos 95.º da Lei Geral Tributária (LGT), 99.º, alínea a) e c), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de tribunal arbitral tendo em vista:

                    i.            a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas  n.º 2015 … e n.º 2015…, ambas de 12 de Novembro de 2015, respectivamente referentes ao ano de 2011 (no montante de EUR 455.022,99, dos quais EUR 55.091,87 a título de juros compensatórios) e ao ano de 2012 (no montante de EUR 381.131,29, dos quais EUR 33.939,21 a título de juros compensatórios), por inexistência dos pressupostos de aplicação da Cláusula Geral Anti Abuso (art.º 38º, n.º 2 da LGT) ou, subsidiariamente, por erro na quantificação dos actos tributários;

                 ii.            a consequente anulação da liquidação de juros compensatórios;

               iii.            a condenação da Autoridade Tributária (doravante a AT ou a Requerida) ao pagamento de indemnização compensatória das despesas suportadas pela Requerente com as garantias bancárias apresentadas para suspensão dos pagamentos;

                iv.            a condenação da Requerida como litigante de má-fé (pedido formulado pela Requerente nas alegações).

2.      No requerimento inicial a Requerente indicou como árbitro o Prof. Vasco Branco Guimarães e depois, por indisponibilidade deste, o Dr. Rogério M. Fernandes Ferreira.

3.      A Requerida, por requerimento de 9/6/2016, indicou como árbitro o Prof. Dr. João Ricardo Catarino.

4.      Em 1/7/2016 os árbitros indicados pelas partes comunicaram a escolha do Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros para presidir ao Tribunal Arbitral.

5.      O Tribunal ficou constituído por despacho do Presidente do CAAD de 18/7/2016.

6.      Por requerimento de 18/7/2016 a Requerente juntou aos autos a decisão do CAAD 609/2015-T, de 2 de Maio de 2016.

7.      Em Setembro de 2016 o árbitro indicado pela Requerida, Prof. Dr. João Ricardo Catarino, renunciou às funções de árbitro, tendo a AT indicado para o substituir o Doutor Jorge Carita.

8.      Por requerimento de 30/9/2016 dirigido aos árbitros do Tribunal Arbitral, a AT veio requerer a prorrogação do prazo por mais 30 dias para apresentar a sua resposta e por 15 dias para juntar o P.A., atendendo à extrema complexidade do pedido e da causa de pedir, atenta a natureza do processo e o disposto no n.º 5 do art.º 569.º do CPC, bem como, o princípio da livre condução do processo pelo Tribunal Arbitral.

9.      A Requerente foi notificada deste pedido em 30/9/2016.

10.  Em 20/10/2016 a Requerente veio opor-se a este pedido, por considerar que a prorrogação de 30 dias do prazo para resposta ao abrigo do art.º 569º, n.º 5 do CPC tem de ser requerida antes do fim do prazo de contestação e pressupõe que o interessado demonstre os motivos ponderosos.

11.  O Tribunal, na sua nova constituição após a entrada em funções em 26/10/2016 do Doutor Jorge Carita, concedeu por despacho de 3/11/1016 as prorrogações solicitadas pela Requerida (de 30 dias para a resposta e de 15 dias para juntar o P.A.), com a seguinte fundamentação:

“Para a decisão sobre esta questão importa ter presente que: o art.º 9.º, n.º 3, do RJAT dispõe que, no caso de se verificar a substituição de árbitro, o Tribunal arbitral decide se algum acto processual deve ser repetido em face da nova composição do Tribunal, tendo em conta o estado do processo.”

12.  A Requerida apresentou a sua resposta em 22/11/2016, tendo suscitado a intempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

13.  Por requerimento de 28/11/2016, a Requerente veio, por seu turno, alegar a intempestividade da apresentação da resposta da Requerida e respondeu à questão da intempestividade do requerimento de pronúncia.

14.  A reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT teve lugar no dia 16/12/2016, tendo o Tribunal Arbitral decidido que as excepções invocadas pela Requerida e pela Requerente serão apreciadas a final, sendo a decisão arbitral prolatada até ao dia 18/3/2017.

15.  A Requerente apresentou alegações em 16/1/2017 e a Requerida em 1 de Fevereiro.

16.  Por despacho de 7/3/2017, o Tribunal prorrogou por dois meses o prazo para ser proferida a decisão.

17.  Por despacho de 28/3/2017 o Tribunal mandou notificar a Requerida (ao abrigo do disposto nos art.ºs 16º, alíneas c), e) e f) do RJAT e 7º, n.º 2 do CPC) para vir aos autos, no prazo de quinze dias, informar se as vendas da empresa espanhola B… S.A (referidas no anexo 15 do Relatório da Inspecção Tributária), ou outras da mesma empresa, foram de alguma forma tidas em conta para o apuramento da matéria colectável da Requerente nos anos em causa nos autos.

18.  No seguimento daquele despacho, veio a Requerente aos autos requerer a junção da  prestação de um esclarecimento, em 6/4/2017.

19.   A Requerida, em 21/4/2017, respondeu ao despacho do Tribunal e pronunciou-se simultaneamente acerca do esclarecimento da Requerente.

20.  A Requerente apresentou um requerimento em 28/4/2017, em que se pronuncia acerca da resposta da AT referida no número anterior.

21.  Finalmente, por despacho do Tribunal de 2/5/2017, foi prorrogado o prazo para a prolação da decisão, devido “à tramitação processual posterior ao despacho de 28/3/2017 e à complexidade processual”, pelo que, atentas as duas referidas prorrogações, pelos Despachos Arbitrais de 7/3/2017 e 2/5/2017, a data inicial para decisão de 18/3/2017 foi prorrogada, nos termos dos artigos 15.º e 21.º, n.º 2 Do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, para o dia 18/7/2017.

 

       I.       POSIÇÃO DAS PARTES

 

  1. Da Requerente

 

22.  A Requerente sustenta, em síntese, que não se encontram preenchidos os elementos que permitem a aplicação da CGAA e, subsidiariamente, se tal não for entendido, a Requerida cometeu um erro na quantificação do facto tributário.

23.  Alega para o efeito que:

24.  É uma sociedade comercial anónima, com sede e direcção efectiva em território nacional, enquadrada no regime geral de tributação para efeitos de IRC;

25.  O seu objecto social abrange a indústria e comércio de rolhas de cortiça e seus derivados, bem como de demais produtos relacionados com vedantes e embalagem de bebidas.

26.  A actividade principal da Requerente é desenvolvida em duas instalações fabris – uma em … e outra em …– onde procede à transformação de matéria-prima em rolhas.

27.  A Requerente dirige os seus esforços de comercialização sobretudo para o mercado estrangeiro, tanto dentro da União Europeia como no resto do Mundo, focando-se naturalmente nas regiões de maior produção vitivinícola como destino dos seus produtos, tendo presente que os seus clientes são tipicamente companhias produtoras de vinhos ou fornecedores destas.

28.  De entre esses clientes estrangeiros, por referência aos anos de 2011 e 2012, merece particular destaque a sociedade irlandesa C…, que se dedica à compra de rolhas e vedantes no mercado europeu para a respectiva colocação nos mercados anglo-saxónicos de produção vitivinícola fora da Europa.

29.  No ano de 2011, a Requerente vendeu à C… mercadoria no valor de EUR 14.429.589,91, com destino aos referidos mercados, tendo realizado um total de 287 vendas.

30.   No ano de 2012, a Requerente vendeu à C… mercadoria no valor de EUR 12.789.894,48, com destino aos mesmos mercados, tendo realizado um total de 210 vendas.

31.  O procedimento de encomenda observado entre a Requerente e a cliente em referência tem início com uma ordem de encomenda – normalmente recebida pela Requerente via correio electrónico – na qual a C… especifica a quantidade e características técnicas da mercadoria pretendida, o respectivo destino e a data de expedição desejada.

32.  As ordens de encomenda recebidas são subsequentemente impressas pela Requerente, assinadas por uma sua administradora, digitalizadas e devolvidas por correio electrónico à C…, acusando assim, a Requerente, a respectiva boa recepção e aceitação da encomenda feita.

33.  Aceite a ordem de encomenda e uma vez disponível a mercadoria vendida, a Requerente procede à separação, embalamento e acondicionamento da mercadoria vendida e à respectiva expedição, tendencialmente por via marítima, para o destino pretendido – procedendo em paralelo à emissão da correspondente factura de transmissão de bens, sendo em todo o caso frequente que uma mesma expedição de mercadoria agrupe várias encomendas.

34.  Nos anos de 2011 e 2012, a C…  vendeu à sua Cliente norte-americana D… (D…) tanto mercadoria adquirida à Requerente como mercadoria adquirida a entidades terceiras – cfr. facturas da C… n.º…, de 29 de Março de 2011, e n.º…, de 14 de Novembro de 2012, sendo o produtor da mercadoria indicado nessas facturas a sociedade espanhola B…, S.A. (fls. 351 e 352 do Processo Administrativo) e, bem assim, quadro elaborado pela Administração Tributária com mapa-resumo das desmonstrações financeiras da C… -  evidenciando que as compras de mercadorias à Requerente não esgotam o total das compras efectuadas nos anos em causa.

35.  A Requerente considera essencial a relevância destas compras da C… à empresa espanhola para a prova de que a empresa irlandesa tem existência comercial efectiva e não actua apenas dentro do grupo empresarial E… .

36.  Considera ainda essencial a relevância das referidas compras para a quantificação das liquidações, por alegar que nada nos autos prova que as vendas das matérias provenientes da sociedade espanhola não foram tidas em conta para o apuramento da matéria colectável.

37.  A Requerente e a C… são partes relacionadas, na acepção do artigo 63.º, n.º 4, do CIRC, motivo pelo qual a Requerente, em cumprimento da obrigação prevista no artigo 63.º, n.º 6, do CIRC, desenvolveu nos anos em causa as competentes análises de preços de transferência cujo resultado apontou claramente para a conclusão de que as condições praticadas pela Requerente nas operações comerciais realizadas com aquela sua cliente não diferiram das que existiriam entre entidades não relacionadas.

38.  A 20 de Outubro de 2014, a Requerente foi notificada de que seria objecto de uma inspecção tributária externa tendo por objecto o seu IRC dos exercícios de 2011 e 2012.

39.  A 5 de Agosto de 2015, a Requerente tomou conhecimento do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, onde consta que o «motivo do procedimento de inspecção» referido no número anterior foi o seguinte: «Verificou-se em acção inspectiva anterior que o contribuinte imputou rendimentos à empresa C… em 2009 e 2010, que são efectivamente rendimentos desta empresa, continuando a verificar-se o mesmo em 2011 e 2012».

40.  A «acção inspectiva anterior» referida no Projecto de Relatório da Inspecção Tributária foram, na realidade, duas:

                             i.   Uma, realizada em 5 de Dezembro de 2013, relativa ao ano de 2009, que deu origem a emissão de liquidação que foi objecto de tempestiva impugnação arbitral pela Requerente, instaurada junto do Centro de Arbitragem Administrativa sob o n.º 367/2014-T; e

                          ii.   Outra, realizada nos anos de 2014 e 2015, dando também origem a emissão da liquidação, relativa ao ano de 2010, a qual foi objecto de tempestiva impugnação arbitral pela Requerente, instaurada junto do Centro de Arbitragem Administrativa sob o n.º 609/2015-T;

41.  A correcção ao IRC de 2009 determinada pela AT por referência à relação comercial existente entre a Requerente e a C… fundou-se no artigo 20.º do CIRC e não na Cláusula Geral Anti-Abuso (CGAA) prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

42.  A correcção ao IRC de 2010 determinada pela AT por referência à mesma relação comercial existente entre a Requerente e a C… também não se fundou na CGAA, mas sim no regime de preços de transferência previsto no artigo 63.º do CIRC.

43.  Quer a liquidação referente ao IRC 2009, quer a liquidação referente ao IRC 2010, permanecem na ordem jurídica com base nos respectivos fundamentos, não tendo sido objecto de qualquer revogação ou anulação por parte da AT, nomeadamente na sequência da emissão das liquidações relativas ao IRC 2011 e 2012.

44.  A impugnação arbitral relativa ao IRC 2009 (Processo n.º 367/2014-T) foi julgada procedente a 24 de Novembro de 2014, não tendo todavia até ao momento essa decisão transitado em julgado, atenta a impugnação que da mesma a Administração Tributária apresentou para o Tribunal Central Administrativo Sul.

45.  A impugnação arbitral relativa ao IRC 2010 (Processo n.º 609/2015-T) foi decidida em 2 de Maio de 2016, tendo o Tribunal considerado procedente apenas uma parte do pedido de anulação da liquidação do IRC, bem como o pedido de juros compensatórios, que nada tem a ver com o que está em causa nos presentes autos.

46.  Do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária relativo aos exercícios de 2011 e 2012, constavam, com fundamento na aplicação da CGAA, correcções ao lucro tributável da Requerente no total de EUR 3.309.570,77, discriminadas do seguinte modo:

                                  i.      EUR 1.772.807,01, por referência ao exercício de 2011; e

                               ii.     -EUR 1.536.763,76, por referência ao exercício de 2012.

47.  De acordo com o Projecto de Relatório, a AT projectava proceder a tais correcções com base no entendimento de que a Requerente, ao vender mercadorias para a sua Cliente C…, sociedade comercial irlandesa, praticou negócios jurídicos fiscalmente abusivos, sustentando que:

                        i.        «No decurso do procedimento inspectivo ao sujeito passivo foram apurados negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas, à redução de impostos que seriam devidos sem a utilização desses meios, reunindo-se as condições para a aplicação do disposto no art.ºs38º, nº2 da LGT e artº63º do CPPT.

                      ii.        Incumbe à Administração Tributária considerar ineficaz no âmbito tributário a criação de um circuito documental dos bens para a Irlanda, desacompanhado do seu transporte, consistindo num instrumento utilizado para o desenrolar e demonstração documental do esquema fraudulento detectado, e no abuso de forma jurídica, com o fim de colocar na Irlanda grande parte do lucro gerado pela actividade, que sem esse artifício seria tributado a uma taxa superior (em Portugal à taxa de 25% acrescido da derrama municipal).

                   iii.        A tributação dos rendimentos resultantes das Vendas para a Sociedade C… (C…) deve ser efectuada de acordo com as normas aplicáveis na ausência daquela estrutura, ou seja, deve-se proceder à tributação dos rendimentos obtidos pela sociedade C…, como se fossem obtidos em Portugal pela empresa A… [a Requerente], nos termos do artº 17º, nº1 e artº 20º, ambos do CIRC».

48.  A Requerente exerceu o respectivo direito de audição prévia, contestando a posição adoptada pela AT e insurgindo-se contra a alegada existência de uma instrumentalização da relação comercial mantida com a C…, salientando, por referência ao próprio Projecto de Relatório, não ter qualquer controlo societário sobre tal entidade, sendo por seu turno a sociedade detentora da totalidade do capital social da Requerente – a F…, LDA – apenas minoritariamente detida (em 36,5%) pela G…, LTD – entidade esta detentora de 100% do capital social da C…–, sendo a maioria do capital social da F…, LDA (54,5%) detido pela H…, INC, sociedade que não participa directa ou indirectamente na referida G…, LTD, nem é por esta directa ou indirectamente participada.

49.  A Requerente frisou que eventuais lucros da C… não geram na sua esfera, directa ou indirectamente, qualquer vantagem patrimonial – muito menos uma vantagem patrimonial comparável à que existiria caso tais lucros irlandeses existissem na esfera da Requerente –, faltando desde logo o pressuposto da equivalência de resultado económico essencial à aplicação da CGAA.

50.  A Requerente sublinhou que as vendas de mercadoria por si realizadas com a C… nos anos de 2011 e 2012 consubstanciaram operações comerciais perfeitamente normais, não traduzindo qualquer abuso da forma jurídica utilizada, nem tendo tido lugar por quaisquer meios artificiosos ou fraudulentos.

51.  A este respeito, constata que, no Projecto de Relatório, a AT se absteve de identificar e descrever qualquer concreto acto ou negócio jurídico celebrado pela Requerente que tivesse reputado de abusivo, optando por simplesmente elencar um conjunto de afirmações relativas à C… .

52.  Noutro plano, por referência ao próprio Projecto de Relatório, a Requerente apontou para a informação obtida pela AT junto das Autoridades Fiscais irlandesas que comprova a existência efectiva da C…, enquanto sociedade real e com actividade desenvolvida a partir da Irlanda, e, bem assim, para a informação também obtida junto das Autoridades Fiscais norte-americanas, que confirma que a contraparte nas vendas de mercadoria provenientes da Requerente adquiridas pela sociedade norte-americana D… foi a C… e não a Requerente.

53.  A Requerente sublinhou que a AT não invocava de modo algum que os preços praticados pela Requerente com a sua cliente C… diferiram dos praticados com terceiros não relacionados – não sendo promovida qualquer correcção ao abrigo do regime de preços de transferência –, motivo pelo qual a hipotética venda de mercadorias pela Requerente directamente aos Clientes da C… (e não a esta) geraria na esfera da Requerente o mesmo volume de proveitos, não havendo, portanto, qualquer desvio de lucros de Portugal para a Irlanda.

54.  Finalmente, a Requerente contestou a própria quantificação da correcção projectada, rejeitando que a aplicação da referida cláusula pudesse dar cobertura a uma imputação global dos proveitos alegadamente registados pela C…– sem uma análise individualizada dos actos ou negócios realizados – e invocando, por outro lado, a manifesta falta de apoio documental idóneo para o cálculo dessa imputação feito pela AT.

55.  No dia 11 de Novembro de 2015, a Requerente foi notificada do Relatório da Inspecção Tributária, convertendo em definitivo o projecto anteriormente notificado.

56.  Relativamente aos argumentos e elementos apresentados pela Requerente em sede de audição prévia, a AT considerou-os insusceptíveis de alterar as correcções propostas no Projecto de Relatório, invocando para o efeito o seguinte:

                    i.            Quanto ao facto de a Requerente não ter qualquer controlo societário directo ou indirecto sobre a C… que lhe permitisse «instrumentalizar» esta: a AT afirma que «quem manda na A…[a Requerente] manda também na C…[C…]», apontando para o facto de existir um administrador –I…– comum entre ambas as empresas e que integra também os conselhos de administração da sociedade que detém a C… e da sociedade que detém a Requerente;

                  ii.            Quanto ao facto de a Requerente não retirar qualquer vantagem patrimonial dos lucros da C… e de, portanto, não existir uma equivalência de resultado capaz de sustentar a aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso: a AT não tenta rebater a inexistência de uma vantagem económica para a Requerente, procurando, antes, inverter a questão, argumentando, simplesmente, que a correcção se justifica precisamente em virtude da ausência dessa vantagem económica e que a equivalência de resultado é «óbvia»;

                iii.            Quanto ao facto de as vendas de mercadorias da Requerente para a C… consubstanciarem operações comerciais correntes, sem abuso da forma jurídica típica do contrato de compra e venda e realizadas sem meios artificiosos ou fraudulentos: a AT rejeita a normalidade das vendas – nada dizendo quanto ao abuso de formas jurídicas ou aos meios artificiosos ou fraudulentos –, avançando para o efeito quatro motivos, a saber:

                iv.            As mercadorias são expedidas directamente de Portugal para os Países de destino, sem intervenção da C…;

                  v.            Se as aquisições pelos clientes da C… fossem feitas directamente à Requerente o preço de compra seria inferior, carecendo de racionalidade económica a aquisição de mercadorias à C…;

                vi.            Os pagamentos recebidos pela Requerente referem-se a facturas por si emitidas e não a facturas emitidas pela C…; e

              vii.            É a «[empresa] portuguesa a executar todo o trabalho e é a irlandesa a colher o grosso do lucro»;

            viii.            Quanto ao facto de no Projecto de Relatório não serem identificados e descritos quais os concretos actos ou negócios jurídicos celebrados pela Requerente reputados de abusivos: a AT enfatiza que são reputadas abusivas todas as compras e vendas efectuadas entre a Requerente e a C…, bem como todas as compras e vendas efectuadas entre esta última e as respectivas clientes, abstendo-se de elencar taxativamente tais actos e clarificando, por outro lado, que não é reputada de abusiva a constituição da C…;

                ix.            Quanto às afirmações relativas à C… cuja veracidade foi especificamente rebatida pela Requerente: a AT procura, especificadamente, suportar a veracidade do por si afirmado, constatando-se no entanto que tal esforço se traduz em pouco mais que reiterar o anteriormente dito, com base em juízos conclusivos, especulações e generalizações manifestamente insuficientes para terem qualquer aptidão probatória;

                  x.            Quanto ao facto de as Autoridades Fiscais irlandesas terem comprovado a existência efectiva da C… enquanto sociedade real e com actividade desenvolvida a partir da Irlanda e de as Autoridades Fiscais norte-americanas terem confirmado que a contraparte nas vendas de mercadoria proveniente da Requerente adquiridas pela sociedade norte-americana D… foi a C… e não a Requerente: a AT afirma que o que é posto em causa não é a existência da sociedade irlandesa, mas apenas os negócios entre as partes, e que, apesar da D… adquirir efectivamente mercadoria à C…, sabia que a mesma era proveniente da Requerente;

                xi.            Quanto ao facto de em lugar algum no Projecto de Relatório ser invocado que os preços praticados pela Requerente com a sua cliente C… diferiram de alguma forma dos praticados com terceiros não relacionados – não sendo promovida qualquer correcção ao abrigo do regime de preços de transferência –, o que impede objectivamente que se considere existir qualquer desvio de lucros de Portugal para a Irlanda: a AT afirma que, existindo um administrador comum nos conselhos de administração das três empresas «e tendo o mesmo o conhecimento dos preços praticados pelas empresas C… [C…] e A…[a Requerente] torna-se irracional que adquira as rolhas à Irlanda quando o preço em Portugal é mais baixo. Só se pode entender isto numa lógica de decomposição de lucros, deixando a maior fatia no país onde a taxa de imposto sobre o rendimento é mais baixa»;

              xii.            Quanto à contestação da quantificação da correcção projectada e, concretamente, quanto à invocada falta de aptidão da Cláusula Geral Anti-Abuso para legitimar a imputação global na esfera da Requerente dos proveitos alegadamente registados pela C…: a AT invoca que fez uma análise de todas as vendas efectuadas pela Requerente, remetendo para um mapa anexo por si elaborado «obtido a partir dos elementos fornecidos pelas autoridades fiscais dos EU e da Irlanda»;

            xiii.            Quanto à invocada falta de apoio documental idóneo para a quantificação da correcção determinada: a AT considera que as listagens enviadas pelas autoridades fiscais norte-americanas «têm valor probatório pois foram elaboradas pelas autoridades fiscais dos EUA e fornecidas no âmbito da convenção sobre dupla tributação celebrada entre Portugal e os EUA [sic], e resultam de um excelente trabalho minucioso e objectivo», considerando que «os documentos enviados são suficientes para o que se pretende demonstrar».

57.  Em concretização das correcções determinadas no Relatório da Inspecção Tributária, a Requerente foi notificada das já referidas liquidações de IRC: ao exercício de 2011, no montante de EUR 455.022,99, dos quais EUR 55.091,87 a título de juros compensatórios, com termo do prazo de pagamento voluntário a 11 de Janeiro de 2016,e, ao exercício de 2012, no montante de EUR 381.131,29, dos quais EUR 33.939,21 a título de juros compensatórios, com termo do prazo de pagamento voluntário a 13 de Janeiro de 2016.

58.  Não se conformando com as liquidações e pretendendo impugnar a legalidade das mesmas, a Requerente optou por não efectuar o respectivo pagamento voluntário, tendo, em consequência, sido instaurados os processos de execução fiscal n.º …2016…, tendente à cobrança coerciva da dívida tributária relativa ao IRC 2011, e n.º …2016…, tendente à cobrança coerciva da dívida tributária relativa ao IRC 2012.

59.  A 2 de Março de 2016, a Requerente prestou a garantia bancária n.º…, emitida pelo J…, S.A., a 8 de Fevereiro de 2016, no montante de EUR 576.354,86, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal relativo ao IRC 2011.

60.  A 4 de Março de 2016, a Requerente prestou a garantia bancária n.º N…, emitida pelo K…, S.A., a 3 de Março de 2016, no montante de EUR 482.860,96, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal relativo ao IRC 2012.

61.  A Requerente considera não estarem preenchidos os requisitos de que a doutrina e a jurisprudência fazem aplicar a CGAA, contida no art.º 38º da LGT.

62.  Primeiro, porque a venda de mercadorias pela Requerente à C… ocorre, segundo a Requerente, inequivocamente no contexto do normal desenvolvimento do cerne da actividade da Requerente e em prossecução do respectivo objecto social, o que corresponde muito claramente a uma motivação económica de natureza não fiscal.

63.  A este respeito, e ainda segundo a Requerente, a Requerida alude de passagem às diferentes margens operacionais da Requerente e da C… e ao suposto facto de esta última não gerar qualquer valor acrescentado e não possuir qualquer estrutura empresarial e que, não é de mais realçar, por um lado, que a AT entendeu não promover quaisquer correcções ao abrigo do regime de preços de transferência previsto do artigo 63.º do CIRC – ao contrário do procedimento seguido na inspecção ao exercício de 2010 – e, por outro lado, que a AT em lugar algum demonstra como apurou o valor das referidas margens, nem com base em que informação, cingindo-se no que a este respeito consta do Relatório da Inspecção Tributária a uma afirmação meramente conclusiva.

64.  A função desempenhada pela C… para as suas clientes – entre as quais a D…– não se resume, segundo a Requerente, a um mero fornecimento indiscriminado de mercadorias, sem qualquer valor acrescentado, desempenhando igualmente uma função auxiliar de controlo das necessidades e níveis de stock de mercadoria, tendo presente, designadamente, uma coordenação eficiente dos tempos de transporte e das capacidades de armazenamento existentes nos locais de destino.

65.  Ou seja, a existir uma remuneração excessiva da C…– no que a Requerente não concede –, ela poder-se-á explicar pela valoração atribuída à função de assistência à gestão dos níveis de stocks desempenhada pela C… em benefício das suas Clientes D…, L… e M…, o que todavia, diga-se, não se reconduz a qualquer pretenso desvio de lucros de Portugal para a Irlanda mas, quanto muito, a uma análise da aceitação fiscal de custos respectivamente nos Estados Unidos da América, na Austrália e na África do Sul.

66.  A AT, ainda segundo a Requerente, procura justificar-se invocando uma pretensa irracionalidade económica na aquisição de mercadorias pela D… à C…, visando a «decomposição de lucros», com base na possibilidade teórica daquela adquirir a mercadoria à Requerente a preços mais baixos. Todavia, semelhante consideração não só equivale a imputar à Requerente uma decisão de gestão de uma sociedade terceira – a D…–, como redunda, afinal, numa contradição lógica: com preços mais baixos não haveria qualquer lucro a decompor.

67.  A tarefa de demonstrar e provar a (suposta) existência de uma motivação essencial ou principal de natureza fiscal da Requerente não pode, segundo esta, de modo algum ser confundida com a simples afirmação pela AT de que as operações comerciais em causa poderiam ocorrer de modo diverso, gerando mais proveitos para a Requerente – como se o tema se reconduzisse a uma crítica das legítimas decisões comerciais e de gestão dos contribuintes ou mesmo ao dever de escolha da via mais onerosa em termos fiscais.

68.  Quanto à necessária utilização de meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, devido ao facto de as mercadorias vendidas serem transportadas directamente de Portugal para as clientes da C…, não transitando fisicamente pela República da Irlanda. Diz a Requerente que, no contexto do comércio internacional, a compra e venda de mercadorias por um intermediário – como a C…– desacompanhada do transporte físico das mesmas (que ocorre directamente do fornecedor para o cliente final) é uma prática comercial comum que possibilita valiosas economias de tempo e custo de transportes, não sendo legítimo retirar desse facto qualquer indício de anormalidade das transacções comerciais em causa, muito menos de abuso da forma jurídica do contrato de compra e venda.

69.  Ainda quanto às mercadorias vendidas à C…, é importante reafirmar que, ao contrário do referido pela AT, a Requerente não ordena a si própria qualquer encomenda.

70.  Constata, pois, que nada de factualmente concreto é demonstrado no Relatório da Inspecção Tributária a respeito do abuso de formas jurídicas, e que a Requerida se exime de qualquer específica e fundamentada identificação de actos artificiosos ou fraudulentos, passando por completo ao lado da necessidade de encetar uma análise jurídica dos institutos legais escolhidos pelas partes no âmbito da respectiva autonomia contratual e de não se refugiar em juízos conclusivos quanto à pretensa anormalidade das operações comerciais em causa.

71.  Quanto à colocação da carga tributária na Irlanda que a AT imputa à Requerente, defende esta que não controla ou de qualquer forma participa, directa ou indirectamente, nos lucros da C…, sendo que, por outro lado, a entidade luxemburguesa que detém a totalidade do capital social da referida C…– a G…, LTD – é apenas accionista minoritária da sociedade holding que detém 100% do capital social da Requerente – a F…, LDA –, a qual é maioritariamente detida pela sociedade norte-americana H…, INC, que não controla directa ou indirectamente a referida C… . A constatação de que os eventuais lucros da C… não geram na esfera da Requerente, directa ou indirectamente, qualquer vantagem patrimonial – muito menos uma vantagem patrimonial comparável à que existiria caso tais lucros irlandeses existissem na esfera da Requerente – é bastante para compreender a irrazoabilidade da posição sustentada pela AT.

72.  A tese preconizada pela Requerida assume, segundo a Requerente, que caso as vendas de mercadoria efectuadas pela Requerente à C… fossem feitas directamente às Clientes desta última – designadamente à D…, à L… LTD e à M…– os preços praticados pela Requerente não seriam os mesmos, mas antes os que alegadamente são praticados pela C… . No entanto, a AT não apresenta nenhum facto que aponte nesse sentido ou permita semelhante conclusão, sendo certo que – em paralelo e contraditoriamente – a AT reiteradamente afirma, a respeito da suposta irracionalidade económica da situação, que, caso as Clientes da C… adquirissem a mercadoria directamente à Requerente o fariam por preços inferiores aos alegadamente praticados por aquela.

73.  Em relação ao elemento normativo, refere que a vantagem fiscal apontada pela Requerida assenta, aparentemente, no benefício inerente ao estabelecimento da cliente da Requerente C… na República da Irlanda e, bem assim, à existência no âmbito da União Europeia de um mercado comum no qual é garantida a livre circulação de mercadorias. Em concreto, a AT justifica a aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso com a sujeição dos rendimentos auferidos pela C… ao regime fiscal irlandês;

74.  Sucede que, sob pena de violação do direito comunitário, o benefício proporcionado por um sistema fiscal menos oneroso existente num outro Estado-Membro da União Europeia, a sociedades reais e com actividade efectiva, não pode ser considerado contrário à ratio legis subjacente para efeitos de aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso. Com efeito, a poupança fiscal eventualmente obtida por uma sociedade comercial mercê do seu estabelecimento num determinado Estado-Membro da União Europeia não pode deixar de ser considerada perfeitamente legítima e, segundo a Requerente, no específico contexto da eventual aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso, tal poupança não pode deixar de figurar dentro do campo de protecção criado pelo artigo 38.º, n.º 2, da LGT;

75.  A Requerente defende, ainda, que a Requerida incorreu em erro na quantificação do facto tributário. Considera que a quantificação do facto tributário subjacente às liquidações impugnadas, nos termos em que foi feita pela Administração Tributária, é inadmissível, não tendo sido encetada uma análise individualizada de cada uma das vendas de mercadoria realizadas pela Requerente à C… nos exercícios de 2011 e 2012, no sentido de apurar por que valores tais mercadorias concretas terão por aquela sido subsequentemente vendidas às suas clientes D…, à L… LTD e à M… .

76.  Em lugar dessa análise, segundo a Requerente, a AT procede a uma simples imputação à Requerente dos proveitos alegadamente registados pela C… nos referidos exercícios, em virtude das vendas realizadas por esta à D…, o que de forma alguma se coaduna com a aplicação da CGAA a cada uma das vendas realizadas pela Requerente à C… .

77.  Com base na fundamentação e nos correspondentes cálculos avançados, constata que o que a AT pretende é tributar em Portugal o lucro registado pela C…, como se o mesmo fosse obtido pela Requerente, o que evidentemente é coisa bem distinta da simples desconsideração da referida empresa para efeitos fiscais e da tributação da Requerente como se as vendas de mercadoria por si concretamente efectuadas nos exercícios em questão tivessem tido como contrapartes a D…, a L…LTD e a M… .

78.  A este respeito, reitera em todo o caso que os valores avançados pela AT como correspondendo aos proveitos realizados pela C… nas vendas de mercadorias à D… nos anos de 2011 e 2012 não se mostram suportados por qualquer elemento documental que figure em anexo ao Relatório da Inspecção Tributária,  e que é falso que a Requerente tenha recebido em algum momento semelhante documentação;

79.  Considera falso que a Requerente tenha sido a única fornecedora de mercadoria da C… nos exercícios de 2011 e 2012, constando em anexo ao Relatório da Inspecção Tributária pelo menos duas facturas de venda pela C… à D… de rolhas de champanhe e cápsulas provenientes de um fabricante espanhol aí identificado (B… S.A.), e não da Requerente.

80.  A informação recebida das autoridades fiscais
norte-americanas relativamente ao valor e quantidade dos supostos fornecimentos efectuados à D… pela C… é, ainda segundo a Requerente desprovida de valor probatório, já que se limita a listagens parcialmente ilegíveis de valores de facturas e notas de crédito, desacompanhadas de quaisquer cópias dos respectivos documentos de suporte e sem sequer conterem uma especificação mínima das mercadorias concretas a que se reportarão, informação sem a qual a respectiva exactidão não pode ser sequer sindicada. Isto porque qualquer análise minimamente rigorosa tendente a identificar por que valores a C… terá vendido à D… parte das mercadorias adquiridas à Requerente nos anos de 2012 e 2012 teria que passar pelo confronto efectivo, uma a uma, das 497 facturas emitidas pela Requerente àquela sua cliente nesses anos com as facturas emitidas por esta à D… no mesmo período.

81.  Toda a quantificação dos alegados factos tributários feita pela AT assenta, segundo a Requerente, na extrapolação dos valores constantes das referidas listagens, compilados num alegado «mapa global da facturação  A…– C… –D…nos anos de 2011 e 2012», pretendendo conferir uma aparência de rigor e exactidão a um exercício de associação de facturações vão e perfeitamente inconclusivo.

82.  O procedimento seguido pela AT limitou-se, de acordo com a Requerente, à análise detalhada de sete situações – o que contrasta claramente com o total de 497 vendas realizadas pela Requerente nos anos em questão –, sendo certo que em duas dessas sete vendas da documentação analisada resulta afinal que a mercadoria transaccionada não teve proveniência na Requerente, mas num fornecedor espanhol não relacionado – B… S.A..

83.  Deste modo, nenhuma dúvida restará, segundo a Requerente, que os cálculos efectuados pela AT assentam em pressupostos e bases de raciocínio desprovidas de um mínimo de consistência e validade, não podendo servir de fundamento para qualquer correcção à matéria tributável de IRC da Requerente à ilegalidade das liquidações de IRC impugnadas.

84.  A actuação da AT não oferece conclui a Requerente, um grau mínimo de fiabilidade capaz de sustentar as liquidações impugnadas, sendo certo que face ao disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT se existirem dúvidas fundadas sobre a verificação do facto tributário o mesmo deverá ser anulado.

85.  Consequentemente, a Requerente considera ilegal a liquidação de juros compensatórios feita pela Requerida porque, como resulta do disposto no artigo 35.º, n.º 1, da LGT, os juros compensatórios apenas são devidos quando haja um retardamento na liquidação imputável ao contribuinte ou, por outras palavras, uma actuação culposa deste e

no caso em apreço, a Requerente agiu sem culpa, porquanto nenhuma dúvida restará que a sua interpretação das normas supra citadas é legítima, plausível e de boa-fé. Deste modo, a conduta da Requerente não é susceptível de originar qualquer liquidação de juros compensatórios;

86.  Finalmente, tendo a Requerente prestado garantias idóneas com vista a salvaguardar a suspensão dos processos de execução fiscal, destinados à cobrança coerciva da dívida impugnada, invoca o seu direito ao ressarcimento dos prejuízos resultantes dos encargos suportados com a sua prestação e manutenção, em conformidade com o disposto no artigo 53.º da LGT.

 

  1. Da Requerida

87.  Na resposta a Requerida argumentou defendendo a sua posição;

88.  Disse em síntese que a Irlanda constitui uma jurisdição fiscalmente atractiva na Europa, em virtude de possuir, entre outras características: uma baixa taxa de imposto sobre o rendimento das sociedades, de 12,5%, aplicável genericamente aos lucros resultantes de actividades comerciais e industriais; os rendimentos passivos, tais como dividendos, juros, rendas e royalties, serem tributados a uma taxa máxima de 25%.

89.  Da análise efectuada em sede inspectiva resultou demonstrado que as operações declaradas entre a Requerente e a sociedade irlandesa C… não possuem substância económica, nem justificação comercial, tendo sido utilizadas unicamente com propósitos de natureza fiscal, sem qualquer intervenção efectiva nas transacções que se realizaram entre a Requerente e as empresas do Grupo que ela fornece: a D…, a L… e a M… .

90.  As liquidações em apreciação resultaram da aplicação, da CGAA, devida e extensivamente fundamentada pelos serviços inspectivos da AT, o que conduziu a considerar ineficazes no âmbito tributários os rendimentos transferidos para a Irlanda através de simulação de vendas efectuadas pela C… .

91.  Para demonstração da sua posição, a Requerida convoca a história da criação das sociedades. Assim: em 1981, foi fundada por N… nos Estados Unidos da América (EUA), a O…, posteriormente renomeada para D… (doravante designada D…); em 1990, foi fundada a L…  (doravante designada L…) e, em 1995, a A… (ora Requerente); em 2000 surge a P…(doravante designada P…), no ano seguinte a M… (doravante M…) e, dois anos mais tarde, são fundadas a Q… e a R…;

92.  Citando excertos do capítulo 2.1. do Estudo de Preços de Transferência que integra o dossier fiscal do contribuinte referente ao exercício de 2009 refere que “Hoje em dia, a E… é um dos maiores fornecedores de rolhas naturais para a indústria vinícola a nível global e é o maior fornecedor de rolhas naturais da América do Norte. (…) Os produtos comercializados pelas diversas entidades do Grupo têm origem na A… .”.

93.  O Grupo E… integrava 12 entidades em 31 de Dezembro de 2009, possuindo no seu topo, como sociedade-mãe, a G…, Ltd, empresa registada no Luxemburgo.

94.  A A… é detida indirectamente pela sociedade-mãe (em 36,5%) e pela H…., empresa registada no Estado da Califórnia, EUA (em 54,5%), em virtude de serem estas sociedades as detentoras da totalidade do capital da F…, Lda (nas referidas percentagens), que detém a 100% o capital da A…, SA.

95.  A sociedade-mãe detém directamente a totalidade do capital social das sociedades portuguesas S…, SA, e T…, Lda, e, ainda, da sociedade registada na Irlanda C…, Ltd, com o número de IVA IE…T e da sociedade P…, SA.

96.  A T…, Lda é, por sua vez, detentora de 100% do capital das sociedades portuguesas O… , Lda, e  U…, Lda.

97.  Por último, e já na base do Grupo E…, há a R…, SARL e a Q…, SL, ambas detidas na íntegra pela sociedade portuguesa O…, Lda.

98.  A Requerente integra, pois, um grupo de empresas a nível mundial, todas operando no sector dos vedantes para a indústria dos vinhos e produz e comercializa rolhas de cortiça naturais e comercializa ainda rolhas técnicas e rolhas bartop, estas últimas produzidas por terceiros.

99.  A Requerente controla todas as operações verticalmente integradas do processo produtivo.

100.          A Requerente opera maioritariamente no mercado externo e intracomunitário – as Exportações e Transmissões Intracomunitárias de Bens (TICB) representaram 93,3% do Volume de Negócios em 2011 e 90,4% em 2012 - e, dentro delas, o maior cliente é a C…, que absorveu 47% das vendas em 2011 e 42% em 2012 (fazendo a Requerida acompanhar esta afirmação de dois quadros demonstrativos)

101.          As operações realizadas entre a Requerente e a C… traduziram-se num volume de rolhas no valor de 13.045.354,02€ em 2011 e de 12.014.581,97€ em 2012 (já rectificado com os fretes, devoluções e descontos, sendo o valor final o da facturação de rolhas e derivados).

102.          A C… opera como um distribuidor exclusivo dos produtos da A… para os mercados dos EUA, Austrália e África do Sul e é uma sociedade que apenas actua intra Grupo E…, funcionando como uma plataforma comercial entre a Requerente e a D…, L… e M… .

103.          Tendo a Requerente esclarecido que, nos anos em causa nos autos, a C… vendeu produtos adquiridos a uma empresa alheia ao grupo (a espanhola B… S.A), a Requerida alega que esse facto não afasta o objectivo que presidiu à criação da C…, que foi o de deslocar os lucros da Requerente para a Irlanda;

104.          A Requerida considera ainda que a C… tem vindo a desenvolver um esforço, que passa nomeadamente pela construção de um site próprio, para demonstrar a existência autónoma da Requerente, mas que tal não é suficiente para ultrapassar o carácter instrumental que tem para a Requerente;

105.          A Requerida julga ainda ser significativo para a dependência da C… do grupo E… o facto de o administrador directo ou indirecto de todas as empresas do grupo (incluindo a C…) ser I… .

106.          A AT afirma, ainda que as vendas dos produtos que tiveram origem na empresa espanhola B… S.A. não foram consideradas na quantificação das liquidações impugnadas nos presentes autos.

107.     As transmissões de bens que a Requerente realiza para os três clientes identificados no n.º 27 processam-se, segundo a Requerida, da seguinte forma:

                                i.            Os produtos fabricados pela Requerente são vendidos às suas congéneres nos EUA (D…), na Austrália (L…) e na África do Sul (M…), mas facturados à C…: nas facturas emitidas pelo contribuinte, esta consta como cliente e aquelas como destinatários;

                             ii.            Os produtos são expedidos a partir das instalações da Requerente directamente para os Estados Unidos, Austrália ou África do Sul, e transportados habitualmente por via marítima (pontualmente e no caso de remessas mais pequenas ou urgentes, seguem via aérea);

                           iii.            Estas operações estão isentas de IVA, por configurarem exportações de bens, ou seja, saída de bens do território aduaneiro da União Europeia com destino a países terceiros, de acordo com o estipulado na alínea a) do nº. 1 do artigo 14º do CIVA, não obstante serem facturadas a um adquirente estabelecido num Estado-Membro da EU, (a Irlanda);

                            iv.            As únicas referências à C… que se encontram na documentação contabilística que suporta as vendas efectuadas àquela entidade são a sua indicação como cliente na factura e, por vezes, a sua identificação como ordenante das transferências bancárias recebidas.

108.     No âmbito do procedimento de inspecção, a AT solicitou à Requerente as notas de encomenda e correspondência trocada com a C… referentes a algumas transacções realizadas durante os exercícios de 2011 e 2012, mas a documentação exibida, segundo a Requerida, resumiu-se a Ordens de Compra (“purchase orders” – PO) emitidas à Requerente, que indicam como destinatário a D…, L… ou M…, assinadas e datadas pela administradora da A… V...;

109.     Verifica-se, segundo a Requerida, que a C… apenas surge indicada em cabeçalho ou rodapé, não havendo qualquer assinatura do responsável pela encomenda em causa nessa empresa, quando  habitualmente quem ordena uma compra é o cliente (daí a designação) e não o fornecedor, como acontece neste caso.

110.     Relativamente ao transporte dos produtos transaccionados com a empresa irlandesa e expedidos para a D…, L… ou M…, apurou a Requerida que é realizado sempre em nome e por conta da A…, não existindo nenhuma referência, seja de que tipo for, nos documentos de transporte, à C… .

111.      Quando o transporte é efectuado por via marítima, no sea waybill quem figura como shipper/exporter é a Requerente e como consignee é a D…, a L… ou a M…, saindo as mercadorias do porto de Leixões e sendo entregues no porto de Oakland para os Estados Unidos, em Adelaide para a Austrália e em Cape Town para a África do Sul e no DU acontece o mesmo: a Requerente figura como exportador e a D…, a M… ou a L… como destinatários.

112.     Quando o transporte é efectuado por via aérea, no air waybill quem figura como expedidor é a Requerente e como consignatário é sempre a D…, L… ou M… e as despesas de transporte são suportadas pela A… (tal como indicado nas facturas, o método de envio das mercadorias é CIF (cost, insurance and freight) ou CFR (cost and freight).

113.     De igual modo, as despesas com os despachos alfandegários são também suportadas pela Requerente.

114.     Relativamente a facturas registadas na subconta D0003, a Requerente recebeu ordens de pagamento da C… no W… e que indicam que se trata de pagamentos simultaneamente de facturas emitidas pela C… à M… .

115.     Embora a Requerente refira que não tem relações comerciais directas com as suas congéneres D…, L… e M…, refere a requerida que lhe debitou mensalmente despesas de gestão, despesas de investigação e desenvolvimento, e ainda despesas de controlo de qualidade, e à D… e à L…, esporadicamente debita também despesas de viagens com administradores da empresa;

116.     Por seu turno, a D… debita também mensalmente à Requerente despesas de marketing, telefone, alojamento e design da página na internet, viagens aos EUA, publicidade e utilização da marca e ainda despesas relativas a cartas de conforto e avales bancários concedidos por esta empresa do Grupo à E… .

117.     De igual modo, a requerida indica que a L… debita mensalmente à Requerente despesas administrativas, de entretenimento, viagens, telefones e encargos com viaturas.

118.     A Requerente afirma que a C… funciona como uma central de compras do grupo para os EUA, Austrália e África do Sul, efectuando compras de rolhas não só em Portugal, mas também, noutros países, mas, segundo a requerida, desconhece, porém, qual a estrutura instalada na Irlanda que a sociedade possui para exercer a sua actividade e admite, apenas, que terá um funcionário ao seu serviço.

119.     Neste contexto, a Requerente obteve  informação relativamente à actividade exercida pela C…, ao abrigo da Convenção Celebrada entre Portugal e a Irlanda para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, tendo sido apurado directamente da Administração Fiscal irlandesa a informação de que a C… possui apenas uma funcionária, X…, que exerce a função de administradora da empresa desde 06.11.2008, mais tendo apurado, através de informação prestada pela própria C… à Administração Fiscal Irlandesa, a informação de que não possui instalações próprias e que tem a sua sede ao abrigo de um contrato de aquisição de serviços de aluguer de escritório virtual.

120.     Atenta a necessidade de obter informação relativamente às relações comerciais entre a D… e a C…, foi accionada, pela requerida, a Convenção Celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de imposto sobre o rendimento, tendo apurado que:

                                i.            A D… (D…) é uma sociedade registada no Estado da Califórnia, criada em 13/03/1981, detida a 100% pela H…, cujo presidente é I… e que possui sede em …, …, California;

                             ii.            A D… possui uma única conta bancária, no banco americano Y… e a C… possuiu entre Janeiro de 2009 e Janeiro de 2013 uma conta bancaria nesse mesmo Banco;

                           iii.            A C… usou a morada da D… para receber a correspondência da referida conta bancária.

121.     Nas situações melhor descritas no RIT “verificou-se que existe uma relação directa e inequívoca (factura a factura) entre a faturação A…- C…- D…, constatando-se que existem sempre duas facturas emitidas para cada transacção efectiva de bens ocorrida. Assim, o circuito de faturação é contribuinte-C… -D…, ao passo que o circuito físico das mercadorias é contribuinte-D…: a C… funciona como intermediário meramente instrumental”, - Cfr. fls 29 do RIT.:

                                i.             a data das faturas emitidas pela C… para a D… é exatamente a mesma das faturas emitidas pelo contribuinte para a C…;

                             ii.            as mercadorias, referências e quantidades das faturas emitidas pela C… para a D… são exatamente as mesmas das faturas emitidas pelo contribuinte para a C…;

                           iii.            os pagamentos efetuados ao contribuinte pela C… são ordenados a partir dos EUA e proveem de uma conta bancária aberta em nome dessa empresa no mesmo banco americano com que a D… trabalha;

                            iv.            as instruções dadas online ao Banco são para que o este debite na conta da C… um determinado valor em dólares para que, logo de seguida, transfira o montante da fatura que a C… está a pagar ao contribuinte para a sua conta bancária no …, em Portugal. Ora, este tipo de instruções pressupõe uma determinada taxa de câmbio, que é contratada com o Y… BANK, e está implícita à operação;

                              v.            os contratos de taxa de câmbio que a C… terá celebrado com o Y… Bank possuem um plafond de fixação de taxa de câmbio para determinado montante de USD[1], variando a taxa de câmbio aplicada a cada operação ou conjunto de operações em função do respetivo contrato.”

122.     A D… confirmou ter recebido as remessas de mercadorias da A…, facturadas à C…, tendo remetido documentação comprovativa que permitiu atestar que existe uma relação directa e inequívoca entre a facturação A…- C…-D…, constatando-se que existem sempre duas facturas emitidas para cada transacção efectiva de bens ocorrida: as datas das facturas, as mercadorias, referências e quantidades são exactamente as mesmas, variando apenas o preço; os pagamentos efectuados à Requerente pela C… são ordenados a partir dos EUA e provêem de uma conta bancária aberta em nome dessa empresa no mesmo banco americano com que a D… trabalha, tendo esta inclusive fornecido comprovativos dos mesmos, a que teve acesso porque foram por ela executados.

123.     Assim, através dos elementos fornecidos pelas Autoridades Fiscais Norte-Americanas foi realizada uma análise comparativa da facturação da C… para a D… com a Facturação dos Fornecedores para a C… (com a conversão dos valores expressos em USD nas facturas emitidas pela C… para a D… para EUR), tendo, a Requerida AT apurado os seguintes valores globais:

Dados fornecidos pela D…

2011

2012

Faturação da A… para a C… (1)

13.202.012,02

11.603.227,30

Faturação da C… para a D… (2)

14.974.821,03

13.139.991,06

 

 

124.     Com relevo para a decisão a proferir sobre a questão decidenda nos presentes autos, deve ser considerado assente que do total facturado (bruto) pela Requerente, cerca de 14,8 milhões de euros em 2011 e 13,4 milhões em 2012 dirigiram-se à C… (aproximadamente 47% e 45%), e destes, cerca de 91% e 89% respectivamente, à D…;

125.     Embora a Requerente alegue que actua como unidade industrial que assegura a produção de rolhas para o Grupo, no qual as funções comerciais estão concentradas noutras entidades, designadamente a C…, a Q…, R…, P…, Z… e AA…, verifica-se que o escoamento da produção da A… ocorre directamente, tanto nos mercados europeu e da América do Sul, como nos mercados dos EUA, Austrália e África do Sul, com a única diferença que, nos primeiros mercados (Europa e América do Sul), os produtos são facturados aos respectivos clientes, e nos segundos mercados (EUA, Austrália e África do Sul), os produtos são facturados à C…, sendo a D…, a L… e a M… os destinatários.

126.     Os produtos são expedidos a partir das instalações da Requerente em … directamente para os Estados Unidos, Austrália ou África do Sul, e transportados em seu nome e por sua conta, sem que, na documentação de transporte e alfandegária, surja qualquer referência à C…, seja de que tipo for.

127.     As despesas de transporte são suportadas pela A… (Portugal) e as despesas com os despachos alfandegários também, o mesmo acontecendo quando há devoluções, pois a Requerente debita as despesas ao destinatário das mesmas e não à entidade a quem foram facturadas (C…).

128.     Nas ordens de compra exibidas pela Requerente não consta assinatura de qualquer responsável ou funcionário da C…, tendo, inclusive, sido detectada uma ordem de compra (destinada à D…) na qual é pedido o envio directo da mercadoria para um cliente da D… no Canadá, cliente este que, à partida e em condições normais, a C… não conheceria.

129.     Existem ordens de pagamento do estrangeiro recebidas pela Requerente (respeitantes a transacções cujo destinatário foi a D…), onde figura como ordenador a C…, mas a sua morada aparece nos EUA, na sede da D…, e elas são oriundas do Banco com que a D… trabalha.

130.     Aliás, segundo a Requerida, a D… confirmou, através das autoridades fiscais dos EUA, que a C… usou a morada da D… para receber correspondência da conta bancária que possuiu no banco americano Y… .

131.     Existem recebidas várias transferências, ordenadas directamente pela L…, que foram contabilizadas como recebimentos da cliente C…, mas, nestes casos, quem está a pagar as mercadorias é o seu destinatário efectivo e não a entidade que figura nas facturas como cliente.

132.     A Requerente recebeu ordens de pagamento em nome da C… que respeitam a facturas destinadas à M… e indicam no respectivo detalhe o número das correspondentes facturas emitidas pela C… à M…, o que comprova que a entidade que efectivamente está a realizar o pagamento não é a C…, mas antes a M… . Apesar de alegadamente não possuir relações comerciais diretas com a D…, L… e M…, a A…(Portugal) debitou mensalmente management fees, R&D fees e quality control fees.

133.     Por seu turno a D… debita também mensalmente à Requerente despesas de marketing, telefone, alojamento e design da página na internet, viagens aos EUA, publicidade e utilização da marca e a L… debita-lhe despesas administrativas, de entretenimento, viagens, telefone e encargos com viaturas;

134.     A C… está colectada na Irlanda para o exercício da actividade de Comércio por Grosso de Madeira, Materiais de Construção e Equipamento Sanitário desde 2008/11/06,mas, as instalações existentes na morada da C… situada em…, nº…, em Dublin, correspondem a um escritório virtual, serviço comercializado pela empresa Regus e que consiste na recepção de correspondência e de chamadas telefónicas associada a uma morada à  escolha e que é  prestado a clientes localizados em qualquer parte do mundo e que pretenda sedear formalmente nesse local a sua empresa, não efectivamente exercer ai qualquer actividade, segundo a Requerida.

135.     A C… foi constituída na Irlanda em 2007-09-27 pela firma de consultoria/solicitadoria BB… (que possui sede no…), tendo sido nomeados administradores CC… e DD… (ambos solicitadores) e  a morada de exercício da actividade e de administração indicada foi a sede da referida firma de consultoria/solicitadoria.

136.     De acordo com as demonstrações financeiras obtidas através das autoridades fiscais irlandesas, o único fornecedor da C… em 2011 e 2012 foi a A… e os seus únicos clientes foram a D…, L… e M…, a quem se destinou a totalidade do seu Volume de Negócios.

137.      A empresa irlandesa tem apenas uma funcionária, X…, que exerce a função de administradora desde 2008/11/06 conjuntamente com EE…, também administrador da A…, e, desde 2009/03/26, também com I… (presidente do Conselho de Administração da E… com domicílio fiscal em ..., Portugal).

138.     X… constava até 2012/11/07 no cadastro da AT como residente em Portugal, possuindo domicílio fiscal em Algés, sendo a proprietária do imóvel e tendo contraído um crédito à habitação para aquisição desse imóvel em 1999, que foi declarado como habitação própria permanente;

139.     Nas demonstrações financeiras da C… encontram-se registados rendimentos pagos a X… no ano de 2010 e seguintes.

140.     Simultaneamente verificou-se que esta auferiu em Portugal, no mesmo ano, rendimentos da categoria A pagos pela sociedade do Grupo S…, única entidade que tem vindo a pagar-lhe rendimentos desde 2001.

141.     Notificada, alegou ser residente na República da Irlanda desde 2009, e trabalhar na C… como directora residente, mas, no entanto, alterou, apenas na altura e na sequência dessa notificação, o seu domicílio fiscal para a Irlanda.

142.     A D… é uma sociedade registada no Estado da Califórnia, criada em13/3/1981, detida a 100% pela H…, cujo presidente é I… e que possui sede em…, …, …, Califórnia.

143.     A D… confirmou ter recebido as remessas de mercadorias da A…, facturadas à C…, tendo remetido documentação comprovativa e que permitiu à AT atestar que existe uma relação directa e inequívoca entre a facturação A…– C…-D…, constatando-se que existem sempre duas facturas emitidas para cada transacção efectiva de bens ocorrida sendo que, as datas das facturas, as mercadorias, as referências e quantidades são exactamente as mesmas, variando, apenas, o preço.

144.     Os pagamentos efectuados à Requerente pela C… são ordenados a partir dos EUA e provêem de uma conta bancária aberta em nome dessa empresa no mesmo banco americano com que a D… trabalha, tendo esta inclusive, fornecido comprovativos dos mesmos, a que, segundo indica tem acesso porque foram por ela executados.

145.     Comprovou-se, assim, que de acordo com a Requerida, e a C…, não possui substância económica, nem justificação comercial, tendo sido utilizada, unicamente, com propósitos de natureza fiscal, sem qualquer intervenção efectiva nas transacções que ocorrem entre a Requerente e as empresas do Grupo que ele fornece, a D…, a L… e a M… .

146.     Da factualidade demonstrada resulta, ainda, que a Requerente criou a empresa C…, sedeada na Irlanda, com o fim de efectivar vendas para esta a um preço mais baixo a que chega ao destinatário efectivo e que não teve substância real, efectiva e material, uma vez que o resultado seria obtido sem essas operações e uma vez que as vendas poderiam ser feitas directamente aos clientes finais, D…, L… e M…, sem que fosse necessário recorrer a essas operações,  o  que faria com que o ganho obtido na venda seria tributado em Portugal a uma taxa de imposto sobre o rendimento superior.

147.     A criação de um circuito, meramente documental, dos bens para a Irlanda, desacompanhado do seu transporte, constitui, assim, segundo a Requerida, um instrumento abusivo com a única finalidade de fazer circular para a Irlanda grande parte do lucro gerado pela actividade, que sem este artifício seria tributado a uma taxa superior (à do IRC português), devendo, por isso, ser considerado como ato abusivo, nos termos estabelecidos no art.º38º, n.º 2, da LGT.

148.     A AT, para efeitos de fundamentação da decisão de aplicação da CGAA, defende, ainda que logrou provar todos os elementos de que depende a aplicação da CGAA:

149.     Quanto ao elemento meio:

                        i.          Dos documentos e dos factos analisados, ficou demonstrada a irracionalidade económica da criação da sociedade C…, sendo que o único racional existente nessa criação é o fiscal, o que leva a concluir que todo aquele conjunto de operações teve como principal objectivo, senão o único, a obtenção de benefícios fiscais, em claro abuso de direito. Revestiu-se, consequentemente, tal negócio jurídico, a criação da sociedade na Irlanda, de uma natureza artificiosa;

                      ii.          Com efeito, a prova da motivação fiscal nas cláusulas contratuais é feita com recurso a factos ou elementos de prova que permitam ao intérprete extrair, com razoável segurança e segundo critérios de razoabilidade e normalidade;

                   iii.          Sem a constituição da empresa sedeada na Irlanda, o resultado que seria obtido, uma vez que as vendas poderiam ser feitas directamente aos clientes finais, D…, L… e M… redundaria em que a totalidade do ganho obtido na venda seria tributada em Portugal a uma taxa de imposto sobre o rendimento superior;

                    iv.          Por isso, o único racional existente na constituição da referida sociedade irlandesa é o fiscal, o que leva a concluir que todo aquele conjunto de operações teve como principal objectivo, senão o único, a obtenção de benefícios fiscais em claro abuso de direito e a referida criação constituiu, assim, uma prática artificiosa;

                      v.          A Requerente não logrou demonstrar uma real substância económica subjacente aos negócios jurídicos sub judice;

                    vi.          A falta de substância económica não resiste a um simples teste, pois as “operações comerciais” realizadas entre a Requerente e a sociedade de direito irlandês, ou seja, vendas de rolhas de cortiça; e através dos elementos (contabilísticos e fiscais) obtidos, relativamente a cada uma destas duas sociedades, para os anos de 2011 e 2012, constatou-se que, do volume de negócios registado nas demonstrações financeiras em cada um dos citados dois anos pela sociedade portuguesa (€15.964.859,00 e €14.985.030,00, respectivamente), €13.202.012,02 (ano de 2011) e €11.603.227,30 (ano de 2012) respeitam à facturação da “A…” para a “C…”, mas, no concernente exclusivamente às rolhas que, posteriormente, esta última sociedade “transmitiria”, por análise à facturação “emitida” pela “C…” à “D…” (D…), não pelo mesmo valor, mas pelas importâncias de €14.974.821,03 e €13.139.991,06, respectivamente, para os anos de 2011 e 2012.

                  vii.          Sendo que é esta diferença de valores no conjunto das facturas emitidas em cada uma das fases referidas (“A…”/”C…” e “C…”/”D…”), ou seja, €1.772.807,01 (ano de 2011) e €1.536.763,76 (ano de 2012), traduzida no suposto ganho obtido pela sociedade irlandesa nas “vendas” efectuadas à D…, que importa tributar em Portugal, por desconsideração, não só das “vendas” efectuadas para a “C…” pela “A…”, mas, também, e, consequentemente, das vendas posteriormente efectuadas pela “C…” à “D…”;

               viii.          Como justificação, salienta o carácter artificioso (sem substância económica) primeiro do conjunto das “vendas” referidas, ou seja, das efectuadas, conforme referido supra, pela “A…” à “C…” e, por inerência/consequência, o carácter igualmente artificioso das “vendas” posteriormente efectuadas à “D…” pela “C…”, tendo por base as “aquisições de rolhas” efectuadas à “A…”, em 2011 e 2012;

                    ix.          Buscar uma poupança fiscal, através duma operação em que não se vislumbram razões economicamente válidas para essa mesma operação em si mesma considerada constituirá sempre, segundo a Requerida, um comportamento proibido por lei.

150.    Quanto ao elemento intelectual:

                      x.          A estruturação do negócio montado pela Requerente, para além de dirigido especificamente à obtenção de vantagem fiscal, foi ainda e simultaneamente, dotado de uma forma anómala e artificiosa, em consideração dos fins económicos visados por ela, não obstante os actos e negócios jurídicos que compõem esta estrutura sejam, em si mesmos, válidos e lícitos, e correspondam à efectiva vontade do sujeito passivo,  consistindo num conjunto de operações de venda para uma empresa sedeada num país com taxas fiscais sobre o rendimento significativamente inferiores (Irlanda à taxa de 12,5%), com o fim de aí colocar grande parte do lucro gerado pela actividade, que sem este artifício seria tributado a uma taxa superior (em Portugal à taxa de 25%);

                    xi.          Na verdade, a C… emite facturas de venda nas mesmas quantidades e com valores superiores, à D…, L… e M…;

                  xii.          Na presente situação, atento todo o circunstancialismo supra descrito, facilmente se conclui que a motivação dos contribuintes só é compreensível à luz da vantagem fiscal obtida, em que uma grande fatia do lucro é imputada à C…, sedeada num país com taxas de imposto sobre o rendimento significativamente inferiores;

               xiii.          Razão pela qual conclui que, caso as vendas fossem feitas directamente para a D…, L… e M…os rendimentos seriam tributados em Portugal;

                xiv.          Todos os factos elencados até à saciedade pela AT, demonstram, pelo contrário, que o objectivo visado foi tão só a obtenção da vantagem fiscal (traduzida num benefício económico equivalente à diferença de taxas de 25% para 12,5%, nas importâncias de 221.600,87€, em 2011, e 192.095,46€ em 2012), não tendo sido demonstrado pela Requerente que as operações em causa foram comprovadamente realizadas por razões económicas atendíveis;

                  xv.           A Requerida procede a uma citação de Gustavo Lopes Courinha para concluir que a prova exigida por banda da AT não pode ser uma prova inequívoca, pois tal equivaleria a uma “prova diabólica”. Ora, a prova inequívoca sempre teria de ser uma confissão expressa da Requerente, ou seja, algo que não está na esfera da AT, daí que a prova a reunir pela AT se resume a uma “prova indiciária”, a qual efectivamente foi reunida no caso vertente;

                xvi.          De facto, os elementos recolhidos em sede inspectiva demonstram, para além de qualquer dúvida razoável, que nos presentes autos se verifica uma preponderância da motivação fiscal face à motivação não fiscal, dada a debilidade dos argumentos invocados pela Requerente, os quais não conseguem afastar a evidência de que os Requerentes não tiveram outra vantagem, que não a vantagem fiscal;

             xvii.          Em face de tudo o que vem exposto, a Requerida AT concluiu que não foi apresentada justificação plausível para o facto da empresa portuguesa, que exerce de facto toda a actividade, se sustentar com margens operacionais de 3,61% e 3,99%, em 2011 e 2012, enquanto a empresa irlandesa, sem gerar qualquer valor acrescentado e não possuindo qualquer estrutura empresarial, recolhe margens operacionais de 13,4% e 13,2%, em 2011 e 2012;

           xviii.          A AT não reputa de abusivo a constituição da C…, mas, sim, o conjunto de negócios reiteradamente praticados entre a Requerente, a C…, a D…, a L… e a M…, que visam a deslocalização dos lucros para a Irlanda;

                xix.          Assim, os argumentos invocados, aliados à vantagem fiscal, não permite outra conclusão, à luz da lógica mundana e da experiência, que não seja o efectivo cumprimento do ónus probatório que competia à requerida e, por conseguinte, a verificação no caso vertente do elemento intelectual;

                  xx.          Pelo que, atenta a sequência lógica e cronológica em que foram celebrados os negócios jurídicos em questão, a mesma permite que se considere este conjunto de negócios como um esquema concebido e executado como meio ou ferramenta para a obtenção da evitação fiscal com manifesto abuso das formas jurídicas utilizadas.

151.    Quanto ao elemento normativo:

                xxi.          A este elemento subjaz a desconformidade do resultado obtido com a ratio legis, o espírito ou o propósito da lei e do legislador, os princípios do CIRS e o Sistema Fiscal Português, porquanto na génese das medidas anti-abuso está a obtenção da igualdade tributária e a justiça na distribuição dos encargos tributários, tratando-se, de um exercício reflexivo, de demonstrar que, apesar da letra da lei permitir que o ato ou negócio realizado proporcione os efeitos fiscais desejados, a intenção da lei e/ou do Direito rejeita a sua obtenção, e como tal, o resultado obtido;

             xxii.          Gustavo Lopes Courinha sublinha que «A desconsideração fiscal de tais actos ou negócios só sucederá quando, cumulando-se todos os supra referidos elementos, se demonstre que o efeito fiscal obtido (sempre em atenção aos efeitos não fiscais identicamente obtidos) merece um juízo de reprovação pelo Direito».

           xxiii.          Também quanto a este elemento, o mesmo verifica-se no caso sub judice, na medida em que tanto a Constituição como a Lei Fiscal pressupõem a tributação segundo a capacidade contributiva, mesmo quando essa tributação incida sobre factos tributários à partida excluídos, como sejam o resultado da alienação das participações sociais;

            xxiv.          Sobressai do sistema fiscal o princípio da capacidade contributiva, corolário do principio da igualdade, previsto de forma ampla no artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa, o qual implica o igual pagamento de imposto perante igual capacidade contributiva, assim como o maior pagamento de imposto em função de uma maior capacidade contributiva;

              xxv.          A razão de ser das normas anti-abuso está fundada na necessidade de estabelecer meios de reacção adequados para garantir o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas (nos termos do art.º 103, n.º 1, da CRP);

            xxvi.          Com efeito, caso as vendas fossem feitas directamente para a D…, L… e  M… os rendimentos seriam tributados em Portugal;

         xxvii.          A subsunção do caso concreto à norma foi realizada tendo por base uma análise critica e conjugada, segundo juízos de experiência comum e de normalidade social dos factos e elementos recolhidos que, com razoável segurança, patenteiam a natureza abusiva do planeamento fiscal do contribuinte.

152.     Quanto ao elemento resultado

       xxviii.          Conforme refere o n.º 2 do artigo 38.º da LGT, os actos ou negócios jurídicos “anómalos” deverão ser “…essencial ou principalmente dirigidos…à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios…”. decorrendo da definição proposta por Gustavo Lopes Courinha”…por vantagem fiscal dever-se-á entender qualquer situação pela qual, em virtude da prática de determinado acto, se obtém uma carga tributária mais favorável ao contribuinte do que aquela que resultaria da prática dos actos normais e de efeito económico equivalente, sujeitos a tributação.”.;

            xxix.          No âmago da CGAA está efectivamente uma operação de comparação do acto ou actos a desconsiderar com aquele ou aqueles que representam a via normal ou coerente para atingir o resultado económico-jurídico atingido, inclusive., os negócios jurídicos que melhor cumprem ou que mais usuais se tornaram na prossecução desse resultado;

              xxx.          O elemento resultado consiste na vantagem fiscal conseguida através da deslocalização dos ganhos de Portugal para a Irlanda, e originando uma menor tributação, traduzida num benefício económico equivalente à diferença de taxas de 25% para 12,5% nas importâncias de 221.600,87€ em 2011 e 192.095,46€ em 2012;

            xxxi.          Quanto a este requisito importa demonstrar que através dos seus actos (anómalos ou inusuais), já descritos supra, a Requerente logra obter a eliminação de tributos que seriam devidos e, bem assim, demonstrar a equivalência dos efeitos económicos com os efeitos do acto normal tributado;

         xxxii.          Assim, o que a Requerente pretendia com a celebração do negócio jurídico em causa era a eliminação de impostos;

       xxxiii.          A motivação da Requerente consistiu na criação, com carácter artificioso de uma sociedade na Irlanda, em 27 de Setembro de 2007, sem qualquer actividade, a qual permitiu a criação de um circuito de vendas documentais, demonstra que a interposição da “sociedade irlandesa” apenas visa o aproveitamento do regime fiscal mais favorável daquele país no que se refere a tributação de lucros, apoiada exclusivamente em “emissão de facturas” tendo por cliente dos produtos nelas mencionados a sociedade C…, lá sedeada.

153.    Quanto ao elemento sancionatório:

        xxxiv.          Este consiste em considerar ineficaz no âmbito tributário os rendimentos transferidos para a Irlanda através de simulação de vendas para a empresa C…, antes tributando o negócio jurídico considerado usual para obter o efeito económico em causa, conforme. estatuído no n.º 2 do artigo 38º da LGT.

          xxxv.          Assim, deve proceder-se à tributação dos rendimentos obtidos pela C…, como se fossem obtidos em Portugal pela empresa A…, nos termos do art.º 17.º, n.º 1 e art.º 20.º ambos do CIRC;

154.     A Requerente, não logrou, nem em sede administrativa (audição prévia), nem em sede arbitral, trazer à colação qualquer facto ou argumento que afaste a correcta, interpretação efectuada pela AT.

155.     Se a realização de vendas da mercadoria produzida pela Requerente é “o cerne da sua actividade”, não se compreende, ou sequer se explica o porque dessas vendas ser efectuada por uma empresa Irlandesa, que de acordo com a informação obtida das entidades Irlandesas não gera qualquer valor ao produto, nem possui qualquer estrutura produtiva.

156.     Afigura-se, assim, estarem reunidos os pressupostos para que se possa fazer uso da CGAA prevista no n.º 2 do art. 38º da LGT.

157.     As “operações comerciais” realizadas entre a Requerente e a sociedade de direito irlandês C…, e através dos elementos (contabilísticos e fiscais) obtidos, relativamente a cada uma destas duas sociedades, para os anos de 2011 e 2012, constatou-se que, do volume de negócios registado nas demonstrações financeiras em cada um dos citados dois anos pela sociedade portuguesa (€15.964.859,00 e €14.985.030,00, respectivamente), €13.202.012,02 (ano de 2011) e €11.603.227,30 (ano de 2012), respeitam à facturação da “A…” para a C…, mas, no concernente exclusivamente às rolhas que, posteriormente, esta última sociedade “transmitiria”, por análise à facturação “emitida” pela C… à D… (D…), não pelo mesmo valor, mas pelas importâncias de €14.974.821,03 e €13.139.991,06, respectivamente, para os anos de 2011 e 2012;

158.     Sendo que é essa diferença de valores no conjunto das facturas emitidas em cada uma das fases referidas (Requerente/C… e C…/D…), ou seja, €1.772.807,01 (ano de 2011) e €1.536.763,76 (ano de 2012), traduzida no suposto ganho obtido pela sociedade irlandesa (C…) nas “vendas” efectuadas à D… que importa tributar em Portugal, por desconsideração, não só das “vendas” efectuadas para a C… pela Requerente, mas também e, consequentemente das vendas posteriormente efectuadas pela C… à D…;  

 

    II.       SANEAMENTO

 

159.    As partes gozam de personalidade e capacidade, são legítimas e estão devidamente representadas (art.ºs 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

160.     O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer o pedido (art.º 2º, n.º 1,alínea a) do RJAT).

161.     O processo não enferma de qualquer nulidade.

162.     Foram suscitadas duas questões prévias, uma por cada uma das partes, de que cumpre conhecer antes da decisão:

 

A.    Questão prévia suscitada pela Requerida:

 

163.      A AT na resposta suscitou a intempestividade do pedido arbitral e a caducidade do direito de acção, tanto em relação ao IRC de 2011 como ao de 2012, alegando que:

                    i.            À data da entrega do pedido no CAAD, a 11/04/2016, já tinha decorrido o prazo de 90 dias previsto na alínea a) do nº 1 do art. 10º do RJAT, com a consequente caducidade do direito de acção;

                  ii.            De acordo com a Requerida, importa distinguir a liquidação de IRC aqui impugnada, cuja demonstração com o nº 2015…, de 12/11/2015, foi notificada à Requerente a 19/11/2015, através de notificação electrónica via CTT (por ser aquela a data de acesso da Requerente à sua caixa postal electrónica), da nota de acerto de contas, cuja demonstração, com o nº 2015…, apura o saldo final resultante da anulação da liquidação anterior através dos devidos movimentos de compensação, notificada à Requerente também a 19/11/2015, através de notificação electrónica via CTT;

164.     O objecto do pedido arbitral é, como não podia deixar de ser, o acto tributário de liquidação adicional que se encontra reflectido na nota demonstrativa da liquidação de imposto, contendo a discriminação das várias rúbricas subjacentes ao cálculo do imposto e dos juros compensatórios devidos com referência a IRC de 2011.

165.     Por sua vez, a demonstração de acerto de contas, posterior à liquidação aqui controvertida, apenas reflecte os movimentos de compensação entre o montante total de imposto e juros compensatórios apurados na liquidação ora impugnada e a liquidação que a antecedeu (estorno da liquidação de 2011 – Liq. 2013…), com apuramento de um saldo final a pagar ou a receber, para efeitos de cobrança de quantia em falta ou reembolso da importância a restituir, consoante o saldo credor/devedor que resulte daquele encontro de contas.

166.     Na demonstração de liquidação de IRC ora impugnada consta o que se transcreve: “Fica V. Exa. notificado(a) da liquidação de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos, conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida”;

167.     Quanto aos prazos para reclamar ou impugnar, transcreve-se da mesma o seguinte: “Pode reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137.º do CIRC e 70.º e 102.º do CPPT, contados continuamente após a data da presente notificação, a qual se considera efectuada no momento em que o destinatário aceda à caixa postal electrónica ou, no caso de ausência de acesso à mesma, no 25.º dia posterior ao seu envio.”

168.     Resulta, pois, da notificação em apreço que os prazos para reagir contra a liquidação ora controvertida se contam “após a data da presente notificação, a qual se considera efectuada no momento em que o destinatário aceda à caixa postal electrónica (…).;

169.     Muito embora a alínea a) do nº 1 do art. 10º do RJAT, ao prever o prazo de 90 dias para apresentação do pedido de pronúncia arbitral, refira que o mesmo se conta a partir dos factos previstos no nº 1 do art. 102 do CPPT, e a alínea. a) deste normativo legal refira o termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária como sendo um dos factos a partir do qual se conta o prazo para impugnar, cumpre realçar que a referida alínea. a) do nº 1 do art. 102.º do CPPT não se aplica ao caso dos presentes autos, por estarmos em face de uma liquidação adicional de imposto cuja importância apurada a título de prestação tributária a pagar pode não corresponder ao valor a cobrar para regularização da situação jurídico- tributária da Requerente em sede de IRC de 2011.

170.     É que a prestação tributária notificada à Requerente para efeitos de IRC de 2011, ora impugnada, no montante de € 455.022,92, não pode ser objecto de cobrança pela AT sem antes se determinar, em acerto de contas com a liquidação anterior, qual o saldo a pagar ou a restituir. Daí a demonstração da liquidação de IRC conter a nota que se transcreve: “A demonstração de Compensação e a correspondente nota de cobrança seguem em envelope separado”;

171.     Se a liquidação fosse de iniciativa dos serviços mas a determinação do valor a entregar nos Cofres do Estado não estivesse na dependência de um acerto de contas, por não existir uma liquidação anterior, então a data limite - para pagamento da liquidação seria o 30º dia posterior ao da sua notificação, por aplicação do prazo legal expressamente previsto no art. 110º do CIRC. E neste caso o prazo de 90 dias para apresentar pedido de pronúncia arbitral contava-se a partir do 30º seguinte à notificação da liquidação porque aquele 30º dia corresponderia à data - limite para pagamento da liquidação.

172.     No caso dos autos resulta clara a seguinte distinção: a) a data a partir da qual se conta o prazo para reagir contra a liquidação (data da presente notificação, a qual se considera efectuada no momento em que o destinatário aceda à caixa postal electrónica), que, no caso dos autos, é 19/11/2015 b) a data - limite para pagamento do saldo apurado em acerto de contas (data limite de pagamento indicada na demonstração de acerto de compensação), que no caso dos autos é 11/01/2016;

173.     Ou seja, a prestação tributária notificada à Requerente com a nota de liquidação, e que tem efeitos constitutivos na definição da sua situação jurídico-tributária em sede de IRC de 2011, poderá não corresponder à importância a cobrar à Requerente, o que será posteriormente apurado em acto consequente de mero acerto de contas, sem efeitos constitutivos para efeitos da situação tributária em discussão nos presentes autos.

174.     De todo o modo, não se pode dizer que pelo facto de a nota demonstrativa de liquidação ora em apreço não conter um prazo para cobrança da importância a apurar em sede de acerto de contas prejudica, de algum modo, o direito de defesa do contribuinte, uma vez que este já se encontra na posse dos elementos de que precisa para poder reagir;

175.     Mais: a notificação da Requerente foi efectuada ao abrigo do regime especial de notificações electrónicas via CTT, o qual acautela a data efectiva em que o sujeito passivo acede à mesma e a partir da qual começa a contar o prazo para o sujeito passivo poder reagir contra a liquidação que lhe foi notificada. Pelo facto de a Requerente ter aderido ao sistema electrónico de notificações da Autoridade Tributária é-lhe aplicável o regime previsto no nº 9 e nº 10 do art. 39º do CPPT, considerando-se, por conseguinte, notificada 19/11/2015;

176.     Por sua vez, o prazo de 90 dias para deduzir o pedido de pronúncia arbitral ora em apreço, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 10º da RJAT, terminou a 17/02/2016.

177.     Atendendo a que o prazo para propositura de acção é um prazo substantivo que não se suspende em férias judiciais, não foram as férias judiciais de Natal consideradas na contagem do prazo em discussão, o que, de todo o modo, não seria susceptível de alterar a conclusão quanto à caducidade do direito de acção por propositura do pedido arbitral depois do respectivo prazo legal.

178.     Também relativamente à liquidação de IRC de 2012 cumpre aduzir a excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral uma vez que, à data da sua entrega no CAAD, a 11/04/2016, já tinha decorrido o prazo de 90 dias previsto na alínea a) do nº 1 do art. 10º do RJAT, com a consequente caducidade do direito de acção.

179.     Pelas mesmas razões aduzidas acerca do IRC de 2011, cumpre concluir que o prazo de 90 dias para deduzir o pedido de pronúncia arbitral ora em apreço, com referência à liquidação de IRC de 2012, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 10º da RJAT, terminou a 20/02/2016;

180.     Nos dois casos, afirma a Requerida que atendendo a que o prazo para a propositura de acção é um prazo substantivo que não se suspende em férias judiciais, não foram as férias judiciais do Natal consideradas na contagem do prazo em discussão, o que, de todo o modo, não seria susceptível de alterar a conclusão quanto à caducidade do direito de acção por propositura do pedido arbitral depois do respectivo prazo legal.

181.     A Requerente ataca esta posição da Requerida dizendo que aquela interpretação diverge totalmente do entendimento pacificamente aceite pela doutrina, jurisprudência e, inclusivamente, pela própria AT em matéria de contagem de prazos de impugnação judicial e arbitral de liquidações adicionais de IRC.

182.     A título de exemplo, nos processos de arbitragem tributária n.os 367/2014-T e 609/2015-T, em que a Requerente contestou também a legalidade de liquidações adicionais a AT entendeu, tal como os respectivos Tribunais Arbitrais, que o termo inicial do prazo de apresentação dos pedidos de pronúncia arbitral corresponde ao dia seguinte ao do termo do prazo de pagamento voluntário do imposto apurado nas liquidações adicionais de IRC impugnadas.

183.     Nesses processos, a Requerente apresentou os pedidos de pronúncia arbitral no 90.º dia contado a partir do termo do prazo de pagamento voluntário do imposto apurado nas liquidações adicionais de IRC impugnadas, sem que a AT tenha colocado em causa a respectiva tempestividade.

184.     A posição manifestada pelas Representantes da AT nos presentes autos é ainda mais surpreendente na medida em que a Ex.ma Senhora Dra. Ana Cortes Fatela, já havia assegurado a representação da AT no referido processo de arbitragem tributária n.º 367/2014-T.

185.     A Requerente cita extensa jurisprudência para concluir que:

                                i.            O termo inicial para cômputo do prazo de 90 dias para a apresentação de pedido de pronúncia arbitral que tem por objecto uma liquidação adicional de IRC é o dia seguinte ao último dia do prazo de pagamento voluntário da prestação tributária apurada nessa liquidação, ao abrigo dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT.

                             ii.            Ao contrário da interpretação sustentada pela AT nos presentes autos, a AT e os seus representantes nos processos de arbitragem tributária têm sustentado, pacificamente, que o prazo para apresentação de pedido de pronúncia arbitral relativo a uma liquidação adicional de IRC é contado nos termos dos artigos 10.º, n. º 1, alínea a), do RJAT e 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT.

186.     Com efeito, a liquidação adicional de IRC emitida nos termos do artigo 110.º do Código do IRC é o acto tributário que gera a obrigação de pagamento da prestação tributária, ainda que os serviços da AT indiquem o respectivo prazo de pagamento apenas na «demonstração de acerto de contas», documento que, aliás, carece em absoluto de base legal e pode, no limite e quanto muito, ser entendido como documento complementar da notificação do acto tributário de liquidação a que juridicamente sempre se reportará a dívida objecto de «acerto» ou de «cobrança»;

187.     O Tribunal Arbitral entende, assim sendo, que a Requerida não tem razão e considera improcedente a questão da intempestividade suscitada pela Requerida.

 

B.     Questão prévia suscitada pela Requerente:

 

188.     A Requerente invocou também uma questão prévia, defendendo a intempestividade da resposta da Requerida.

189.     Alega a Requerente  que:

                                i.            Foi apresentada após o prazo previsto no artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, mesmo considerando que, por Despacho de 3 de Novembro de 2016, do Tribunal Arbitral foi prorrogado por 15 dias o prazo para apresentação da referida resposta;

                             ii.            Às notificações no âmbito do processo arbitral tributário o CAAD aplica o regime dos artigos 36.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, notificando os mandatários dos contribuintes através do serviço “Via CTT”, por depósito de mensagem na respectiva Caixa Postal Electrónica, e a Administração Tributária através da Internet, via mensagem de correio electrónico destinada à Direcção de Serviços da Justiça Tributária (e aos juristas designados pelo Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para o representarem no caso);

                           iii.            De acordo com o artigo 39.º, n.º 7, do CPPT, Quando a notificação for efectuada por telefax ou via Internet, presume-se que foi feita na data de emissão, servindo de prova, respectivamente, a cópia do aviso de onde conste a menção de que a mensagem foi enviada com sucesso, bem como a data, hora e número de telefax do receptor ou o extracto da mensagem efectuado pelo funcionário, o qual será incluído no processo;  

190.      Nos presentes autos, as Representantes da AT foram notificadas do Despacho do Tribunal que admitiu a prorrogação do prazo de apresentação de resposta ao pedido de pronúncia arbitral através da Internet, via mensagem de correio electrónico, enviada a 3 de Novembro de 2016, sendo pois esse o dia a partir do qual se computa o prazo adicional de 15 dias facultado para apresentação da referida resposta. Assim, o termo final do prazo (prorrogado) de resposta ao pedido de pronúncia arbitral ocorreu a 18 de Novembro de 2016;

191.      No entanto, a AT apenas apresentou a referida resposta junto deste Tribunal a 21 de Novembro de 2016;

192.     O Tribunal julga improcedente esta questão, com os fundamentos que constam do seu despacho antes transcrito (em I, n.º 11) e porque dos documentos juntos aos autos resulta que a resposta da AT foi apresentada dentro do prazo fixado nesse despacho.

 

 III.       OBJECTO DO LITÍGIO

 

193.     O thema decidendum principal dos presentes autos consiste em averiguar se a Requerente no relacionamento comercial com a empresa C.., com sede na Irlanda, (sendo ambas as empresas pertencentes ao Grupo E…) preenche os requisitos previstos na lei para aplicação da CGAA, nos termos do art.º 38º, n.º 2 da LGT.

194.     O Tribunal deverá  também apreciar a quantificação das correcções  tributárias feitas pela AT.

195.     O Tribunal deverá, ainda, apreciar a legalidade de juros compensatórios pedidos pela Requerida, bem como de indeminização compensatória pedida pela Requerente derivada das garantias bancárias prestadas.

196.     Finalmente dever-se-á pronunciar sobre a alegada litigância de má-fé processual, invocada pela Requerente.

 

 IV.       FACTOS PROVADOS

 

197.     Com interesse para a questão a decidir, o Tribunal considera provados os seguintes factos:

                                i.            Em 1981 foi fundada nos Estados Unidos da América (EUA), a O…, posteriormente renomeada para D… (D…);

                                    ii.      Em 1990 foi fundada a L… (L…);

                                  iii.      Em 1995, foi fundada a A…, ora Requerente;

                                  iv.       No ano 2000 surge a P…;

                                     v.     Em 2001 foi fundada a M… (M…);

                                  vi.      Em 2003 foram fundadas a Q… e a R…;

                                vii.      O Grupo E… integrava 12 entidades desde pelo menos 2009, possuindo no topo como sociedade-mãe a G…, Ltd, empresa registada no Luxemburgo;

                             viii.      A A… Portugal é detida indirectamente pela sociedade-mãe (em 36,5%) e pela H…, empresa registada no Estado da Califórnia, nos EUA (em 53,5%), em virtude de serem estas sociedades as detentoras da totalidade do capital da F…, Lda, (nas referidas percentagens), que detém a 100% o capital da A…, SA;

                                  ix.      A sociedade-mãe detém directamente a totalidade do capital social das sociedades portuguesas S…, SA, e T…, SGPS, Lda, e ainda da sociedade registada na Irlanda C…, e da sociedade P…, SA;

                                     x.     A T…, Lda é detentora de 100% do capital das sociedades portuguesas O…, Lda, e U…, Lda;

                                  xi.      Na base do Grupo E…, encontram-se a R…, SARL e a Q…, SL, ambas detidas na íntegra pela sociedade portuguesa O…, Lda;

                                xii.      Encontram-se registadas em Portugal seis sociedades do Grupo E…: a A… SA (com sede na Rua …, …, em…), a S… SA (com sede na Av..., …, Cascais), a F…, Lda (com sede na Av…, …, Cascais), a T…, Lda (com sede na Av…, …, Cascais), a O…, Lda (com sede na Rua…, …, em …) e a U…, Lda, (com sede na Rua …, …, em…);

                             xiii.      Os responsáveis das empresas identificadas no número anterior são comuns entre si e o TOC de todas é o mesmo;

                              xiv.     A Requerente integra um grupo de empresas a nível mundial, que operam no sector dos vedantes para a indústria do vinho, sendo a Requerente que controla todas as operações verticalmente integradas do processo produtivo;

                                xv.      A Requerente dirige os seus esforços de comercialização sobretudo para o mercado estrangeiro, tanto dentro da União Europeia como no resto do Mundo;

                              xvi.     A C… opera como um distribuidor exclusivo dos produtos da Requerente para os mercados dos EUA, Austrália e África do Sul;

                            xvii.       A C… ao actuar intra Grupo E…, funciona como uma plataforma comercial entre a Requerente e a D…, L… e M…;

                         xviii.      Nos anos de 2011 e 2012 a C… vendeu produto adquirido à empresa espanhola Industrias B… S.A;

                              xix.     As vendas referidas no número anterior não foram consideradas pela AT para efeitos de cálculo da matéria colectável;

                                xx.      Os produtos fabricados pela Requerente são vendidos às suas congéneres dos EUA (D…), da Austrália (L…) e da África do SUL (M…), mas facturados à C…, sendo que, nas facturas emitidas pela Requerente, esta consta como cliente e aquelas como destinatárias;

                              xxi.     Nas ordens de compra exibidas pela Requerente não consta a assinatura de qualquer responsável ou funcionário da C…;

                            xxii.      A substância das operações efectuadas entre a Requerente e a C… é assumida pela Requerente, cabendo-lhe desenvolver grande parte do processo produtivo, efectuar controlos, embalar e preparar o produto para exportação, realizar as formalidades da exportação do produto acabado, responsabilizar-se e responder pelo cumprimento dos padrões de qualidade;

                         xxiii.      Nas ordens de compra exibidas pela Requerente não consta qualquer assinatura de qualquer responsável ou funcionário da C…;

                          xxiv.      As operações declaradas entre a Requerente e a sociedade irlandesa C… não possuem substância económica nem justificação comercial;

                            xxv.      Os produtos são expedidos a partir das instalações da Requerente em … directamente tanto para os mercados europeu e da América do Sul, como para os mercados dos EUA, Austrália e África do Sul, com a única diferença de que nos primeiros mercados (Europa e América do Sul) os produtos são facturados aos respectivos clientes/destinatários e nos segundos mercados (EUA, Austrália e África do Sul) os produtos são facturados à C…, sendo a D…, a L… e a M… os destinatários;

                          xxvi.      Quando o transporte é efectuado por via marítima, no sea waybill quem figura como shipper/exporter é a requerente e como consignee é a D…, a L… ou a M…, saindo as mercadorias do porto de Leixões e sendo entregues no porto de Oakland para os Estados Unidos, em Adelaide para a Austrália e em Cape Town para a África do Sul;

                        xxvii.     No DU acontece o mesmo: a Requrente figura como exportador e a D…, a M… ou a L… como destinatários;

                     xxviii.      Quando o transporte é efectuado por via aérea, no air waybill quem figura como expedidor é a Requerente e como consignatário é sempre a D…, L… ou M… .

                          xxix.      As despesas de transporte são suportadas pela Requerente (tal como indicado nas facturas, o método de envio das mercadorias é CIF (cost, insurance and freight) ou CFR (cost and freight);

                            xxx.      De igual modo as despesas com os despachos alfandegários são também suportadas pela Requerente;

                          xxxi.      Estas operações estão isentas de IVA, por configurarem saída de bens do território aduaneiro da União Europeia com destino a países terceiros, de acordo com o estipulado na alínea a) do nº. 1 do artigo 14º do CIVA, não obstante serem facturadas a um adquirente estabelecido num Estado-Membro da União Europeia neste caso a Irlanda;

                        xxxii.     As únicas referências à C… que se encontram na documentação contabilística que suporta as vendas efectuadas são a sua indicação como cliente na factura e, por vezes, a sua identificação como ordenante das transferências bancárias recebidas.

                     xxxiii.      A Irlanda constitui uma jurisdição fiscalmente atractiva por possuir, designadamente, uma baixa taxa de imposto sobre o rendimento das sociedades, de 12,5%, aplicável genericamente aos lucros resultantes de actividades comerciais e industriais;

                      xxxiv.      Embora a Requerente não tenha relações comerciais directas com as suas congéres D…, L…e M…, debitou-lhes mensalmente despesas de gestão, de investigação e de desenvolvimento e, ainda, despesas de controlo de qualidade; e a D… e a L…; esporadicamente debita despesas de viagens com administradores da empresa;

                        xxxv.      A D… debita também mensalmente à Requerente despesas de marketing, telefone, alojamento e design da página na internet, viagens aos EUA, publicidade e utilização da marca e ainda despesas relativas a cartas de conforto e avales bancários concedidos por esta empresa do Grupo à E…;

                      xxxvi.      De igual modo a L… debita mensalmente à Requerente despesas administrativas, de entretenimento, viagens, telefones e encargos com viaturas;

                   xxxvii.      Foram recebidas várias transferências ordenadas directamente pela L… que foram contabilizadas como recebimentos do cliente C…, sendo que nestes casos quem está a pagar as mercadorias é o seu destinatário e não quem figura como cliente, que é a C…;

                 xxxviii.     A C… possui apenas uma funcionária, X…;

                      xxxix.      X… exerce também a função de administradora desde 2008/11/06, conjuntamente com EE…, também administrador da Requerente e, desde 2009/03/26, também com I… (presidente do Conselho de Administração da E… com domicílio fiscal em Cascais, Portugal);

                                  xl.      X… constava até 2012/11/17 no cadastro da AT como residente em Portugal, possuindo domicílio fiscal em …, sendo a proprietária do imóvel e tendo contraído um crédito à habitação para aquisição desse imóvel em 1999, que foi declarado como habitação própria permanente;

                                xli.      Nas demonstrações financeiras da C… encontram-se registados rendimentos pagos a X… no ano de 2010 e seguintes.

                             xlii.      Simultaneamente verificou-se que esta auferiu em Portugal no mesmo ano, rendimentos da categoria A pagos pela sociedade do S…, única entidade que tem vindo a pagar-lhe rendimentos desde 2001;

                           xliii.      X… foi notificada para se pronunciar sobre este assunto em 2012 e alegou ser residente na República da Irlanda desde 2009 e trabalhar na C… como directora residente;

                            xliv.      X… , no entanto, alterou apenas na altura em que foi ouvida (Novembro de 2012) o seu domicílio fiscal para a Irlanda;

                              xlv.     A C… não possui instalações próprias, pois as instalações existentes na sua morada, situadas em …, nº…, em Dublin, correspondem a um escritório virtual, serviço comercializado pela empresa FF… que consiste na recepção de correspondência e chamadas telefónicas associada a uma morada à escolha, prestado a clientes localizados em qualquer parte do mundo e que apenas pretendem sedear formalmente nesse local a sua empresa, e não efectivamente exercer aí qualquer actividade;

                            xlvi.      A Requerente recebeu ordens de pagamento em nome da C… que respeitam a facturas destinadas à M… e indicam no respectivo detalhe o número das correspondentes facturas emitidas pela C… à M…;

                         xlvii.      Foram recebidas várias transferências ordenadas directamente pela L… que foram contabilizadas como recebimentos do cliente C…, mas, nestes casos, quem está a pagar as mercadorias é o seu destinatário efectivo e não a entidade que figura nas facturas como cliente;

                       xlviii.      Existe uma relação directa e inequívoca entre a facturação A…-C…, -D…, tendo a D… confirmado ter recebido as remessas de mercadorias da A…, facturadas à C…, constatando-se que existem sempre duas facturas emitidas para cada transacção efectiva de bens ocorrida: as datas das facturas, as mercadorias, as referências e quantidades são exactamente as mesmas, variando apenas o preço;

                            xlix.      Os pagamentos efectuados ao contribuinte pela C… são ordenados a partir dos EUA e provêem de uma conta bancária aberta em nome dessa empresa no mesmo banco americano com que a D… trabalha, tendo esta inclusive fornecido comprovativos dos mesmos, a que obviamente apenas ela tem acesso;

                                      l.      As operações realizadas entre a Requerente e a C… traduziram-se num volume de rolhas de 13.045.354,02€ em 2011 e 12.014.581,97€ em 2012 (já rectificado com os fretes, devoluções e descontos, sendo o valor final o da facturação de rolhas e derivados;

                                    li.      Do volume total de facturação da Requerente para a C…, na Irlanda, no exercício de 2011, € 13.202,012,02 dizem respeito a mercadoria posteriormente facturada à D…, pelo valor de € 14.974.821,03;

                                  lii.      A diferença entre €14.974.821,03 e €13.202,012,02 no montante de €1.772.807,01, corresponde à matéria colectável IRC;

                               liii.      Do volume total de facturação da Requerente para a C…, na Irlanda, no exercício de 2012, €11.603,227,30 dizem respeito a mercadoria posteriormente facturada à D…, pelo valor de € 13.139.991,06;

                                liv.      A diferença entre €13.139.991,06 e €11.603,227,30, no montante de € 1.536.763,76, acrescida do valor da matéria colectável da liquidação anterior no montante de €4.620,79, corresponde à matéria colectável do IRC constante da “Demonstração da liquidação do IRC € 1,541.384,55;

                                  lv.      A Requerente foi inspeccionada em Dezembro de 2013 relativamente ao ano de 2009, tendo sido emitida liquidação, fundada no art.º 20º do CIRC, por referência à relação comercial existente entre a Requerente e a C… que foi objecto de impugnação arbitral pela Requerente, junto do Centro de Arbitragem Administrativa sob o n.º 367/2014-T;

                                lvi.       A impugnação arbitral acima referida foi julgada procedente por decisão do Tribunal Arbitral de 24 de Novembro de 2014;

                             lvii.       A Administração Tributária apresentou impugnação da decisão arbitral de 24 de Novembro de 2014 junto do Tribunal Central Administrativo Sul;

                           lviii.      A Requerente foi inspeccionada, relativamente ao ano de 2010, em 2014 e 2015, tendo sido também emitida liquidação, mas fundada no regime de preços de transferência previsto no artigo 63.º do CIRC;

                                lix.      A liquidação foi objecto de impugnação arbitral pela Requerente, instaurada junto do Centro de Arbitragem Administrativa sob o n.º 609/2015-T, que foi julgada improcedente a 2 de Maio de 2016, tendo já transitado em julgado;

                                  lx.      Em 2015 a Requerente foi objecto de acção de inspecção tributária interna relativa aos anos de 2011 e 2012, levada a cabo pela Direcção de Finanças de …;

                                lxi.       Para efeitos de correcção da matéria tributável a Requerida considerou as vendas efectuadas pela Requerente para a C… e as revendas correspondentes efectuadas desta para a D… (D…), analisadas factura a factura conforme informação recebida das autoridades fiscais norte americanas;

                             lxii.      Para o cálculo das correcções a AT não considerou as vendas feitas pela C… de produtos adquiridos à empresa espanhola B… SA;

                           lxiii.      As vendas tomadas em consideração efectuadas pela Requerente para a C… ascendem a 13.202.012,02 € em 2011 e a 11.603.227,30 € em 2012, pelo que ascende a cerca de 40% da totalidade do volume de negócios da Requerente;

                            lxiv.      As inspecções relativas aos exercícios de 2009 e 2010 foram indicadas como «motivo do procedimento de inspecção» relativo aos exercícios de 2011 e 2012;

                              lxv.     No Relatório da Inspecção Tributária relativo aos exercícios de 2011 e 2012, constam, com fundamento na aplicação da CGAA, prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT correcções ao lucro tributável da Requerente: que conduziram à liquidação no exercício de 2011, no montante de EUR 455.022,99, dos quais EUR 55.091,87 a título de juros compensatórios, com termo do prazo de pagamento voluntário a 11 de Janeiro de 2016 e, no exercício de 2012, no montante de EUR 381.131,29, dos quais EUR 33.939,21 a título de juros compensatórios, com termo do prazo de pagamento voluntário a 13 de Janeiro de 2016;

                            lxvi.      Em concretização das correcções determinadas no Relatório Final da Inspecção Tributária, a Administração Tributária procedeu à emissão das liquidações de IRC n.º 2015 … e n.º 2015 …, ambas de 12 de Novembro de 2015;

                         lxvii.      A Requerente não efectuou o pagamento voluntário das liquidações, tendo em consequência sido instaurados os processos de execução fiscal n.º …2016…, tendente à cobrança coerciva da dívida tributária relativa ao IRC 2011, e n.º …2016…, tendente à cobrança coerciva da dívida tributária relativa ao IRC 2012;

                       lxviii.      A 2 de Março de 2016, a Requerente prestou a garantia bancária n.º…, emitida pelo J…, S.A., a 8 de Fevereiro de 2016, no montante de EUR 576.354,86, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal relativo ao IRC 2011;

                            lxix.      A 4 de Março de 2016, a Requerente prestou a garantia bancária n.º…, emitida pelo K…, S.A., a 3 de Março de 2016, no montante de EUR 482.860,96, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal relativo ao IRC 2012;

                              lxx.     O retardamento do pagamento do imposto devido pela Requerente deve-se ao comportamento desta antes descrito.

 

    V.       FACTOS NÃO PROVADOS

 

198.     O Tribunal considera que não resulta provado dos autos:

                                i.            A existência de qualquer justificação económica ou comercial para a intervenção da C… nas vendas dos productos da Requerente, que são expedidos directamente por ela própria para os respectivos destinatários;

                             ii.            Que a intervenção da empresa irlandesa faça acrescer qualquer valor às mercadorias mencionadas no número anterior;

                           iii.            Que a C… tenha tido qualquer intervenção em termos de operações de logística no fornecimento e deslocação da mercadoria desde Portugal até ao destino final;

                            iv.            A existência de erro na quantificação da matéria colectável;

                              v.            Que X…, alegada administradora e funcionária da C… tinha residencia efectiva na Irlanda à data dos factos; e

                            vi.            Que eventuais lucros da C… provenientes da venda de produtos adquiridos à Requerente geram na esfera desta, directa ou indirectamente, qualquer vantagem patrimonial.

 

 

 VI.        DECISÃO

 

  1. Quanto às questões prévias

- Sobre a questão prévia suscitada pela Requerida

199.     O Tribunal considera inquestionável que o prazo, no caso das notificações electrónicas feitas via CTT, é contado a partir da data de acesso do contribuinte à sua caixa electrónica e que esta contagem é contínua.

200.     Porém, no caso presente em que a Requerente foi notificada de dois actos, da demonstração da liquidação e do prazo para pagamento voluntário das prestações, importa determinar qual destes actos marca efectivamente o início da contagem do prazo.

201.     A Requerente defende que o seu prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral se conta a partir do termo do prazo que teve para efectuar o pagamento voluntário das prestações que a Requerida considera que ela deve, conforme o disposto na alínea a) do n.º 1 do CPPT.

202.     Como é óbvio, como corolário do princípio da segurança jurídica do contribuinte, na definição dos actos a partir dos quais se contam os prazos de impugnação, terá de prevalecer o critério do último acto, ou seja, daquele que a entidade emitente considera perfeito e como tal é notificado ao contribuinte.

203.     Não se compreende, e atenta contra a confiança jurídica que o contribuinte tem de depositar nas autoridades fiscais, que estas notifiquem um acto que elas próprias se encontram ainda a aperfeiçoar e que entendam que é desde a data da sua notificação e não da data em que é notificado o acto perfeito que se conta a data para impugnação.

204.     Quer o art.º 102º do CPPT, quer o art.10º do RJAT, são bem claros na definição dos actos que marcam o início da contagem do prazo de impugnação e de pedido de pronúncia arbitral, estando definido em ambos, logo como primeiro acto, o termo para pagamento voluntário das prestações, por ser este precisamente o último dos actos praticados pelas autoridades fiscais nos procedimentos cujo objecto seja o apuramento de prestações devidas 

205.     O entendimento defendido pela AT não tem apoio legal e acolhê-lo equivaleria à construção pelo aplicador da lei de normas específicas, mas não consagradas na lei, resultantes da junção de dois regimes distintos, recolhendo de cada um deles, para benefício próprio, o melhor que defendesse a sua posição.

206.     Constituiria, sem dúvida, uma forma encapotada de retirar garantias aos impugnantes, que desse modo não disporiam do prazo integral, situação atentatória das garantias fundamentais de defesa que gozam de protecção constitucional.

207.     O Tribunal conclui, assim, pela improcedência da questão prévia suscitada pela Requerida.

 

 - Sobre a questão prévia suscitada pela Requerente

208.    O Tribunal já se pronunciou anteriormente, (conforme ponto II. B) considerando também, improcedente a questão da intempestividade da resposta.

 

  1. Quanto ao mérito

 

               i.     Quanto à aplicação da CGAA:

 

209.     Analisada a prova feita pela Requerente e pela AT nos autos, o Tribunal considera que o relacionamento negocial da Requerente com a empresa com sede na Irlanda, a C…, nos negócios objecto do procedimento inspectivo carece de racionalidade económica, em virtude de a intervenção desta entre a Requerente e os destinatários finais dos produtos que a Requerente lhe vende (e que esta envia directamente para esses mesmos destinatários) não introduzir qualquer mais-valia nos produtos e nem se consubstanciar em qualquer operação de logística, como é alegado pela Requerente.

210.     A Requerente, não obstante ter invocado que a sociedade irlandesa executa a logística em benefício dos destinatários dos meios e tempos de transporte quando o mesmo é feito via marítima, não logrou demonstrar ser a referida actividade realizada por essa sociedade, nem lhe atribuiu um valor, ou seja, nomeadamente, em que termos e em que quantidade é que a alegada logística contribuiu para o cálculo do custo final dos produtos exportados.

211.     Pelo contrário, está provado nos autos um facto que se opõe a essa sua alegação, que é o de que a C… não possuir instalações próprias e apenas ter uma funcionária que é simultaneamente administradora.

212.     Acresce que a referida funcionária é portuguesa e aqui teve em Portugal o seu domicílio fiscal até 2012 só o tendo mudado para a Irlanda nesse ano, que coincidiu com a data da notificação da referida administradora para se pronunciar junto das autoridades fiscais nacionais.

213.     Como afirma a AT na pagina 53 do Relatório de Inspecção, ao sintetizar a situação ora em apreço, foi criado um circuito documental dos bens para a Irlanda, desacompanhado do seu transporte, consistindo num instrumento utilizado para o desenrolar e demonstração documental do esquema fraudulento detetado, e no abuso de forma jurídica, com o fim de colocar na Irlanda grande parte do lucro gerado pela atividade, que sem este artifício seria tributado a uma taxa superior (em Portugal à taxa de 25% acrescido da derrama municipal.

214.     A AT logrou provar que a razão justificativa da venda pela Requerente dos seus produtos à C… é de natureza económica e tem como único ou principal escopo a tributação das operações por uma taxa mais atractiva. Por outras palavras, o Tribunal considera que a Requerente promoveu um planeamento fiscal abusivo.

215.     Como defendeu Saldanha Sanches, acerca das razões económicas na óptica do Direito Tributário (in “Os Limites do Planeamento Fiscal”, Coimbra Editora, 2006) páginas 58): A “perspectiva económica” constitui um limite justributário ao princípio da autonomia privada do sujeito jurídico, mas com um objectivo menos ambicioso do que aquele que é visado pelo instituto da fraude à lei no direito Civil. Segue-se, assim, uma via que só poderia ser justificada pela aceitação de um irredutível particularismo ou especificidade do Direito Fiscal, o que implicaria a impossibilidade de trazer para o seu campo à fraude à lei como instituto geral da ordem jurídica. O conceito de “perspectiva económica” exprime, pois, a especificidade do ordenamento jurídico tributário no combate à tendência do sujeito passivo para reduzir, sem violar frontalmente a lei, o seu grau de oneração fiscal. E a páginas 62, explicita este autor que “A perspectiva económica usada como instrumento da aplicação da lei fiscal e como cânone para a sua interpretação serve-nos, assim, para que levemos em conta que o contribuinte – agindo como um “homo economicus” que procura maximizar os seus proveitos – vai estar permanentemente atento às consequências fiscais e económicas dos seus negócios e fazer as suas escolhas depois desta avaliação.

216.     E conclui mais adiante com a seguinte afirmação: Podemos, por isso, concluir que a referência à perspectiva económica ou aos efeitos económicos tem sentido apenas para sublinhar o facto de estarmos perante escolhas – maximização de receitas, redução dos custos – que caracterizam a actividade económica e que, nalguns casos, poderão ser abusivas. Ou, noutros termos, que o sujeito passivo da obrigação tributária procede a uma cuidadosa ponderação do valor patrimonial dos efeitos que pode obter e que faz as suas escolhas em função desses mesmos valores patrimoniais, e que isso tem de ser considerado no processo de aplicação da lei fiscal.”

217.     Esta perspectiva económica encontra-se bem analisada e provada, documentalmente, pela AT no Relatório de Inspecção que realizou à Requerente.

218.     Para além da síntese cima transcrita, a fls. 39 do referido Relatório, sob a epígrafe “Negócios ou atos de idêntico fim económico” afirma-se o seguinte:

Podemos falar então, que estamos na presença de uma estrutura, enquanto conjunto de atos ou negócios sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário (encadeados), com vista a atingir o objetivo fiscal visado, assegurando ainda o efeito económico pretendido, a tributação dos rendimentos a taxas inferiores às devidas.

De igual modo, verificamos que a estruturação do negócio, para além de dirigido à obtenção da referida vantagem fiscal, foi ainda e simultaneamente, dotado de uma forma anómala e artificiosa, em consideração dos fins económicos visados pelo contribuinte, não obstante, os atos e negócios jurídicos que compõem esta estrutura sejam, em si mesmos, válidos e lícitos, e que corresponderam à efetiva vontade do sujeito passivo, e que consistem num conjunto de operações de venda para uma empresa (C…) sedeada num país com taxas fiscais sobre o rendimento significativamente inferiores (Irlanda à taxa de 12,5%), com o fim de aí colocar grande parte do lucro gerado pela atividade, que sem este artifício seria tributado a uma taxa superior (em Portugal à taxa de 25%). Na verdade, a C… emite faturas de venda nas mesmas quantidades e com valores superiores, à D…, L… e M… . Desta forma, grande fatia do lucro é imputado à C…, sedeada num país com taxas de imposto sobre o rendimento significativamente inferiores.

219.     A Requerente, por seu turno, como já afirmou o Tribunal, não logrou apresentar a prova susceptível de colocar em causa a prova que foi carreada para os autos pela AT.

220.     Com efeito, nem com o pedido inicial, nem com as alegações,nem com os requerimentos posteriores que juntou aos autos a Requerente apresentou prova que pusesse em causa a prova documental apresentada pela Autoridade Tributária.

221.     Assim, no último requerimento apresentado pela Requerente em que exerce o contraditório relativamente à resposta apresentada pela AT aos despachos deste Tribunal de 28 de Março e de 8 de Abril de 2017, esta limita-se a alegar a inexistência de fundamentação para a elaboração pela AT da listagem de vendas que a C… fez, nos anos de 2011 e 2012, à D… de produtos que adquirira à Requerente, sendo que a referida listagem foi feita a partir da informação obtida pela AT das autoridades tributárias norte americanas.

222.     A Requerente, neste último requerimento, junta cópia destes documentos recebidos dos EUA (mas que já estavam nos autos como anexo XVI ao Relatório inspectivo), com o intuito de demonstrar que, parte dos mesmos são ilegíveis. Porém, a respectiva análise demonstra que embora alguns apresentem nalgumas (poucas) linhas uma impressão menos precisa, o certo é que em todos eles as somas totais das vendas são bem legíveis, não tendo conseguido a Requerente provar a sua falsidade.

223.     Por estas razões, entende este Tribunal que a Autoridade Tributária deu cumprimento  ao que sobre o ónus da prova dispõe o art.º 74º da LGT, o mesmo não tendo sucedido com a Requerente.

224.     Como afirmam, ainda, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (in “Lei Geral Tributária Anotada e Comentada”, 4ª edição, 2012 na anotação n.º 4 a esse mesmo artigo 74º), é corolário da regra de que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, que será sobre aquele contra quem são invocados aqueles factos que recai o ónus da prova dos factos impeditivos, modificativos e extintivos dos direitos invocados, o que está em sintonia com a regra do n.º 2 do art.342º do CC.

225.     Nos presentes autos a AT aplicou ao comportamento da Requerente o normativo consagrado no n.º 2 do art.º 38º da Lei Geral Tributária, correntemente chamada como Cláusula Geral Anti-Abuso (CGAA), cuja previsão carece da verificação de quatro elementos, a saber: o elemento meio; o elemento resultado, o elemento intelectual e o elemento normativo. Como estabeleceu  o Tribunal Central Administrativo do Sul, em acórdão de 15 de Fevereiro de 2011, no âmbito do processo n.º 04255/10, XIII) (que foi o primeiro acórdão que se pronunciou sobre a aplicação da CGAA, vários anos após a introdução desta no ordenamento jurídico nacional) :O art°.38, n°.2, da L. G. Tributária, na redacção resultante da lei 30-G/2000, de 29/12 (cfr.art°.12, do C.Civil), ao estatuir que "são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas", em tal previsão consagra quatro pressupostos da sua aplicação, os quais são: 1-O elemento meio - o qual tem a ver com a forma utilizada, portanto, com a prática de certos actos ou negócios dirigidos, essencial ou principalmente, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos; 2-O elemento resultado - o qual visa a vantagem fiscal como fim da actividade do contribuinte, portanto, a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos; 3-O elemento intelectual - o qual tem a ver com a motivação fiscal do contribuinte, portanto, com o facto dos actos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal; 4-Elemento normativo - o qual tem a ver com a reprovação normativo -sistemática da vantagem obtida, portanto, o contribuinte actua com manifesto abuso das formas jurídicas (cfr.art°.63.º n.°,2, do C.P.P. Tributário).

226.     No mesmo sentido, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (in “Lei Geral Tributária Anotada e Comentada”, 4ª edição, 2012)., na anotação n.º 10 ao art.º 38, páginas 308/9 afirmam que: “Não se trata de actos, contratos ou negócios jurídicos nulos ou anuláveis. São “simplesmente” ineficazes no plano fiscal: o contribuinte celebrou-os licitamente, no exercício da sua autonomia privada, ao abrigo de princípios constitucionais que a garantem; tendo celebrado actos ou negócios que, sob o ponto de vista do Direito, são perfeitamente válidos. Válidos também na perspectiva de Direito fiscal que é nesta matéria, como em todas as outras, um simples direito de sobreposição, aceitando e reconhecendo a realidade jurídica pré-existente, nomeadamente a realidade de Direito privado.”

227.     Contudo, existe aqui uma limitação (fiscal) externa à liberdade contratual que se traduz em estes negócios, validamente celebrados, não produzirem efeitos no campo do Direito fiscal.

E mais adiante, na página 310, continuam, no sentido de que o abuso de formas jurídicas no sistema português obedece a interesses semelhantes aos que estão na base dos negócios indirectos.

228.     Para que se confirme o abuso de formas jurídicas é exigido:

                                i.            Que tenham sido escolhidas formas ou negócios insólitos, inadequados para os fins a que se destinam os factos ou negocios, visando iludir o sistema tributário;

                             ii.            Que as partes alcancem substancialmente, do ponto de vista económico, o mesmo resultado que teriam obtido caso houvessem adoptado a forma jurídica correspondente às normais relações económicas;

                           iii.            Que as desvantagens jurídicas da forma adoptada não tenham qualquer importância, ou tenham apenas uma importância diminuta.

229.     Os factos provados nos presentes autos são demonstrativos de que as vendas dos produtos que a Requerente fez à  C…, nos anos de 2011 e 2012, e as revendas que esta fez de imediato desses produtos  à D…, mas que foram enviados, directamente, pela Requerente para os Estados Unidos da América, preenchem todos os requisitos apontados no parágrafo anterior, pois não tendo a venda do produto à sociedade irlandesa (que nenhum valor lhe acrescenta) razão económica válida, consubstancia um negócio abusivo cujo único ou principal intento é o de tornear a lei fiscal.

230.     Este mesmo negócio jurídico preenche também os requisitos exigidos para que lhe possa ser aplicada a Cláusula Geral Anti-Abuso, identificados supra no aresto do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 15 de Fevereiro de 2011, acima melhor identificado.

231.     Assim, o meio foram as vendas, o resultado foi a diminuição de impostos; o elemento intectual, a razão justificativa dessas vendas, que visou unicamente alcançar a aludida diminuição da matéria tributável e o elemento normativo, que é a previsão do comportamento num normativo legal, no caso o n.º 2 do art.º 38º da LGT, que consagra a Cláusula Geral Anti-Abuso.

232.     Nos presentes autos a Requerente não provou a razão económica justificativa da participação da sociedade irlandesa no seu sistema de exportação, do mesmo modo que também não o havia conseguido provar nos autos em que a ora Requerente foi também Requerente, relativos à impugnação de correcção aritmética à liquidação de IRC referente ao ano de 2010 (que correu por este CAAD, com o n.º 609/2015-T). Na decisão desse processo pode ler-se que o Tribunal Arbitral considerou que “Essa análise permite-nos constatar que, no caso e à luz da prova produzida nos autos, a substância da operação é assumida pela Requerente, cabendo-lhe desenvolver grande parte do processo produtivo, efetuar controlos, embalar e preparar o produto para exportação (já que o circuito físico da mercadoria não acompanha o circuito económico da operação), realizar as formalidades da exportação do produto acabado, responsabilizar-se e responder pelo cumprimento dos padrões de qualidade que lhe são impostos. Factos, de resto não controvertidos e reconhecidos pela Requerente, v.g. nos diversos artigos da sua petição inicial e das suas alegações finais”.

233.     Dito de outro modo, o resultado económico das exportações efectuadas pela Requerente seria o mesmo sem a intervenção da sociedade irlandesa, com a diferença de que seriam actos tributados em Portugal, país onde vigoram impostos superiores ao vigentes na Irlanda.

234.     A Requerente alegou ainda que a C…, nos anos de 2011 e 2012, vendeu mercadoria que fora adquirida a uma empresa espanhola, a B… S.A., circunstância que, segundo a Requerente, demonstraria a existência efectiva da empresa irlandesa, que não limitaria a sua actividade à revenda de produto comprado à Requerente. Porém, embora esse facto haja sido provado documentalmente, o Tribunal reputa-o irrelevante para o caso em apreço e insusceptível de retirar o carácter instrumental existente no relacionamento entre a Requerente e a C… no que às vendas em apreciação nos presentes lhe fez.

235.     Com efeito, o simples facto de a empresa irlandesa revender produto comprado a outra entidade, no caso de nacionalidade espanhola, em nada altera a convicção do Tribunal, derivada de toda a prova carreada para os autos, de que a intervenção da C… no processo de distribuição dos produtos da Requerente é desprovida de significado económico.

236.     A sociedade irlandesa pode negociar com outras entidades por várias razões, nomeadamente para justificar a sua existência ou para servir de instrumento jurídico do modo que serve à Requerente, que tal não interfere com a realidade dos negócios que fez com a Requerente. O Tribunal considera que entre a Requerente e a sua “cliente” irlandesa não existe uma relação comercial economicamente racional, mas uma relação instrumental, servindo-se a Requerente da C… para que esta lhe “adquira” produtos, não de forma física, mas meramente documental, que esta revende de imediato também de forma, meramente, documental, com o intuito de fazer as operações realizadas, com aproveitamento do ordenamento jurídico nacional e comunitário, serem tributadas não em Portugal, mas na Irlanda, onde as taxas fiscais são bastante mais atractivas.

237.     Existe, assim, uma motivação fiscal preponderante, consubstanciada através das formas jurídicas adoptadas, que fez prevalecer a finalidade fiscal do negócio sobre a finalidade não fiscal.

238.     Com efeito, a Requerente não conseguiu carrear prova suficiente e adequada para demonstrar a finalidade comercial da intermediação da empresa irlandesa.

239.     A Requerente não logrou apresentar justificação plausível para o facto de se sustentar com margens operacionais de 3,61% e 3,99% em 2011 e em 2012, enquanto a empresa irlandesa, sem gerar qualquer valor acrescentado e não possuindo qualquer estrutura empresarial, recolha margens operacionais de 13,4% e 13,3%, em 2011 e em 2012.

240.     Como refere Lopes Courinha: “A prova da motivação fiscal nestas Cláusulas Gerais é feita, como vimos, com recurso a factos ou elementos de prova que permitam ao intérprete (v.g. julgador) extrair, com razoável segurança e segundo critérios de razoabilidade e normalidade, a conclusão de que o contribuinte atribuiu às formas adoptadas um preponderante fim fiscal. (…)Os dados objectivos recolhidos e presentes ao intérprete devem pois permitir-lhe retirar, de modo directo ou se necessário por recurso a ilações ou presunções judiciais, a conclusão sobre a verificação ou não do elemento motivacional, ainda que com possibilidade, sempre salvaguardada, de demonstração pelo contribuinte da existência de uma decisiva motivação não fiscal no quadro do ato ou negócio.”

241.     A Requerente praticou actos que, como já adiantámos, devem ser considerados, fiscalmente, abusivos. Como concluiu o Tribunal Central Administrativo do Sul, no acórdão de 15 de fevereiro de 2011, no âmbito do já citado processo n.º 04255/10, IV- A evasão ou elisão fiscal dá-se pela prática de actos ou negócios lícitos mas que a lei fiscal qualifica como não sendo conformes com a substância da realidade económica que lhe está subjacente, assim devendo qualificar-se como anómalos, anormais ou abusivos, sendo também caracterizados como comportamentos "extra legem", em contraposição com a via da fraude fiscal, caracterizada como "contra legem" e dos comportamentos tributários evasivos resulta um sério entrave à concorrência empresarial, uma notória erosão das receitas fiscais, a distorção do princípio da equidade e um claro menosprezo do cumprimento das regras de cidadania, situações que se fundam em causas de carácter político, económico, psicológico e técnico. E as formas utilizadas giram em torno de actos e contratos atípicos ou anormais visando tornear a lei (vg. utilização do regime especial de tributação dos grupos de sociedades - art°.63 e seg. do C.I.R.C. - através da produção de menos-valias ou da utilização de benefícios fiscais através da transmissão de prejuízos) ou interpretando-a com fins diversos daqueles que o legislador tinha em mente, designadamente aproveitando-se da existência de jurisdições fiscais diferentes para escolher, apenas por motivações de diminuição do imposto a pagar, a localização mais favorável para a residência de pessoas singulares ou colectivas ou para nelas instalar "estruturas" que não desempenham outra função que não seja permitirem essa diminuição.

242.     A Requerente assumiu, assim, um planeamento fiscal abusivo, embora, civilmente, lícito.

243.     Para ilustração do conceito de abuso que vai sendo aceite nos dias que correm, socorremo-nos de MARTA CALDAS (in “O Conceito de Planeamento Fiscal Agressivo: Novos Limites ao Planeamento Fiscal?” páginass 34 a 36), ao dizer: Assim, e num mundo cada vez globalizado, em que se assiste a um contínuo desenvolvimento das relações económicas, à eliminação progressiva dos obstáculos à livre circulação de pessoas e capitais, a uma maior rapidez e facilidade das comunicações, os diferentes regimes fiscais propiciam um ambiente favorável a uma maior “sofisticação e agressividade da parte do contribuinte e seus consultores a desenvolverem técnicas legais e ilegais de tirar proveito das fraquezas dos sistemas fiscais nacionais”

244.     Neste cenário e no âmbito das Nações Unidas, o Comité de Peritos em Cooperação Internacional em Matéria Fiscal acorda na seguinte definição de abuso (tax avoidance): “Tax avoidance is not tax evasion. Tax avoidance, in contrast, involves the attempt to reduce the amount of taxes otherwise owed by employing legal means. Tax avoidance occurs when persons arrange their affairs in such a way as to take advantage of weaknesses or ambiguities in the tax law. Although the means employed are legal and not fraudulent, the results are considered improper or abusive. Acrescentando ainda este Comité de Peritos, uma referência à definição de tax avoidance por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia, “The European Court of Justice (ECJ) defined tax avoidance as “artificial arrangements aimed at circumventing tax law.

245.     Têm-se assim, que, em primeiro lugar o abuso surge em contraposição a comportamentos ilegais, traduzindo-se no aproveitamento das ambiguidades legais por parte do contribuinte que “organiza as suas atividades”, - feita a referência à definição do TJUE dir-se-á que esta “organização” é feita de forma artificial -, de maneira a obter uma vantagem fiscal que é tida por imprópria ou abusiva.

246.     O Comité de Peritos em Cooperação Internacional em Matéria Fiscal das Nações Unidas adianta ainda, que se os tribunais nacionais na maioria dos países defendem que “a legislação tributária deve ser interpretada de modo a evitar o seu abuso pelo uso de operações que não têm finalidade comercial.

247.     O que reforça a ideia de uma organização das atividades com caráter artificial, ao não terem substrato comercial, por parte do contribuinte.

248.     É referido também que muitas legislações fiscais, tipicamente incluem uma variedade de regras anti-abuso específicas ou geral, admitindo-se assim, a consagração de Cláusulas Gerais Anti-Abuso e as Cláusulas específicas Anti-Abuso, como instrumento dos Governos face à perda de quantidades significativas de receita, que acarreta para os contribuintes honestos, que cumprem com a sua responsabilidade de pagar impostos, o dever suportar um encargo adicional para compensar aquela perda.

249.     Ainda no âmbito das Nações Unidas, como meio de reação ao planeamento fiscal abusivo também se sugere a cooperação internacional, mencionando a este título o trabalho realizado pelas Autoridades Tributárias dos países parte da OCDE no combate à tax avoidance. Também se sugere a inserção nos tratados bilaterais em matéria fiscal uma cláusula de prevenção do “treaty shopping”, indicando expressamente que “Every country should develop anti-treaty-shopping provisions that limit the benefits of the treaty to bona fide residentes of the treaty partner…., each provision must to some extent be tailored to fit the facts and circumstances of the treaty partners’ internal laws and practices”.

250.     Mais se reconhece que, para além do treaty-shopping existem cada vez mais outros tipos de transações que procuram “usar” os tratados para alcançar resultados inadequados, devendo as Claúsulas Gerais Anti-Abuso complementar as regras anti-treaty-shopping.

251.     Merecendo a este respeito uma atenção especial a relevância doa últimos parágrafos dos comentários aos artigos 10º, 11º,12º e 21º do Modelo da Convenção de Dupla Tributação das Nações Unidas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, nos quais se referem que os mecanismos artificiais utilizados pelo contribuinte para se aproveitar das disposições desses artigos devem ser combatidos através da criação ou cessão de direitos em relação ao rendimento em causa nesses artigos.

252.     Marta Caldas na obra que temos vindo a citar trata também do abuso do direito no Direito Europeu. Assim, na p. 46 afirma que Mas para ao que o conceito de abuso interessa, foi no Acórdão Emsland-Stärke que o Tribunal de Justiça mais progrediu ao indicar que o abuso está dependente da verificação de dois elementos:

                                      i.     um elemento objetivo, que se traduz em “um conjunto de circunstâncias objetivas das quais resulte que, apesar do respeito formal das condições previstas na legislação comunitária, o objetivo pretendido por essa legislação não foi alcançado.

                                    ii.     um elemento subjetivo que se manifesta na “vontade de obter um benefício que resulta da legislação comunitária, criando artificialmente as condições exigidas para a sua obtenção

253.     No Acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2006 (Processo C-255/02), conhecido por Acórdão Halifax, esta instituição assumiu uma posição mais ampla do que o Advogado Geral ecomo escreve ainda Marta Caldas, ainda na mesma obra, a página. 48: “para o Tribunal de Justiça o âmbito do abuso será mais abrangente, uma vez que compreenderá operações que tenham exclusivamente finalidades fiscais e também operações que tenham essencialmente, mas não só, finalidades fiscais. Nas palavras de Rita de la Féria tal acarreta a que o “conceito de abuso nos termos do acórdão é significativamente mais amplo do que nos termos das conclusões do Advogado Geral.”

254.     Ou seja, para a verificação de comportamentos abusivos torna-se necessário constatar cumulativamente um elemento objetivo, resultante de um respeito meramente formal da norma fiscal qua atribui direitos, e um elemento subjetivo que se traduzirá na criação artificial de condições com finalidade essencial e não apenas exclusiva de obter uma vantagem fiscal.

É ainda Marta Caldas, na obra citada, que sobre a CGAA diz que “É que com a introdução da Cláusula Geral Anti-Abuso no ordenamento jurídico agrava-se o juízo de valor negativo sobre a vantagem fiscal obtida por um negócio sem razões económicas. Perante a violação do espírito da norma um negócio será tido por legal, conservando-se os efeitos civis, mas não será admitido fiscalmente, porquanto se impede a obtenção da vantagem fiscal pretendida com a sua realização. E mais adiante, conclui esta autora: Em suma e em obediência ao princípio geral de proibição de abuso do Direito Europeu, o abuso em Portugal traduz a adoção de comportamentos, negócios, operações artificiais com vista à obtenção de uma vantagem fiscal que não se encontra consagrada nos objetivos da norma fiscal que o confere.”

255.     Sobre a CGAA, diz o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 15 de Fevereiro de 2011 supra citado que são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas total ou parcialmente, sem a utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais requeridas.

256.     E provados os pressupostos de que depende a aplicação da CGAA, há que reconhecer a ineficácia no âmbito tributário dos rendimentos transferidos para a Irlanda através das vendas para a C…, ou seja, deve-se proceder à tributação dos resultados obtidos pela empresa irlandesa como se eles fossem obtidos em Portugal pela Requerente, nos termos dos art.ºs 17º, n.º 1 e 20º do CIRC.

 

ii.                        Relativamente à quantificação dos actos tributários:

 

257.     A Requerente alegou que a Autoridade Tributária incorreu em erro na quantificação dos factos tributários subjacentes às liquidações impugnadas e diz ser inadmissível não ter sido encetada uma análise individualizada de cada uma das vendas de mercadoria realizadas pela Requerente à C… nos exercícios de 2011 e 2012, no sentido de apurar por que valores tais mercadorias concretas terão sido por aquela subsequentemente revendidas.

258.     Embora a AT não se tenha pronunciado expressamente sobre esta questão, dos autos, concretamente do Relatório Final de Inspecção, resulta que a Requerida seguiu a seguinte metodologia: através dos elementos fiscais e contabilísticos obtidos pela AT relativamente à Requerente e à C… para os anos de 2011 e 2012 constatou que, do volume de negócios registado nas demonstrações financeiras em cada um dos citados anos pela sociedade portuguesa e ora Requerente (€15.964.859,00 e €14.985.030,00, respectivamente) €13.202.012,02 (ano de 2011) e €11.603.227,30 (ano de 2012), respeitam à facturação da Requerente para a C…, mas, no concernente exclusivamente às rolhas que, posteriormente, esta última sociedade “transmitiria”, por análise à facturação “emitida” pela C… D…, não pelo mesmo valor, mas pelas importâncias de €14.974,821,03 e €13.139.991,06, respectivamente, para os anos de 2011 e 2012.

259.     Sendo que é aquela diferença de valores no conjunto das facturas emitidas em cada uma das fases referidas (Requerente/C… e C…/D…) ou seja, €1.772.807,01 (ano de 2011) e €1.536.763,76 (ano de 2012), traduzida no suposto ganho obtido pela sociedade irlandesa nas “vendas” efectuadas à D… que a Requerida quer tributar no nosso país, por desconsideração não só das “vendas” efectuadas para a C… pela Requerente, mas também e, consequentemente, das vendas posteriormente efectuadas pela C… à D… .

260.     Nestes termos, o que a AT fez, não foi, como defende a Requerente, imputar-lhe os ganhos obtidos pela C…, o que fez foi desconsiderar as vendas feitas para esta empresa, considerando que os ganhos obtidos resultam da ausência do mecanismo artificioso criado de vendas para a sociedade irlandesa a um preço e desta para a D… a um preço mais alto.

261.     Não foi aplicada qualquer margem para obtenção dos ganhos obtidos na ausência do mecanismo utilizado, nem uma margem interna nem uma margem externa gerada por uma entidade terceira.

262.     O ganho imputado à Requerente foi calculado com base nas operações de venda entre ela, a C… e a D…, na ausência do mecanismo artificioso de fazer passar as vendas documentalmente através da Irlanda.

263.     O que foi desconsiderado, em suma, foram os resultados resultantes da intervenção artificiosa da C… .

264.     Para obter o resultado, a AT, a partir dos elementos fornecidos pelas autoridades dos EUA e da Irlanda, procedeu a uma ligação inequívoca entre as vendas feitas pela Requerente à C… e as correspondentes vendas desta à D…, bem como calculou as respectivas margens de comercialização em cada operação.

265.     A AT não imputou, como alega a Requerente, ao cálculo da sua matéria colectável todas as vendas efectuadas em 2011 e 21012 pela C…, pois como já se referiu, foram excluídas as vendas dos produtos que não tiveram origem na Requerente, nomeadamente os que foram adquiridos à empresa espanhola Indústrias B… SA.

266.     Quanto ao valor das informações fornecidas pelas autoridades fiscais norte-americanas e irlandesas, que a Requerente coloca em causa, as mesmas gozam da presunção estabelecida no art.º 76.º, n.º 4, da LGT, segundo a qual as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras fazem fé quando fundamentadas e baseadas em critérios objectivos.

267.     Ora, a Requerente não fez qualquer prova nem invocou qualquer facto específico susceptíveis de gerar dúvidas sobre os factos contidos naquelas informações.

268.     Em consequência tem de se concluir que a AT actuou de forma correcta, de acordo com as normas aplicáveis do CIRC, nomeadamente dos art.ºs 17º e 20º.

 

          iii.             Relativamente aos juros compensatórios:

 

269.     O retardamento do pagamento do imposto devido pela Requerente deve-se ao seu comportamento, ao recorrer – como ficou demonstrado – a um planeamento fiscal abusivo para subtrair grande parte dos seus lucros reais ao cumprimento das suas obrigações fiscais em Portugal.

270.     Provado que ficou o comportamento abusivo culposo da Requerente, o mesmo está abrangido pelo disposto no art.º 35º da LGT.

271.     Esta posição é, pacífica na jurisprudência, citando-se por todos o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Abril de 2013, proferido no âmbito do Proc. N.º 01195/12, segundo o qual: II- A imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios nos termos do art. 35º da LGT depende da existência de culpa ( a título de dolo ou negligência ), por parte do contribuinte. III- Quando uma determinada conduta constitui um facto  qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo.

272.     Este regime é explicado pela natureza dos juros compensatórios que, conforme definida também pelo STA (acórdão de 19-11-2015, proferido no âmbito do Proc. N.º 08976/15): 1. Os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem uma compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim reparando o credor prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito. No âmbito do direito tributário os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, aparecendo como um agravamento “ex lege” ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de cobrança e estando sujeitos ao mesmo período prescricional, sobre ambos podendo incidir o cálculo dos juros de mora (cfr. art.º 83º do C.P.T.; art.º 35º da L.G.T.). Esta natureza dos juros compensatórios, como componente da dívida global de imposto, resulta hoje, com evidência, do preceituado no art.º 35º, n.º 8 da LGT.

 

           iv.            Relativamente à indeminização derivada das garantias:

 

273.     Tendo sido julgados improcedentes os dois pedidos anteriores formulados pela Requerente por comportamento desta de natureza culposa e abusiva, daí deriva a improcedência do pedido de indemnização pelas garantias prestadas.

274.     Com efeito, esta prestação foi devida ao seu não pagamento voluntário do imposto, a que se eximiu por culpa exclusivamente sua.

 

             v.            Relativamente à má-fé da Requerida:

 

275.     Não pode, por último o Tribunal considerar ter havido má-fé por parte da AT, uma vez que esta, ao contrário do que sucedeu com a Requerente, logrou provar a posição assumida nos autos.

 

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Termos em que, decidem os árbitros que constituem este Tribunal em:

               i.          Declarar a legalidade das liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.º 2015 … e n.º 2015 …, ambas de 12 de Novembro de 2015, respectivamente referentes ao ano de 2011 (no montante de EUR 455.022,99, dos quais EUR 55.091,87 a título de juros compensatórios) e ao ano de 2012 (no montante de EUR 381.131,29, dos quais EUR 33.939,21 a título de juros compensatórios);

            ii.          Absolver a Autoridade Tributária do pagamento de juros compensatórios;

          iii.          Absolver a Autoridade Tributária do pagamento de indemnização compensatória das despesas suportadas pela Requerente com as garantias bancárias apresentadas para suspensão dos pagamentos dos impostos devidos;

           iv.          Declarar a inexistência de má-fé na litigância da Autoridade Tributária;

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Custas a cargo da Requerente no montante de €48.000,00, nos termos dos artigos 6º n.º 2 alínea b), 12º n.º 3 e 22º n.º 4 do RJAT e 5º n.ºs 1 e 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa.

 

Valor: €836.154,28 (oitocentos e trinta e seis mil, cento e cinquenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos

 

Lisboa, 10 de Julho de 2017

Os árbitros

Manuel Luís Macaísta Malheiros (Presidente)

 

Rogério M. Ferreira Fernandes

 

Jorge Carita