DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Nina Aguiar e Cláudia Rodrigues, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
-
No dia 9 de Novembro de 2016, A… UNIPESSOAL, LDA., pessoa colectiva n.º…, com sede no…, Frente à Zona Comercial de …, …-… …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IVA n.º 2015…, referente a Junho de 2015, e n.º 2015…, referente a Agosto de 2015, e contra o acto de liquidação de juros moratórios n.º 2015…, também referente a Agosto de 2015, no valor total de € 63.902,67, e contra os actos de reclamação graciosa n.º …2015… e …2016…, que tiveram aqueles como objecto.
-
Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:
-
as decisões proferidas no procedimento de reclamação graciosa são ilegais por défice instrutório, tendo violado o disposto nos artigos 266.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, 58.º e 72.º, da Lei Geral Tributária, bem como o disposto nos artigos 268.º n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 77.º da Lei Geral Tributária, por falta de indicação dos motivos que conduziram à decisão de não inquirição das testemunhas arroladas;
-
as liquidações de IVA e juros compensatórios são ilegais, por errónea quantificação, já que a diferença entre o montante do IVA liquidado na declaração periódica do período de Janeiro de 2015 e o montante do IVA liquidado que resulta do reporte de facturas efectuado para o mesmo período de imposto refere-se a imposto já liquidado e entregue ao Estado em períodos anteriores, nomeadamente, em Outubro, Novembro e Dezembro de 2014;
-
a liquidação de juros moratórios deverá ser anulada por não ser devido o tributo ora contestado e porque a situação em apreço não reúne os pressupostos de que depende a sua liquidação.
-
No dia 12-12-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
-
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
-
No dia 03-02-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
-
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 20-02-2017.
-
No dia 24-03-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
-
Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
-
Foi, na mesma altura, a Requerente notificada para, querendo juntar aos autos os balancetes analíticos, bem como outra documentação contabilística que tivesse por relevante, face ao alegado nos pontos 60 a 63 da resposta da Requerida.
-
Face à documentação junta, foi facultado à Requerida a possibilidade de exercer o contraditório, o que fez.
-
Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
-
Foi fixado o prazo de 45 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.
-
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A REQUERENTE é, e era à data dos factos tributários, uma sociedade cuja actividade consiste na compra, venda e exploração de bens imobiliários.
2- No âmbito de cruzamento de informações a nível do valor do IVA liquidado declarado nas Declarações Periódicas e nas facturas comunicadas pela Requerente, via ficheiro normalizado SAF-T, a AT constou divergências para os períodos de Outubro de 2014 a Agosto de 2015, pelo que a Requerente foi objecto de uma análise de divergências com origem em Anomalias E-Factura – Emitente – IVA liquidado nas facturas superior ao IVA liquidado na declaração periódica (motivo F 02).
3- A Requerente foi notificada, através da Via CTT, para exercer o direito de audição sobre o projecto de liquidação adicional de IVA, referente ao período de Janeiro de 2015.
4- Da fundamentação constante da referida notificação, resultava que a liquidação adicional a emitir, com referência a tal período de Janeiro de 2015, teve por base uma divergência entre o valor de imposto reportado na declaração periódica referente a Janeiro de 2015, onde foi liquidado um valor de imposto de € 48.829,53, e o valor € 112.619,60 constante nas facturas comunicadas, com referência a idêntico período, daí resultando um valor de imposto em falta, no montante de € 63.790,07 (€ 112.619,60 - € 48.829,53).
5- A Requerente não exerceu o direito de audição nem procedeu a qualquer tipo de correcção e não solicitou no sistema E-Balcão a aceitação e substituição dos ficheiros SAF-T para os períodos em causa.
6- No seguimento da submissão da declaração periódica da Requerente relativa a Junho de 2015, foi aquela notificada do acto de liquidação de IVA n.º 2015…, no valor de € 10.187,15, respeitante ao período de Junho do ano de 2015, com data limite para pagamento voluntário em 12 de Outubro de 2015.
7- No seguimento da entrega da declaração periódica da Requerente referente a Agosto de 2015, foi emitida nova liquidação de imposto, com o n.º 2015…, no valor de € 53.602,93 e a liquidação de juros moratórios n.º 2015…, no valor de € 112,59, ambas respeitantes ao período de Agosto do ano de 2015, com data limite para pagamento voluntário em 23 de Dezembro de 2015.
8- A Requerente apresentou reclamações graciosas relativamente àquelas referidas liquidações, que foram objecto de despachos de indeferimento, notificados por ofícios de 25 de Agosto de 2016, remetidos pela Via CTT.
9- Nos referidos despachos de indeferimento, consta, para além do mais:
i. “analisada a petição e os elementos em anexo constata-se que o pedido não se encontra devidamente sustentado na prova documental apresentada (...) uma vez que não se encontram nos autos documentos que nos permitam aferir se os valores referidos pela Reclamante para os períodos de Outubro de 2014 a Junho de 2015, se encontram conforme a sua contabilidade”;
ii. “da análise à mesma, constatamos que vem reiterar o pedido inicial, e juntar os documentos – cópia das facturas n.º 18, 19, 20, 21, 22, 23, 2014…/…, nota de crédito n.º…, todas de 2014, factura 1 e 3 de 2015, bem como documentos identificados como a notificação AT A…– extracto de conta IVA liquidado.
Afigura-se-nos, contudo, que os documentos ora apresentados são insusceptíveis de demonstrar cabalmente o pedido, porquanto, no que diz respeito aos alegados extractos, os mesmos não retractam a situação global/anual, apenas reportam isoladamente os movimentos mensais dos períodos correspondentes, parecendo apenas uma listagem efectuada em Excel, não se extraindo dos mesmos o histórico dos movimentos, pelo que. Por si só, são insuficientes para a verificação do pretendido, uma vez que, os valores inscritos nas declarações periódicas devem reflectir os valores da contabilidade, que continua desconhecida.
Nos termos do disposto no art. 29º n.º 1 alínea g), conjugados com o art. 44º ambos do CIVA, os sujeitos passivos, para além da obrigação do pagamento do imposto, devem dispor de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto, que deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica.”;
iii. “não se vislumbra o motivo da alegada entrega antecipada de imposto ao Estado nos períodos de Outubro a Dezembro de 2014, nem a que se deveu tal facto, sendo que a reclamante nada esclarece quanto a isso”;
iv. “a Reclamante deveria ter apresentado os balancetes analíticos mensais, bem como os extractos de conta e os documentos de suporte dos factos que pretende ver regularizados para os períodos em análise e não logrou fazer”
v. “ não o tendo feito, considera-se que não foi feita a prova suficiente para a análise da matéria em causa, que se reputa de imprescindível, e cuja apresentação é da responsabilidade da Reclamante, nos termos do disposto no n.º 1 e 2 do artigo 74º da LGT”.
10- Os actos de liquidação que constituem o objecto da presente acção arbitral não foram pagos.
11- Foram instaurados à ora Requerente os processos de execução fiscal n.º …2015…e …2015…, para cobrança coerciva da dívida por aqueles liquidada.
12- Para suspensão dos acima referidos processos de execução fiscal, a Requerente prestou garantia bancária n.º…, emitida pelo B…, no valor de € 68.196,34, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 169.°, 183.° e 199.° do CPPT e 52.° da LGT.
13- No período de Outubro de 2014, o valor de IVA liquidado pela Requerente, na correspondente declaração periódica, foi de € 50.354,88.
14- O valor das facturas emitidas e comunicadas à AT pela Requerente, com referência ao mesmo período, ascendeu a € 46.034,16.
15- No período de Novembro de 2014, o valor de IVA liquidado pela Requerente, na correspondente declaração periódica, decorrente das operações activas por si realizadas, foi de € 54,516,91.
16- O valor das facturas emitidas e comunicadas à AT pela Requerente, com referência ao mesmo período, ascendeu a € 48.935.90.
17- No que se refere ao período de Dezembro de 2014, o valor de IVA liquidado pela Requerente, na correspondente declaração periódica, líquido do valor do IVA regularizado a seu favor resultante da emissão de uma nota de crédito, foi de € 56.514,45.
18- O valor das facturas emitidas e comunicadas à AT pela Requerente, com referência ao mesmo período, ascendeu a € 2.626,11.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Em especial, no que diz respeito aos factos dados como provados nos pontos 13 a 18, consideraram-se os seguintes documentos:
- Cópia das declarações periódicas de IVA submetidas;
- Cópia das facturas emitidas;
- Extracto da conta de IVA liquidado;
- Extracto da Consulta de Facturas do e-factura;
- Balancetes analíticos mensais antes de apuramento do IVA;
- Quadro resumo do detalhe dos valores de IVA liquidado;
- Balancetes analíticos mensais depois do apuramento do IVA.
B. DO DIREITO
Conforme se escreveu no Ac. do STA de 18-05-2016, proferido no processo 0100/16[1], “Nos termos do disposto no nº 2 do art. 124º do CPPT deve conhecer-se, em primeiro lugar, dos vícios de violação de lei stricto sensu (salvo nos casos em que não possa apreender-se o conteúdo do acto), assim se assegurando tutela mais eficaz dos direitos do contribuinte.”.
Em conformidade, começar-se-á por apreciar a arguida ilegalidade das liquidações de IVA e juros moratórios, por errónea quantificação.
Da análise da documentação disponível nos autos é possível constatar que:
a) Relativamente a Outubro de 2014:
i. O montante de IVA liquidado reportado na declaração periódica (€ 50.354,88) corresponde ao valor constante do extracto da conta de IVA liquidado, bem como do balancete analítico mensal;
ii. O montante de IVA liquidado resultante do reporte de facturas no e-factura ascende a € 46.034,16 e corresponde ao somatório das cópias das facturas juntas aos autos;
iii. A diferença entre os dois montantes – que ascende a € 4.320,72 de IVA liquidado que foi entregue ao Estado mas que não foi reportado no e-factura – representa o que a Requerente denominou de “Provisão da Renda … (Loja…)” – valor que foi entregue ao Estado mas que não dispõe de suporte documental (factura);
iv. Neste período de imposto, a Requerente entregou ao Estado um valor de IVA superior em € 4.320,72 relativamente ao montante que resultaria devido com referência às facturas que reportou no sistema e-factura;
b. Relativamente a Novembro de 2014:
i. O montante de IVA liquidado reportado na declaração periódica (€ 107.645,06) corresponde ao valor constante do extracto da conta de IVA liquidado, bem como do balancete analítico mensal;
ii. O montante de IVA liquidado resultante do reporte de facturas no e-factura ascende a € 48.935,90 e corresponde ao somatório das cópias das facturas juntas aos autos;
iii. Do montante do IVA liquidado na declaração periódica, € 53.128,15 respeitará a IVA autoliquidado (não foram apresentadas cópias das facturas que suportam esta autoliquidação, mas constam do extracto de IVA liquidado);
iv. A diferença entre os dois montantes de IVA (excluindo o IVA autoliquidado, que não é objecto de reporte no e-factura) – que ascende a € 5.581,01 de IVA liquidado que foi entregue ao Estado mas que não foi reportado no e-factura – representa o que a Requerente denominou de “Provisão Renda …” – valor que foi entregue ao Estado mas que não dispõe de suporte documental (factura);
v. Neste período de imposto, a Requerente entregou ao Estado um valor de IVA superior em € 5.581,01 relativamente ao montante que resultaria devido com referência às facturas que reportou no sistema e-factura;
c. Relativamente a Dezembro de 2014:
i. O montante de IVA liquidado reportado na declaração periódica (€ 56.515,40) é superior em € 884,19 ao valor constante do extracto da conta de IVA liquidado, bem como ao valor do balancete analítico mensal;
ii. A diferença supra identificada corresponde ao valor do IVA liquidado na factura nº 2014…/…, de 31-12-2014, a qual não foi contabilizada no período em causa (razão pela qual não consta quer do extracto de IVA liquidado, quer do balancete analítico mensal);
iii. O montante de IVA liquidado resultante do reporte de facturas no e-factura ascende a € 2.626,11 e corresponde ao somatório das cópias das três facturas juntas aos autos.
iv. A diferença entre os dois montantes de IVA – que ascende a € 53.888,34 de IVA liquidado que foi entregue ao Estado mas que não foi reportado no e-factura – representa o que a Requerente denominou de “Provisão Renda” – valores que foram entregues ao Estado mas que não dispõem de suporte documental (factura);
v. Neste período de imposto, a Requerente entregou ao Estado um valor de IVA superior em € 53.888,34 relativamente ao montante que resultaria devido com referência às facturas que reportou no sistema e-factura.
Dos registos contabilísticos da Requerente, que se presumem verdadeiros, nos termos do artigo 75.º/1 da LGT, e da documentação junta ao processo, conclui então que nos períodos de Outubro a Dezembro de 2014 a Requerente liquidou e entregou ao Estado um montante de IVA superior ao que resulta devido da análise das facturas reportadas no e-factura, ascendendo essa diferença a € 63.790,07.
O montante supra mencionado corresponde à diferença identificada pela AT entre o montante de IVA liquidado na declaração periódica de Janeiro de 2015 (€ 48.829,53) e o valor reportado no e-factura do mesmo período de imposto (€ 112.619,60), e que constituiu, conforme resulta dos factos provados, o fundamento dos actos de liquidação em crise no presente processo arbitral.
Deste modo, claudicando o fundamento em que assentam os actos de liquidação referidos, ter-se-á de concluir pela ocorrência da arguida ilegalidade, por errónea quantificação da obrigação tributária, havendo por isso de proceder, na íntegra, o pedido arbitral formulado.
*
A Requerente peticiona também o reconhecimento do direito a indemnização por custos sofridos com a garantia prestada.
A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito, conforme resulta expressamente da alínea b) do artigo 24.º do RJAT.
No mesmo preceito “o legislador deixou claro que os efeitos aí previstos são “sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código do Procedimento e do Processo Tributário”. Considera-se a este propósito que o legislador aqui se está a referir a todos os efeitos que decorram do CPPT, para o sujeito passivo, e que são aplicáveis após a consolidação na ordem jurídica de uma determinada situação jurídico-fiscal, decorrente de uma decisão definitiva seja ela graciosa ou judicial.”[2]
Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização por garantia indevida, conforme resulta do artigo 171.º do CPPT.
Como se referiu na decisão proferida no Processo arbitral n.º 28/2013-T[3]:
“é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”
Conclui-se, assim, que este tribunal é competente para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”
No caso em apreço, é manifesto que o erro de que padecem os actos de liquidação é imputável à entidade requerida pois as liquidações foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.
Tem, assim, a Requerente direito a indemnização pela garantia prestada.
Não tendo sido provados os custos suportados pela Requerente com a prestação da garantia destinada a suspender o processo de execução fiscal, deverá o correspondente valor, se necessário, ser determinado em execução de sentença.
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,
a) Anular os actos de liquidação adicional de IVA n.º 2015…, referente a Junho de 2015, e n.º 2015…, referente a Agosto de 2015, e o acto de liquidação de juros moratórios n.º 2015…, também referente a Agosto de 2015, no valor total de € 63.902,67, bem como os actos de reclamação graciosa n.º …2015… e …2016…, que tiveram aqueles como objecto;
b) Condenar a Requerida no pagamento de indemnização por garantia indevida, no valor que, entretanto, venha ainda a demonstrar-se suportado, se necessário em execução de sentença;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de € 2.448,00.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 63.902,67, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 13 de Julho de 2017
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Nina Aguiar)
O Árbitro Vogal
(Cláudia Rodrigues)
[2] Carla Trindade – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Coimbra, 2016, pág. 122.