Decisão Arbitral
A Árbitro Dra. Filipa Barros (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 1 de Março de 2017, acorda no seguinte:
I. RELATÓRIO
A sociedade A… S.A. NIPC e matriculada na Conservatória de Registo Comercial de … sob o número único …, com capital social de €10.000.000,00 com sede social na …–…, …, …-… …, adiante “Requerente”, vem, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante referido por “RJAT”[1], requerer a constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia sobre a ilegalidade e consequente anulação dos seguintes atos tributários:
a) Liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º 2015…, de 07-11-2015, relativa ao período 2011-12, e consequente ato de liquidação de juros de IVA n.º 2015…, de 07-11-2015;
b) Liquidação adicional de IVA n.º 2015…, de 07-11-2015, relativa ao período 2012-09, e consequente ato de liquidação de juros de IVA n.º 2015…, de 07-11-2015;
c) Liquidação adicional de IVA n.º 2015…, de 07-11-2015, relativa ao período 2012-11, e consequente ato de liquidação de juros de IVA n.º 2015…, de 07-11-2015;
d) A anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que manteve os referidos atos tributários.
Para fundamentar o seu pedido, considera a Requerente, em síntese, que não existem fundamentos para a desconsideração fiscal, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), da dedução do IVA incorrido com a prestação de serviços de desenvolvimento e prospecção de mercados efetuados pela empresa B… SGPS, S.A (doravante B…), uma vez que tais serviços foram efetivamente contratados e prestados inserindo-se no propósito visado pela Requerente do desenvolvimento estratégico do seu negócio, jamais tendo havido intuito de enganar terceiros. Com efeito, a Requerente pretendia desenvolver a sua atividade em mercados externos, designadamente de expressão portuguesa, atraída pelo facto de esses mercados, à data, registarem boas taxas de crescimento económico.
Neste contexto, sendo a Requerente parcialmente detida pela B…, foram-se estreitando relações pessoais entre os administradores das duas sociedades, tendo a B…, acordado, informalmente, com a Requerente utilizar as suas redes de contactos para apoiar no desenvolvimento de esforços e identificar parcerias estratégicas nos supra referidos destinos. No âmbito de um acordo verbal entre as partes, os administradores da B… desenvolveram contactos e identificaram oportunidades de internacionalização em mercados como o Reino Unido, Brasil, Angola, Moçambique e Cabo Verde.
Defende assim, que no caso das faturas emitidas pela Sociedade B… à Requerente, os serviços tiveram lugar, não se encontrando reunidos os elementos estruturantes da simulação, tal como previstos no artigo 19.º n.º 3 do Código do IVA, tendo tais serviços um propósito claramente empresarial (não se tratam de viagens de turismo) devendo-se a ausência de resultados nalguns dos mercado abordados, por um lado, aos riscos inerentes ao negócio, por outro, ao contexto económico que então eclodiu em Espanha, com um pedido de assistência financeira em 25 de Junho do ano de 2012, o que terá levado a casa-mãe (C… Espanha) a repensar os investimentos da sua participada além fronteiras.
Ora, as conclusões alcançadas pela AT assentes na ausência de resultados profícuos das ações encetadas, e na ausência de relatórios escritos comprovando as diligências efetuadas, representam uma inaceitável ingerência na liberdade de atuação da Requerente, não permitindo fundamentar a falta de veracidade das operações, ónus da prova que cabia à AT, nos termos do artigo 74.º da LGT.
Apoiando-se na jurisprudência do TJUE alega que compete à AT demonstrar, à luz de elementos objetivos, que o direito à dedução é utilizado fraudulenta e abusivamente, sendo certo que toda a atuação da AT se pauta, neste caso, pelo levantamento de suspeições sem nunca lograr a prova da ausência de substância económica das operações.
Na base dos mesmos argumentos, apoiando-se na jurisprudência dos tribunais superiores e nos acórdãos do TJUE, defende a ilegalidade da correção relativa à dedução do IVA incorrido com a aquisição de serviços informáticos pela Requerente à sociedade D…, Lda. (doravante D…).
A Requerente põe em causa as conclusões que a AT extraiu dos indícios recolhidos, designadamente, de que seria de estranhar a ausência de contratos escritos, de que os serviços de aconselhamento para aquisição de um “datacenter” deveriam estar sustentados em relatórios emitidos pelo prestador de serviços e, finalmente, de que a prestação de suporte técnico deveria ser de fácil comprovação mediante os registos de presença dos funcionários nas instalações da Requerente.
A este respeito, clarifica que a D… é um fornecedor de referência desde os anos 90, com profundo conhecimento dos sistemas/necessidades informáticas da Requerente, e atenta a longa relação existente, todos os técnicos da D… sempre dispuseram de livre acesso às instalações da Requerente, incluindo o acesso por VPN, tendo alguns, sido contratados por esta.
Por conseguinte, dada a informalidade da relação comercial existente, os acordos não eram reduzidos a escrito, nem os funcionários procediam ao registo de entradas/saídas, no entanto eram realizadas inúmeras reuniões onde se discutiam as propostas e a adequação de todos os investimentos à compatibilidade com a estrutura de rede da empresa.
Conclui afirmando que a estranheza manifestada pela AT quanto aos preços cobrados e à forma de atuação comercial da Requerente, não constituem indícios sérios e objectivos de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade, sendo forçoso concluir que a AT não logrou o ónus da prova que se lhe impunha.
No dia 29 de Dezembro de 2016, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.
A Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro.
Assim, nos termos e para os efeitos do disposto do nº 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foi designado árbitro do Tribunal Arbitral Singular a signatária, que comunicou, ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 1 de Março de 2017, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Para tanto, invoca a existência de fortes indícios de que as faturas identificadas no Relatório de Inspeção Tributária (doravante RIT), emitidas pela B…, relativas a serviços de prospecção de mercados no Brasil, Cabo Verde, Angola, Moçambique, sejam falsas. Os indícios que desencadeiam suspeitas sobre a efetiva prestação de serviços são os seguintes:
- A B… é uma empresa com relações especiais com o sujeito passivo, participando em 19,98% do capital social da A…;
- A B… é uma sociedade gestora de participações sociais encontrando-se impedida, pelo seu regime jurídico, de efetuar prestações de serviços de natureza comercial associados à prospecção de mercados, não estando ademais, tal prestação suportada num contrato escrito.
- O Grupo E… possui uma estrutura internacional que lhe permitirá desenvolver contactos comerciais para prospecção de mercados, sendo caricato que tenha de recorrer a uma sociedade nacional, sem objeto nem especialização, para esse efeito;
- Questiona-se a sua imprescindibilidade para a atividade da A…, impondo-se a dúvida do porquê não terem continuado a ser prestados tais serviços em finais de 2012 e 2013;
- Todos as despesas de deslocações e estadas foram suportadas pelos administradores da SGPS e não pela Sociedade;
- O descritivo das faturas faz menção a acordos e memorandos, os quais terão sido subscritos pelas partes envolvidas, contudo nem a A… nem a B… apresentaram tais documentos;
- Os relatórios apresentados pela A… não permitem ultrapassar as dúvidas enunciadas;
Quanto às faturas emitidas pela D…, embora algumas dessas faturas denunciem a existência de uma avença entre as partes, a Requerente não foi capaz de apresentar nenhum contrato escrito relativamente ao tipo de serviços que foram prestados. Acresce que foram emitidas duas faturas relativas à aquisição e instalação de um novo “datacenter” tendo para este efeito, segundo a Requerente tais serviços passado pela identificação de necessidades, definição de soluções a adoptar, e análises de propostas, sem que estranhamente existam documentos que evidenciem as análises e trabalhos efetuados.
Defende a AT que um outro indício de que as faturas emitidas não correspondem a reais e efetivas prestações de serviços, passa pela ausência de registos de presença de funcionários da D… nas instalações da Requerente, ou de folhas de horas onde o prestador evidenciaria a realização de tais serviços.
Assim, é entendimento da Requerida, que à AT incumbia apenas colocar em questão a veracidade das operações tituladas pelas faturas, pela recolha de factos indiciários da falta de credibilidade das mesmas, cabendo à Requerente provar a existência de factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, isto é a efetiva existência das transações alegadas.
A este respeito, a Requerida salienta as orientações emitidas pela vasta jurisprudência do TJUE e do STA que reforçam a interpretação feita em sede de procedimento inspetivo. Concluiu alegando que a Requerente não logrou provar a materialidade das operações em causa, e estando esta onerada pela prova dos factos constitutivos do direito à dedução do IVA, a indefinição probatória deverá resolver-se contra a sua pretensão.
A Requerida conclui pela improcedência de todos os vícios assacados à atuação administrativa.
No dia 8 de Maio de 2017 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual teve lugar, além do mais, a inquirição das testemunha arroladas pela Requerente, os Senhores F…, G…, H…, I… e J… entrevistado via Skype (cf. Ata da Reunião do Tribunal Arbitral Singular).
Foram apresentadas alegações escritas pela Requerente, seguidas das alegações da Requerida.
Nas alegações apresentadas as partes reiteraram no essencial as posições defendidas nos respetivos articulados.
II. SANEAMENTO DO PROCESSO
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1, alínea a), 5.º e 6º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
III. FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos dados como provados
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos no âmbito do processo administrativo, o pedido de pronúncia arbitral, na prova testemunhal e na resposta apresentada pela AT, nos termos seguidamente indicados.
1) A Requerente é uma sociedade comercial de direito português, criada em 1978, e insere-se num grupo multinacional fundado na Alemanha;
2) A Requerente tem por objeto social o fabrico de artigos em aço inoxidável, eletrodomésticos e produtos de telecomunicação, bem como o comércio de importação e exportação dos mesmos produtos;
3) Atualmente, o capital social da Requerente decompõe-se do seguinte modo:
i) C…, S.A. (“C…”), com sede em Espanha – 79.97%
ii) Sociedade B… SGPS, S.A. (“B…”), com sede em Portugal – 19,98%;
iii) K…– 0,013%;
iv)L…– 0,013%; e
v) M…– 0,013%.
4) Até finais de 2012, a sociedade B… era detida em 50% por K… e pelos seus dois filhos (F… e N…), cuja participação equitativa no capital era de 25%;
5) O historial de parceria e desenvolvimento da B… com o Grupo E… remonta a 1970, quando K… inicia a importação exclusiva de produtos …, empresa associada do Grupo E…;
6) É neste período que K… conhece o empresário M…, fundador da C…, com o qual vem a estabelecer uma amizade de décadas e que foi o suporte para o desenvolvimento da ora Requerente (depoimento da testemunha F…);
7) M… exercia uma forte influência na tomada de decisões no âmbito do grupo multinacional E…(depoimento da testemunha F…);
8) Em 1975, a C…(representada por M…), acordou verbalmente com K… a distribuição exclusiva por este dos produtos … no mercado português;
9) Em 1978, face às dificuldade de importação dos produtos A…, por acordo verbal entre M… (fundador da C…) e K…, decide-se criar em território nacional uma unidade industrial para o fabrico local de lava-louças (depoimento da testemunha F…);
10) Em 1978 K… detinha 45% do capital social da Requerente, sendo os restantes 55% detidos pelo Grupo E…;
11) A gestão diária da Requerente era levada a cabo por K… em consequência do estabelecimento de uma relação duradoura de confiança com M… (depoimento da testemunha F…);
12) As famílias de M… e de K… participavam nas reuniões dos conselhos de administração da A… (depoimento da testemunha F…)
13) A gestão da Requerente era realizada de forma independente e com autonomia decisória em relação às demais empresas do grupo, não se verificando procedimentos de controlo formalizado típicos de empresas multinacionais porque a integração com outras entidades do grupo quase não existia. A A… funcionava como se fosse uma empresa de base nacional (depoimento da testemunha F… e G…);
14) A percentagem na participação detida por K… foi reduzida para 40%, ao tempo em que aumenta a sua participação na B…, tendo sido reduzida para 19,9%, em 2015, por reforço do Grupo E… no capital da Requerente, até aos atuais 79,97%;
15) Desde 1978, que por acordo verbal com M… foi concedida a exclusividade territorial na distribuição de produtos … no território nacional, respetivamente pelas regiões norte, centro e sul, às empresas O…, Lda., P… Lda. e Q…, S.A;
16) Em consequência da entrada de Portugal na União Europeia, a ora Requerente encerrou os acordos de exclusividade territorial com a P… Lda. e com a Q…, S.A..
17) A Requerente foi destinatária de uma ação inspetiva externa de âmbito geral aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, e de âmbito parcial (IRC) ao exercício de 2014, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária (doravante SIT) da Direção de Finanças de …, credenciada pelas ordens de serviço n.º OI2014… e OI2015…;
18) No âmbito da inspeção tributária, os SIT propuseram, no que se refere ao IVA dedutível, correções relativas a faturas emitidas pela empresa participante B… .
19) As faturas emitidas pela empresa B… continham o seguinte descritivo:
- Fatura n.º 139 de 23.12.2011 – “Desenvolvimento e prospecção de mercados África subsareana e Brasil; Moçambique – Acordo de distribuição HM; Angola – visitas e estudo de desenvolvimento para presença alargada; Cabo Verde MoU parceria multianual com R…; Brasil – Visitas e estudo de desenvolvimento para presença alargada;”
- Fatura n.º 149 de 04.09.2012 – “Serviços técnicos de administração e gestão prestados de Março a Agosto do corrente ano: (Desenvolvimento de futura presença no mercado brasileiro) 6 x 10.000,00”
- Fatura n.º 151 de 14.11.2012 - “Serviços técnicos de administração e gestão prestados de Setembro a Dezembro do corrente ano: (Desenvolvimento de futura presença no mercado brasileiro) 4 x 10.000,00. Idem (Desenvolvimento comercial em Inglaterra. Processo de negociação com a S…) 4 x 4812,5.
20) As facturas n.º 139, 149 e 151 emitidas pela B… inserem-se no âmbito de uma estratégia de internacionalização dos negócios da Requerente essencialmente em territórios de língua oficial portuguesa (PALOPS), através da reprodução do modelo societário utilizado para a constituição da empresa em Portugal, procurando estabelecer parcerias locais (depoimento da testemunha F…);
21) Foi discutido com M… a utilização da rede de contactos de F… e de seu irmão, em territórios PALOP para expandir o mercado da A… onde não existisse fábrica para depois se avançar para a distribuição e definição de parceiros com quem se pudesse estabelecer uma relação de confiança (depoimento da testemunha F…);
22) Para a A… foi proposto pelos administradores da B… a prospecção em mercados PALOP e uma estratégia de “reshoring” no Reino Unido com a cadeia S… (depoimento da testemunha F…);
23) Havia a percepção de que todos os concorrentes vendiam para o Brasil e Angola menos a A… . O diretor comercial da A… não tinha disponibilidade para desenvolver esses mercados nem dispunha de uma rede de contactos em países PALOP (depoimento da testemunha H…);
24) Na celebração de contratos de prestação de serviços, a B… e a D… têm por prática comercial apenas reduzir o contrato a escrito nos casos em que os clientes o solicitem, nunca tendo sido feito um pedido pela A… nesse sentido, pois historicamente não constituía um padrão normal de atuação com a A… e com M… (depoimento da testemunha F…);
25) As viagens de prospecção aos mercados PALOP para procura de parcerias não eram exclusivamente realizadas ao serviço da A…, eram feitas no âmbito normal da atividade da B…, dos projetos da empresa D… e também ao serviço de empresas imobiliárias detidas pelos administradores da B…, aproveitando a rede de contactos que possuíam nesses territórios (depoimento da testemunha F…);
26) Com a A… foi negociado um valor global que se entendeu razoável face aos objetivos de prospecção e de procura de parceiros, por isso nunca foram debitados à A… custos concretos das viagem realizadas, de estadia nos hotéis ou das refeições durante essas viagens (depoimento da testemunha F…);
27) Depois de cada viagem eram realizadas reuniões com a A…, apresentando-se um resumo das diligências feitas, e nalguns territórios, como o Brasil, foi desaconselhado o investimento, face ao grande potencial de riscos identificados nesse mercado (depoimento da testemunha F…);
28) No caso de Angola, foi proposto ao diretor comercial da A…, H…, que se fizesse um primeiro acordo comercial, para depois com aquele parceiro se constituir uma delegação. H… visitou as empresas locais, mas por decisão da A… não houve evolução, por motivos que a B… desconhece (depoimento da testemunha F…);
29) Em Cabo Verde tudo estava acordado para se estabelecer uma parceria com o grupo T…, no entanto, este não avançou (depoimento da testemunha F…);
30) Com a S…, havia uma oportunidade de “reshoring”, porquanto a produção que tinha sido colocada na China estava a regressar à Europa em virtude da possibilidade de reduzir custos de transporte e custos ambientais. Foi negociado com este retalhista inglês um acordo de longo prazo para a produção ser feita em Portugal, no entanto, uma vez mais, a A…, através de H…, em 2013, não quis seguir esta estratégia (depoimento da testemunha F…);
31) Os relatórios escritos das diligências efetuadas e dos resultados alcançados nas viagens de prospecção eram elaborados de forma muito resumida a pedido de M… (depoimento da testemunha F…);
32) Os relatórios produzidos tinham como destinatários, em conhecimento, U… e V… que à data da criação dos documentos já não se encontravam em funções na A…;
33) U… era o braço direito de M… e seu advogado, tendo passado a exercer funções de administrador na A.. a 8 de Novembro de 2012 (depoimento da testemunha F…);
34) V… cessou funções do cargo de administrador delegado da A…, por impedimento definitivo, em 7 de Julho de 2010;
35) A data da produção do relatório identificado como “… :S…_UK_Nov12” é a que consta das propriedades de criação do documento Word, ou seja, em 03-01-2012, às 16:36, tendo sido posteriormente modificado a 02-11-2012 às 20:44 ;
36) A data da produção do relatório identificado como W…_Fev12 é a que consta das propriedades de criação do documento Word, ou seja, em 09-06-2010, às 14:09, tendo sido posteriormente modificado a 10-03-2012 às 11:28;
37) A data da produção do relatório identificado como W…_Ago12 é a que consta das propriedades de criação do documento Word, ou seja, em 09-06-2010, às 14:09, tendo sido posteriormente modificado a 28-08-2012 às 16:52;
38) Com a implementação nos mercados PALOP a Requerente pretendia beneficiar das elevadas taxas de crescimento económico existentes, à data, naqueles territórios, especialmente em Angola (depoimento da testemunha G…, H…);
39) No âmbito dos contactos estabelecidos com os potenciais parceiros e países PALOP foram realizadas viagens pela direção comercial da A… e recebidos clientes que vieram visitar a fábrica (depoimento da testemunha H…);
40) No período a que respeitam as faturas da B…, X… juntamente com outras pessoas da A… visitaram Moçambique (Cidade da Beira e Maputo) tendo em vista a realização de parcerias locais para a comercialização e distribuição de produtos A… (depoimento da testemunha J…);
41) Em Moçambique, no âmbito do acordo realizado com o parceiro local, a A… disponibilizou acompanhamento pós-venda e formação, comercializando desde então produtos A… naquele mercado, muito embora nunca tivesse sido assinado um contrato de exclusividade por decisão da A… (depoimento da testemunha J… e F…);
42) O grupo E… conheceu uma alteração radical de estratégia quando o M… perdeu o controlo do grupo, deixando de ser presidente do conselho de administração em 2012, em conjugação com o facto de a nível internacional o grupo ter estado à beira de implodir, tendo-se abandonado a ideia de implementar as propostas de desenvolvimento comercial em países PALOP apresentadas pela B…(depoimento da testemunha F…);
43) No âmbito da inspeção tributária identificada no ponto 18 supra, os SIT propuseram, no que se refere ao IVA dedutível, correções relativas a uma fatura emitida pela empresa D…, identificada sob o n.º…, no valor de € 58.466,00;
44) A D… presta serviços informáticos à A…, em concorrência com outros prestadores desde 1991, tendo sido responsável por construir a infraestrutura informática desta até à saída de M… (depoimento da testemunha F…);
45) A D… é uma sociedade controlada pela B… SGPS e pela família de K…;
46) Os serviços prestados pela D… à A… eram objeto de acordo verbal, em resultado de uma relação de informalidade e de confiança existente por mais de 20 anos entre M… e K… (depoimento da testemunha F…);
47) Em 2006 a A… recrutou para os seus quadros de pessoal o técnico principal da D… (Y…), reduzindo-se significativamente a partir desta data as prestações de serviços e a venda de hardware para a A… (depoimento da testemunha F…);
48) No início de 2010 o colaborador Y… cessou a sua colaboração com a A…, tendo esta sentido necessidade de contratar uma avença com a D… para assegurar o funcionamento da rede, atendendo ao conhecimento profundo que detinha da infraestrutura informática (depoimento da testemunha F… e G…);
49) A partir de 2011 a D… emitiu faturas à A… com periodicidade mensal no montante de € 6.000,00 com o seguinte descritivo “Serviço – Rede Estruturada. Serviço de manutenção da infra-estrutura. Ethernet”;
50) A avença acordada entre a A… e a D… tinha por objetivo assegurar o funcionamento imediato de toda a estrutura informática da A… fazendo a transição até ao momento em que o novo funcionário contratado estivesse apto a assumir essas responsabilidades (depoimento da testemunha F… e G…);
51) Em 28-09-2012 foi emitida pela D… a fatura n.º 1203590, no valor de € 58.466,00, cujo descritivo refere “Serviço- Rede Estruturada. Serviço de Manutenção da Infra-estrutura.Ethernet”;
52) Em 14-11-2012 foi emitida pela D… a fatura n.º 1204255, no valor de € 23.250,00 cujo descritivo refere “Serviço- Rede Estruturada. Serviço de Manutenção da Infra-estrutura.Ethernet – JAN-JUN. DESCONTO DE 12750 Eur. Relativo a falha de SLA conforme acordado”;
53) Em 20-11-2012 foi emitida pela D… a fatura n.º 1204323, no valor de € 36.000,00 cujo descritivo refere “Serviço- Rede Estruturada. Serviço de Manutenção da Infra-estrutura. Ethernet – JUl- DEZ.”
54) A C… havia implementado um novo sistema informático correspondente a um investimento aproximado de €250.000,00, sendo preocupação da administração da A…, diminuir o valor do investimento realizado no sistema informático que viesse a ser adquirido em Portugal (depoimento da testemunha F…);
55) Em Novembro de 2012 a A… adquiriu um novo “datacenter” à empresa Z…, Lda, no valor de €78.529,13, acrescido de IVA;
56) A fatura n.º 1203590, no valor de € 58.466,00, foi emitida pela D… no âmbito e um acordo verbal para prestação de serviços de aconselhamento e análise de propostas tendentes à aquisição de um novo “datacenter”, bem como posterior instalação e acompanhamento técnico na fase de entrada em funcionamento do novo sistema (depoimento da testemunha F… e G…);
57) No período a que respeitam as liquidações adicionais de IVA e até à entrada da nova administração da A…, coincidente com a saída de M…, a D… assegurou todos os serviços de manutenção de rede, desenvolvendo aplicações adequadas às necessidades específicas da A… (depoimento da testemunha F…);
58) A D… era um parceiro antigo da A…, e os seus funcionários eram considerados “pessoas da casa”, nunca tendo havido a prática de registar a entrada e saída dos funcionários da D… nas instalações da A… (depoimento da testemunha G…);
59) Os funcionários da D… dispunham de acesso remoto por VPN, podendo executar trabalhos e aceder a toda a rede interna da A… sem necessidade de deslocação às suas instalações (depoimento da testemunha F… e I…);
60) Com base nas conclusões apuradas pelos SIT de …, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, a AT propôs um conjunto de correções no total do IVA deduzido pela Requerente relativamente aos períodos de 2011-12, 2012-09 e 2012-11;
61) A Requerente foi notificada do projeto de Relatório de Inspeção Tributária (doravante RIT) para exercer o direito de audição prévia, tendo-o feito;
62) A AT manteve as correções inicialmente propostas no RIT, do qual a Requerente foi notificada em 03 de Novembro de 2015;
63) Com base nas correções finais decorrentes da ação inspetiva foram efetuadas pela a AT as seguintes liquidações:
1. Demonstração de Liquidação de IVA n.º 2015…, de 07-11-2015, relativa ao período 2011-12, a qual deu origem à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2015…, de 10-11-2015 (n.º de compensação 2015…), do qual resultou um montante a pagar de €12.305,00, tendo o respetivo montante sido pago pela Requerente em 06-01-2016;
2. Demonstração de Liquidação de Juros de IVA n.º 2015…, de 07-11-2015, relativa ao período 2011-12, a qual deu origem à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2015…, de 10-11-2015 (n.º de compensação 2015…), do qual resultou um montante a pagar de €1.829,90, tendo o respetivo montante sido pago pela Requerente em 06-01-2016;
3. Demonstração de Liquidação de IVA n.º 2015…, de 07-11-2015, relativa ao período 2012-09, a qual deu origem à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2015…, de 10-11-2015 (n.º de compensação 2015…), do qual resultou um montante a pagar de € 27.247,18, tendo o respetivo montante sido pago pela Requerente em 06-01-2016;
4. Demonstração de Liquidação de Juros de IVA n.º 2015…, de 07-11-2015, relativa ao período 2012-09, a qual deu origem à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2015…, de 10-11-2015 (n.º de compensação 2015…), do qual resultou um montante a pagar de €3.227,85, tendo o respetivo montante sido pago pela Requerente em 06-01-2016;
5. Demonstração de Liquidação de IVA n.º 2015…, de 07-11-2015, relativa ao período 2012-11, a qual deu origem à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2015…, de 10-11-2015 (n.º de compensação 2015…), do qual resultou um montante a pagar de €13.627,50 €, (cf. Documento n.º 14, que ora se junta), tendo o respetivo montante sido pago pela Requerente em 06-01-2016;
6. Demonstração de Liquidação de Juros de IVA n.º 2015…, de 07-11-2015, relativa ao período 2012-11, a qual deu origem à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2015…, de 10-11-2015 (n.º de compensação 2015…), do qual resultou um montante a pagar de €1.526,28, tendo o respetivo montante sido pago pela Requerente em 06-01-2016.
64) As liquidações supra referidas totalizaram o montante de €59.763,71;
65) A 14 de Março de 2016 a Requerente deduziu reclamação graciosa contra as liquidações em apreço;
66) A reclamação graciosa foi totalmente indeferida pela AT, por despacho de 30 de Setembro de 2016, tendo o indeferimento sido comunicado à Requerente via CTT em 03 de Outubro de 2016;
67) Em 29 de Dezembro de 2016, a Requerente deduziu o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo (cfr. requerimento electrónico ao CAAD).
2. Factos não provados
Não se constataram factos com relevo para a apreciação da matéria que não se tenham provado.
3. Motivação
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7 do CPPT, a prova documental e testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
4. Matéria de Direito
A questão a decidir nos presentes autos passa por aferir se o IVA das faturas emitidas à Requerente pelos fornecedores B… e D…, deverá ou não ser passível de dedução, tendo em consideração a alegação da AT da existência de indícios de que as faturas emitidas não correspondem a reais e efetivas prestação de serviços. Assim, a AT põe em causa a existência das operações tributáveis nos termos declarados formalmente pela Requerente, suscitando-se a questão da adesão das faturas supra referidas à realidade.
Ora, sendo o IVA um imposto de matriz comunitária, impõe-se tecer algumas considerações previas relativamente à natureza e amplitude do direito à dedução, considerando nesta análise as regras que regem este imposto de acordo com o Direito da União Europeia, com a respetiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo, especialmente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). A este respeito importará analisar a questão da dedutibilidade do IVA, tendo em conta a interpretação do disposto nos artigos 168.º da Diretiva IVA (DIVA) e os artigos 19.º n.º 3 do Código do IVA.
4.1. Do Direito à dedução
O direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado, exercendo-se imediatamente em relação à totalidade do IVA que incidiu sobre as operações a montante.[2]
Nesta acepção do princípio da neutralidade, o regime instituído pela DIVA permite aos sujeitos passivos deduzir o IVA que tenha onerado as aquisições de bens e serviços destinados à atividade tributada. Note-se, que o TJUE refere-se ao princípio da neutralidade do IVA ainda numa outra acepção, de acordo com a qual o sistema do IVA não deve interferir com as decisões económicas nem com a formação dos preços ao longo do circuito económico.
Por conseguinte, o mecanismo do direito à dedução permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante retirando o efeito cumulativo e a tributação em cascata que caracterizavam sistemas anteriores de tributação do consumo. Assim, o direito à dedução assenta no designado método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas.
De acordo com este método, e em conformidade com o disposto no artigo 19.º do Código do IVA, através de uma operação aritmética de subtração, ao imposto apurado nas vendas e prestações de serviços (outputs) e identificável nas respetivas faturas, deduz-se o imposto suportado nas compras e outros gastos (inputs). Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2 do artigo 1.º da DIVA “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço”.
Tal como previsto na DIVA, o Código do IVA determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos.
As situações expressas de exclusão do direito à dedução são excecionais e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador nacional em termos taxativos, de acordo com o estatuído na DIVA, em função do tipo de despesas em causa.
As regras do exercício do direito à dedução do imposto contemplam requisitos objetivos, mais ligados ao tipo de despesas, subjetivos, relativos ao sujeito passivo, e temporais, atinentes ao período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, os quais se devem verificar em simultâneo para se exercer o direito à dedução.
Como requisitos objetivos do exercício do direito à dedução do IVA temos, nomeadamente, o facto de o imposto suportado dever constar de fatura passada na forma legal (ou seja, deverá obedecer, nos seus requisitos, aos termos gerais previstos no atual artigo 36.º, n.º 5, e artigo 40.º do Código do IVA), de se tratar de IVA português, e de a despesa, por si, conferir o direito à dedução do imposto (isto é, não se deve tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do Código do IVA).
Como requisitos subjetivos do exercício do direito à dedução do imposto determina-se, nomeadamente, que os bens e serviços deverão estar diretamente relacionados com o desenvolvimento de uma atividade económica. Com efeito, de acordo com a DIVA, no artigo 168.º (transposto, em parte, pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA), o sujeito passivo pode deduzir o IVA suportado no Estado membro em que se encontra estabelecido, nas transmissões de bens e prestações de serviços, assim como operações assimiladas nas aquisições intracomunitárias de bens e nas importações ali localizadas, desde que “os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas (…)” (sublinhado nosso).
Note-se que o TJUE admite a possibilidade de dedução do IVA mesmo que não se assista à efetiva realização de operações tributáveis, no caso dessas operações, por factos que ultrapassem a vontade da entidade, não se venham efetivamente a concretizar, ocorrendo a liquidação da sociedade. Acresce que este normativo, em conformidade com as regras do Direito da União Europeia, vem exigir que exista um nexo de causalidade entre o bem ou serviço adquirido (input) e o output tributado, para que o IVA seja susceptível de ser dedutível. Isto é, o IVA suportado a montante numa determinada operação só é dedutível na medida em que possa estar relacionada a jusante com uma operação efetivamente tributada, devendo a relação ser aferida em função do reporte e inclusão do custo suportado, no preço da operação tributada.
No que diz respeito aos regimes de dedução de IVA, o TJUE tem vindo a considerar que o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do próprio imposto, que não pode em princípio ser limitado, e que se exerce em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante, sublinhando ainda que “toda e qualquer limitação do direito à dedução tem incidência ao nível da carga fiscal e deve aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros. Em consequência, só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela Directiva”[3].
Acresce referir que qualquer limitação do direito à dedução deve observar os princípios da proporcionalidade e da igualdade o que pressupõe uma ponderação equilibrada dos benefícios derivados da medida e do sacrifício que esta implica[4].
4.2. Do Direito à dedução em situações de fraude
O TJUE vem reiterando que a luta contra a fraude, a evasão fiscal e os eventuais abusos constitui um objetivo reconhecido e incentivado pela DIVA, não podendo os sujeitos passivos, fraudulenta ou abusivamente, aproveitar-se das normas do direito da União.[5]
Cabe, assim, às autoridades nacionais e aos tribunais dos Estados membros recusar o direito à dedução, se se demonstrar, face a elementos objectivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente.[6]
Por conseguinte, pode recusar-se o direito à dedução que tenha sido exercido de forma fraudulenta ou quando o sujeito passivo sabia ou devia saber que participava numa fraude ao IVA (ainda que a operação em causa preencha os critérios objetivos em que se baseiam os conceitos de transmissões de bens efetuadas por um sujeito passivo agindo enquanto tal).
No mesmo sentido, ao confirmar que o direito à dedução, uma vez surgido, subsiste mesmo quando o sujeito passivo não tenha podido, por razões alheias à sua vontade, utilizar os bens ou serviços que deram origem à dedução no âmbito de operações tributáveis, o TJUE ressalva que tal só ocorrerá “na falta de circunstâncias fraudulentas ou abusivas”.[7]
Por outro lado, resulta da jurisprudência do TJUE não ser compatível com o regime do direito à dedução, a recusa desse direito a um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA.[8]
As disposições previstas no artigo 19.º n.ºs 3 e 4, do Código do IVA visam precisamente consagrar o impedimento do direito à dedução que resulte de operações fraudulentas.
Desde logo, tendo presente que só confere direito à dedução o IVA que tenha onerado aquisições de bens e serviços destinados ao exercício da atividade tributada realizada pelo sujeito passivo, necessariamente não confere direito à dedução imposto que não se reporte a efetivas transmissões de bens ou prestações de serviços, pelo que o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA explicita que “não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”. Este preceito legal, em face da sua formulação, aplica-se quer em situações de simulação absoluta, de que constituem paradigma no âmbito do IVA as designadas “facturas falsas”, quer em situações de simulação relativa, de que uma das variantes poderá constituir a simulação do valor da operação.
Esta concepção de que o direito à dedução pressupõe que o IVA tenha onerado efetivas prestações de serviços ou transmissões de bens é amplamente reconhecida pela jurisprudência nacional ao afirmar que “O direito de dedução do IVA pago a montante apenas poderá existir, segundo a própria natureza das coisas, relativamente a imposto efectivamente suportado em operações económicas efectivamente acontecidas. De contrário, estaríamos perante um simples arquétipo intelectual ou virtual e não perante um tributo que visa atingir de forma geral o consumo real de bens e serviços nos diversos estádios do circuito económico. A inadmissibilidade da dedução do imposto relativo a operação simulada ou em que seja simulado o preço, afirmada positivamente no n.º 3 do art.º 19º do CIVA, corresponde, deste modo, a uma conclusão forçosa ou decorrente da própria natureza do imposto, cuja explicitação formal apenas se justifica por questões de clareza”[9].
Importa finalmente notar que foi já entendimento do TJUE que a natureza simulada da operação poderá não impedir o exercício do direito à dedução do IVA, quando tal não acarrete o risco de perda da receita fiscal.[10]
5. Aplicação ao caso concreto
Entende a AT que as faturas emitidas pela B… e pela D… não consubstanciam qualquer transação comercial, ou seja, que se tratam de operações simuladas, pelo que de acordo com o número 3 do artigo 19.º do Código do IVA, a Requerente não poderia ter deduzido o imposto relativo a estas aquisições simuladas.
Comecemos por nos referir ao ónus da prova no âmbito das correções em análise. Como tem sido realçado reiterada e uniformemente pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, quando a AT desconsidera faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras dos ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade, passando então a incidir sobre o sujeito passivo do imposto o ónus probatório da veracidade da transação.[11]
Tenha-se em conta que a AT não tem de provar a falsidade das faturas[12], mas tem que alegar factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas, serem simuladas, abalando-se a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados que constam da sua contabilidade, consagrada no artigo 75.º da Lei Geral Tributária. Caberá, por conseguinte, à AT efetuar pelo menos uma prova indireta, recorrendo a “factos indiciantes dos quais se procurará extrair, com auxílio das regras da experiência comum, da ciência ou da técnica uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente mas indiretamente através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema da prova.[13]
Como se refere no acórdão do TCAN, 23 de Novembro de 2012[14] “no que concerne à prova que compete à Administração na repartição do ónus da prova de que demos nota supra, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, em virtude das leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura.”
Nesta tarefa poderá a AT lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das faturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
Vejamos, então, não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado relativamente ao ónus da prova e considerando os factos apurados em sede inspetiva, com vista a dar resposta à questão de saber se resulta dos factos considerados que a AT fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que as faturas relativamente às quais o IVA nelas inserido foi desconsiderado (três faturas emitidas pela B… SGPS[15] e uma factura emitida pela D…[16]), não tiveram subjacentes quaisquer operações económicas realizadas entre estas empresas e a Requerente.
Em caso afirmativo, importará saber se a impugnante logrou demonstrar em Tribunal que, não obstante os indícios colhidos, são reais, isto é, existiram efetivamente tais operações económicas entre as entidades envolvidas.
No caso das faturas emitidas pela B…, para concluir pela existência de indícios sérios de que as faturas não correspondem a reais operações económicas a AT apoiou-se, em síntese, e no essencial, nos seguintes elementos:
- Os serviços de prospecção de mercados não se encontram comprovados por relatórios credíveis que sustentem as diligências efetuadas porquanto:
· Os relatórios remetidos aos SIT foram elaborados por X… administrador da B… relativos a negociações introdutórias com a S… (UK) e com distribuidores do mercado brasileiro, cujos conteúdos não revelam resultados profícuos;
· Os relatórios foram enviados aos SIT por e-mail no dia 2 de junho de 2015, contendo em suporte informático um ficheiro docx., cujas propriedades indicam que o relatório foi criado a 21 de Maio de 2015;
· O relatório S…, de 02 de novembro de 2012, indica como destinatário V…, que cessou o cargo de administrador delegado da A… a 7 de Julho de 2010;
· Os dois relatórios relativos ao mercado Brasil, enviados em suporte informático pdf, dia 7 de Julho de 2015 designados “W…_Fev12.pdf” e W…_Ago12.pdf”, respeitantes a reportes realizados por X… em 10 de Março de 2012 e 28 de Agosto de 2012, na análise de propriedades verifica-se que os mesmos foram criados a 7 de Julho de 2015;
· Os relatórios W… indicam como destinatários U… e V…, este já não exercia funções de administrador na A…, enquanto aquele só passou a exercer funções de administrador a 8 de Novembro de 2012;
- É estranho que o grupo E…, sendo uma multinacional, com presença em 33 países, recorra na prospecção de mercados a uma empresa nacional (B… SGPS) cujo objeto social é a mera gestão de participações sociais;
- As viagens realizadas pelo administrador da Vaga a países de África, América e Ásia, carimbadas no respetivo passaporte, onde se incluem os países mencionados nas faturas, terão algumas certamente caráter turístico;
- As despesas das viagens realizadas não estão contabilizadas na B… SGPS, tendo sido provavelmente suportadas pelos seus administradores, daí a natureza turística das mesmas;
- A B… é uma empresa com relações especiais com o sujeito passivo, participando em 19.99% do capital da A…;
- Os serviços prestados não se encontram suportados em contrato escrito, ou em memorandos, sendo o contrato escrito um requisito imposto pelo regime legal das SGPS’s ;
- Os serviços ainda que prestados não eram imprescindíveis para a atividade da A…, perante a sua dependência estratégica de um grupo multinacional;
- Se eram imprescindíveis, deveriam ter sido prestados continuadamente em finais de 2012 e 2013;
Por seu turno, o caso da fatura emitida pela D…, para concluir pela existência de indícios sérios de que esta não corresponde a reais operações económicas a AT apoiou-se, em síntese, e, no essencial, nos seguintes elementos:
- Nos períodos de 2011 e 2012 a D… era uma empresa relacionada com a Requerente;
- Não foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Requerente e a D… a sustentar o débito relacionado com a fatura FT 1203590 de 28-09-2012;
- Existem duas faturas relativas serviços de avença que cobrem os meses de Janeiro a Dezembro de 2012;
- Os esclarecimentos prestados aos SIT pelo diretor financeiro e técnico oficial de contas, segundo o qual a A… havia adquirido e instalado um novo “datacenter”, no período a que respeita a fatura, e que a mesma respeitou “ao apoio na identificação de necessidades, definição de soluções a adoptar, análise de propostas bem como suporto técnico na fase da instalação e arranque do novo sistema” não se encontram sustentado em relatórios emitidos pelo prestador de serviços;
- A eventual prestação de suporte técnico na fase de instalação e arranque do novo sistema, deveria ser de fácil comprovação mediante os registos de presença dos funcionários da D… nas instalações da A…, em “folhas de obra” onde o prestador evidenciaria a realização efetiva de tais serviços;
- Verifica-se uma desproporção entre o custo do equipamento (€78.529,13 + IVA), e os serviços de análise de propostas, ainda que acrescidos de eventual suporte técnico à instalação do sistema (€58.466,00);
- Estranha-se a ausência de contratos escritos, uma vez que uma das fatures menciona um desconto “relativo a uma falha de SLA, conforme acordado”.
Resulta do conjunto dos elementos recolhidos em sede de procedimento inspetivo, e aos quais fizemos supra expressa referência, que o argumento principal da AT para poder concluir que não foram realizadas efetivas prestações de serviços pela B… e pela D…, se estriba na ausência de formalização contratual, não sendo, conforme afirma “credível que a efetiva existência de serviços não gerasse um acervo minimamente tangível de comprovação documental”[17].
Com efeito, segundo a AT, no caso das faturas das B… é de “estranhar” (i) a ausência de contratos de prestação de serviços a suportar as atividades alegadamente realizadas, (ii) que uma empresa como a A…, inserida numa estrutura multinacional, se socorra de uma empresa nacional para expandir a sua atividade nos mercados PALOP e Reino Unido, (iii) a ausência de resultados profícuos aliada à incipiência dos relatórios de diligências produzidos. Por seu turno, no caso das faturas da D…, é de “estranhar” (i) a informalidade negocial, (ii) os serviços de consultoria para compra de um novo “datacenter” e (iii) a instalação do sistema, sem que para tal tenham sido produzidas “folhas de obra” e registos de entradas e saídas dos funcionários da D… nas instalações da Requerente.
Ora, numa análise concatenada, entende este Tribunal que os “factos-índice” reunidos pela AT, carecem de elementos objetivos satisfatórios que permitam concluir que o IVA constante das facturas apontadas pela AT, devesse ser desconsiderado por respeitar a operações simuladas.
De referir que, ainda que alguns dos indícios recolhidos pela AT levantem dúvidas quanto à atuação da Requerente, esta cuidou de apresentar prova capaz de justificar a sua atuação, explicando de forma credível os motivos subjacentes à alegada informalidade contratual, bem como os motivos económicos que subjazem à realização das prestações de serviços quer pela B… quer pela D… .
A este respeito, cumpre referir que o Tribunal considerou o depoimento da testemunha F…, particularmente importante, para a prova dos factos supra identificados, primeiro por se tratar de um acionista comum às duas empresas fornecedoras dos serviços (B… e D…), e depois pela relação de proximidade (filiação) com K…, gestor a quem o fundador da A… (M…) confiou os destinos da empresa em território nacional até ao final de 2012, abarcando, por conseguinte, o período a que respeitam as correções de IVA .
Não obstante a relação de proximidade com a estrutura acionista da Requerente, a testemunha explicou de forma coerente e convincente a génese da constituição da A… em Portugal, o papel que a confiança pessoal assumia no modelo de gestão diária e estratégica seguido pela empresa, espelhando a afinidade de estilos de liderança entre M… e a K… . O depoimento desta testemunha, corroborado por afirmações de outras testemunhas, permite concluir que a A…, apesar de comercializar e representar os produtos de uma marca com presença internacional, gozou até 2012 de inteira autonomia na sua gestão, sendo, por princípio, as decisões tomadas por M… sem prévia consulta, consentimento ou interferência da estrutura multinacional da A… .[18]
De resto, foi possível apurar que o seu modelo de organização em território nacional apoiava-se na existência de uma fábrica, o que, conforme também foi afirmado, permitia à A… aproveitar tal estrutura para negociar diretamente com retalhistas de outras geografias (por exemplo, a S… no Reino Unido, ou os parceiros em Angola) acordos de produção de mercadorias a partir de Portugal.
Em vários momentos do depoimento é possível obter uma visão das relação que se instituíram entre as famílias de M… e K… através das quais se potenciaram sucessivas sinergias comerciais, bem sucedidas ao longo de mais de 20 anos, fruto da confiança existente entre a A… e as empresas detidas por membros da família de K… .
Assim, tendo por base uma gestão de natureza familiar, os factos atinentes à prova da informalidade contratual vigente na forma de atuação da Requerente junto dos fornecedores D… e B… (pontos dos probatório n.ºs 5 e 6, 8,12,13, 15, 24, 26 e 27, 31, 46 e 58) são um corolário natural resultante das supra referidas condições em que a empresa foi fundada e desenvolvida em Portugal.
Por outro lado, a ausência de contrato escrito, ainda que se trate de uma prestação de serviços levada a cabo por uma empresa SGPS, não constitui um indício de falsidade das operações subjacentes configurando antes o não cumprimento de uma formalidade, resultante do disposto no artigo 4.º do D.L. n.º 495/88, de 30 de Dezembro, cujo falta não pode ter por consequência impedir o direito à dedução, princípio fundamental da neutralidade do imposto. De facto, a jurisprudência do TJUE afirma sistematicamente que qualquer limitação do direito à dedução deve observar os princípios da proporcionalidade e da igualdade o que pressupõe uma ponderação equilibrada dos benefícios derivados da medida e do sacrifício que esta implica.[19]
No âmbito da independência organizativa da Requerente, quer os articulados quer os depoimento de G… e H… permitiram confirmar a autonomia de que gozava a A… em relação às demais empresas do grupo, salientando o poder decisório de K…, a informalidade de procedimentos como padrão de atuação da empresa, assim como, o desejo alimentado pela necessidade sentida de expansão para mercados PALOP (pontos n.ºs 21, 23, 38 e 42), num momento em que consabidamente toda a economia nacional se voltava para estes mercados como forma de superar a crise económica que se vivia internamente.
À luz destes factos, não seria de estranhar que para a estratégia de distribuição de produtos da A… em mercados PALOP se optasse pela contratação de uma empresa do grupo, que, aliás, desenvolvia negócios próprios nesses países, dispondo de uma rede de contactos privilegiados. Também se percebe a contratação de uma empresa nacional para a negociação de parcerias nos PALOP. Com efeito, dadas as afinidades históricas entre Portugal e estes países, as empresas nacionais estarão, teoricamente, em melhores condições para estabelecer essa aproximação. Por outro lado, uma vez que se pretendia replicar o modelo de negócio que havia sido estabelecido em Portugal, preconizando-se a constituição de uma sociedade local com parceiros locais, detida pela A…, há-se convir-se, ao contrário do que afirma a AT, não ser de estranhar que o desenvolvimento desse modelo fosse entregue a uma empresa gerida por pessoas da confiança dos membros do conselho de administração da A… .
Acresce referir que se provou nos autos a existência de relatórios, demonstrando as diligências levadas a cabo quer nos PALOP quer no Reino Unido, junto da S… . A Requerente logrou provar, no seu Pedido de Pronúncia Arbitral, a elaboração dos referidos relatórios, através da revelação das propriedades dos ficheiros originais em formato word cuja criação ou última edição se reporta às datas a que respeitam os factos controvertidos. Por seu turno, a Requerida, em sede de resposta, não apresentou contra argumentação que colocasse em causa os referidos factos.
Adicionalmente, para a formação da convicção do Tribunal a respeito das prestações de serviços realizadas pela B… foi importante o depoimento da testemunha J…, funcionário da empresa em Moçambique com a qual a A… mantem uma parceria comercial desde então até à atualidade, confirmando, além da parceria, a existência de viagens a essa geografia e a realização de contactos múltiplos com F…, administrador da B…, assim como, no âmbito dos mesmos objetivos, com funcionários da A… (pontos n.ºs 40 e 41). A testemunha confirmou de forma credível a existência de uma cooperação comercial entre a empresa Moçambicana e a A…, promovida através de visitas realizadas por F… à data a que respeitam as faturas desconsideradas pela AT.
Ora, as circunstâncias referidas, desmentem, ademais, as conclusões alcançadas pelo RIT segundo o qual, tais diligências não poderiam ter existido face à ausência de quaisquer resultados profícuos. Diga-se, em abono da verdade, que a ausência de resultados profícuos numa prestação de serviços de prospecção de mercados, cujos resultados são por natureza incertos, não justifica a alegação de uma atuação simulada das partes, como pretende defender a Requerida. Não obstante, no caso em apreço, a Requerente foi mais longe, cuidando de provar que o esforço de expansão comercial empreendido pela A… ao longo dos anos de 2011 e 2012, produziu frutos, constituindo-se uma parceria em Moçambique.
Pelos motivos apontados não se afigura atendível a suspeita de que a viagens realizadas pelos administradores da B… aos países PALOP tivessem sido viagens privadas, com objetivos turísticos. Acresce que, após a análise das diligência efetuadas pelos SIT com o objetivo de apurar qual a real atividade da B… e de outras empresas por esta detida, concretamente no que respeita a clarificar se esta entidade desenvolvia ou não algum tipo de atividades nos PALOP, os SIT limitaram-se a apresentar os carimbos dos passaportes para estes destinos, e o facto das viagens terem sido pagas diretamente pelo administrador.
Ora, salvo devido respeito, tais elementos são demasiado genéricos, não colocando de forma alguma em causa a presunção de veracidade das faturas emitidas pela B… à A…, nem são suficientes para por em dúvida a admissão da dedutibilidade do IVA. Com efeito, do probatório resulta que as viagens a países PALOP não eram realizadas ao serviço e no interesse exclusivo da A…, pois a B… e outras empresas por si detidas desenvolviam projetos próprios nestes mercados motivo que justificava a existência de uma rede de contactos dos quais a A…, em determinado momento, pretendeu aproveitar-se, acordando no pagamento de um valor global para o efeito, ou seja, independente do valor concreto das despesas efetivamente incorridas em viagens, hotéis, refeições e outras.
Por conseguinte, no que respeita às faturas emitidas pela B…, apesar dos indícios recolhidos pela AT no sentido de ausência de efetivas prestações de serviços, os quais em todo caso se revelaram insuficientes para justificar as correções fiscais, a Requerente foi capaz de apresentar prova convincente da substância das operações, tendo os elementos de facto supra expostos permitido concluir pela existência de um acordo verbal entre a B… e a Requerente, para a realização de ações de prospecção nos PALOP e no Reino Unido (junto da S…), durantes os anos de 2011 e 2012.
Foi ainda esclarecido, que com a saída de M… da presidência do conselho de administração da A…, verificou-se uma reorganização na gestão do grupo fazendo findar as políticas lançadas pela anterior administração, motivo que justificou a interrupção dos serviços prospecção realizados pela B… . Também este facto não suscita quaisquer dúvidas, sendo habitual que as mudanças na liderança das empresas sejam acompanhadas por mudanças de estratégias.
Assim, os elementos constantes do processo e os factos apurados através da prova testemunhal produzida, revelam-se suficientes para a formulação de um juízo fundamentado de que a B… prestou à A… serviços de prospecção de mercado, nos termos constantes das faturas emitidas, inexistindo, por conseguinte, evidências objetivas de que as operações referidas nessas faturas fossem simuladas.
No que respeita à fatura emitida pela D…, valem as supra aludidas considerações tecidas à cerca da informalidade que vigorava entre a A… e os seus fornecedores, sendo os negócios jurídicos realizados, em regra, por acordo verbal.
Acresce que também no caso da D… é insofismável a existência de um contexto de longo relacionamento entre as duas empresas, que define e justifica a forma concreta de atuação das partes, no caso controvertido.
Assim, tal relação comercial, de acordo com o probatório, remonta a 1991[20], tendo as testemunhas inquiridas confirmado, com a razão de ciência, a responsabilidade deste fornecedor pela instalação de todo o sistema de rede informática da Requerente, fazendo notar que por força do conhecimento aprofundado da estrutura, a Requerente chegou a contratar para os seus quadros funcionários da D…, interrompendo por esta via a necessidade de manter uma avença com o fornecedor.
As testemunhas aludiram à ocorrência de circunstâncias anómalas que determinaram a necessidade de despedimento do funcionário responsável pela informática, como factor que despoletou o restabelecimento de uma avença com a D… . Tal facto não é controvertido, pois resulta igualmente do no RIT (pontos 45 e 50).
Ainda no âmbito do contexto dos serviços prestados pela D…, cujo IVA deduzido é colocado em crise, extraiu-se do RIT a necessidade de aquisição pela Requerente de um novo “Datacenter”, o qual, constituindo um investimento avultado, implicou, segundo explica a testemunha F…, a necessidade de realizar consultas ao mercado, a pedido de M…, procurando selecionar propostas que minimizassem os custos, sem perder de vista as preocupações de adequação do novo equipamento as necessidades específicas da Requerente (Pontos 54 e 57).
Afigura-se do depoimento das testemunhas F… e G… que por força dos serviços de aconselhamento prestados pela D… à Requerente, esta adquiriu um novo “datacenter” adaptado às suas necessidades por um preço significativamente inferior ao “datacenter” que havia sido adquirido pela C… . Acresce que a fatura emitida extra avença pela D… (fatura n.º 1203590) incluiu também os serviços de instalação e operacionalização do novo “datacenter” não tendo sido apresentadas evidências no RIT que coloquem em causa este circunstancialismo, e a materialidade das operações subjacentes.
De resto, a alegação de que estes trabalhos informáticos não se encontram suportados por memorandos, por “folhas de obra” ou registos de entrada e saída de funcionários da D… nas instalações da Requerente, encontra-se justificado de forma coerente, pelo conhecimento mútuo e duradouro que existia entre as partes, sendo os funcionários da D… considerados “pessoas da casa”, tendo inclusivamente acesso remoto por VPN ao sistema da Requerente, factos que permitem concluir pela redundância de eventuais registos, assim como pela improcedência dos indícios avançados pela Requerida, sobretudo baseados em juízos subjetivos.
Salvo devido respeito, entende-se que as incongruências alegadas pela AT no RIT, carecem de elementos objetivos que as suportem, caindo-se na atitude negligente de começar por qualificar o contribuinte enquanto “multinacional” para depois valorar negativamente todas as circunstâncias encontradas que escapem ao modus operandi típico daquelas estruturas, querendo obrigar o contribuinte a pautar-se por uma realidade que não se adequa ao seu modelo de organização vigente.
Porém, conforme se referiu, as dúvidas foram devidamente esclarecidas pela Requerente e perante tais esclarecimentos a Requerida não foi capaz de aportar contra argumentos que abalassem a convicção do Tribunal em relação à efetiva existência das operações.
Em conclusão, entende o Tribunal que no caso vertente não nos deparamos com a realização de prestações de serviços ocasionais e deligadas de um determinado modelo organizativo, de vários anos de colaboração contratual que as justifica e lhes confere um sentido real. Esse contexto é a base definidora dos contornos em que eram acordados os serviços, justificando um “modus operandi” traduzido na informalidade de procedimentos, na relação de confiança mútua entre as partes e na primazia do acordo verbal.
Porquanto, entende este Tribunal, que os elementos supra aludidos ponderados à luz da experiência, e fundamentados no âmbito de um quadro de grande probabilidade, permitem concluir que as faturas em causa têm subjacentes operações económicas, devendo os atos tributários em questão no presente processo ser anulados, por vício de violação de lei.
6. Juros indemnizatórios
A Requerente peticionou ainda a condenação da Requerida em juros indemnizatórios, vencidos e vincendos até à data da devolução das quantias de imposto indevidamente liquidadas, por considerarem, no caso concreto, que ocorreu liquidação de IVA superior ao devido por erro imputável aos serviços.
Nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária e artigo 61.º do CPPT “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Entende-se por erro imputável à administração, o erro que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto e de direito que, não sejam da responsabilidade do contribuinte. Assim, “o direito a juros indemnizatórios abrange apenas uma das causas de responsabilidade da Administração tributária, agindo como tal: a originada pelo pagamento indevido de tributos, que lhe for imputável (...) o direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte provem, em regra geral, de um dever de indemnização da Administração tributária resultante da forçada improdutividade das importâncias desembolsadas pelo contribuinte.”(cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, p. 204 e 205).
No caso em apreço, foi demonstrado que a Requerente procedeu ao pagamento do imposto e dos correspondentes juros compensatórios, por força das liquidações objeto do presente processo.
Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).
Acresce que, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.
Assim, deverá a Requerida dar execução ao presente acórdão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos efetuados até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).
Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão da Requerente quanto ao pagamento de juros indemnizatórios.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado pela Requerente e, em consequência:
a) Anular os atos de liquidação objeto do presente processo, no valor global de €59.763,71;
b) Em consequência, ordenar o reembolso desse montante de IVA cuja dedução foi negada;
c) Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios;
d) Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 59.763,71, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de Junho de 2017
A Árbitro
(Filipa Barros)
[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.
[2] Vide, entre outros, Acórdão de 22 de Dezembro de 2010, Dankowski, C-438/09, n.ºs 22 e 23.
[3]Vide, nomeadamente, acórdãos de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz, C-62/93, n.°18, e de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa C -110/98 a C-47/9, n.° 43, bem como de 6 de Julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C- 439/04 e C-440/04, n.°47.
[4] A propósito ver acórdão de 11 de julho de 1989, Schrader, C- 265/87, n.º 21 e acórdão de 19 de setembro de 2000, Ampafrance, C-177/99.
[5] Entre outros, acórdão de 21 de Fevereiro de 2006, Halifax C-255/02, n.ºs 68 e 71; de 27 de Outubro de 2011, Tanoarch, C-504/10, n.ºs 50; de 21 de Junho de 2012, Mahagében e Dávid, C-80/11 e C-142/11, n.º 41; e de 6 de Dezembro de 2012, Bonik, C-285/11 , n.ºs 35 e 36.
[6] Cf. acórdãos já referenciados, Kittel e Recolta Recycling, n.º 55; Mahagében e Dávid, n.º 42; Bonik, n.º 37 .
[7] Acórdão de 8 de Junho de 2000, Schloβstraβe, C-396/98, n.º 42.
[8] Cf., entre outros, acórdãos de 12 de Janeiro de 2006, Optigen C-354/03, C-355/03 e C-484/03, n.ºs 52 e 55; e, já referidos, Kittel e Recolta Recycling, n.ºs 45, 46 e 60, Mahagében e David, n.º 47, e Bonik, n.º 41.
[9] Vide acórdão do STA, proc. n.º 026635, de 17-04-2002.
[10] Acórdão de 27 de Setembro de 2007, Albert Collée, C- 146/05, n.º 37.
[11] Entre outros TCA Norte de 24-01-2008, proc. n.º 2887/04 Viseu; de 27-01-2011, proc.nº 455/05.7BENF.
[12] Acórdão do STA, de 27/10/2004, proc. n.º 810/2004
[13] Neste sentido, Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154, Almedina.
[14] Proc. n.º 1523/05.0BEVIS- Aveiro.
[15] Ponto 19 do probatório.
[16] Ponto 51 do probatório.
[17] Cfr. ponto 48 da resposta.
[18] Vide ponto 13 do probatório.
[19] Entre outros acórdão Pannón de 15 de julho de 2010, processo C-368/09 e acórdão Albert Collée de 27 de Setembro de 2007, processo C-146/05.
[20] Ponto 44 do Probatório.