Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 236/2013-T
Data da decisão: 2014-04-22  IVA  
Valor do pedido: € 173.470,39
Tema: Competência material do tribunal arbitral; pedido de revisão oficiosa; reconhecimento do direito à dedução do IVA
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Decisão Arbitral

 

 

Requerente: A…

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Os árbitros Dr. Manuel Luís Macaísta Malheiros (árbitro presidente), Dr. Jaime Carvalho Esteves e Dr. Henrique Nunes, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 23 de Dezembro de 2013 (cf. acta de 25 de Fevereiro de 2014), acordam no seguinte:

A A... (id. nos autos) requereu a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT):

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e notificado à Autoridade Tributária (adiante Requerida).

As partes optaram por não designar árbitro.

O Tribunal foi regularmente constituído para apreciar e decidir o litígio.

Notificada, a Requerida apresentou atempadamente a sua resposta.

Tendo a Requerida, na sua resposta, suscitado excepções o Tribunal Arbitral decidiu conhecer imediatamente das mesmas antes de proceder às diligências necessárias para instrução do processo.

A requerente alegou, com relevância para a matéria aqui uma discussão, o seguinte:

A A... é uma instituição de ensino superior pública de natureza fundacional, instituída pelo Decreto-Lei nº 96/2009, de 27 de abril, que goza de autonomia estatutária, científica, pedagógica, financeira e disciplinar, encontrando-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal mensal.

 

No âmbito de uma revisão (interna) aos seus procedimentos, a Universidade verificou que, nos anos de 2008 e de 2009, havia limitado indevidamente o exercício do direito à dedução do IVA incorrido, tendo, por conseguinte, suportado um custo que, de acordo com o princípio da neutralidade do IVA, não lhe deveria ser imputável.

 

Por tal motivo, em 27 de dezembro de 2012, a Universidade apresentou um pedido de revisão oficiosa devidamente fundamentado, solicitando a dedução do IVA suportado, no montante de € 173.470,39, nos anos de 2008 e 2009, nos termos do artigo 98º do Código do IVA, assim como do disposto no artigo 78º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

(Cfr. documento que se junta com o nº1 e aqui se dá como integralmente reproduzido)

 

No dia 25 de julho de 2013, a Universidade foi notificada, através do Ofício nº …, do indeferimento total do pedido apresentado.

(Cfr. documento que se junta com o nº2 e aqui se dá como integralmente reproduzido).

 

Dado que a Universidade não pode concordar com os argumentos apresentados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Autoridade Tributária”) que sustentam o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, vem pela presente via requerer a constituição do tribunal arbitral, prevista no artigo 2º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, visando obter, na pronúncia arbitral, a satisfação das suas pretensões, ou seja, a declaração da ilegalidade do acto de autoliquidação em apreço (e, consequentemente, da ilegalidade da decisão da Autoridade Tributária de não autorizar a dedução do IVA suportado em excesso, nos anos de 2008 e 2009, no valor de € 173.470,39).

 

A Requerente alega ainda:

Nos termos das suas competências, a Universidade realiza operações isentas de IVA (e.g., ensino), mas também operações tributáveis em sede deste imposto (i.e., não isentas), designadamente a prestação de serviços de diversa natureza (e.g., estudos, pareceres e consultoria em diversas áreas), bem como a comercialização, por via da editora e loja da Universidade, de publicações, artigos de papelaria, vestuário, entre outros, alusivos à instituição ou com esta relacionados.

 

No âmbito de uma revisão interna aos procedimentos, em matéria de IVA, efectuada em 2012, a Requerente verificou que, nos anos de 2008 e 2009, em algumas das suas unidades orgânicas – em concreto, as Faculdades de … (“FMUP”) e de … (“…”) – bem como na própria Reitoria, não foi deduzido o IVA incorrido com a aquisição de recursos para a sua actividade (de salientar que se tratam de recursos utilizados indistintamente para a actividade da unidade como um todo, quer tributada quer não tributada em IVA, comummente designados também por “recursos comuns”), tendo, por conseguinte, suportado imposto que, de acordo com as regras aplicáveis, seria recuperável, ainda que parcialmente (em concreto, através da aplicação do método do prorata),

 

Tendo identificado os designados “recursos comuns”, i.e., aqueles que são susceptíveis de aplicação do prorata para dedução do respectivo IVA, a Universidade excluiu aqueles que, nos termos do Código do IVA (em concreto, do artigo 21º), não conferem o direito à dedução de imposto.

 

Nesta sequência, a Requerente apurou então o valor do IVA incorrido na aquisição dos referidos “recursos comuns”.

 

Paralelamente, a Requerente, seguindo o preceituado no Código do IVA (nomeadamente no artigo 23º do Código do IVA) e também as instruções da própria Autoridade Tributária para apuramento da percentagem de dedução de cada ano, nomeadamente no que respeita à exclusão do denominador de determinados proveitos não decorrentes de uma actividade económica, operações imobiliárias e financeiras acessórias, bem como das subvenções ao equipamento, procedeu ao cálculo das percentagens de dedução, para as unidades orgânicas em causa, bem como para a Reitoria.

 

A Requerente solicitou à Administração Tributária – por via do pedido de revisão oficiosa datado de 27 de dezembro de 2012 – a dedução do IVA suportado, ao abrigo do disposto nos artigos 98º do Código do IVA e do artigo 78º da LGT,

 

o que veio a ser denegado pela Autoridade Tributaria - Direcção de Serviços do IVA - e mereceu o despacho ora em crise e sobre o qual se requer o pedido de pronúncia arbitral.

 

A Requerente conclui, dizendo:

 

Razão pela qual a A... solicita a declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IVA aqui contestado, e, em consequência, o reconhecimento do direito de efectuar a dedução de IVA em causa, no valor de € 173.470,39, nos termos do disposto nos artigos 22º e 98º do Código do IVA e do artigo 78º da LGT.

 

E termina pedindo:

 

1 – Que seja anulado o indeferimento do pedido de Revisão do Acto Tributário;

 

2 - Que a Autoridade Tributária seja condenada a reconhecer o direito da A... de efectuar a dedução do IVA em causa, no valor de € 173.470,09, sob pena de violação dos artigos 22º, nº2 e 98º do Código do IVA e do artigo 78º da LGT.

 

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Na sua resposta, o Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), Entidade Demandada, veio apresentar a sua RESPOSTA onde se defende em primeiro lugar:

 

I – POR EXCEPÇÃO

1.ª Excepção por incompetência material

Percorrendo a narrativa (de facto e de direito) desenvolvida ao longo do articulado, não se alcança referência a qualquer concreto acto de (auto) liquidação de imposto (no caso IVA).

Sendo, apenas, feita alusão aos anos de 2008 e 2009, como tendo sido aqueles em que terá ocorrido a ilegalidade que se pretende reparar.

Ambicionando-se que, em relação a esses “anos”, seja reconhecido o direito à dedução do imposto que, por erro, terá sido (alegadamente) suportado em excesso.

Intento que, diga-se, está em perfeita consonância com o pedido formulado a final, ou seja, e como já se aludiu, que para além da anulação do acto decisório da Administração Tributária que indeferiu o pedido de revisão oficiosa, que é objecto imediato da pronúncia que se requereu, seja “a Autoridade Tributária condenada a reconhecer o direito da A... de efectuar a dedução do IVA em causa, no valor de € 173.470,09, sob pena de violação dos artigos 22º, n.º 2 e 98º do Código do IVA e do artigo 78º da LGT”.

Ora, à luz do artigo 2º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a competência dos tribunais arbitrais compreende, entre outras, a apreciação de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” – cf. n.º 1, alínea a).

Nesse contexto, e atento o disposto no artigo 10º, n.º 2, alínea b), no pedido de constituição do Tribunal Arbitral deve constar a “identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral”.

Ora, no caso dos autos, a Requerente não identifica qualquer acto (concreto e definido) de autoliquidação de imposto, limitando-se a indicar os anos em que se terão verificado os vícios em que se concretiza a causa de pedir.

No concreto caso dos autos, o objecto (mediato) do formulado pedido de pronúncia arbitral teria, necessariamente, de corresponder a uma ou várias declarações periódicas de imposto (aquela ou aquelas em que se mostram espelhadas as desconformidades legais que se pretende corrigir) e, não, como resulta do requerimento inicial, de um ano de imposto.

Desta forma, e mesmo que tal tivesse sido peticionado, que não foi, nunca o tribunal poderá exercer os poderes que lhe são conferidos pela lei (designadamente, declarar a ilegalidade de actos de autoliquidação de tributos), pois, para além de não conhecer quais “os actos de autoliquidação” a sindicar, desconhece igualmente os vícios que, concretamente, a Requerente imputa a cada um deles[1].

Nessas circunstâncias, verifica-se a existência de excepção (dilatória) que, consubstanciada na inexistência de objecto sindicável em sede arbitral[2], obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da Entidade requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

2.ª Excepção por incompetência material

O pedido formulado pela Requerente Arbitral dirige-se à condenação da Administração Tributária ao reconhecimento do direito à dedução do IVA que (alegadamente) suportou indevidamente.

Pretende a Requerente que, como já se aludiu, seja “…a Autoridade Tributária condenada a reconhecer o direito da A... de efectuar a dedução do IVA (…)”

Ora, este pedido, salvo o devido respeito, não tem cabimento na presente instância arbitral.

Efectivamente, o âmbito de competência dos Tribunais Arbitrais constituídos ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), não contempla a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária.

Circunstância que decorre da literalidade do disposto no n.º 1 do artigo 2º do RJAT que, como é sabido, define os tipos de pretensões que podem ser apreciadas por Tribunais Arbitrais em matéria tributária.

E, também, do confronto entre a lei de autorização legislativa ao abrigo do qual foi instituída a arbitragem em matéria tributária – nomeadamente quando aí se referiu que «O processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (cf. nºs 2 e 4, alínea b) do artigo 124º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril) – e aquilo que, de facto, veio a ser consagrado no RJAT.

Daí resultando, de forma inequívoca, ter o legislador optado por não contemplar (no RJAT) a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária.

No acórdão n.º 126/2013-T, o Tribunal Arbitral concluiu que não tendo a Requerente requerido no pedido subsidiário nenhuma apreciação da legalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta ou de fixação da matéria tributável, o Tribunal considera-se incompetente para do mesmo conhecer.

Também por esta via, e por força do que se explanou, se verifica a existência de excepção (dilatória) que, consubstanciada na incompetência material do Tribunal Arbitral, obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da Entidade requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

3.ª Excepção por incompetência material

O pedido de pronúncia arbitral sub judice tem por objecto imediato a decisão de indeferimento da revisão oficiosa, concedendo-se, apenas por cautela e dever de patrocínio, que tem por objecto mediato um “acto de autoliquidação” referente aos anos de 2008 e 2009[3].

Ora, atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03, verifica-se a excepção de incompetência material do presente Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido supra [cf. artigos 493.º, n.os 1 e 2 e 494.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT].

Por força da remissão do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais constituídos nos termos desse diploma fica na dependência do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, designadamente quanto ao tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

Dispõe-se no artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011 que a vinculação da AT à jurisdição referida tem por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, «com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» (sublinhado nosso).

Pelo que, salvo melhor opinião, é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, a interpretação, ainda que extensiva, que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa mesma medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigo 124.º, n.º 4, alínea h) da Lei n.º 3-B/2010 e artigos 25.º e 27.º do RJAT, que impõe uma restrição dos recursos da decisão arbitral].

Em suma, deve pois entender-se que face aos citados princípios constitucionais e legais, a interpretação do disposto na Portaria n.º 112-A/2011 deve configurar-se literalmente, pois não é despiciendo que o legislador na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, ao ter completado a expressão «que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa» com a menção «nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», tenha delimitado intencionalmente a vinculação da AT a tais situações, face às razões expostas.

A Requerida conclui pedindo que sejam julgadas procedentes as excepções invocadas.

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A Requerente pronunciou-se pela improcedência das excepções tendo terminado as suas considerações com as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:

 

Foram claramente identificados os actos de (auto)liquidação.

 

Com efeito, os actos de autoliquidação consubstanciaram-se na entrega pela Requerente das declarações do I.V.A. dos anos de 2008 e 2009 com todo o detalhe de cálculo, cuja documentação foi entregue aquando do pedido de revisão oficiosa como aliás consta do artigo 3º da Petição Inicial.

 

 Aliás, não era sequer possível à Requerente remeter toda a documentação pela via da plataforma do CAAD, dado o volume da informação aí contida,

 

Salientamos que o CD já está na posse da AT, como aliás ressalta do processo respeitante ao I.V.A., remetido pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao Exmº. Senhor Diretor de Serviços da Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso (DSCJC), em 08 de novembro de 2013, o qual “inclui documentação em suporte eletrónico – CD”.

(Cfr. doc. que se junta com o nº 1 e aqui se dá como integrado)

 

 À cautela, requer a junção aos Autos de um novo CD contendo toda a documentação respeitante às declarações do I.V.A. dos anos 2008 e 2009 da Requerente.

 

(Cfr. doc. que se junta com o nº 2 e aqui se dá como integrado).

 

Foram igualmente identificados os vícios dos actos de (auto)liquidação pela Requerente, na medida em que a mesma, de boa fé, cometeu uma ilegalidade ao pagar mais I.V.A. do que o que devia.

A consequência de tal ilegalidade é que a Requerente tem direito a recuperar o I.V.A.

 

Nesse sentido, confrontem-se os artigos 6º, 95º e 96º do Pedido de Pronúncia Arbitral, onde expressamente se identificam os actos de (auto)liquidação e seus vícios,bem como o resumo do pedido recebido pelo CAAD, aquando do envio do pedido de pronúncia arbitral pela Requerente.

(Cfr. doc. que se junta com o nº 3 e aqui se dá como integrado).

 

 Por outro lado, o Tribunal Arbitral tem legitimidade para apreciar a declaração de (i)legalidade de actos de (auto)liquidação de I.V.A. quando precedidos do recurso à via administrativa, onde se deve incluir o pedido de revisão oficiosa enquanto equiparado a reclamação graciosa.

 

Nesse sentido, confrontem-se as decisões proferidas no âmbito do Processo nº 117/2013-T, em que é árbitro o Exmº. Sr. Dr. Jorge Lopes de Sousa, bem como o Acórdão Interlocutório no Processo nº 141/2012-T, as quais equiparam o pedido de revisão oficiosa à reclamação graciosa.

(Cfr. docs. que se juntam com os nºs. 4 e 5 e aqui se dão como integrados).

 

A decisão que a AT cita na sua Resposta não tem a ver com o I.V.A., mas antes com a retenção na fonte, tratando-se antes de pronúncia que versa sobre um outro imposto.

 

Assim, o Tribunal é competente, estando a AT vinculada à decisão que venha a ser proferida nos termos da Portaria nº112-A/2011, de 22 de março.

 

 

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Na reunião de 25 de fevereiro de 2014, as partes requereram que o Tribunal se pronunciasse em decisão interlocutória sobre as excepções, o que foi deferido.

 

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Este Tribunal Arbitral entende que deve começar por determinar se o presente litígio se inclui na sua competência material, nos termos definidos no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011.

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Incompetência em razão da matéria

 

A AT suscitou ainda uma excepção relativa à incompetência material da jurisdição arbitral, dada a ausência de reclamação graciosa prévia, pois o ato tributário de autoliquidação foi confirmado por um ato de segundo grau, proferido no âmbito de um processo de revisão oficiosa.

A este propósito a AT recorda, que os tribunais arbitrais se encontram constitucionalmente reconhecidos como verdadeiros tribunais (artigo 209.º, n.º2 da CRP), que a arbitragem voluntária, em geral, encontra a sua base legal na Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, atualmente em vigor, a qual revogou a Lei n.º 31/86, de 29 de agosto, onde se prevê que “o Estado e outras pessoas coletivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, se para tanto forem autorizados por lei especial ou se estas tiverem por objeto litígios respeitantes a relações de direito privado.” (artigo 1.º, n.º5) e que a autorização legislativa constante do art.º 124º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, relativa à arbitragem em matéria tributária, enquanto forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, configura a arbitragem em matéria tributária como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo consagrado no CPPT.

 

No uso dessa autorização legislativa, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, o qual disciplina a arbitragem tributária (RJAT). De acordo com o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro (RJAT), o âmbito de competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foi perfeitamente delimitado. Foram fixadas “com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral”. O Preâmbulo daquele diploma refere que se encontram abrangidas “pela competência dos tribunais arbitrais, a apreciação da declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e os de pagamentos por conta, a declaração de ilegalidade de atos de determinação de matéria tributável, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais e, bem assim, a apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projeto de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão anteriormente referida.”

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida no art. 2.º, n.º 1, do RJAT pela forma seguinte:

 

 

Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

 

1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de determinação da matéria tributável, de atos de determinação da matéria coletável, de atos de fixação de valores patrimoniais;

c) A apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projeto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegura a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior.

 

A competência dos tribunais arbitrais é limitada pelos termos em que a Administração Tributária e Aduaneira expressou a sua vontade de se vincular àquela jurisdição, o que fez pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março. Nos termos do n.º1, do art. 4.º do RJAT, a vinculação da AT à jurisdição arbitral depende de aceitação, a qual fixará os limites dessa vinculação:

 

Artigo 4.º

Vinculação de funcionamento

 

1 – A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. 

 

Nos termos do disposto na alínea a) do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, pela qual a administração tributária se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

 

O Dec. Lei que institui a arbitragem em matéria tributária, contém uma previsão de ampla arbitragem das matérias tributárias. Esta previsão não tem operacionalidade imediata, pois fica condicionada à vinculação da AT. Trata-se de uma reserva da Administração. Compete à Administração, representada pelos Ministros da Justiça e das Finanças, e só a ela, fixar por ato unilateral os limites dessa vinculação. A vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais é objeto de uma limitação concreta: são expressamente excecionadas da arbitragem as pretensões que decorram de alegada ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta, exceto se sua ilegalidade tiver sido previamente suscitada, nos termos dos art.ºs 131 e ss. do CPPT.

 

Assim, deve partir-se da previsão ampla do Decreto-Lei, sem dúvida querida pelo legislador, mas deverá ter-se igualmente presente que, também por vontade do legislador, foi conferida à AT a faculdade de introduzir uma ou mais restrições genéricas (gerais e abstratas) ao âmbito de aplicabilidade da arbitragem. E deverá assim constatar-se que, nesse contexto e por iniciativa da AT, a referida Portaria exclui da arbitragem, de modo expresso, todas as pretensões conexas com atos de “autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta”, para depois admitir apenas aquelas pretensões que tenham sido precedidos [as] de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

Dispõe o artº 131.º do CPPT:

 

Artigo 131º

Impugnação em caso de autoliquidação

 

1 – Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração.

2 - Em caso de indeferimento expresso ou tácito da reclamação, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a liquidação que efetuou, contados, respetivamente, a partir da notificação do indeferimento ou da formação da presunção do indeferimento tácito.

 

3– Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do nº 1 do artigo 102º.

 

Sucede, no entanto, que o ato tributário em causa foi objeto de apreciação e subsequente confirmação (ato tributário de segundo grau), não em sede de reclamação graciosa, nos termos deste referido artigo, mas sim no âmbito de um pedido de revisão oficiosa, nos termos do art. 78º da LGT, porquanto se encontrava já esgotado o prazo para aferir em sede de reclamação graciosa da ilegalidade invocada.

 

O procedimento de revisão oficiosa encontra-se previsto no art.º 78º da Lei Geral Tributária que, para melhor elucidação se transcreve:

 

                                                                           Artigo 78º

                                                           Revisão dos atos tributários

 

1 – A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada pela iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 – Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.

3 – A revisão dos atos tributários nos termos do nº 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do nº1 do artigo anterior.

 

Assim, a vinculação da AT, constante da citada Portaria, corresponde, primeiro, a uma aceitação voluntária da jurisdição dos tribunais arbitrais e, em segundo lugar, a uma delimitação estrita do âmbito de aplicação da arbitragem dos atos tributários genericamente fixada pelo art.º 2º, nº 1, do RJAT.

 

Convém ter presente que esta vinculação corresponde a uma renúncia à jurisdição dos Tribunais Tributários – tribunais comuns nesta matéria. A vinculação da AT não corresponde a um verdadeiro compromisso arbitral. Esta vinculação surge como um ato administrativo genérico unilateral, emanado de dois ministérios: Finanças e Justiça. Daqui resulta para os sujeitos passivos o direto potestativo de recorrerem à via arbitral. 

 

A alínea a) do artigo 2º da Portaria n.º 112 – A/2011, ao introduzir a exceção referida, repondo assim o campo de arbitragem, contém uma expressão ampla (o “recurso à via administrativa”) e uma concretização imediata restritiva e taxativa (operada “nos termos dos art.º s 131.º a 133.º do Código de Procedimento Administrativo”). O texto normativo não permite pois encontrar nele um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa, com a possibilidade de, em qualquer uma das três situações nele referidas (autoliquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta), se poder prescindir do recurso à reclamação graciosa, strictu sensu, para arbitragem da pretensão tributária, ainda que sobre ela tenha havido um qualquer ato de segundo grau e, portanto, se tenha verificado, in casu , uma reapreciação do ato tributário sindicado pela AT, na sequência de pedido de revisão  oficiosa formulado pelo sujeito passivo.

 

E tal conclusão é alcançada independentemente e sem prejuízo da posição que se adote sobre a equiparação de revisão oficiosa, por iniciativa do contribuinte, ao procedimento de reclamação graciosa, para efeitos de impugnação judicial. Isto pela referida clareza da disposição de vinculação, atenta a dupla negação nela constante: determinados atos não se incluem no objeto da vinculação (sujeição), exceto se precedidos de reclamação graciosa (“precedido de… nos termos dos...”, diz-nos a lei). Face a tão cristalina formulação, não se vê como pode o intérprete alcançar conclusão diversa, em especial para alargar o âmbito de sujeição da AT a uma opção do sujeito passivo, sujeição essa que o legislador pretendeu que fosse em concreto delimitada por vontade da própria AT, uma clara reserva da Administração em matéria de autovinculação. 

 

No caso da Portaria de vinculação, podemos falar de uma declaração de vinculação unilateral com caráter restritivo a interpretar nos seus estritos termos. Isto porque a Portaria de vinculação introduz, expressamente, uma condição prévia (consistente na reclamação graciosa relativa ao ato tributário sindicado), nos termos das disposições legais especificamente indicadas para acesso à arbitragem arbitrária. Acolhe-se assim a decisão constante do acórdão arbitral proferido no Processo n.º 51/2012 – T, de 2012-11-09, que entendeu que “considerando a natureza voluntária da arbitragem” entendeu que a interpretação da vinculação da AT “não poderá, em caso algum, traduzir-se numa restrição da esfera de liberdade da AT, enquanto parte, de estabelecer os limites da sua vinculação. Só não seria assim, se a sua posição implicasse a frustração total do objetivo pretendido com a instituição da arbitragem tributária, o que não é o caso”, realçando-se que então, como agora, “o Tribunal não se pronuncia sobre a construção doutrinária em que assenta a equiparação do procedimento de revisão oficiosa, por iniciativa do contribuinte, ao procedimento de reclamação graciosa, para efeitos de impugnação judicial. Simplesmente, entende que do princípio da consagração do procedimento arbitral enquanto meio de resolução de litígios fiscais alternativo ao processo de impugnação judicial, não decorre automaticamente a extensão da vinculação da AT a todas as situações em que, doutrinária e/ou jurisprudencialmente for considerada admissível essa impugnação.”

 

Quanto à pretensa redação “deficiente” do art.º 2.º, al. a) da Portaria diga-se ainda que, independentemente dos méritos de uma ampla arbitrabilidade de actos tributários, o certo é que:

(a) há, com efeito, um erro de concordância ao utilizar o particípio passado “precedidos” no plural masculino quando deveria ser no plural feminino, a concordar com “pretensões”. Tal lapso gramatical, porém, não prejudica nem afeta o entendimento da parte seguinte do texto que aqui está verdadeiramente em causa;

(b) a expressão “recurso à via administrativa” constitui uma fórmula genérica ampla que em si mesma pode abranger todos os meios de o contribuinte defender os seus direitos, antes de recorrer aos tribunais. É uma fórmula ampla mas não errada nem suscetível de induzir em erro. Aliás, a Administração (Ministérios da Justiça e das Finanças) especificou a seguir, de forma bem precisa, quais as disposições em causa indicando-as numa clara enumeração taxativa e não exemplificativa;

(c) temos assim a designação genérica “via administrativa” e uma caraterização específica: “nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. Estamos perante uma técnica que respeita o discurso lógico-jurídico, em perfeita consonância com o n.º 3 do art.º 9º do Código Civil;

(d) pretender o intérprete acrescentar ainda a este membro da frase “… e do art.º 78.º da Lei Geral Tributária”, que manifestamente ali não está, constitui uma violação dos princípios fundamentais da hermenêutica jurídica aplicáveis quer às normas jurídicas quer aos atos jurídicos.

 

Tenha-se presente, a este propósito, a Anotação 1 ao art.º 11º da Lei Geral Tributária onde se escreveu:

“Assim, não se pode, na interpretação, transcender a linguagem, a construção linguística (sintático-formal) para afirmar um significado que não resulte expresso. Verifica-se, pois, uma conexão essencial entre linguagem expressiva e conteúdo expresso. Seja qual for o objeto que se pretenda atribuir à norma, quando não resultar expresso no contexto lógico-literal ou quando não apareça suficientemente definível com base no próprio contexto, o objeto deve considerar-se não significado”.             

 

Concluindo, não se reconhece que seja possível submeter à arbitragem do litígio relativo às pretensões a que alude o artigo 2.º (objeto de vinculação) da Portaria n.º112-A/2011, de 22 de março, que não haja sido precedido de reclamação graciosa, por esta já não ser viável, pelo que se afigura inquestionável a incompetência, em razão da matéria, deste Tribunal Arbitral Tributário.

 

Tratando-se de uma vinculação unilateral que implica uma renúncia ao foro comum – os tribunais tributários – a declaração seria sempre de interpretar literalmente, ou seja, estritamente, como todos os atos de renúncia, o que corresponde a um princípio geral de direito, aflorado, por exemplo, no art.º 237.º do Código Civil.

 

Em conclusão: 

Estamos perante uma reserva da administração como resulta da regulamentação antes referida.

A reserva da administração significa que o poder judicial (através dos tribunais comuns ou de tribunais arbitrais) deve respeitar estritamente as decisões da Administração.

Neste caso trata-se de interpretar uma portaria (ato administrativo genérico) onde a Administração (representada pelo Ministro da Justiça e pelo Ministro das Finanças) decide vincular-se à jurisdição arbitral tributária, nos termos antes referidos.

 

Não estamos, neste caso, perante uma simples interpretação de uma norma regulamentar (contida numa portaria). Trata-se sim da interpretação de uma manifestação de vontade, embora manifestada em termos de disposição genérica. Pelo que, neste caso, deverão ser respeitados os poderes e deveres da Administração, tal como resultam da regulamentação que conduziu à autovinculação nos seus estritos termos.

 

O artigo 9.º do Código Civil estabelece, no n.º 2, que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal.

O n.º 3 deste artigo estabelece que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Este número afasta a possibilidade de interpretação corretiva, pois incluir aí o artigo 78.º da Lei Geral Tributária, um diploma completamente diferente, constitui uma evidente interpretação corretiva.

No mesmo sentido, vão os artigos 236.º, 237.º e 238.º do Código Civil, bem como a decisão arbitral de 9-11-2011 proferida no Proc.º n.º 51/2012-T:

 

«Pode o pedido de revisão ser alternativo à reclamação, pode ser complementar, pode até no procedimento de revisão ter-se apreciado a pretensão do contribuinte mas considerando a natureza voluntária da arbitragem, a interpretação adoptada não poderá, em caso algum, traduzir-se numa restrição da esfera de liberdade da AT, enquanto parte, de estabelecer os limites da sua vinculação. Só não seria assim se a sua posição implicasse a frustração total do objectivo pretendido com a instituição da arbitragem tributária, o que não é o caso."

 

 

Assim, é este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub judice, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576º, n.º2 e 577º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Razão pela qual se julga procedente a exceção de incompetência deduzida pela AT, absolve a Requerida da instância.

Fica deste modo prejudicado o conhecimento das demais excepções e da questão de mérito.

 

 

Decisão

 

 

Este Tribunal Arbitral decide:                                                                     

 

 

a) Julgar procedente a excepção dilatória da incompetência deste tribunal em razão da matéria invocada pela Requerida

 

 

b) Absolver a Requerida da instância (artigos 96.º e 278.º do Código de Processo Civil)

 

 

c) Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

 

Valor do processo: €173 470,39  

 

 

Custas a cargo da Requerente no montante de € 3672,00

 

 

 

 

Lisboa, 22 de Abril de 2014

 

 

 

 

Os Árbitros

Manuel Luís Macaísta Malheiros

Jaime Carvalho Esteves

Henrique Nunes vencido nos termos da declaração de voto que junta

 

Voto de vencido do árbitro Henrique Nogueira Nunes

 

1.        QUESTÃO RELATIVAMENTE À QUAL ESTOU EM DESACORDO

1. A minha discordância limita-se à apreciação da 3.ª excepção por incompetência material invocada pela Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) na sua Resposta e que mereceu a decisão de procedência.

2. Voto vencido relativamente a esta decisão pelas razões que passo a enunciar.

3. A excepção deduzida pela AT prende-se, no seu essencial, com o facto de a Requerente não ter apresentado uma reclamação graciosa prévia, mas sim um pedido de revisão oficiosa, acto tributário de segundo grau, e que, por força das regras de vinculação constantes da Portaria n.º 112-A/2011, designadamente o disposto na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, impediria o recurso à instância arbitral, o qual por facilidade de exposição agora se cita:

“Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam -se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do

Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

“ a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (…)”.

4. Como a Requerente apenas apresentou um pedido de revisão oficiosa nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º da Lei Geral Tributário, em prazo, diga-se, a arbitrabilidade de tal acto não seria admissível face ao regime supra descrito.

5. Todavia, após aturada reflexão jurídica sobre a questão, não logrei atingir esta mesma conclusão.

6. Diga-se, desde já, que a questão afigura-se de elevada complexidade jurídica, reconhecendo-se que existe argumentação válida dos que advogam a tese da inarbitrabilidade.

7. No entanto, entendo que existem argumentos mais válidos que permitem sustentar a tese da arbitrabilidade, pelas razões que agora procurarei expor.

8. Acompanho os meus colegas quando referem na decisão que para a interpretação da regra de vinculação da AT se não deve seguir as regras interpretativas das declarações de vontade.

9. Efectivamente, considerando a natureza jurídica deste tipo de arbitragem, verdadeiramente inovadora em termos mundiais, não tem cabimento a aplicação das regras interpretativas das declarações de vontade, porquanto não se está perante uma verdadeira convenção de arbitragem entre os contribuintes e a AT, no seu sentido clássico, voluntária e convencional.

10. Não houve propriamente uma adesão da AT à arbitragem tributária, mas sim uma delegação em acto normativo sob a forma de uma Portaria conjunta da responsabilidade do Governo, in casu, os ministros da Justiça e Finanças, a qual veio a estabelecer, de modo unilateral, o objecto da vinculação da AT. 

11. Deste modo, a Portaria n.º 112-A/2011 não pode ser qualificada como uma espécie de uma proposta contratual dirigida a um conjunto indeterminado de destinatários (uma espécie de oferta ao público) e que, a ser aceite por um contribuinte concreto e individualizado, geraria a conclusão de um verdadeiro compromisso arbitral e, portanto, de um negócio jurídico.

12. A arbitragem tributária é um regime legal — e vinculativo para a AT de resolução alternativa de conflitos na área dos impostos, alternativo ao processo judicial tributário, devendo, por isso mesmo e na minha opinião estar sujeito às regras de interpretação da lei (por força do disposto no n.º 1 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária e artigo 9.º do Código Civil).

13. Assim sendo, entendo que vale o princípio de que não é possível uma interpretação meramente literal dos enunciados legais, sem mais, que me parece desde a primeira hora corresponder à posição da AT nos autos, apegada, como parece estar, no essencial da sua posição ao elemento literal da norma.

14. É certo que a AT na sua contestação invoca as regras de interpretação da lei, mas parecendo sempre insistir no elemento literal, quando refere (por diversas vezes na sua contestação) que se o legislador não previu foi porque não o pretendeu fazer, sem avançar, no entanto, alguma razão válida para tal omissão…

15. Na interpretação da lei, para fixar o seu sentido, é indispensável esclarecer o seu «espírito» com recurso, designadamente, aos elementos histórico (quando disponível) e teleológico da interpretação.

16. Para interpretar o citado preceito da Portaria é, pois, necessário esclarecer:

(1)       qual o sentido de a lei exigir como condição de a instância arbitral ser competente para dirimir o litígio o prévio recurso à “via administrativa”; e

(2)       uma vez estabelecido o sentido da lei (o denominado «espírito» da lei), se, à luz desse sentido, se justifica que a “via administrativa” seja composta apenas pela reclamação graciosa ou se deve ainda incluir o procedimento da revisão oficiosa.

17. Para determinar o ponto (1) supra, i.e. o sentido da lei, é fundamental compreender que com o estabelecimento da referida condição à competência dos tribunais arbitrais se pretendeu, entre outros fins, optimizar o serviço público de justiça, evitando levar a tribunal situações em que a AT ainda não tivesse tido a oportunidade de apreciar administrativamente a questão e, assim, se pronunciar sobre a mesma.

18. Para responder ao ponto (2) supra é fundamental indagar se, para o efeito de dar à AT a oportunidade de tomar uma posição sobre o assunto e, consequentemente, de evitar a ineficiência na administração da justiça, são equiparáveis ou análogos os procedimentos de reclamação graciosa e de revisão oficiosa.

19. Ora, a minha opinião é a de que, deste ponto de vista — promover a optimização ou eficiência na administração da justiça — é indiferente a via escolhida pelo contribuinte, conquanto que tenha sido dada à AT a possibilidade de se pronunciar sobre a questão, o que qualquer um dos procedimentos — reclamação graciosa e revisão oficiosa — aliás, muito similares entre si, assegura.

20. Saliento que se a lei deve ser interpretada no sentido de se achar satisfeita a condição de recurso à jurisdição arbitral no caso de o contribuinte ter recorrido previamente à revisão oficiosa, não se trata aqui de uma interpretação correctiva, mas apenas de uma interpretação extensiva, que tenta aproximar a letra do preceito do seu verdadeiro sentido ou espírito. Não se trata de corrigir o espírito da lei, mas apenas a sua letra. A interpretação extensiva não é vedada no caso concreto, seja por (suposta) imposição do princípio da separação de poderes e do princípio da legalidade — pois estamos perante normas de direito “adjectivo” tributário e não perante normas que criem impostos —, seja por (suposta) interferência do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários — pois, se se considerasse este princípio operativo em matéria de arbitragem tributária, esta seria interdita em qualquer caso e não apenas nas situações de recurso prévio ao procedimento de revisão oficiosa. 

21. Esta questão tem vindo já a ser objecto de apreciação em diversas decisões no âmbito de funcionamento dos Tribunais Arbitrais, descortinando-se duas teses fundamentais, que procurarei agora resumir:

Primeira Tese – Em conformidade com uma primeira interpretação, entende-se que ao se remeter para os artigos 131.0 e 132.° do CPPT, pretendeu-se apenas impedir que o contribuinte ficasse habilitado a reagir directamente, junto da jurisdição arbitral, contra actos de retenção na fonte, autoliquidações, entre outros, sem necessidade de exame prévio por parte da AT, “abrindo assim a porta à equiparação, para efeitos de impugnabilidade, do procedimento de revisão oficiosa ao procedimento de reclamação graciosa (neste sentido vide Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, II Volume, 2011, pp. 405 a 415, e Processo Arbitral n.°48/2012-T)”..

22. De acordo com este entendimento, a razão de ser da necessidade de reclamação graciosa prévia não se prende com o regime próprio desta (diverso da revisão oficiosa), mas antes com a oportunidade de a AT se pronunciar sobre a pretensão do contribuinte, evitando assim a submissão aos tribunais de putativos litígios. Ou seja, não se terá querido atribuir competência também aos tribunais arbitrais relativamente a actos subtraídos da competência dos tribunais judiciais, corolário do princípio que aqueles devem funcionar como jurisdição alternativa destes.

23. Tese que no seu ponto essencial subscrevo.

Segunda Tese - Por outro lado, de acordo com o outro entendimento firmado no Acórdão proferido no Processo Arbitral 51/2012-T, "ao remeter para os artigos 131.0 e 132.0 CPPT, a AT pretendeu efectivamente remeter para o regime aí previsto, portanto, exigindo como condição da sua vinculação à pronúncia arbitral em sede de impugnação da ilegalidade de actos de retenção na fonte, entre outros, a precedência de procedimento próprio de reclamação graciosa".

24. A defesa desta tese é corroborada desde logo por ser considerada "...a mais consentânea com a natureza voluntária e convencional da arbitragem.

 

25. Pois que aí se considerou: “Pode o pedido de revisão ser alternativo à reclamação, pode ser complementar, pode até no procedimento de revisão ter-se apreciado a pretensão do contribuinte, mas considerando a natureza voluntária da arbitragem, a interpretação adoptada não poderá, em caso algum, traduzir-se numa restrição da esfera de liberdade da AT, enquanto parte, de estabelecer os limites da sua vinculação. Só não seria assim se a sua posição implicasse a frustração total do objectivo pretendido com a instituição da arbitragem tributária, o que não é o caso.

Note-se, sob este ângulo, que o Tribunal não se pronuncia sobre a construção doutrinária em que assenta a equiparação do procedimento de revisão oficiosa, por iniciativa do contribuinte, ao procedimento de reclamação graciosa, para efeitos de impugnação judicial.

Simplesmente, entende que do princípio da consagração do procedimento arbitral, enquanto meio de resolução de litígios fiscais alternativo ao processo de impugnação judicial, não decorre automaticamente a extensão da vinculação da AT a todas as situações em que, doutrinaria e/ou jurisprudencialmente, for considerada admissível essa impugnação."

26. Tese esta que é acompanhada de perto pela decisão proferida no âmbito deste processo, porquanto aí se considerou que estamos na presença de uma vinculação unilateral que implica uma renúncia ao foro comum — os tribunais tributários —, donde resulta para os sujeitos passivos o direito potestativo de recorrerem à arbitragem. Tratando-se de uma renúncia ao foro comum a declaração seria  sempre de interpretar literalmente ou seja estritamente.

27. Essencial para optar pela segunda das interpretações em presença seria, a meu ver, determinar por que teria querido o legislador (e não, diga-se, a AT de modo directo) excluir de possibilidade de recurso arbitral os casos em que houve recurso à revisão oficiosa estando em causa erros na autoliquidação. Por outras palavras, essencial é, como atrás se deixou escrito, fixar o espírito da lei, pois só em estrita obediência à ratio legis é possível resolver as dúvidas hermenêuticas geradas pela aplicação da lei. Assim, a segunda tese só lograria convencer se se esclarecesse por que a razão o legislador impôs o recurso prévio à «via administrativa» e que, à luz de tal razão, o procedimento de revisão oficiosa não valeria como tal.    

28. E sobre isso não se descortina qualquer razão válida para tal. Bem pelo contrário, as razões que existem vão no sentido da equiparação entre os dois procedimentos.

29. É hoje pacífico que existe uma equiparação real do procedimento de Revisão Oficiosa ao da Reclamação Graciosa, o que aliás é reconhecido e bem pela própria AT. Ambos os procedimentos destinam-se a colher uma apreciação administrativa de um determinado caso, tratando-se de duas figuras jurídicas muito similares entre si, diferenciando-se entre si no essencial em razão do destinatário do acto e do prazo de exercício do direito.

30. A LGT prevê, de forma generalizada, a possibilidade de revisão dos actos tributários, encontrando-se o seu regime jurídico-processual configurado, essencialmente, no seu artigo 78.° resultando deste regime que a revisão oficiosa pode ter lugar quando o sujeito passivo a requeira dentro do prazo fixado para a reclamação administrativa.

31. E, nos termos do artigo 78.°, n.° 1, in fine, da LGT, não obstante o decurso desse prazo, o autor do acto pode, ainda, por sua iniciativa, rever o respectivo acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços, admitindo-se, neste caso, a revisão do acto no prazo de quatro anos ou a todo o tempo se o tributo ainda não estiver pago.

32. O dever de proceder à revisão oficiosa de actos de liquidação constitui um reconhecimento, no âmbito do direito tributário, do dever de revogar actos ilegais, que é corolário dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a AT tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.°, n.°2, da CRP e 55.° da LGT), que impõem, como regra, que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei.

33. Considerando que a AT apreciou por via administrativa o caso, nomeadamente sobre a legalidade de 24 actos de autoliquidação, não se vislumbra a razão, insiste-se, o motivo atendível pelo qual o procedimento de revisão oficiosa não há-de ser equiparado ao procedimento de reclamação graciosa. Ora, a AT reconhece expressamente que efectivamente pronunciou-se sobre a matéria em causa.

34. Tendo havido prévio recurso à via administrativa da revisão oficiosa, tendo a AT apreciado, como apreciou, a legalidade dos 24 actos de autoliquidação do imposto, se consideram verificados os pressupostos quanto ao requisito da existência de uma prévia reclamação graciosa, pelo que entendo que a pretensão de declaração directa da ilegalidade do acto de autoliquidação do imposto não se deve encontrar afastada da competência deste Tribunal Arbitral.

 

 

2.        CONCLUSÃO

 

1. Resumindo:

 

2. Considerando que por razões de (i) de aplicação das normas de interpretação jurídicas, visando a reconstituição do próprio pensamento legislativo; (ii) a coerência do sistema jurídico tributário de garantias dos contribuintes não parecendo fazer sentido que, em sede de processo judicial tributário, se considere a utilização do meio — revisão oficiosa — quando em presença de uma situação de erro na autoliquidação e se desconsidere o mesmo em sede de procedimento arbitral tributário, obrigando ao recurso forçado de outro meio – reclamação graciosa – previsto no artigo 131.º do CPPT, e, por fim (iii) à própria natureza da arbitragem tributária, a qual não é a uma arbitragem voluntária assente numa comum cláusula compromissória ou convenção arbitral, exclusivamente voluntária e convencional, leva, na minha opinião, à conclusão de que deverá improceder a 3.ª excepção invocada pela AT na sua contestação. 

37. Pelo que, nesta parte, julgaria procedente a pretensão da Requerente. 

O Árbitro

Henrique Nogueira Nunes

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

A redacção do presente voto de vencido rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 

 

 

 



[1] Cf. entendimento do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0358/07, de 2007-05-07, segundo o qual, não sendo admissível a petição apresentada, inadmissível é a posterior ampliação do pedido.

[2] O pedido de anulação da decisão que determinou o indeferimento do pedido de revisão oficiosa é, por si só, inócuo, na medida em que da sua anulação pura e simples não decorre a satisfação da pretensão da Requerente.

 

[3] Cf. neste sentido, quanto à distinção entre objeto imediato e mediato, o acórdão do STA, de 2011-11-16, proferido no processo n.º 0156/11