DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dr. José Nunes Barata (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-03-2017, acordam no seguinte:
1. Relatório
a) A…, S.A., adiante abreviadamente designada por “A…”, NIPC n.°…, com sede na Rua …, n.°…, … e …, …-… …;
b) B…, S.A., adiante abreviadamente designada por “B…”, NIPC n.°…, com sede na … n.°…, … e …, …-… …;
c) C…, Lda., adiante abreviadamente designada por “C…”, NIPC n.°…, com sede na …, freguesia de …, …-… …;
d) D…, S.A., adiante abreviadamente designada por “D…”, NIPC n.°…, com sede na …, n.°…, … e …, …-… …;
e) E…, S.A., adiante abreviadamente designada por “E…”, NIPC n.°…, com sede na …, n°…, … e …, …-… …;
f) F…, Ltd., adiante abreviadamente designada por “F…”, NIPC n.°…, com sede na …, Apartado …, … e …, …-… …;
g) G…, S.A., adiante abreviadamente designada por “G…”, NIPC n.°…, com sede na Rua …, n.°…, … e …, …-… …; e
h) H…, Lda., adiante abreviadamente designada por “H…”, NIPC n.°…, com sede na …, …, …-… …,
doravante designadas conjuntamente por “Requerentes”, vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e abaixo detalhadas, por referência aos exercícios de 2012 a 2015, bem como sobre o indeferimento dos pedidos de revisão dos actos tributários e das reclamações graciosas apresentadas pelas Requerentes:
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 20-01-2017.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 06-03-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 21-03-2017.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando as seguintes questões:
– da necessidade de intervenção acessória do Ministério Público;
– da necessidade de intervenção principal dos 13 Municípios que integram a paisagem cultural do “Alto Doutro Vinhateiro”;
– suscitando a questão de a maioria das liquidações incluir prédios urbanos não localizados na paisagem cultural do Alto Douro Vinhateiro;
– excepção da incompetência em razão da matéria (revisão oficiosa);
– excepção da incompetência em razão da matéria (revisão oficiosa tacitamente indeferida);
– falta dos pressupostos dos pedidos de Revisão Oficiosa de Ato Tributário tacitamente indeferidos.
Para além disso, a Administração Tributária e Aduaneira defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.
Por despacho de 22-05-2017, foram indeferidos os pedidos de notificação e intervenção provocada do Ministério Público e dos municípios indicados pela Autoridade Tributária e Aduaneira e foi dispensada realização de reunião, com prosseguimento do processo com alegações.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
São suscitadas excepções de incompetência material, que importa apreciar prioritariamente, nos termos do artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c), do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
2. Questões de incompetência
2.1. Questão da incompetência parcial do Tribunal Arbitral em razão da matéria (Revisão Oficiosa tout court)
A Administração Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:
– excetuadas as liquidações referentes aos período de 2015 que foram alvo de Reclamação Graciosa, as demais liquidações referentes aos períodos de 2012 a 2014 não foram precedidas de impugnação administrativa «(…) nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário»;
– como tal, todas as liquidações alvo de pedido de Revisão Oficiosa não podem ser apreciadas por parte do Tribunal Arbitral Colectivo;
– com efeito, o artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, exclui, literalmente, do âmbito da vinculação da Requerida à jurisdição arbitral, «(…) as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», sem que aí seja mencionado o mecanismo de Revisão Oficiosa previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
Há manifesto lapso da Administração Tributária e Aduaneira ao suscitar esta excepção de incompetência.
Na verdade, o artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, exclui do âmbito da vinculação da Requerida à jurisdição arbitral, «(…) as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
No caso em apreço, estão em causa actos liquidação e não de autoliquidação, retenção na fonte ou pagamento por conta.
Por isso, a referida alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, não tem qualquer aplicação no caso em apreço.
A legalidade dos actos de liquidação de IMI pode ser apreciada pelos tribunais arbitrais, por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, independentemente de eles terem ou não sido objecto de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa ou recurso hierárquico, pois não se qualquer limitação, nem no RJAT, nem na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Improcede, assim, esta excepção.
2.2. Questão da incompetência parcial do Tribunal Arbitral em razão da matéria (Revisão Oficiosa tacitamente indeferida)
A Administração Tributária e Aduaneira defende, em suma, que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não são competentes «para a apreciação das liquidações de IMI, inerentes aos pedidos de Revisão Oficiosa de Ato Tributário tacitamente indeferidos».
Não é fácil descortinar qual o fundamento jurídico para esta invocação de incompetência.
Os actos que podem ser objecto de pedido de pronúncia arbitral são indicados no artigo 2.º do RJAT e nele se faz referência à apreciação da legalidade de actos de liquidação, sem qualquer restrição, designadamente, não se afastando a competência quando os actos de liquidação são precedidos ou não de revisão oficiosa ou quando esta é ou não expressamente apreciada.
Por outro lado, o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que definiu os termos da vinculação da Administração Tributária, estabelece que esta se vincula «à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro», com as excepções que aí se indicam, entre as quais não se inclui a apreciação da legalidade de actos de liquidação de IMI.
O RJAT não afasta a apreciação da legalidade de actos de liquidação quando eles forem objecto de actos de segundo grau, como se infere do seu artigo 10.º, n.º 1, que expressamente refere actos de segundo grau, em sintonia com a autorização legislativa em que se baseou a emissão do RJAT pelo Governo, que faz referência expressa a «pedidos de revisão de actos tributários» [artigo 124.º, n.º 4, alínea a), da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril].
Assim, à face do RJAT, desde que o objecto do pedido seja a apreciação da legalidade de actos de liquidação, não exceptuados pelo artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, está-se no âmbito da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, independentemente de esses actos serem ou não objecto de impugnação administrativa, o que só pode relevar para outros efeitos, que não o da competência.
Por outro lado, no específico caso das liquidações de IMI, para além de ser permitida a apresentação de pedido de revisão oficiosa nos termos gerais previstos no artigo 78.º da LGT, prevêem-se expressamente situações especiais como se vê pelo n.º 1 do artigo 115.º do CIMI , que estabelece o seguinte:
Artigo 115.º
Revisão oficiosa da liquidação e anulação
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:
a) Quando, por atraso na actualização das matrizes, o imposto tenha sido liquidado por valor diverso do legalmente devido ou em nome de outrem que não o sujeito passivo, desde que, neste último caso, não tenha ainda sido pago;
b) Em resultado de nova avaliação;
c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido;
d) Quando, havendo lugar, não tenha sido considerada, concedida ou reconhecida isenção.
Como se infere da expressão inicial «sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária», as situações expressamente previstas neste artigo são cumulativas com o regime geral de revisão do acto tributário e não dependem dos requisitos gerais aí previstos, pois a intenção legislativa é ampliar e não restringir as possibilidades de revisão.
É uma solução que se compreende e justifica pelo facto de as liquidações periódicas de IMI não serem precedidas de procedimento de liquidação com intervenção do contribuinte, sendo emitidas oficiosamente pelos serviços com base nos elementos de que disponha, o que tem como corolário que, quando não tenha sido considerada, concedida ou reconhecida isenção que o deveria ser, o erro seja, em regra, imputável aos serviços, quando não houver omissão pelo contribuinte de qualquer obrigação.
E entre estas situações especiais de revisão oficiosa do acto tributário inclui-se a que está em causa neste processo, em que as Requerentes invocam haver lugar a isenção que não foi considerada nas liquidações impugnadas.
Por isso, ao alegarem as Requerentes que as liquidações são ilegais por violação da alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, que prevê uma isenção de IMI, as Requerentes estão a alegar um dos fundamentos da revisão oficiosa dos actos tributários deste tipo.
De qualquer forma, se não fossem alegados fundamentos de revisão oficiosa poderia colocar-se a questão da tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, por se estar perante impugnação directa dos actos de liquidação, mas não uma questão da competência, que se afere apenas pelo pedido, pelo artigo 2.º do RJAT e pelo artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011: sendo pedida a declaração de ilegalidade de actos de liquidação que não estão excluídos da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, este Tribunal é materialmente competente para apreciar os pedidos, independentemente de ter havido ou não pedido de revisão oficiosa e de ter sido ou não proferida decisão expressa.
Nestes termos, improcede a excepção de incompetência derivada de ter ocorrido indeferimento tácito de pedidos de revisão oficiosa.
2.3. Da falta dos pressupostos dos pedidos de revisão oficiosa de acto tributário
tacitamente indeferidos
A Administração Tributária e Aduaneira refere que todos os pedidos de Revisão Oficiosa tacitamente indeferidos foram deduzidos pelas Requerentes depois de ultrapassado o prazo de reclamação que «tais pedidos só poderiam ser instaurados mediante a invocação de erro imputável aos serviços», invocando o regime do artigo 78.º da LGT.
Porém, como se referiu no ponto anterior, no específico caso de liquidações de IMI é o artigo 115.º, n.º 1, do CIMI que define os termos em que é admissível a revisão oficiosa, mais amplos do que os previstos no artigo 78.º da LGT.
No caso em apreço, as Requerentes invocam um desses fundamentos especialmente previstos de revisão oficiosa que é a existência de isenção que não foi considerada nas liquidações.
A falta de prova de classificação dos prédios de que as Requerentes são proprietárias, seja em sede de procedimento administrativo seja agora em processo arbitral, que a Administração Tributária e Aduaneira invoca, a comprovar-se será fundamento de improcedência das pretensões das Requerentes, mas não constitui um obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Também aqui, é indiferente que os pedidos de revisão oficiosa tenham ou não sido tacitamente indeferidos, pois, em qualquer dos casos, está-se perante fundamento de revisão oficiosa que foi invocado e é admissível.
Improcede, assim, esta excepção.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Com base nos elementos que constam do processo e documento juntos com o pedido de pronúncia arbitral, consideram-se provados os seguintes factos:
As Requerentes são sociedades de direito português que se dedicam à produção e comércio de vinho do Porto;
Por referência ao período de tributação de 2012 a 2015, as Requerentes são proprietárias dos prédios identificados nos Documentos n.°s 22 e 23 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
Em 2001, foi incluído na lista indicativa do Património Mundial da UNESCO o Alto Douro Vinhateiro, na categoria de Paisagem Cultural, englobando os concelhos de Mesão Frio, Peso da Régua, Santa Marta de Penaguião, Vila Real, Alijó, Sabrosa, Carrazeda de Ansiães, Torre de Moncorvo, Lamego, Armamar, Tabuaço, São João da Pesqueira e Vila Nova de Foz Coa;
No Diário da República, II Série, de 30-07-2010, foi publicado o Aviso n.° 15170/2010, datado de 22-07-2010, cuja cópia consta do documento n.º 25 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais, o seguinte:
1 – Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 72.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, torna-se público que, em 2001, foi incluído na lista indicativa do Património Mundial da UNESCO o Alto Douro Vinhateiro, na categoria de Paisagem Cultural, englobando os concelhos de Mesão Frio, Peso da Régua, Santa Marta de Penaguião, Vila Real, Alijó, Sabrosa, Carrazeda de Ansiães, Torre de Moncorvo, Lamego, Armamar, Tabuaço, São João da Pesqueira e Vila Nova de Foz Coa.
2 – Publicam-se, no anexo I, a planta de implantação, incluindo a respectiva zona especial de protecção, e, no anexo II, a planta de localização.
Relativamente aos exercícios de 2012 a 2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IMI sobre os prédios de que as Requerentes eram proprietárias, em 31 de Dezembro de cada um daqueles anos (documentos n.ºs 1 a 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
As Requerentes procederam ao pagamento das quantias liquidadas, sendo reclamados os seguintes montantes de cada uma das liquidações:
a) As Requerentes apresentaram reclamações graciosas e pedidos de revisão oficiosa do acto tributário, que foram objecto de indeferimento, quer por decisões expressas, quer por ter decorrido o prazo legal de decisão;
b) Os prédios relativamente aos quais as Requerentes pretendem ver aplicada isenção de IMI encontram-se localizados nos concelhos de Alijó, Sabrosa, Tabuaço, Vila Nova de Foz Coa, Peso da Régua, Lamego, Carrazeda de Ansiães, S. João da Pesqueira, Torre de Moncorvo;
c) Em 13-01-2015, as Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não se provou que o Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico, I. P. ou a Direcção Geral do Património Cultural que sucedeu nas suas competências a partir de 01-06-2012, nos termos do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 115/2012, de 25 de Fevereiro, tivessem comunicado à Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer classificação dos prédios em causa.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.
Relativamente à localização dos imóveis para que pretendem a aplicação da isenção, as Requerentes apresentaram os documentos n.ºs 22.º, 23.º e 24.º juntos com o pedido de pronúncia arbitral.
No documento n.º 22 as Requerentes incluem listas em que indicam os imóveis que entendem estarem «localizados no Alto Douro Vinhateiro», mas, nessas listas apenas se indicam as freguesias e concelhos e os artigos matriciais. A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceita que esse documento constitua prova de que os imóveis referidos naquelas listas estejam localizados na zona de implantação indicada no Aviso n.º 15170/2010, Diário da República, II Série, de 30-07-2010, por se tratar de um documento interno.
O documento n.º 23 é constituído por «prints» do sistema informático da AT e cadernetas prediais que, quanto a localização, apenas demonstram as freguesias e concelhos em que se situam os prédios.
O documento n.º 24 é uma mapa extraído da página informática do Instituto do Vinho do Porto, referenciada como indicando os limites da Região Demarcada do Douro, que não indica onde se localizam os prédios das Requerentes.
Assim, não se prova que os prédios em causa se situem na zona de implantação do Alto Douro Vinhateiro, mas apenas que se situam nas freguesias e concelhos indicados pelas Requerentes.
Quanto à comunicação da classificação dos prédios como monumentos nacionais ou sua classificação individualizada como imóveis de interesse público, não foi feita qualquer prova e as próprias Requerentes limitam-se a defender que «se revela desnecessária, por estarmos perante uma isenção que opera de modo automático» (artigo 158.º das alegações).
3. Matéria de direito
As Requerentes pretendem que seja aplicada isenção de IMI prevista na alínea n) do artigo 44.º do EBF, relativa aos «prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável».
Os prédios em causa não foram individualmente classificados, pelo que a aplicação da isenção apenas pode advir da primeira parte daquela norma que alude aos «prédios classificados como monumentos nacionais».
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que esta referência se reporta aos prédios que foram classificados como monumentos nacionais à face da legislação vigente antes da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, por esta prever a categoria de monumento nacional, mas não a classificação como monumento nacional, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 15.º.
No entanto, o n.º 5 do artigo 44.º, na redacção da Lei 3-B/2010, de 28 de Abril, faz referência à «comunicação da classificação como monumentos nacionais», reportando-se manifestamente a comunicações que venham a ocorrer após a sua entrada em vigor, pelo que esta expressão deve ser interpretada como reportando-se aos bens imóveis a que seja atribuída a designação de «monumento nacional». Na verdade, esta comunicação não estava prevista, nestes termos, na redacção anterior, pelo que não se compreenderia que se estivesse a referir a comunicações relativas a monumentos classificados antes da entrada em vigor da Lei n.º 107/2001, mais de nove anos antes. Neste contexto, se legislativamente se pretendesse aludir apenas aos monumentos classificados antes da Lei n.º 107/2001, decerto se faria uma referência expressa. Na sua falta, sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), deve concluir-se que a primeira parte da isenção referida abrange prédios classificados como monumentos nacionais que não foram objecto de classificação individual.
Aliás, na mesma linha, o artigo 53.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2001 alude ao «acto que decrete a classificação de monumentos», pelo que é inequívoco que, à face deste diploma, há «classificação de monumentos».
Por isso, é de interpretar a parte inicial como reportando-se a «prédios classificados como monumentos nacionais» ao abrigo daquela Lei n.º 107/2001, inclusivamente.
E, como «monumentos nacionais» deverão considerar-se todos os «bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios», pois o artigo 15.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2001 e o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, a todos atribuem expressamente essa designação. Isto é, são «prédios classificados como monumentos nacionais» para efeitos da parte inicial os prédios a que é atribuída essa designação.
Sendo os «prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal» expressamente referenciados naquela alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, o alcance útil da referência inicial aos «prédios classificados como monumentos nacionais» consistirá em estender a isenção aos prédios que são objecto de classificação não individual, designadamente os integrados em «monumentos, conjuntos ou sítios», a que se refere o n.º 3 ao artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, que lhes atribui, precisamente, a designação de «monumento nacional», que é utilizada na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.
Os «imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional», por força do disposto no n.º 7 do artigo 15.º da lei n.º 107/2001.
Assim, a partir da entrada em vigor desta Lei, a inclusão de imóveis na lista do património mundial tem como consequência a sua classificação como de interesse nacional, passando para todos os efeitos a integrar a lista dos bens classificados como de interesse nacional, o que se reconduz a passarem a considerar-se imóveis classificados de interesse público, sem necessidade de qualquer outro acto de classificação, e a terem a designação de «monumentos nacionais».
Neste contexto, a abertura de um procedimento de classificação que implica a inclusão de um bem imóvel na lista indicativa do património mundial, nos termos do n.º 1 do artigo 72.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, não tem em vista apreciar se estão reunidas as condições para a classificação, nem a prolação de uma decisão final pelo Governo, nos termos do artigo 30.º, n.º 1, do mesmo diploma (pois a classificação já está feita «para todos os efeitos» por força do n.º 7 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001), mas apenas identificar quais são os imóveis que foram incluídos naquela lista, designadamente através de uma planta de localização, e fixar a respectiva zona especial de protecção.
É neste contexto que, relativamente aos imóveis inscritos na lista do património mundial à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 309/2009, se prevê, no n.º 3 do seu artigo 72.º, apenas a publicação sob a forma de aviso no Diário da República, da planta de localização e implantação de bem imóvel inscrito na lista do património mundial, incluindo a respectiva zona de protecção e não uma decisão do Governo sob a forma de decreto, como se prevê no seu artigo 30.º, n.º 1, para as decisões finais dos processos de classificação de bem imóvel como de interesse nacional.
Assim, relativamente aos imóveis inscritos na lista do património mundial antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 309/2009, não há lugar a qualquer acto de classificação, e eles integram-se «para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional», por força do n.º 7 do artigo 15.º da lei n.º 107/2001.
Por isso, em relação a estes imóveis inscritos na lista do património mundial, não há lugar à «comunicação da classificação como monumentos nacionais (...) a efectuar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P.» [1] que se refere no n.º 5 do artigo 44.º do EBF, pois não há lugar a classificação a comunicar.
Assim, nestes casos, a isenção opera automaticamente, na sequência da publicação do aviso previsto no artigo 72.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 309/2009.
Porém, a isenção em causa abrange apenas os «prédios classificados como monumentos nacionais», os que têm a designação de «monumento nacional», sejam monumentos, conjuntos ou sítios, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional (artigos 2.º, n.º 1, e 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 309/2009).[2]
No que concerne a sítios, que é a categoria em que se enquadra o Alto Douro Vinhateiro à face das definições internacionais, a isenção de IMI abrange os prédios (cujo conceito fiscal é fornecido pelo artigo 2.º do CIMI) situados na área classificada, mas não os situados na zona especial de protecção, pois esta zona não está classificada como monumento nacional (sem prejuízo, naturalmente, de algum ou alguns dos prédios situados na zona de protecção poder ser individual e autonomamente classificado).
No caso em apreço, sabe-se que os prédios estão situados nos concelhos de Peso da Régua, Alijó, Sabrosa, Carrazeda de Ansiães, Torre de Moncorvo, Lamego, Tabuaço, São João da Pesqueira e Vila Nova de Foz Coa, indicados no Aviso n.º 15170/2010, publicado no Diário da República, II Série, de 30-07-2010, como englobados no Alto Douro Vinhateiro incluído na lista indicativa do Património Mundial da UNESCO.
Segundo se infere da legenda do mapa publicado no Anexo I do Aviso referido, em que distinguem o «Limite ALTO DOURO VINHATEIRO» e «ZEP ALTO DOURO VINHATEIRO», a globalidade dos concelhos estará incluída no conjunto formado pela área de implantação do Alto Douro Vinhateiro e a respectiva Zona Especial de protecção.
Mas, não é possível concluir dos documentos apresentados pelas Requerentes nem de outros juntos aos autos se os imóveis se encontram situados na zona de implantação ou na zona de protecção.
Relativamente aos benefícios fiscais existem normas especiais de que resulta que é sobre o contribuinte que recai o ónus de demonstrar os seus pressupostos.
Desde logo, o artigo 74.º, n.º 1, da LGT estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque», pelo que, sendo o contribuinte quem invoca ter direito a usufruir de um benefício fiscal, será sobre ele que recai o ónus de demonstrar que se verificam os respectivos pressupostos.
Por outro lado, o artigo 14.º, n.º 2, da LGT estabelece que «os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito». Desta norma infere-se que o ónus da prova dos pressupostos dos benefícios fiscais recai sobre os contribuintes e concretiza-se através da revelação desses pressupostos ou autorização para eles serem revelados à Administração Tributária.
Assim, por força da regra do ónus da prova, a dúvida sobre a localização dos prédios na área definida na «planta de implantação» publicada em Anexo ao Aviso n.º 15170/2010, tem de ser valorada processualmente contra as Requerentes, o que se reconduz a falta de prova de um pressuposto essencial para a procedência das suas pretensões.
Neste contexto, o pedido de pronúncia arbitral tem de improceder, quanto aos pedidos de anulação das liquidações e decisões expressas e indeferimentos tácitos das reclamações graciosas e dos pedidos de revisão oficiosa (que as Requerentes denominam «revogação»), pois não ficou demonstrado que os prédios em relação aos quais as Requerentes pretendem ver aplicada a isenção de IMI, estejam classificados como «monumentos nacionais», designadamente que estejam localizados na área do Alto Douro Vinhateiro, e, consequentemente, não ficou demonstrado que as liquidações e decisões e indeferimentos tácitos enfermem de ilegalidade.
Sendo assim, fica prejudicado, por ser inútil para a decisão do presente processo (artigo 130.º do CPC), o conhecimento das restantes questões que são colocadas no presente processo.
4. Pedido de reembolso e juros indemnizatórios
Improcedendo os pedidos de anulação das liquidações, improcedem também os pedidos de reembolso de quantias pagas e de juros indemnizatórios, que têm como pressuposto pagamento indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT).
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
· Julgar improcedentes as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
· Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto aos pedidos de anulação das liquidações e decisões expressas e indeferimentos tácitos das reclamações graciosas e dos pedidos de revisão oficiosa (que as Requerentes denominam «revogação»).
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 74.092,17.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 05-07-2017
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(A. Sérgio de Matos)
(José Nunes Barata)
[1] Actualmente, as competências do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P., são exercidas pela Direcção-Geral do Património Cultural, nos termos do o artigo 13.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 115/2012, de 25 de Maio.
[2] Essas definições constam, nomeadamente da Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural, aprovada para adesão, pelo Decreto-Lei n.º 49/79, de 6 de Junho, que fornece as seguintes definições, no seu artigo 1.º:
Os monumentos. - Obras arquitectónicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos ou estruturas de carácter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos com valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;
Os conjuntos. - Grupos de construções isolados ou reunidos que, em virtude da sua arquitectura, unidade ou integração na paisagem, têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;
Os locais de interesse. - Obras do homem, ou obras conjugadas do homem e da natureza, e as zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.
A Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa, aprovada para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 5/91, de 23 de Janeiro, utiliza as seguintes definições:
1) Os monumentos: todas as construções particularmente notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico, incluindo as instalações ou os elementos decorativos que fazem parte integrante de tais construções;
2) Os conjuntos arquitectónicos: agrupamentos homogéneos de construções urbanas ou rurais, notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico, e suficientemente coerentes para serem objecto de uma delimitação topográfica;
3) Os sítios: obras combinadas do homem e da natureza, parcialmente construídas e constituindo espaços suficientemente característicos e homogéneos para serem objecto de uma delimitação topográfica, notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico.