Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 639/2016-T
Data da decisão: 2017-06-29  IRC  
Valor do pedido: € 1.696.140,34
Tema: IRC - Taxas de amortização aplicáveis a aerogeradores. Provisão para processo judicial
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Acórdão Arbitral

 

Os árbitros, Fernanda Maçãs (Presidente), Cristina Aragão Seia e Luís Pereira da Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:

 

I – Relatório

 

1.      A contribuinte A…, Lda., com o NIPC … e sede na … …, nº…, … (doravante “A…” ou "Requerente"), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT"), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT" ou "Requerida").

2.      Em tal pedido, solicita a Requerente a pronúncia arbitral sobre:

- a ilegalidade do acto de indeferimento tácito que se formou no seguimento da ausência de resposta à reclamação graciosa apresentada, em 11.05.2016, relativamente às liquidações referentes aos exercícios de 2011 e 2012 e dos actos de liquidação adicional de IRC, referentes aos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, que nomeou e adiante se identificarão;

- em consequência, a anulação dos referidos actos tributários;

- a restituição das quantias pagas no montante € 1.696.140,34, sendo € 1.687.686,50 referentes às liquidações adicionais e € 8.453,84 referentes a taxa de justiça e acréscimos pagos em processos executivos;

- o pagamento de juros indemnizatórios.

3.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 27.10.2016.

4.      Nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do art. 6º e da alínea b) do nº 1 do art. 11º do RJAT, com a redacção introduzida pelo art. 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 28.12.2016, não tendo estas arguido qualquer impedimento.

5.      O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 12.01.2017 em conformidade com o previsto nos arts. 2º, nº 1, alínea a), 5º, 6º, nº 1, e 11º, nº 1, do RJAT (com a redacção introduzida pelo art. 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).

6.      A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral quanto ao pedido de devolução do montante de custas pagas em sede de execução fiscal e defendendo a improcedência do pedido arbitral.

7.      No dia 21.04.2017 teve lugar a audiência de julgamento, onde se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente (B…, C…, D… e E …).

8.      O Tribunal fixou o dia 12.07.2017, como data limite para a prolação da Decisão Arbitral.

9.      As partes apresentaram alegações, nelas tendo pugnado, no essencial, pela posição sustentada nas peças iniciais.

10.  As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e beneficiam de legitimidade processual, nos termos dos arts. 4º e 10º, nº 2, do RJAT e art. 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

11.  A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.

12.  O processo não enferma de nulidades.

 

II - Matéria de facto

 

1. Factos provados

 

No que diz respeito à factualidade com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a)    A Requerente é uma sociedade por quotas que tem por objecto social a exploração de energia eólica e outras actividades conexas.

b)   Para o efeito, é proprietária de dois parques eólicos (designados por … e …), compreendendo um total de 22 aerogeradores (9+13), localizados nos concelhos de … e ….

c)    A Requerente utilizou, relativamente aos aerogeradores do seu parque eólico, a taxa de depreciação de 6,67% correspondente a um período de vida útil de 15 anos.

d)   O financiamento do projecto de instalação dos Parques Eólicos do … e do … foi contratado pelo prazo de 15 anos.

e)    As condições contratuais de ligação à rede elétrica nacional apenas garantem a tarifa de venda de electricidade pelo prazo de 15 anos, entrando esta depois no mercado livre.

f)    Os equipamentos dos Parques do … e do …, face à sua localização numa zona marítima e exposição de montanha a noroeste, estão sujeitos a desgaste face ao regime intensivo de produção de energia em condições de resistência ao ambiente e de trabalho difíceis devido aos ventos marítimos muito fortes, intenso nevoeiro e salinidade crescente.

g)   Face à sua localização e potencial eólico, os parques da Requerente têm a melhor produção do país.

h)   O seu número de horas de funcionamento é muito superior à média nacional o que implica o inerente desgaste.

i)       Devido ao funcionamento intenso, padecem de fadiga térmica uma vez que não funcionam em condições normais de arrefecimento.

j)       Nos últimos anos, os equipamentos têm sofrido grandes reparações, na ordem das centenas de milhares, apesar do Parque do … só estar a funcionar desde 2006 e o do … desde 2008.

k)   No Parque do …, de 9 máquinas só uma tem a caixa multiplicadora de origem e no Parque do … já foram substituídos quase todos os motores dos aerogeradores.

l)        Uma vez decorrido o prazo de 15 anos, o valor residual dos equipamentos é inexistente.

m) A empresa que forneceu os equipamentos apenas assegura a manutenção dos equipamentos por um período de 12 anos.

n)    Na sequência de acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em 30.05.2013, no âmbito do processo nº …/08.0TBTVD.L1.S1, a Requerente constituiu uma provisão de € 1.848.324,00 destinada à relocalização dos aerogeradores 1, 2, 3 e 4 do Parque Eólico do …, retirados em cumprimento do referido acórdão.

o)    A Requerente não pode apresentar orçamentos alternativos para a montagem dos equipamentos em virtude de, nesta área, não existir concorrência no mercado: são necessárias ferramentas específicas que só o fabricante possui.

p)   Em cumprimento das Ordens de Serviço OI2015… e OI2015…, respeitantes aos exercícios de 2011 e 2012, OI2015… para o período de 2013 e OI2016…, referente ao exercício de 2014, foram instaurados e realizados procedimentos de inspeção tributária.

q)   As referidas acções de inspecção destinaram-se, como consta dos respectivos relatórios finais, a controlar as taxas de amortização praticadas pela Requerente nos exercícios referidos e, no que se refere ao exercício de 2013, a constituição da provisão atrás mencionada.

r)    A AT propôs as seguintes correções em sede de IRC:

- quanto ao exercício de 2011: € 875.821,46 a acrescer ao lucro tributável;

- quanto ao exercício de 2012: € 875.821,46 a acrescer ao lucro tributável;

- quanto ao exercício de 2013: € 2.694.145,46 a acrescer ao lucro tributável; e

- quanto ao exercício de 2014: € 872.343,37 a acrescer ao lucro tributável.

s)      Posteriormente, a Requerente foi notificada:

- da Nota de Liquidação nº 2015…, da Demonstração de Liquidação de Juros nº 2015… e da Demonstração de Acerto de Contas nº… referentes ao exercício de 2011 - Cfr. docs. nºs 1 a 3 juntos com o pedido arbitral;

- da Nota de Liquidação nº 2015…, da Demonstração de Liquidação de Juros nº 2015 … e da Demonstração de Acerto de Contas nº 2015 … referentes ao exercício de 2012. - Cfr. docs. nºs 4 a 6 juntos com o pedido arbitral;

- da Nota de Liquidação nº 2016…, a Demonstração de Liquidação de Juros nº 2016 … e a Demonstração de Acerto de Contas nº 2016 … referentes ao exercício de 2013 - Cfr. docs. nºs 7 a 9 juntos com o pedido arbitral;

- da Nota de Liquidação nº 2016 …, a Demonstração de Liquidação de Juros nº 2016 … e a Demonstração de Acerto de Contas nº 2016 … referentes ao exercício de 2014 - Cfr. docs. nºs 10 a 12 juntos com o pedido arbitral.

j)  Em 6 e 9 de Março e 8 de Agosto de 2016, respectivamente, a Requerente foi citada da instauração dos processos de cobrança coerciva nºs …2016…, …2016… e …2016… referentes à cobrança, em sede de execução fiscal, das liquidações referentes aos anos de 2011, 2012 e 2013. - Cfr. docs. nºs 25 e 26 juntos com o pedido arbitral.

k) Em 30 de Março e 28 de Setembro de 2016, a Requerente procedeu ao pagamento das quantias executadas – Cfr. docs. nºs 28, 29 e 30 juntos com o pedido arbitral.

l) Da mesma forma que efetuou o pagamento da quantia constante da nota de liquidação referentes ao exercício de 2014 - Cfr. doc. nº 31 junto com o pedido arbitral.

m) A Requerente interpôs reclamação graciosa das liquidações referentes aos exercícios e 2011 e 2012 por de requerimento apresentado junto do Serviço de Finanças de … em 11.05.2016 - Cfr. doc. nº 24 junto com o pedido arbitral.

n) Decorridos mais de 4 meses dessa data, a AT não se pronunciou sobre a referida reclamação.

o) O pedido de constituição de Tribunal Arbitral deu entrada no dia 26-10-2016.

 

2. Fundamentação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2, do CPPT e art. 607º, nº 3 do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, nº 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de Direito (cfr. anterior art. 511º, nº 1, do CPC, correspondente ao atual art. 596º, aplicável ex vi art. 29º, nº 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do art. 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental, o Processo Administrativo junto aos autos e o depoimento das testemunhas arroladas pela Requerente, B…, C…, D… e E…, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

As testemunhas (B…, C…, D… e E…) depuseram, no essencial, de forma coerente, sustentada e reveladora de domínio das razões de ciência com relevo para a prestação de informação.

3. Factos não provados

De entre os alegados, relevantes para a decisão, nenhum ficou por provar.

 III – Da questão da incompetência material do Tribunal Arbitral quanto ao pedido de devolução do montante de custas e acréscimos pagos em sede de execução fiscal

Tendo a Requerente pedido a restituição da quantia de € 8.453,84, referente a taxa de justiça e acréscimos pagos em execução fiscal, a Requerida veio excepcionar a incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido de devolução desse valor.

Em relação a esta questão, já tratada anteriormente pelos tribunais do CAAD, iremos seguir de perto o estabelecido no Acórdão do CAAD de 14.12.2016, proferido no processo nº 363/2016-T, que passamos a transcrever: 

“Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No entanto, como bem defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, relativamente a (…) custas de processos de execução fiscal, não há qualquer suporte legal para a sua apreciação em processo de impugnação judicial e, reflexamente, em processo arbitral.

Termos em que se julga procedente a excepção da incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente à apreciação do pedido de devolução do montante de custas pagas em execução fiscal.”

 

IV – Matéria de Direito

As questões essenciais a decidir e colocadas pela sociedade comercial A…, Lda., no seu pedido de pronúncia arbitral, reconduzem-se, no essencial, a apurar se foram juridicamente adequadas as correcções, feitas pela Requerida, no que diz respeito à taxa de amortização aplicável aos bens integrantes do activo fixo tangível (torres eólicas e correspondentes equipamentos conexos – aerogeradores - para a produção de energia eléctrica) e no que diz respeito à provisão constituída, na sequência de acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 30.05.2013, para relocalização dos aerogeradores 1, 2, 3 e 4 do Parque Eólico do …, mandados retirar pelo mesmo acórdão do local onde se encontravam instalados.

1.       Da taxa de depreciação

Em relação às correções realizadas pela AT, relativas à não aceitação por esta da aplicação da taxa de depreciação de 6,67% aos aerogeradores da Requerente, a sua legalidade depende fundamentalmente da determinação do período de vida útil destes equipamentos.

Como questão prévia, cabe explicitar em que se traduzem as taxas de depreciação.

Efectivamente, no tocante às depreciações de determinados activos fixos tangíveis o normativo contabilístico constante do Sistema de Normalização Contabilistica (SNC) trata-as desenvolvidamente na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) nº 7, designada “Ativos fixos tangíveis”.

Assim, no § 6 da NCRF 7 surgem a seguintes definições:

“- Depreciação: é a imputação sistemática da quantia depreciável de um activo durante a sua vida útil;

- Valor residual: é a quantia estimada que uma entidade obteria correntemente pela alienação de um activo, após a dedução dos custos de alienação estimados, se o activo já tivesse a idade e as condições esperadas no final da sua vida útil; (…).”

O resultado apurado pela contabilidade das entidades empresariais decorre, como se sabe, do confronto entre os rendimentos e os gastos necessários para os obter.

No plano contabilístico esse resultado é, inevitavelmente, influenciado por um vasto conjunto de estimativas, em especial no que respeita ao conjunto dos custos suportados. Assim, e a título exemplificativo, as provisões e as depreciações constituem parcelas importantes dos custos evidenciados contabilisticamente cujo registo assenta em previsões ou estimativas.

Reconhecendo esta inevitabilidade - de o resultado depender, em boa parte, de estimativas - a Estrutura Conceptual (EC) do SNC, no § 37, dispõe que “os preparadores das demonstrações financeiras têm, porém, de lutar com as incertezas que inevitavelmente rodeiam muitos acontecimentos e circunstâncias, tais como…a vida útil provável de instalações e equipamentos…”.

No caso sub judice, a AT defende que da consulta ao Decreto Regulamentar 25/2009 de 14.9, verifica-se que a produção de electricidade efectuada através de parques eólicos não se encontra prevista na Tabela I e na Tabela II, nem delas consta qualquer referência a estes parques ou equipamentos eólicos. Só com a Lei nº 82 – D/2014 de 31.12 (art. 23º) ficou definida a taxa a aplicar, a partir de 2015, sendo ali referida nos seguintes termos: “Código 2250 – Equipamentos de energia solar, incluindo nomeadamente equipamentos de energia solar, fotovoltaica ou equipamentos de energia eólica – taxa de 8%”.

Invoca, igualmente, a AT o nº 3 do art. 5º do Decreto Regulamentar 25/90 e o nº 2 (nº 3 consoante a redacção) do art. 31º do CIRC, que dispõem que “relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas referidas no nº 1 (do art. 5º), taxas de depreciação ou amortização, são aceites as que pela Autoridade Tributária sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada”.

A AT alude ainda ao parecer da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (DSIRC) de Julho de 2015 (transcrito nos Relatórios de Inspecção) que refere que, “relativamente às depreciações dos parques eólicos (activos fixos tangíveis como um todo), afigura-se-nos que a taxa máxima de depreciação a aceitar para efeitos fiscais será de 5%, nos períodos de tributação que tenham iniciado antes de Janeiro de 2015, ao abrigo do nº 3 do art. 5º do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14.09.”.

Afirma, por fim, a AT que “tudo apontando, nos elementos relativos à A… (a saber, Declaração de Impacte Ambiental, contratos de arrendamento, protocolo celebrado entre a A… e a Camara Municipal de …), para um período de funcionamento dos respectivos parques eólicos de pelo menos 20 anos, poderá concluir-se por um período de utilidade esperada dos mesmos de igual duração” - Cfr. pág. 18 dos relatórios referentes aos exercícios de 2011, 2012 e 2013 e pág. 15 do relatório referente ao exercício de 2014, juntos com o Processo Administrativo.

Razão pela qual entendeu a AT que “o contribuinte considerou indevidamente a dedutibilidade para efeitos fiscais de gastos que não preenchem os requisitos previstos no art. 34.º do CIRC, consubstanciada na prática de taxas de amortização superiores às permitidas legalmente”, procedendo, consequentemente, às correcções aqui impugnadas.

A Requerente, por seu turno, alega, na sua análise, que a AT procede ao estudo da duração “dos projectos de parques eólicos” como um todo (com as várias componentes: linhas de alta tensão, subestações, torres eólicas, etc) e não dos equipamentos neles instalados, sendo que, no caso concreto das taxas de depreciação e amortização, o que está em discussão são as taxas aplicáveis aos aerogeradores e não aos parques na sua globalidade.

Confirma, ainda, a Requerente que, relativamente aos aerogeradores dos seus parques eólicos, utilizou a taxa de depreciação de 6,67%, correspondente a um período de vida útil de 15 anos, a qual respeita, no seu entender, o critério da “razoabilidade” legalmente exigido. Ainda no mesmo sentido, refere a Requerente que a Lei 82-D/2014, de 31 de Dezembro, veio incluir os aerogeradores (equipamentos de energia eólica) na lista da Tabela II ao Decreto Regulamentar 25/2009, com uma taxa de 8% correspondente a uma vida útil de 12,5 anos, inferior, portanto, à vida útil por si estimada.

Da prova produzida resultou que é razoável estimar-se a vida útil desses aerogeradores em 15 anos tendo em consideração os factores ligados à própria tecnologia de produção (regime intensivo de funcionamento), factores externos (nomeadamente, a localização, as condições climáticas, ventos, nevoeiro, salinidade), factores económicos (tarifa de venda contratada por 15 anos) e de mercado (ausência de valor residual), legais e do uso potencial ou esperado em condições regulares atento o seu uso efectivo e ainda as condições contratuais e técnicas de ligação à rede eléctrica nacional.

Cumpre decidir.

Não se encontrava, à data da prática dos factos, fixada, legalmente, qualquer taxa de depreciação ou amortização para este exacto tipo de activos. Com efeito, o Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de Setembro (Regime das Depreciações e Amortizações), não contempla, nas tabelas do mesmo constantes, este tipo de bens.

Aplica-se, consequentemente, à situação em análise, o regime previsto no nº 2 (ou nº 3, consoante a redacção) do art. 31º do Código do IRC. De tal norma jurídica resulta, com carácter imperativo, que a taxa de amortização aplicável há-de decorrer da conciliação de dois aspectos.

Por um lado, como elemento base, há que considerar a noção “período de utilidade esperada”. Por outro lado, uma vez definido o período de utilidade deste tipo de bens, importa apurar uma taxa de amortização que se afigure “razoável” para tal período.

Em primeiro lugar, cabe, então, definir o que se entende por período de utilidade esperada.

A vida útil há-de, assim, ser um dos parâmetros centrais na quantificação das taxas em causa. Porém, o art. 30º, nº 4 do Código do IRC, ao tratar da vida útil não define o que ela deve ser, de forma explícita. Apenas estabelece que esta se deve calcular a partir das taxas que o art. 30º, nºs 1 e 2 determinar. Esta norma produz, tendencialmente, um raciocínio em “circuito fechado”, sendo que a vida útil resulta, por via do disposto no art. 31º, nº 4, das taxas previstas no art. 31º, nº 1 e 2. Porém, cremos que da conjugação destas normas com alguns preceitos previstos no Decreto Regulamentar 25/2009 se poderá encontrar uma chave de leitura mais clara para a questão a decidir nos autos.

Duas interpretações se revelam, em abstracto, aplicáveis.

A interpretação deste conceito (período de utilidade esperada) e a selecção de uma ou de outra das interpretações tem de ser feita, no caso em análise, à luz dos princípios e natureza do direito fiscal, por ser essa a matéria em causa no âmbito deste litígio.

Segundo uma primeira interpretação, a expressão em causa (período de utilidade esperada) corresponde à noção de período de vida útil económica. De acordo com uma segunda interpretação, corresponde à noção de período de duração física ou técnica esperada. 

Estamos, assim, perante um conceito polissémico.

Vejamos.

No § 6 da NCRF 7 surgem as seguintes definições:

- Vida útil é:

(a) O período durante o qual uma entidade espera que um activo esteja disponível para uso; ou

(b) O número de unidades de produção ou similares que uma entidade espera obter do activo.

Por seu turno, os §§ 56 e 57 da mesma Norma estabelecem:

“56 — Os futuros benefícios económicos incorporados num activo são consumidos por uma entidade principalmente através do seu uso. Porém, outros factores, tais como obsolescência técnica ou comercial e desgaste normal enquanto um activo permaneça ocioso, dão origem muitas vezes à diminuição dos benefícios económicos que poderiam ter sido obtidos do activo. Consequentemente, todos os fatores que se seguem são considerados na determinação da vida útil de um activo:

(a) Uso esperado do activo. O uso é avaliado por referência à capacidade ou produção física esperadas do activo;

(b) Desgaste normal esperado, que depende de factores operacionais tais como o número de turnos durante os quais o activo será usado e o programa de reparação e manutenção, e o cuidado e manutenção do activo enquanto estiver ocioso;

(c) Obsolescência técnica ou comercial proveniente de alterações ou melhoramentos na produção, ou de uma alteração na procura de mercado para o serviço ou produto derivado do activo; e

(d) Limites legais ou semelhantes no uso do activo, tais como as datas de extinção de locações com ele relacionadas.

57 — A vida útil de um activo é definida em termos da utilidade esperada do activo para a entidade. A política de gestão de activos da entidade pode envolver a alienação de activos após um período especificado ou após consumo de uma proporção especificada dos futuros benefícios económicos incorporados no activo. Por isso, a vida útil de um activo pode ser mais curta do que a sua vida económica. A estimativa da vida útil do activo é uma questão de juízo de valor baseado na experiência da entidade com activos semelhantes.”

O custo que decorre da quantificação das depreciações deve, assim, ter um carácter sistemático, ou metódico, devendo surgir como efeito da aplicação de uma regra de cálculo que possua lógica interna. Por outro lado, a vida útil e o valor residual dos bens serão parâmetros essenciais na determinação de tal modo de cálculo, uma vez que a essência do fenómeno que este custo visa traduzir se consubstancia na imputação do valor dos activos a diversos períodos económicos, durante os quais estes são afectos a uma dada actividade económica.

Na verdade, como bem sublinham António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues, in Elementos de Contabilidade Geral, Áreas Editora, 2010, pp.697, “Os ativos fixos não se “consomem” num só período económico, mas sim e em princípio no número de anos previsto para sua vida económica. (…) Em resumo, os bens ao serem utilizados nos sucessivos períodos vão-se depreciando, ou seja, vão perdendo valor”.

Se assim é no plano contabilístico, compreende-se que, também no plano fiscal, as depreciações tenham, em especial no Código do IRC e demais legislação complementar, um tratamento desenvolvido com base numa perspectiva económica. As depreciações assentam, assim, numa estimativa de perda de valor, que se materializa contabilística e fiscalmente num custo, afectando este, por sua vez, o resultado.

Resulta, por outro lado, da leitura do art. 3º do Decreto Regulamentar 25/2009, que a vida útil de um bem é o “período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor” e porque, segundo o disposto no art. 29º, nº 1 do Código do IRC, a reintegração ou amortização consiste nas perdas de valor que elementos do activo fixo tangível sofrerem resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo, então a vida útil, numa acepção fiscal, deverá ser aferida pelo tempo durante o qual tais perdas de valor se justificarão em função das causas que nesse artigo são referidas (uso, progresso técnico ou quaisquer outras).

Razões que, no seu conjunto, conduzem a concluir que a interpretação aqui aplicável é, assim, a de período de vida útil económica.

Será, pois, esta a noção de período de vida útil a ter em consideração em sede de interpretação do Código do IRC, na redacção aplicável ao caso, nos seus arts. 29º a 31º, onde se prevê um amplo conjunto de normas dirigidas ao tratamento fiscal das reintegrações e amortizações.

Com efeito, o plasmado no referido art. 29º, implica que o fenómeno das depreciações, determinado para efeitos fiscais, se funda inequivocamente na perda de valor, com carácter de repetição ou regularidade, que os activos sofrem em virtude do uso ou decurso do tempo. Trata-se de ponto central e decisivo sublinhar que não é pelo facto de um activo se caracterizar por um período longo de vida técnica ou tecnológica que, necessariamente, a duração da sua vida útil económica também se estenderá automaticamente a esse lapso de tempo.

Na mesma linha dispõe o direito contabilístico, dispondo o parágrafo 57 da NCRF 16 que “a vida útil de um activo é definida em termos da utilidade esperada do activo para a entidade. (…) a vida útil de um activo pode ser mais curta do que a sua vida económica. A estimativa da vida útil do activo é uma questão de juízo de valor baseado na experiência de activos semelhantes.” 

A Requerente depreciou os bens em causa, com referência ao exercício de 2011, 2012, 2013 e 2014, considerando um período de vida útil de 15 anos, sendo que, para esse efeito, a Requerente tomou por critério, correctamente, a noção de período de vida útil económica.

A adequação do período de vida (económico) definido pela Requerente revela-se em vários aspectos.

Em primeiro lugar, esse período revela-se de harmonia com as condições económicas (no tocante ao período de venda de energia a preço que garante a exploração equilibrada da actividade) e de mercado (valor residual estimado nulo após o período de 15 anos).

Provou-se, com efeito, que a Requerente se encontra enquadrada no âmbito de um regime contratual de venda de energia a preço previamente fixado durante um período de 15 anos (período durante o qual é estabelecida a remuneração fixa e garantida das centrais de produção de energia renovável) findo o qual os aerogeradores terão um valor residual negligenciável, na medida em que não existe um mercado de usados para este tipo de equipamentos.

Avulta, assim, a factualidade provada de a Requerente ter um período bem específico, legalmente contratado, para a venda de energia em condições rendosas. Findo esse período, os aerogeradores não terão utilidade, num sentido económico-financeiro (embora o possam ter, em teoria, num plano de durabilidade meramente físico o que não é o caso).

E, sendo certo que as condicionantes económicas, financeiras, legais e de obsolescência se farão sentir neste tipo de equipamentos, em face da actividade económica desenvolvida, a vida útil relevante para efeitos fiscais, será, por via de regra, menor do que a vida puramente física (técnica).

Chegados a este primeiro ponto do julgamento, cumpre passar ao segundo, no âmbito do qual se apurará se a taxa de amortização fixada pela Requerente é ou não razoável e, portanto, se a correcção de taxa efectuada pela Requerida se afigura correcta.               

A Requerente considerou, como taxa de amortização, 6,67%.

O Decreto Regulamentar 25/2009 estabelecia as taxas fiscais a utilizar para um conjunto de activos bastante lato e diversificado.

Com ele, o legislador fiscal procurou, por essa via, disciplinar a aceitação fiscal das depreciações.

De outro modo (na ausência de tal previsão), e constituindo estes custos contabilísticos estimativas de perdas de valor em activos de longa duração, a concessão ao contribuinte de uma total liberdade na consideração de tais custos como elementos negativos do lucro tributável poderia redundar em situações indesejáveis de manipulação do resultado fiscal.

No caso sub iudice, o juízo do Tribunal quanto à razoabilidade da taxa fixada está ancorado em factores legais e financeiros (contrato de venda de energia a preços fixados), tecnológicos, externos e de mercado. Factos esses dados como provados.

Ou seja, a razoabilidade da taxa de depreciação fixada terá de se aferir casuisticamente, não decorrendo automaticamente de projecções ou estimativas das empresas. Tais estimativas devem estar suportadas em bases ou fundamentos que possuam um grau apreciável de objectividade e controlabilidade.

Critérios que, contrariamente ao que devia, a AT não considerou na decisão que proferiu, não os explicitando, consequentemente, na fundamentação da correcção da liquidação a que procedeu. Considera-se, assim, que também o critério de razoabilidade que a AT utilizou não se revela convincentemente fundamentado.

Em face de tudo o que acima se explanou, considera-se que, perante o previsto na lei fiscal, a AT, ao ter considerado os parques eólicos num todo e uma utilidade meramente técnica ou tecnológica dos aerogeradores/torres eólicas, desligando-a, por outro lado, das condições de uso efectivo por parte da Requerente, no caso concreto, se afastou do critério de razoabilidade juridicamente adequado.

O critério de razoabilidade, moderação ou aceitabilidade, implica que se leve em conta mais do que a simples utilidade tecnológica ou técnica e se atenda também a outros factores, que aliás vinham expressos no (então) art. 29, nº 1 do Código do IRC, que continha a regra geral sobre as depreciações fiscalmente aceites.

A AT não obedeceu, assim, ao critério que decorre das normas jurídico-fiscais e contabilísticas pertinentes quanto à noção de vida útil, como fez uma ponderação desligada das condições concretas do caso. Descurou, em suma, os critérios que se impõem à luz das normas jurídicas fiscais e contabilísticas.

O juízo de razoabilidade da AT enferma, assim, de erro, não só porque escolhe um parâmetro de vida útil que não é o adequado, como também porque o conceito de razoabilidade não é aferido à luz das circunstâncias do caso.

No caso, atenta a fundamentação invocada pela AT, verifica-se que esta incorre em erro manifesto de interpretação, quer dos factos, quer das normas jurídicas aplicáveis, o que, gerando a anulabilidade dos actos (correspondentes às correcções fiscais efectuadas), determina que as correcções em causa sejam anuladas, por ilegais.

De referir, por último, que o conhecimento deste vício preclude a necessidade de conhecimento dos demais.

Como referem, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, em anotação ao art. 95º desse diploma, p. 483 (aplicável por remissão do art. 2º alínea c) do CPPT e do art. 29º, nº 1, alíneas a) e c) do RJAT), “se o tribunal julgou procedente o pedido principal, fica precludido o poder jurisdicional quanto a um pedido subsidiário ou formulado em alternativa; e, nos mesmos termos, se a pronúncia adoptada quanto a uma questão consome ou deixa prejudicados outros aspectos da causa que com ela se correlacionem.”

Nestes termos, face à interpretação material preconizada fica prejudicado o conhecimento e a apreciação dos demais vícios imputados aos actos de liquidação adicional, no que tange as correcções resultantes da não aceitação pela AT da taxa de depreciação utilizada pela Requerente.

Assim sucede, por exemplo, no que se refere à alegada violação dos princípios constitucionais da igualdade e da tributação do lucro real, invocados pela Requerente. O conhecimento de tais questões encontra-se, em suma, prejudicado pela declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional em causa, com base nas circunstâncias invocadas, pelo que sobre elas não recairá decisão.

2.      Da provisão constituída

A AT efectuou, no que se refere ao exercício de 2013, correcção resultante da não aceitação de provisão constituída pela Requerente para relocalização dos aerogeradores mandados retirar pelo STJ, em acórdão proferido em 30.05.3013.

No que a esta questão diz respeito, temos de reconhecer que o conceito de provisão tem evoluído muito em Portugal ao longo dos últimos 50 anos.

O Professor Rogério Fernandes Ferreira, na obra intitulada precisamente Provisões (1970) clarificava o conceito: provisões são custos actuais estimados, ou mais detalhadamente, são custos actuais (de exercício) mas relativos a processamentos futuros de despesas (ou de não receitas), despesas de incerta comprovação futura.

Se atentássemos no que o Código da Contribuição Industrial dispunha acerca de provisões, desde os anos sessenta, o conceito era muito mais amplo (e menos certeiro) porquanto abrangia não só as verdadeiras provisões mas também outras realidades que actualmente são designadas por imparidades (“provisões” para depreciação de certos activos tais como mercadorias, etc.) ou meros passivos contingentes (despesas de montante certo a processar, mas para o que falta documentação vinculativa externa), ou seja meros encargos a pagar por acréscimos (que devem ser registados em contas de Devedores e Credores, tais como subsídios de férias e de Natal a pagar a colaboradores no exercício seguinte – accruals na designação anglo-saxónica).

Mais tarde, já no âmbito do Plano Oficial de Contabilidade (POC, instituído em 1977), essa excessiva latitude manteve-se e apenas mais recentemente, com a entrada em vigor do SNC, inspirado nas normas de contabilidade internacionais, conhecidas por NCRF, se afinou o conceito que hoje em dia vigora, e que contém as seguintes características:

Provisão é um passivo, ou seja, é uma obrigação presente proveniente de acontecimentos passados, cuja liquidação se espera que dê origem a saída de recursos mas que incorpore benefícios económicos (NCRF 21, §8).

No nosso SNC, o legislador define provisão como um passivo de tempestividade ou quantia incerta, que se distingue de outros passivos – tais como contas a pagar e os chamados acréscimos – pelas suas características peculiares: a incerteza acerca da tempestividade ou da quantia dos dispêndios futuros necessários para a sua liquidação. A noção de provisão passa a ter (apenas) por objecto as obrigações (“responsabilidades”) cuja natureza esteja claramente definida e que, à data do balanço (agora “posição financeira”), sejam de ocorrência provável ou certa, mas incertas quanto ao seu valor ou data de ocorrência.

Assim, as provisões não podem ser excessivas, nem ter por finalidade secundária a criação de reservas ocultas, sob pena de a contabilidade não transmitir a imagem verdadeira e fiel da situação patrimonial da entidade que procura relatar.

Importa ainda apontar que as obrigações a que as provisões se reportam podem ser de dois tipos: obrigações legais (decorrentes de um contrato, legais ou similares) e as obrigações construtivas (pelas quais uma entidade tenha criado uma expectativa válida de que cumprirá certas responsabilidades, seja por práticas passadas, seja por resultado de políticas públicas, seja por assunção de determinado compromisso de forma pública e notória).

Em síntese, a legislação contabilística indica que uma provisão deve ser reconhecida no balanço (no relato financeiro) quando estiverem reunidas as seguintes três condições:

a)                      Exista uma obrigação presente (legal ou construtiva) como resultado de um acontecimento passado; (excluem-se, pois, as tentativas de antecipação de registo de encargos com eventos futuros, ainda que certos);

b)                      É provável que venha a ser exigida uma saída de recursos que incorporam benefícios económicos para satisfazer essa obrigação; (considera-se provável quando a probabilidade de acontecer é superior à de não acontecer);

c)                      É possível estimar a quantia de modo fiável (estimativa da quantia que a entidade pagaria para solver o compromisso ou para o transferir para terceiros).

Já do ponto de vista fiscal, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, e com interesse para o assunto em apreço, consagra a aceitação como custo para efeitos do apuramento do imposto, da seguinte provisão:

- Provisão que se destine a fazer face a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso, por factos que determinem a inclusão daqueles (encargos) entre os gastos do período de tributação (gastos do exercício económico).

Então, a decisão da gestão da Requerente, no sentido de constituir, em 2013, uma provisão (encargo do exercício de 2013) para a remoção, transporte e reinstalação das quatro torres eólicas (1, 2, 3 e 4 do Parque Eólico do …), em função de decisão final do STJ de suspensão do funcionamento e de proceder a indemnização dos autores do processo contra a Requerente, pode ser devidamente escrutinada à luz da definição anterior e do enquadramento que o CIRC prevê.

Tal provisão deveria ter sido constituída em exercício anterior e não apenas no exercício em que se verifica a decisão final do processo. De facto o disposto no artigo 39º do CIRC refere processos judiciais “em curso”, pelo que se entende que seria possível ter constituído a provisão logo que se verificou o início do processo. Em rigor, com a conclusão do processo em meados do ano de 2013, no momento em que a provisão é constituída – no encerramento das contas de 2013 - ela é já de certa forma extemporânea, porquanto a obrigação passou a ser certa e de montante certo quanto à indemnização de 30.000 Euros, pelo que essa quantia deveria ter sido registada como encargo a pagar e não como já como provisão.

Na Resposta da AT, nos pontos 135º a 196º, refere-se com cristalina clareza que nada consta no processo e das declarações das testemunhas também nada resulta que indique que a douta decisão do STJ alcance mais do que a suspensão (imediata) e posterior remoção da actividade de 4 torres eólicas. Assim, mais uma vez nos parece extemporânea a constituição de provisão depois de se ter verificado a suspensão e quando é devida já a remoção, devendo ter sido obtidos orçamentos (apesar de a testemunha C… ter afirmado não existirem orçamentos alternativos) para esse efeito, ou até terem sido registados, logo em 2013, os encargos com a remoção, mediante orçamento ou factura, ainda que parcelar, dos respectivos serviços.

Mas a questão de fundo é mesmo a da amplitude que se pretende dar à provisão, por a mesma pretender incluir como custo fiscal algo que é eventual acontecimento futuro e que não decorre na decisão judicial: a armazenagem (ao longo de anos como se percebeu através da prova testemunhal, de que resultou estarem as 4 torres ainda armazenadas em 2017, a aguardar a realização de reparações) e sobretudo o encargo com a eventual reinstalação das mesmas em outro local a autorizar para o efeito.

Ora, em bom rigor, não resulta da decisão de suspensão e subsequente remoção que as 4 torres tenham de ser reinstaladas, podendo ocorrer o seu desmantelamento, a sua venda a terceiros ou até a sua desmontagem e actualização de parte substancial das peças suas componentes, o que será até provável face às explicações detalhadas fornecidas pelas testemunhas, uma vez que a tecnologia tem evoluído muito rapidamente e as torres originalmente colocadas em actividade há quase 10 anos poderão ter já perdido parte da sua eficiência económica.

Assim se demonstra que a provisão, pelo menos na parte destinada a reinstalação, por ser um eventual acontecimento futuro, pode ser uma decisão de gestão legítima e acertada, mas tal encargo futuro não cabe definitivamente no conceito abstracto de provisão e, por maioria de razão, também não pode ser aceite para os efeitos da determinação do resultado tributável em sede de IRC.

Recorde-se ainda que uma provisão, para ser enquadrável no disposto no CIRC, deve originar gastos que poderiam ser registados, ainda em 2013, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios e também de acordo com o princípio da prudência, o que não se verifica no caso presente.

Por último, a questão da mensuração da própria provisão.

Impõe-se, como expusemos antes, que seja possível estimar a quantia da provisão de modo fiável. Também, neste ponto, nos parece que a Requerente não se esforçou para obter uma estimativa detalhada que segregasse devidamente o encargo da remoção (desmontagem, transporte até ao espaço de armazenamento) de modo separado do encargo eventual com a reinstalação noutro local. Se tivesse sido esse o caso teria porventura sido eventualmente possível que a AT tivesse aceitado a parcela da provisão que fosse claramente indispensável face ao teor da decisão judicial.

Ora, ao tomar um valor global para o processo de remoção e de reinstalação em outro local, sendo o mesmo valor tomado por comparação com um processo anterior de reinstalação ocorrido mais de quatro anos antes, torna inadequada a determinação do montante da provisão que poderia ter sido considerada ao abrigo do CIRC.

Em síntese, a decisão da AT de corrigir o valor da provisão constituída (com excepção da indemnização de 30.000 Euros) adequa-se ao disposto no CIRC em matéria de provisões para processos judiciais em curso com relevância na determinação do resultado tributável da Requerente.

Pelo que improcede o pedido arbitral no que a este ponto se refere.

3.      Dos juros indemnizatórios          

A Requerente pede ainda o reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios, tendo-se provado que pagou as liquidações impugnadas no montante global de € 1.687.686,50 (docs. 28 a 31).

O art. 43º, nº 1 da LGT estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine (…) que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento de divida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

No caso em apreço, o erro que afectou as liquidações é imputável à AT.

Pelo que a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias que pagou em resultado das correcções consideradas ilegais nos presentes autos (arts. 100º da LGT e 24º, nº 1 do RJAT) e juros indemnizatórios desde a data de efectivo pagamento até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos arts. 43º, nºs 1 e 4, e 35º, nº 10 da LGT, art. 559º CC e Portaria nº 291/2003 de 8 de Abril.

V - Decisão

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)    Julgar este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para conhecer do pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento da quantia relativa a custas judiciais com processos de execução fiscal e absolver da instância a Requerida quanto a este pedido;

b)   Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral no que se refere às liquidações nºs 2015…, referente ao ano de 2011, 2015…, referente ao ano de 2012, e 2016 … referente ao ano de 2014, declarando-as ilegais e anulando-as, com todas as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis.

c)    Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral no que se refere à liquidação nº 2016…, referente ao ano de 2013, anulando-a parcialmente, com todas as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis.

d)   Condenar a AT à restituição do que vier a ser determinado em execução de sentença, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, com as devidas consequências legais.

e)    Condenar Requerida e Requerente no pagamento das custas do processo, na proporção de 85% para a Requerida e 15% para a Requerente.

 

VI – Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 1.696.140,34, em conformidade com o disposto no art. 97º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29º, nº 1, alínea a), do RJAT e art. 3º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII - Custas

 

Custas no montante de € 22.338,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos arts. 12º, nº 2 e 22º, nº 4, ambos do RJAT a cargo da Requerida e da Requerente, na proporção de 85% para a primeira e 15% para a segunda.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de Junho de 2017.

 

Os Árbitros,

 

 

 

 

 

Maria Fernanda dos Santos Maçãs

(Presidente)

 

 

 

 

Cristina Aragão Seia

 

 

 

 

Luís Pereira da Silva