DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A…, contribuinte fiscal n.º … e B…, contribuinte fiscal n.º…, residentes no …, …, … andar, …-… Lisboa, requereram a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária tendo em vista a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS relativo ao ano de 2014 de que, depois de efetuadas as deduções legais, resultou um valor a reembolsar de € 5 051,43. Em consequência da declaração de ilegalidade do mencionado ato, solicitam os Requerentes que seja determinada a anulação da liquidação em causa.
2. Como fundamento do pedido, os Requerentes alegam, em síntese, que a questionada liquidação se encontra ferida de ilegalidade por:
a) Não terem sido consideradas na determinação do rendimento líquido da Categoria F – rendimentos prediais – determinadas despesas no valor total de € 13 212,68;
b) A liquidação não refletir o resultado líquido negativo do agregado familiar apurado no âmbito da categoria F, no valor total de € 40.470,36.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 23-06-2016, foi aceite pelo Sr. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em 12-07-2016.
4. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 29-08-2016.
5. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 13-09-2016.
7. Regularmente constituído, o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
8. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).
9. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
10. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas quaisquer outras questões que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.
II. Matéria de facto
11. Com relevância para a apreciação da questão suscitada, destacam-se os seguintes elementos factuais:
11.1. Relativa aos rendimentos auferidos pelo respetivo agregado familiar no ano de 2014, os Requerentes apresentaram em 29-05-2015 a declaração periódica de rendimentos modelo 3, do IRS, a qual, na mesma data, foi rececionada pelo serviço competente da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
11.2. Conjuntamente com anexos declarativos respeitantes a outras categorias de rendimentos auferidos pelo conjunto do agregado familiar, a referida declaração integra um Anexo F – Rendimentos prediais.
11.3. Deste anexo declarativo consta terem os sujeitos passivos auferido, naquele ano de 2014, um montante de € 58 433,28 de rendimentos brutos da Categoria F do IRS tendo suportado um valor total de € 112 720,36 de despesas dedutíveis, das quais é imputável ao sujeito passivo A –A…- o montante de € 64 058,75 e ao sujeito passivo B – B…- o montante de € 48 661,61 (Doc. 1, anexo à resposta da Requerida).
11.4. Da referida declaração consta, ainda, que os Requerentes, residentes em território nacional, não optaram pelo englobamento dos rendimentos em causa.
11.5. No âmbito de procedimento de comprovação dos montantes de despesas dedutíveis para efeitos de determinação do rendimento líquido da categoria F do IRS, a AT, na sequência da apreciação dos elementos comprovativos apresentados pelos sujeitos passivos em 03-07-2015, considerou não serem relevantes para aquele efeito determinadas despesas.
11.6. Assim, através do ofício n.º…, de 11-08-2015, notificou os sujeitos passivos para, no prazo de 15 dias, apresentarem declaração de substituição do IRS de 2014 a alterar as despesas dos prédios arrendados tomando em consideração, para o efeito, apenas as que são identificadas no referido ofício, com exclusão das restantes, nos termos e com os fundamentos no mesmo detalhadamente referidos (Doc. 2).
11.7. Através do mesmo ofício, são ainda notificados os sujeitos passivos, para, querendo, exercerem por escrito o direito de audição prévia nos termos do artigo 60.º da LGT, sendo, para o efeito, fixado o prazo de 15 dias.
11.8. No exercício do referido direito, os Requerentes, em 24-08-2015, apresentaram documentos comprovativos das despesas declaradas, acompanhados de exposição em é apresentada a respetiva justificação (Doc. 3).
11.9. Após apreciação dos documentos e da exposição apresentados em sede de exercício do direito de audição prévia, nos termos do n.° 7 do art. 60.° da LGT, a AT “decidiu corrigir os elementos declarados a título de despesa sobre rendimentos prediais em anexo F, sendo aceites e dadas como comprovadas despesas num montante global de € 98.903,64.”
11.10. Da referida decisão, e respetiva fundamentação, comunicada aos sujeitos passivos através de ofício datado de 12-02-2016, do Serviço de Finanças de Lisboa…, destacam-se os valores aceites por sujeito passivo e a fundamentação relativa a cada documento apresentado referente a despesa não aceite.
11.11. Sendo aceites pela AT a totalidade das despesas imputadas ao sujeito passivo B –B…– no montante de € 48 661,61, foram, no entanto, objeto de retificação oficiosa as da responsabilidade do sujeito passivo A – A… .
11.12. Das respetivas despesas declaradas, imputáveis ao sujeito passivo B, no montante de € 64 058,75, a AT considerou aceites e comprovadas despesas no valor de € 50 242,03.
11.13. De acordo com o referido ofício (Doc. 4) foi recusada a dedutibilidade das despesas indicadas no quadro seguinte, com base nos seguintes fundamentos:
Prestador serviços/comerciante
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Identificação
Factura/recibo/documento
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Data do documento
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Valor (em euros)
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Fundamentação
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C…
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Fatura simplificada …
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2014-12-13
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365,00
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a), b)
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D…
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FT… /…
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2014-04-11
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388,90
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a)
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D…
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FT …/…
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2014-02-23
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388,13
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a)
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D…
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FS …/…
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2014-02-18
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14,90
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c)
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D…
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FT …/…
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2014-02-18
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1.073,18
|
a)
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D…
|
FT …
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2014-02-18
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1.118,62
|
a)
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D…
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FT …/…
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2014-02-23
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864,16
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a)
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… (Imp. de Selo)
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2015-01-14
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130,00
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d)
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E…
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Fatura FAC …
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2014-12-18
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67,65
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e)
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F…, Ldª
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Fatura FAC …
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2014-12-19
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110.880,45
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f)
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a) Documento de aquisição de “electrodomésticos”. O artigo 41.º do CIRS prevê que aos rendimentos prediais "deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação". No elenco de despesas de manutenção são admissíveis, a título de exemplo, a energia e manutenção dos elevadores, escadas rolantes e monta-cargas, porteiros; iluminação, aquecimento ou climatização central; administração da propriedade horizontal; limpeza: prêmios de seguro. Quanto às despesas de conservação muito embora o art. 41.° não as especifique, deverão ser consideradas como tal, todas aquelas despesas que for necessário efectuar e suportar para manter o estado do prédio e que não sejam enquadráveis no conceito de despesas de manutenção. Assim, podemos considerar como obras de conservação, a cargo do senhorio, as obras de reparação e limpeza geral do prédio e suas dependências e todas as intervenções que se destinem a manter ou repor o prédio com um nível de habitabilidade idêntico ao existente à data da celebração do contrato e as impostas pela Administração, face aos regulamentos gerais ou locais aplicáveis, para lhe conferir as características habitacionais existentes ao tempo da concessão da licença de utilização. A contrário não serão, portanto, dedutíveis obras de construção que alterem a estrutura do imóvel; aquisição de mobiliário ou electrodomésticos; instalações de equipamento de ar condicionado e obras de valorização do imóvel;
b) Documento ilegível;
c) Documento com serviços de transporte. Ler alínea b);
d) Documento pago fora do exercício de 2014. O conceito de despesas e rendimentos obedece ao princípio da especialização do exercício e adota o sistema de "caixa";
e) Documento sem identificação do prédio ou parte de prédio;
f) Descrição da fatura menciona "Trabalhos executados no prédio n.° … da Rua …— …", ou seja foram obras comuns ao prédio. Verificando a matriz verifica-se que é composta por 3 andares suscetíveis de utilização independente, a saber, cave, rés-do-chão e 1.0 andar. Estando arrendados o rés-do-chão e 1.° andar imputou-se na base da permilagem de cada andar e nos termos do n.° 1 do art. 41.° do CIRS, % do valor a cada andar arrendado, isto é €12.320,05 para o rés-do-chão e €12.320,05 para o 1.° andar.
11.14. Não obstante a correção oficiosa operada pela AT, reduzindo o valor das despesas consideradas relevantes para a determinação do rendimento líquido da Categoria F de € 112 720,36 para € 98 903,64 e ser este valor, ainda assim, superior ao dos rendimentos declarados, a respetiva liquidação não reflete a diferença como valor a reportar aos anos seguintes (Doc.1).
11.15. A liquidação em causa, envolvendo valores enquadráveis em diversas categorias de rendimentos sujeitos a IRS, apura um valor a reembolsar, de € 5 051, 43, sendo notificada aos sujeitos passivos em 28-03-2016.(Doc. 1).
12. Não existem outros factos relevantes para a decisão de mérito que não se tenham provado.
III. Matéria de direito
13. A pretensão dos Requerentes, no sentido da anulação da liquidação do IRS relativo aos rendimentos por eles auferidos no ano de 2014, tem por base os pressupostos e fundamentação que a seguir se sintetiza:
13.1. Errada correção oficiosa das despesas declaradas relativas à determinação do rendimento líquido da Categoria F, por violação dos artigos 8.º e 41.º do CIRS.
13.2. Errada desconsideração do resultado líquido negativo da Categoria F a reportar aos anos seguintes, em violação do disposto no artigo 55.º do citado Código;
13.3. Errada equiparação de prédios em propriedade total (propriedade vertical) a frações autónomas para efeitos de limitação da dedução de despesas de manutenção e de conservação, por violação do artigo 41.º do CIRS.
13.4. Acresce, ainda, que a decisão da AT configura violação do artigo 41.º, n.º 1, do CIRS, por desconformidade com o princípio constitucional da capacidade contributiva, e, subsidiariamente, violação do artigo 60.º, n.º 1, a) da LGT, em virtude da preterição do direito de audição prévia relativamente à recusa da dedutibilidade das faturas n.ºs…, n.º … e n.º… .
14. Está, pois, em causa no presente pedido de pronúncia arbitral a apreciação da legalidade das correções operadas pela AT no que concerne às despesas relevantes para a determinação do rendimento líquido da Categoria F, bem como a circunstância de a liquidação relativa ao ano de 2014 não refletir, como valor a reportar aos anos seguintes, o resultado líquido negativo apurado na referida Categoria de rendimentos.
15. A título subsidiário, é suscitada a violação do direito a audição prévia com referência à não aceitação como despesas especificas dedutíveis no âmbito da refere categoria de rendimentos, a documentadas por diversas faturas, identificadas no pedido.
16. Em conclusão, os Requerentes requerem o deferimento do pedido que formulam, com a consequente declaração de anulação da liquidação de IRS relativa ao ano de 2014 com fundamento em ilegalidade por vício de violação de lei, sintetizada nos seguintes termos:
a) Por erro na aplicação do direito decorrente da violação do disposto no artigo 55.º, n.º 2, do Código do IRS, com fundamento na desconsideração do resultado líquido negativo apurado no âmbito da referida Categoria F, no montante de € 40.470,36, a ser reportado aos resultados líquidos positivos apurados nos anos subsequentes no âmbito dessa Categoria.
b) Por erro na aplicação do direito decorrente da violação do disposto no artigo 41.º, n.º 1, do Código do IRS, com fundamento na interpretação ilegal do primeiro e do segundo blocos do referido número conducente à equiparação indevida dos requisitos próprios e autónomos de cada um desses blocos, para efeito de limitação da dedução das despesas no valor de € 12.320,05, efetivamente suportadas e documentalmente comprovadas pelo Requerente marido, aos rendimentos da Categoria F, montante que a acrescer ao resultado líquido negativo apurado no âmbito da referida Categoria F seria suscetível de dedução aos resultados líquidos apurados nessa Categoria nos anos subsequentes.
c) Por erro na aplicação do direito decorrente da violação do disposto nos artigos 8.º, 41.º, n.º 1 e 55.º, n.º 2, do Código do IRS, e 2.º do Código do IMI, com fundamento não só na errada interpretação do artigo 41.º,n.º 1, referida no pedido anterior [b)], como também na ilegal equiparação de prédios em propriedade vertical a frações autónomas, para efeitos de limitar da dedução das despesas no valor de € 12.320,05, efetivamente suportadas e documentalmente comprovadas pelo Requerente marido, aos rendimentos da Categoria F, por a cave do prédio em propriedade plena não se encontrar arrendada;
d) Por erro na aplicação do direito decorrente da violação do disposto no artigo 41.º, n.º 1, do Código do IRS, com fundamento na desconsideração do montante de € 1.277,66 suportado pelo Requerente marido a título de despesas de manutenção legalmente dedutíveis aos rendimentos da Categoria F;
e) Por erro na aplicação do direito decorrente da aplicação do artigo 41.º, n.º 1, do Código do IRS, desconforme com o princípio constitucional da capacidade contributiva, ínsito no artigo104.º, n.º 1, da CRP.
f) Subsidiariamente, caso não procedam os pedidos anteriores, por erro na aplicação do direito decorrente da violação do disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a), da LGT, com fundamento na preterição ilegal do direito de audição prévia do Requerente marido relativamente aos argumentos aduzidos pela AT para a recusa da dedutibilidade das faturas n.º…, … e … .”
17. Considerando o pedido formulado pelos Requerentes, bem como a factualidade fixada, resulta-se serem submetidas à apreciação deste Tribunal Arbitral, como questões principais, as relativas à dedutibilidade de despesas em encargos para a determinação do rendimento líquido da Categoria F e a possibilidade de reportar aos anos seguintes as perdas suportadas pelos sujeitos passivos não deduzidas no ano em que foram incorridas por insuficiência de rendimento.
Das deduções específicas no âmbito da Categoria F
18. Na tributação do rendimento pessoal, foi expressamente acolhido pelo legislador do IRS o princípio da tributação do rendimento acréscimo líquido. Assim, no âmbito das diversas categorias de rendimentos abrangidas pela incidência do IRS, a tributação dos rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos residentes em território português incide, por regra, sobre o rendimento líquido auferido em cada ano pelos respetivos titulares.
19. O rendimento líquido de cada categoria é o valor resultante da dedução ao respetivo rendimento bruto das despesas consideradas indispensáveis à sua obtenção.
20. Relativamente aos rendimentos prediais, que integram a Categoria F de rendimentos sujeitos ao IRS, as despesas relevantes para a sua obtenção constam do artigo 41.º do CIRS cuja redação, em vigor à data a que respeita a liquidação questionada, era a seguinte:
Artigo 41.º
Deduções
1 - Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8° deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal.[i]
2 - No caso de fração autónoma de prédio em regime de propriedade horizontal, deduzem-se também os encargos de conservação, fruição e outros que, nos termos da lei civil, o condómino deva obrigatoriamente suportar, por ele sejam suportados, e se encontrem documentalmente provados.[ii]
3 - Na sublocação, a diferença entre a renda recebida pelo sublocador e a renda paga por este não beneficia de qualquer dedução.”i
21. A disposição legal citada define, sem, contudo, tipificar, os gastos - despesas e encargos - considerados indispensáveis à obtenção do rendimento, fazendo depender a sua dedutibilidade dos seguintes pressupostos legais:
- Configurarem-se como despesas de manutenção e conservação;
- Incumbirem ao sujeito passivo;
- Serem efetivamente suportadas e documentalmente provadas.
22. Além das despesas e encargos referidos, são, ainda, dedutíveis para determinação do rendimento liquido da Categoria o IMI e o imposto do Selo que incidam sobre o valor do prédio arrendado, cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal
23. Da correção de despesas dedutíveis operada pela AT com base no entendimento de que as mesmas não preenchem os requisitos da disposição legal citada, os Requerentes “ aceitam a não dedutibilidade das despesas vertidas (i) na fatura n.º …, de 13 de Dezembro de 2014, no montante total de ¬ 365,00, (ii) na fatura n.º …/…, de 18 de Fevereiro de 2014, no montante total de ¬ 14,90, (iii) na fatura n.º…, de 14 de Janeiro de 2015, no montante total de ¬ 130,00, e (iv) na fatura n.º …/…, de 18 de Dezembro de 2014, no montante total de ¬ 67,65.”
24. No entanto. “ ... não podem conformar-se com a desconsideração das demais despesas incorridas no âmbito da categoria F do IRS, no montante total de ¬ € 13.597,71 [correspondente à quota-parte das despesas suportadas pelo Requerente marido demonstradas através das faturas n.º …/… (no montante de ¬ 129,63), n.º …/… (no montante de ¬ 129,38), n.º …/… (no montante de ¬ 357,73), n.º …/… (no montante de ¬ 372,87), n.º…/… (no montante de ¬ 288,05) e n.º …/… (no montante de € 12.320,05 — relativo a um dos 3 andares).”
25. Das despesas desconsideradas pela AT, cuja decisão é contestada pelos Requerentes, verifica-se que as mesmas atingem um montante global de € 13 597,71, sendo a importância de € 1 277,66 respeitante à aquisição de eletrodomésticos e a de € 12 320,05 referente a despesas respeitantes a obras comuns no prédio na proporção correspondente à parte não arrendada.
Dos encargos relativos à aquisição de eletrodomésticos
26. Relativamente à exclusão do âmbito da dedução dos encargos relativos à aquisição de eletrodomésticos, a decisão da AT vem fundamentada nos seguintes termos: “O artigo 41.º do CIRS prevê que aos rendimentos prediais "deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação". No elenco de despesas de manutenção são admissíveis, a título de exemplo, a energia e manutenção dos elevadores, escadas rolantes e monta-cargas, porteiros; iluminação, aquecimento ou climatização central; administração da propriedade horizontal; limpeza: prémios de seguro. Quanto às despesas de conservação muito embora o art. 41.° não as especifique, deverão ser consideradas como tal, todas aquelas despesas que for necessário efetuar e suportar para manter o estado do prédio e que não sejam enquadráveis no conceito de despesas de manutenção. Assim, podemos considerar como obras de conservação, a cargo do senhorio, as obras de reparação e limpeza geral do prédio e suas dependências e todas as intervenções que se destinem a manter ou repor o prédio com um nível de habitabilidade idêntico ao existente à data da celebração do contrato e as impostas pela Administração, face aos regulamentos gerais ou locais aplicáveis, para lhe conferir as características habitacionais existentes ao tempo da concessão da licença de utilização. A contrario não serão, portanto, dedutíveis obras de construção que alterem a estrutura do imóvel; aquisição de mobiliário ou eletrodomésticos; instalações de equipamento de ar condicionado e obras de valorização do imóvel.”;
26. Segundo os Requerentes, as despesas em causa respeitam à aquisição de equipamentos de cozinha, mais especificamente de fogões e máquinas de lavar roupa, com vista à substituição dos equipamentos que se encontravam avariados nos imóveis arrendados.
27. Fundamentando o seu entendimento no que respeita à dedutibilidade das referidas despesas, dizem os Requerentes que:
“ 82.º
Os mencionados imóveis sempre se encontraram equipados com fogão e máquina de lavar roupa, sendo esse o estado que foram arrendados, e sendo obrigação contratual do senhorio mantê-los nesse estado — cfr. contratos de arrendamento que ora se juntam conjuntamente como Documento n.º 5.
83.º
Por conseguinte, perante a avaria daqueles equipamentos, coube ao Requerente A…, enquanto Senhorio, a obrigação de proceder à respetiva substituição, de modo a repor as condições iniciais de habitabilidade dos locados, assegurando que os arrendatários não sofrem qualquer diminuição do gozo da coisa.
84.º
E de acordo com a fundamentação apresentada pela AT, estas despesas configuram despesas de conservação, porquanto se reconduzem a "intervenções que se destinem a manter ou repor o prédio com um nível de habitabilidade idêntico ao existente à data da celebração do contrato".
85.º
Mal se entende, então, como pode ser recusada a dedutibilidade de tais despesas quando estas são subsumíveis à própria interpretação que a AT faz do artigo 41.º do Código do IRS.
28. Salientando ser incompreensível a recusa pela AT da dedutibilidade de equipamentos que são parte integrante dos locados e que são, aliás, indubitavelmente essenciais para assegurar as condições mínimas de habitabilidade de qualquer imóvel dado de arrendamento para fins habitacionais, os Requerentes invocam, ainda, a Decisão Arbitral proferido no âmbito do Processo nº 435/2014-T: no sentido de que "Devem incluir-se no conceito de despesas de manutenção, todas aquelas necessárias, incluindo-se nestes conceitos, as despesas incorridas pelo proprietário e senhorio, como as de renovação de equipamentos afetos ao prédio, e isso inclui equipamentos de cozinha e casa de banho.
Isto deve-se ao fato de os equipamentos de cozinha e casa de banho serem parte integrante do edifício"
29. Em resposta ao alegado pelos Requerentes, a AT vem questionar a afirmação destes no sentido de que os equipamentos adquiridos, sustentando que nenhuma prova foi avançada “em torno das pretensas avarias”. Questiona, ainda, a Requerida, a afirmação dos Requerentes no sentido de terem sido obrigados a substituir os equipamentos, que considera “manifestamente falsa e contrariada pelos documentos juntos pelos Requerentes.”
30. Prosseguindo com a sua tese sobre a alegada falsidade da afirmação dos Requerentes, diz a Requerida “Como podem os Requerentes alegar que os equipamentos foram comprados para substituir equipamentos avariados no decurso da locação, quando os dois contratos de arrendamento foram celebrados em datadas posteriores às aquisições dos eletrodomésticos?
Isto é, como é que equipamentos comprados em fevereiro de 2014 se destinaram a substituir equipamentos avariados na pendência de arrendamentos celebrados em março e abril de 2014 ?”
31. Questiona, ainda, a Requerida, a referência feita pelos Requerentes à circunstância de os equipamentos em causa poderem integrar a noção de partes integrantes de prédio concluindo, no sentido de que a interpretação proposta pelos Requerentes não tem qualquer suporte na letra da lei, referindo, ainda, a este propósito, “que a atual redação do artigo 41.° do CIRS (por força da Lei 82-E/2014, de 31/12), veio definitivamente esclarecer – se dúvidas existiam – que as despesas aqui em causa não são dedutíveis.”
32. Na apreciação da legalidade da decisão questionada, não pode o Tribunal Arbitral deixar de se ater à fundamentação que consta do ato administrativo, sendo irrelevante, para esse efeito, razões que poderiam, eventualmente, justificar a decisão mas que não foram expressamente aduzidas, como fundamentos do ato. Está, pois, impedido de valorar razões de facto e de direito que não constando dessa fundamentação venham a ser posteriormente invocadas (Neste sentido, entre muitos outras decisões relativas à inadmissibilidade de fundamentação à posteriori, cfr. STA, Acs. de 12.3.2003, Proc. 01661/02 e de 27.1.2016, Proc. 043/16).
33. Sem necessidade, pois, de mais amplas explanações, o Tribunal considerará tão somente a fundamentação expressa no ato administrativo questionado e esta limita-se a exprimir o entendimento de que as despesas relativas à aquisição de eletrodomésticos não estão contempladas nos conceitos de despesas de manutenção e de conservação, pelo que, consequentemente, estão excluídas do âmbito da dedução específica prevista no artigo 41.º do CIRS.
34. Como já acima se referiu, as despesas e encargos a que se refere a norma citada constituem deduções específicas da Categoria F, visando apurar o respetivo rendimento líquido. Por seu lado, constituem rendimentos brutos da mesma categoria não só as rendas prediais, no sentido civilista, como também outras realidades económicas. Para além de serem como tal consideradas as importâncias relativas à cedência do uso de prédio ou de parte dele, são também tidas como rendas prediais, as importâncias respeitantes a serviços relacionados com aquela cedência e, ainda, sendo o caso, as relativas ao aluguer de maquinismos e mobiliários instalados no imóvel locado (Cfr. CIRS, art.º 8.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b);
35. Na situação concreta em análise, constata-se que dos contratos de arrendamento celebrados pelos Requerentes consta que nos mesmos se inclui o equipamento constante de inventário anexo, designadamente, placa de fogão, forno, exaustor, esquentador e máquina de lavar louça.
36. À luz do conhecimento que nos advém da experiência, não é difícil admitir-se que a renda global estipulada nos contratos reflete, também, a retribuição pela cedência dos referidos equipamentos e, nessa medida, os custos relativos à sua aquisição não pode deixar de integrar as despesas de manutenção e conservação a que se refere, sem definir contudo, o artigo 41.º do CIRS.
37. É certo, como pela Requerida bem assinalado vem, que, de acordo com a atual redação da citada norma, estão expressamente excluídas daquele âmbito, entre outras, as despesas respeitantes à aquisição de eletrodomésticos.
38. Esta exclusão, resultante de alteração introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, opera apenas quanto às situações que venham a ocorrer após o início de vigência da referida lei, pois que a referida lei não atribui eficácia retroativa à nova redação introduzida àquele preceito.
39. Contrariamente à conclusão que a Requerida extrai desta alteração introduzida à norma pela referida Lei, entende-se que, antes da sua vigência, tais encargos seriam dedutíveis, provada que fosse a sua conexão com a fonte do rendimento sujeito a tributação. Só assim não seria se àquela alteração fosse atribuída natureza interpretativa, o que se não verifica no presente caso.
40. Nestes termos, conclui-se assistir razão aos Requerentes no que concerne à dedutibilidade das despesas relativas à aquisição de eletrodomésticos instalados nos prédios locados e, assim sendo, deve a decisão em causa ser revista por forma a integrar nas despesas que constituem dedução específica da Categoria F do ano de 2014 a importância de € 1 277,60 relativa àquelas aquisições.
Dos encargos relativos à realização de obras comuns no prédio
41. Relativamente a despesas respeitantes a obras realizadas em prédio parcialmente arrendado no ano a que os rendimentos respeitam, considerou a AT que apenas seriam dedutíveis na proporção do valor de cada andar arrendado, nos seguintes termos: “Descrição da fatura menciona ‘Trabalhos executados no prédio n.º … da Rua …–…’, ou seja foram obras comuns ao prédio. Verificando-se a matriz verifica-se que é composta por 3 andares suscetíveis de utilização independente, a saber, cave, rés-do-chão e 1.º andar. Estando arrendados o rés-do-chão e o 1.º andar imputou-se na base da permilagem de cada andar e nos termos do n.º 1 do art.º 41 do CIRS, 1/3 do valor a cada andar arrendado, isto é € 12.320,05 para o rés-do-chão e 12.320,05 para o 1.º andar”.
42. Discordando da decisão da AT consideram os Requerentes que o valor das despesas respeitantes ao prédio sito na Rua…, n.º…, em…, o qual é objeto de arrendamento, deve ser integralmente dedutível, nos termos do artigo 41.º do CIRS.
43. Fundamentam o entendimento que expressam, essencialmente, nos seguintes termos:
“65.º
(...) encontrando-se o referido prédio em propriedade vertical, não pode o intérprete (rectius o aplicador do direito, como é o caso da AT), numa leitura abusiva dos preceitos legais, pretender equiparar as divisões suscetíveis de utilização económica independente a frações autónomas em regime de propriedade horizontal, as quais, enquanto tal, são classificadas juridicamente como prédios.
(...)
71.º
Por conseguinte, mal se entende a posição da AT de não aceitação parcial das referidas despesas incorridas com fundamento no facto de que apenas duas das partes suscetíveis de utilização independente se encontrarem arrendadas no ano de 2014, quando resulta claro da leitura conjugada do disposto nos artigos 8.º e 41.º, n.º 1, do Código do IRS, que a dedutibilidade das despesas de manutenção e de conservação se há-de fazer contra o rendimento auferido na categoria F.
44. Pelo que, segundo os Requerentes, “ O intérprete da lei fiscal não pode, pois, pela hermenêutica do Código do IRS, nomeadamente pelos seus artigos 8.º e 41.º, n.º 1, pretender equiparar estes dois regimes, tratando realidades distintas como iguais, quando é patente na lei civil e na lei fiscal que essas realidades merecem tratamento diferenciado: prédio é toda a fração de território pertencente ao património de uma pessoa singular ou coletiva e cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”
45. Em abono da tese que sustentam, os Requerentes propõem a seguinte interpretação da norma do artigo 41.º do CIRS,
O artigo 41.º, n.º 1, do Código do IRS, trata de forma distinta, por um lado, a dedução de todas as “despesas de manutenção e de conservação” que incumbam ao sujeito passivo, sem ser feita qualquer referência a prédio ou a partes de prédio, e, por outro lado, o direito à dedução do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) e do Imposto do Selo (“IS”).
Apenas este segundo bloco do n.º 1 do artigo 41.º, o qual regula o direito à dedução do IMI e do IS, é condicionado aos prédios ou parte de prédio cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal.
Por conseguinte, a limitação imposta no segmento frásico “sobre o valor dos prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal”, do segundo bloco, aplica-se apenas ao IS e ao IMI – e não às despesas–, uma vez que aquela expressão “cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal” não é antecedida por uma vírgula.
Pelo contrário, se essa vírgula existisse, a expressão “prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal “aplicar-se-ia aos dois blocos do n.º 1 do artigo 41.ºdo Código do IRS, ou seja, aplicar-se-ia às referidas despesas de manutenção e conservação e também ao IS e ao IMI.
Mas não é isso que acontece, pois, o legislador não introduziu a referida vírgula no artigo.
E compreende-se que assim seja, porque o IMI e o IS têm um carater contínuo, periódico, tal como as rendas, relacionáveis biunivocamente ano a ano, enquanto as despesas de conservação e de manutenção têm uma incidência pontual e têm sempre como contrapartida económica as rendas de vários anos: as rendas anteriores relacionadas com os estragos que vão ser reparados e que resultam diretamente da utilização do locado, e as rendas atuais e/ou posteriores que só poderão existir se a reparação for realizada.
E esta interpretação do artigo 41.º, n.º 1, é confirmada pela evolução histórica legislativa da referida norma.
Com efeito, a versão originária da norma – introduzida pela Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro –, constante do então artigo 40.º tinha a seguinte redação “Aos rendimentos brutos referidos no artigo 9º deduzir-se-ão as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas”.
Apenas com entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, a letra do referido artigo foi alterada, passando, então, a prever-se que “Aos rendimentos brutos referidos no artigo 9º deduzir-se-ão as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como a contribuição autárquica que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento tenha sido englobado”– destaques da nossa autoria que evidenciam a alteração à redacção do referido número.
A referida redação manteve-se substancialmente intacta após esta alteração legislativa, apenas se substituindo a referência a “contribuição autárquica” por “imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo”.
Significa isto que o segundo bloco do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRS deve ser lido de forma autónoma e independente do primeiro bloco, tendo cada um deles os seus próprios requisitos.
Acresce que o bom senso conduz a que o direito à dedução de despesas não pode estar relacionado com situações furtuitas do mês em que as obras começam e/ou acabam, ou com a data em que a emissão da respetiva fatura ocorre – mais próximo ou mais distante do final ou princípio do exercício–, com a possibilidade comercial efetiva de existir ou não tempo suficiente para cessar um arrendamento e iniciar outro.
Consequentemente, no caso sub judice, impunha-se que o valor das despesas incorridas pelo Requerente A… no prédio sito na Rua …, n.º…, … fosse integralmente considerado como perda a reportar aos exercícios seguintes, em conformidade com o disposto no artigo 55.º, n.º 2, do Código do IRS.
46. A Requerida, não acompanhando o entendimento expresso pelos Requerentes, acima transcrito nos seus aspetos essenciais, exprime a sua posição nos seguintes termos:
43.º
... a articulação das normas patentes nos artigos 8.º e 41.º do CIRS não deixa qualquer margem de dúvida quanto à necessidade de um nexo entre a dedução das despesas de conservação e os prédios, ou partes destes últimos, geradores de rendimentos prediais.
44.º
Com efeito, o artigo 41.º/1, parte inicial, do CIRS ao remeter para os «rendimentos brutos referidos no artigo 8.º» está desde logo a referir-se às rendas dos prédios, sendo que o artigo 8.º/2-a) do mesmo diploma é claríssimo ao dizer que «são havidas como rendas as importâncias relativas à cedência do uso do prédio ou de parte dele (…)».
45.º
Portanto, o argumento da pretensa ausência de uma vírgula no 1.º segmento do artigo 41.º/1 do CIRS é totalmente desbaratado quando o bom intérprete da lei articula aquela norma com aquilo que há muito dispõe o artigo 8.º do CIRS.
(...)
47.º
Posto isto, passemos ao argumento subsidiário levantado pelos Requerentes, qual seja o de que a Requerida efetuou uma interpretação abusiva da lei ao pretender equiparar as 3 divisões suscetíveis de utilização independente a frações autónomas em regime de propriedade horizontal, para assim desconsiderar o valor da despesa referente à não arrendada cave.
48.º
Contudo, também por aqui os Requerentes carecem de razão e mais uma vez fazem uma interpretação enviesada das normas aplicáveis.
49.º
Em primeiro lugar, os Requerentes trazem à colação a noção civil de prédio, quando bem sabem (ou, pelo menos, deveriam saber) que em direito fiscal se aplicam a noção fiscal de prédio.
50.º
Em segundo lugar, os Requerentes trazem à colação a noção fiscal de prédio patente no artigo 2.º do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis (“CIMI”), quando bem sabem (ou, pelo menos, deveriam saber) que em sede de IRS se aplica a noção de prédio patente o artigo 8.º/3 do CIRS.
51.º
Portanto, em sede de IRS aplica-se a noção de prédio constante do artigo 8.º/3, o qual dispõe que: «para efeitos de IRS, considera-se (…) prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo e os terrenos que lhe sirvam de logradouro (…).»
52.º
Ora, articulando o artigo 8.º/3 com o já citado artigo 8.º/2-a), ambos do CIRS, dúvida nenhuma pode restar quanto à necessidade de um nexo entre a dedução das despesas de conservação e os prédios, ou partes destes últimos, geradores de rendimentos prediais.
53.º
Nexo esse que inexiste quanto à cave do prédio aqui em causa, porquanto não se encontra arrendado e, por essa via, insuscetível de gerar rendimentos prediais.
54.º
Em terceiro lugar, mesmo a seguir-se a noção fiscal de prédio patente no CIMI, a tese dos Requerentes continua a falhar, porquanto, como se sabe (ou, pelo menos, se deveria saber), «cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário.»
55.º
Tal como explicam SILVÉRIO MATEUS e CORVELO DE FREITAS, «Um outro aspeto que deve ser evidenciado na matriz tem a ver com a necessidade de fazer relevar a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, funcional e economicamente independentes. Nestes casos, a inscrição matricial não só deve fazer referência a cada uma destas partes como deve fazer referência expressa ao valor patrimonial correspondente a cada uma delas. Um exemplo que pode ilustrar esta situação é o caso de um prédio urbano, não constituído no regime da propriedade horizontal e que seja composto por vários andares. Juridicamente este prédio constitui uma única unidade e a sua titularidade não pode ser atribuída a mais do que a um proprietário, sem prejuízo do regime da compropriedade. Porém, como cada uma destas unidades pode ser objeto de arrendamento ou de outra qualquer utilização por parte do respetivo titular, a matriz deve evidenciar essas unidades e deve ser atribuído valor patrimonial a cada uma delas.»
56.º
Em síntese, o cálculo efetuado pela Requerida e que presidiu à desconsideração da despesa em torno da não-arrendada cave não só encontra guarida no artigo 8.º do CIRS, como ainda o cálculo subjacente àquela desconsideração esta legalmente suportada no artigo 12.º/3 do CIMI.
57.º
Portanto, nenhuma leitura abusiva fez a Requerida, antes se limitou a seguir aquilo que a lei fiscal claramente dispõe.”
47. Analisando as posições em confronto não pode deixar de acompanhar-se o entendimento veiculado pela AT, nos termos e com os fundamentos acima transcritos.
48. Com efeito, o legislador fiscal atribui autonomia às partes de prédios funcional e economicamente independentes, tanto para efeitos da sua inscrição nas matrizes prediais e tributação na área do imposto municipal, como para efeitos de tributação do respetivo rendimento. Na área do IRS a norma do artigo 8.º, n.º 2, alínea a), não deixa dúvidas quanto a esta equiparação, ao qualificar como rendas prediais “As importâncias relativas à cedência do uso do prédio ou de parte dele ...”.
49. Por seu lado, a norma do artigo 41.º do mesmo Código, em articulação com o princípio do rendimento acréscimo líquido, pressupõe que as despesas e encargos dedutíveis sejam estreitamente conexos com a fonte produtora dos rendimentos ou, por outras palavras, que tais despesas sejam indispensáveis à formação do rendimento.
50. Assim, na situação em análise verifica-se que as despesas em causa resultam de obras comuns ao prédio e que a AT, oficiosamente, desconsiderou, para efeitos de apuramento da dedução específica da categoria, uma parcela do respetivo valor na proporção do valor da parte não arrendada.
51. Nestes termos, conclui-se pela improcedência do pedido no que concerne à consideração da totalidade das despesas que, relativas ao prédio em causa, sejam imputáveis ao Requerente A…, mantendo-se, nesta vertente, a decisão impugnada.
Das perdas a reportar aos anos seguintes
52. Não obstante o montante de encargos considerados pela AT como enquadráveis no âmbito da dedução específica da categoria F exceder o valor dos correspondentes rendimentos brutos da mesma categoria, não foi esse excesso considerado como perda a reportar aos anos seguintes, conforme consta da demonstração da liquidação (Doc. 1)
53. Segundo alegam os Requerentes, a liquidação do IRS relativo ao ano de 2014 “ao não considerar o resultado líquido negativo apurado pelos Requerentes no âmbito da categoria F como perda a reportar aos exercícios subsequentes nos termos expressamente previstos no artigo 55.º, n.º 2, do Código do IRS é ilegal, com fundamento em erro na aplicação do direito (...) o que consubstancia vício de violação de lei e consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT, determina a anulabilidade da referida liquidação de IRS (...) Anulação que desde já se requer”
54. Da nota demonstrativa da liquidação (Doc.1) não consta a fundamentação que suporta a não consideração das perdas em causa que, de resto, não foi objeto de notificação aos sujeitos passivos.
55. Todavia, na sua resposta ao pedido formulado pelos Requerentes vem a Requerida expressar a sua posição nesta matéria nos seguintes termos:
“ 20.º
Em primeiro lugar, os Requerentes expressamente declararam ser residentes no continente português (DOCUMENTO 1 ORA JUNTO – Modelo 3 do IRS, quadro 5).
21.º
Em segundo lugar, os Requerentes expressamente declararam não optar pelo englobamento dos rendimentos prediais por eles auferidos (DOCUMENTO 1 ORA JUNTO – Modelo 3 – Anexo F do IRS, quadro 5-B, campo 11).
22.º
(como, aliás, já o haviam feito no período de 2013 – DOCUMENTO 2 ORA JUNTO)
23.º
Portanto, ao não optarem pelo englobamento os aqui residentes Requerentes escolheram tributar separadamente o rendimento da categoria “F” mediante a aplicação de uma taxa liberatória fixa sobre aquele rendimento bruto,
24.º
(…) Ainda que se tenha mantido a obrigação de os mesmos fazerem constar tal rendimento na respetiva declaração de IRS.
25.º
Em suma, reunindo os Requerentes, como reuniam, o requisito da residência nacional plasmado no artigo 22.º, n.º 3, alínea b) do CIRS e tendo optado, como efetivamente optaram, pelo não englobamento do rendimento da categoria “F”, naturalmente que lhes está agora vedada a possibilidade de verem refletido o resultado líquido negativo no valor total de € 40.470,36.
26.º
Pois que o reporte de prejuízos é uma operação a jusante que pressupõe a adoção a montante da opção do englobamento – o que, frisa-se, não aconteceu no caso vertente.
27.º
Daí que, não tendo os Requerentes optado pelo englobamento, não podem vir agora – passe a expressão – “obter o melhor de dois mundos”, ou seja: A aplicação de uma taxa liberatória aos rendimentos da categoria “F” em detrimento da opção do englobamento; e
Simultaneamente o reporte de perdas subjacente a uma opção do englobamento que não foi tomada.
28.º
E isto é quanto basta para, sem mais, improceder o pedido de pronúncia arbitral tal como ele se mostra apresentado, quanto à questão do reporte de perdas, dado que liquidação sub judice mais não espelha senão o resultado da opção de tributação livremente tomada pelos próprios Requerente e, por conseguinte, aquilo que verte da lei fiscal. “
56. A divergência entre a posição expressa pelos Requerentes e pela Requerida centra-se, pois, na interpretação da norma do artigo 55.º, n.ºs 1 e 2, do CIRS, relativa a dedução de perdas, que, na redação em vigor à data a que respeita a liquidação questionada, dispunha que:
Artigo 55.º
Dedução de perdas
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos.ii
2 - O resultado líquido negativo apurado na categoria F só pode ser reportado aos cinco anos seguintes àquele a que respeita, deduzindo-se aos resultados líquidos positivos da mesma categoria.[iii]
57. Segundo se depreende da resposta da Requerida, constitui entendimento da AT que, estando em causa perdas respeitantes a rendimentos prediais não inteiramente deduzidas aos rendimentos brutos da respetiva categoria por insuficiência destes no ano em que foram auferidos, o respetivo reporte aos anos posteriores está condicionada à opção pelo englobamento desses rendimentos.
58. Como se referiu já, tal entendimento não está presente na decisão relativa à liquidação impugnada nem foi notificada aos respetivos sujeitos passivos. Por esse facto, analisar-se-á, com relevância para a decisão a proferir, apenas a fundamentação produzida na resposta da AT.
Da tributação autónoma dos rendimentos prediais
59. Nos termos do artigo 72.º, n.º 7, do CIRS, aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, em vigor à data da ocorrência do facto tributário impugnado, os rendimentos prediais passaram a ser tributados autonomamente à taxa de 28%.
60. A tributação autónoma dos referidos rendimentos – que não tem natureza liberatória – não prejudica o seu englobamento para tributação conjunta com outros rendimentos por opção dos respetivos titulares residentes em território português, conforme decorre do n.º 8 do mesmo artigo, na redação dada pela citada lei.
61. Não se vislumbra, no texto da lei, a existência de qualquer condicionamento do reporte de perdas na Categoria F de rendimentos do IRS à opção pelo englobamento desses rendimentos e consequente renuncia à sua tributação autónoma. Tampouco se compreende que esta tributação autónoma pudesse incidir sobre rendimentos brutos, em prejuízo do princípio da tributação do rendimento acréscimo líquido que constitui princípio estruturante do referido tributo.
62. Aliás, salienta-se que esta matéria foi já objeto de decisão arbitral [iv], de que pela sua exemplar clareza e sólida fundamentação, se transcreve o seguinte excerto:
“ Ora, tendo em conta que as perdas a reportar mais não são do que a acumulação de deduções específicas que, em cada ano, apenas podem ser abatidas à matéria tributável desse mesmo ano, até à sua concorrência, podendo ser abatidas à matéria tributável positiva de anos posteriores, dentro do limite temporal legalmente estabelecido, não se vê como o referido princípio da tributação dos rendimentos líquidos possa ser satisfeito sem que sejam tidas em consideração as perdas a reportar de anos anteriores.
Por outro lado, não existe norma que exclua a possibilidade de dedução de perdas, por parte de sujeitos passivos não residentes.
Se é certo que o englobamento opera numa fase posterior à da subtração das “deduções e abatimentos previstos nas secções seguintes”, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 22.º, do Código do IRS (o vocábulo “deduções” referir-se-á tanto às deduções específicas de cada categoria de rendimentos, como à dedução de perdas, enquanto deixou de haver “abatimentos”, desde a revogação do artigo 56.º, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro), daí não se seguirá, necessariamente, que, caso não seja possível o englobamento, deixe de ser possível beneficiar das “deduções” previstas nas secções seguintes.
Naturalmente que a tributação dos rendimentos líquidos é a que melhor se coaduna com o princípio da capacidade contributiva, mas este, quando referido a sujeitos passivos residentes em território nacional, não se basta com a tributação dos rendimentos líquidos, sendo aprofundado pela sua tributação global, mediante aplicação de uma tabela de taxas progressivas e de deduções à coleta, de caráter pessoalizante.
Afirma a AT que “aquela operação prévia (dedução de perdas) não é passível de ser realizada, porquanto a mesma sempre estaria condicionada ao prévio englobamento dos rendimentos”.
A dificuldade na compreensão de que uma realidade prévia a outra seja condicionada pela que lhe é posterior, uma vez que, em regra, as causas são anteriores às suas consequências, não significa que, no Código do IRS, tal não seja possível, constituindo uma exceção à possibilidade de dedução de perdas de anos anteriores.
Porém, curiosamente, a única exceção deste tipo é a que se refere à dedução de perdas da categoria G (relativas a certas mais valias mobiliárias), por residentes em território nacional, nos termos do n.º 6 do artigo 55.º, do Código do IRS, na redação em vigor nos anos em análise, segundo a qual “6 - O saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, pode ser reportado para os dois anos seguintes, aos rendimentos com a mesma natureza, quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.” (sublinhado nosso).
Contrariando a posição transmitida pela AT sobre a possibilidade de dedução de perdas sem prévio englobamento, já a doutrina se pronunciou a propósito da tributação dos rendimentos da categoria F auferidos por residentes, por taxas proporcionais (embora estes possam optar pelo englobamento), instituída pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (artigo 72.º, n.º 7, do Código do IRS). Permitimo-nos citar Rui Duarte Morais, que afirma “Note-se que, estando em causa uma taxa especial (e não de uma taxa liberatória), esta se aplica a rendimentos determinados nos termos gerais, ou seja, a rendimentos líquidos, o mesmo é dizer que o sujeito passivo continua a ser admitido a fazer as deduções específicas que a lei prevê. Como manterá, também, o direito ao reporte de prejuízos que tenha tido, nesta categoria, em anos anteriores.”[v]
63. Aderindo, sem reservas, à posição acima transcrita, entende, assim, o Tribunal Arbitral que o reporte de perdas a anos posteriores, no âmbito da Categoria F, não está dependente de opção pelo englobamento, sendo o mesmo admitido em caso de não ser manifestada tal opção por não haver disposição legal que afaste tal possibilidade, por um lado, e, por outro, em obediência ao princípio estruturante da tributação do rendimento líquido auferido pelos respetivos sujeitos passivos.
Da violação do direito de audição
64. Os Requerentes formulam, ainda, a título subsidiário, pedido no sentido do deferimento da sua pretensão “caso não procedam os pedidos anteriores, por erro na aplicação do direito decorrente da violação do disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a), da LGT, com fundamento na preterição ilegal do direito de audição prévia do Requerente marido relativamente aos argumentos aduzidos pela AT para a recusa da dedutibilidade das faturas n.º …, … e … .”
65. Dos factos dados como provados extrai-se que o Requerente marido não só foi notificado para exercer o direito de audição relativamente à decisão administrativa tomada sobre a não consideração de determinadas despesas para efeitos de determinação do rendimento líquido da categoria F, como também exerceu efetivamente esse direito.
66. No exercício desse direito, também segundo se extrai dos documentos juntos, não foram trazidos elementos novos que devessem ser considerados na decisão da AT: relativamente às despesas documentadas através das faturas … e … nenhuma questão se coloca já que os Requerentes reconhecem o bom fundamento da decisão administrativa que, expressamente, declaram aceitar (cfr. PI, n.º 17.º).
67. Quanto as despesas documentadas através da fatura …, relativas a obras comuns em prédio em propriedade total parcialmente arrendado, não se vislumbram quaisquer elementos novos que fossem suscetíveis de conduzir a uma decisão diferente daquela que foi adotada pela AT.
68. Assim, tendo sido facultado ao Requerente marido o direito e audição sobre o projeto de decisão da AT, tendo este sido efetivamente exercido e não sendo aportados ao procedimento elementos novos suscetíveis de modificar o sentido da decisão, na vertente acima considerada, considera o Tribunal improcedente o pedido subsidiário.
V. Decisão.
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando a anulação parcial da liquidação impugnada, que deve ser reformulada, nos seguintes termos:
- Aceitação das despesas declaradas relativas à aquisição de eletrodomésticos, no valor de € 1 277,66;
- Não consideração, como encargo dedutível, da importância de € 12 320,05, relativa a obras comuns no prédio, em propriedade total, parcialmente arrendado;
- Consideração, como perdas a reportar aos anos seguintes, do montante que, depois de efetuadas as correções antes referidas, resulte não ser passível de dedução no apuramento do rendimento líquido da Categoria F do IRS de 2014, por insuficiência do correspondente rendimento bruto.
Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 54 068,07, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 2 142,00, a cargo da Requerida (AT) e dos Requerentes, na proporção do respetivo vencimento, sendo € 1 653,92 a cargo daquela e € 488,08 a cargo destes.
Lisboa, 10 de março de 2017
O árbitro,
Álvaro Caneira
[i] Redacção da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro
[ii] Redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho
[iii] Redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro
[iv] Decisão Arbitral, de 30.6.2015, Proc. 96/2015-T, de que foi árbitro a Dr. Mariana Vargas
[v] Cfr. MORAIS, Rui Duarte de, “Sobre o IRS”, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2014, págs. págs. 115-116, nota 258.