Acordam os Árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Árbitro Presidente), José Pedro Carvalho e Manuela Roseiro, reunidos no Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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No dia 18 de Julho de 2016, A…, LDA., pessoa coletiva n.º…, com sede social na Rua…, …, Piso…, … … e …, …-… Almada, na qualidade de empresa dominante de um grupo tributado pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), previsto no artigo 63.º do CIRC, o qual integra a B…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede social na mesma morada da anterior, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de indeferimento da reclamação graciosa e, parcialmente, de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2015…, n.º 2015… e
n.º 2015…, respeitante aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, na parte correspondente à tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas, objecto daquele, no valor de € 404.732,88.
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A Requerente pretende a declaração da ilegalidade parcial dos actos tributários de autoliquidação de IRC respeitantes aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, na parte correspondente à tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas, alegando, em suma, que um sujeito passivo, poderá, nos termos dos artigos 73.º e 74.º da Lei Geral Tributária, ilidir as presunções subjacentes às normas que determinam a tributação autónoma de determinados gastos, e que, no caso concreto, a Requerente logrou fazê-lo.
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No dia 19-07-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente procedeu à nomeação de árbitro, tendo indicado o ora Relator, nos termos do artigo 11.º/2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a AT indicou como árbitro a Sr.ª Dr.ª Manuela Roseiro. Por acordo, os árbitros nomeados pelas partes indicaram para presidir a este Tribunal Arbitral a Sr.ª Conselheira Dr.ª Maria Fernanda dos Santos Maçãs, que, no prazo aplicável, aceitou o encargo.
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Em 14 de Outubro de 2016, as partes foram notificadas dessas designações, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, nada tendo objectado ou requerido.
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Em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 31 de Outubro de 2016.
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No dia 05 de Dezembro de 2016, a Requerida, dentro do prazo legal para o efeito, apresentou a sua resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, sustentando, em suma, que “não se vislumbra na letra dos números 3 a 6 do referido artigo 88.º, nem em qualquer outro preceito do CIRC, nem a Requerente invoca qualquer normativo que esclareça a alegação de que os encargos suportados com veículos, incluindo motos ou motociclos, podem ser subtraídos à incidência das tributações autónomas desde que seja feita a demonstração da sua empresarialidade integral.”.
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A Requerente exerceu o seu contraditório, relativamente à matéria de excepção.
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Por despacho de 25/12/2016, foi decidido:
“1. Aceitam-se como juristas representantes da AT, os constantes do despacho de designação por esta junto aos autos.
2. Invocou a AT, em sede de impugnação, a excepção dilatória de irregularidade do patrocínio judiciário do lado activo. Com efeito, verifica-se que a sociedade que outorgou poderes ao mandatário da Requerente não coincide com esta última. Tratando-se, porém, de uma falta processual suprível e verificando-se que, em 19 de Julho de 2016, foi junta, pela mesma Requerente, procuração em que aquela irregularidade se encontra colmatada, torna-se desnecessária a prolação de despacho de aperfeiçoamento.
3.Tendo havido contraditório em relação à matéria de excepção e não havendo lugar a produção de prova constituenda, salvaguardada a hipótese de as partes virem a requerer a produção de alegações orais, o Tribunal dispensa a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT.
4. Notifiquem-se ambas as partes para, no prazo de dez dias, declararem se pretendem produzir alegações e, em caso afirmativo, se estas assumirão a forma oral ou escrita.
5. A haver lugar a alegações escritas, estas deverão se produzidas no prazo de quinze dias a partir da notificação do presente despacho, sendo que se concede à requerida a faculdade de, caso assim o entenda, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo.”.
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Foi ainda indicado o dia 30-04-2017 para prolação da decisão arbitral.
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Subsequentemente, o Requerente e a Requerida apresentaram, de forma sucessiva, as respectivas alegações escritas, nas quais, para além de manterem e desenvolverem as posições anteriormente assumidas e defendidas nos seus articulados.
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A data indicada para a prolação da decisão arbitral, bem como o prazo a que se refere o n.º 2 do artigo 21.º do RJAT foram prorrogados por mais 2 meses, até 30-06-2017.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- No âmbito da Ordem de Serviço OI 2014…/…/… DIV … EQ …, os SIT procederam a uma acção inspectiva externa de âmbito parcial na esfera da ora Requerente, relativa ao IRC dos períodos de tributação de 2011, 2012 e 2013.
2- Em resultado desta acção de inspecção, a Requerente foi notificada, em 30 de Setembro de 2015, do Projecto de Conclusões de Inspecção Tributária, o qual veio propor diversas correcções.
3- Em 15 de Outubro de 2015 a ora Requerente exerceu o direito de audição prévia sobre o Projeto de Conclusões, aceitando algumas das correcções sugeridas – que voluntariamente regularizou – e contestando outras.
4- Os SIT aceitaram algumas das explicações prestadas pela ora Requerente em sede de Audição Prévia, e rejeitaram outras, e em 30 de Outubro de 2015 apresentaram à uma proposta de correcções ao Projecto de Conclusões, alterando os quadros das correcções inicialmente propostas aos três exercícios considerados, da forma constante
seguinte:
5- Em 30 de Outubro de 2015 a ora Requerente preencheu e apresentou à Administração Tributária nova declaração de IRC relativa ao exercício de 2011, e em 2 de Novembro de 2015, novas declarações de IRC relativas aos exercícios de 2012 e 2013, em substituição daquelas que já tinha oportunamente apresentado para cada um desses exercícios, e nas quais introduziu as alterações propostas pelos SIT, razão porque o Relatório final da inspecção não encontrou quaisquer incidências a corrigir.
6- Em função das declarações de substituição apresentadas, as liquidações originais de IRC relativas aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, foram anuladas e:
a. em 4 de Novembro de 2015 a relativa ao exercício de 2011 foi substituída pela liquidação n.º 2015…;
b. em 16 de Novembro de 2015 a relativa ao exercício de 2012 foi substituída pela liquidação n.º 2015…, e
c. em 16 de Novembro de 2015 a relativa ao exercício de 2013 foi substituída pela liquidação n.º 2015… .
7- Em 19 de Novembro de 2015 a ora Requerente foi notificada da liquidação n.º 2015 … e em 23 e Novembro de 2015 das liquidações n.º 2015 … e n.º 2015… .
8- Depois de feitas as devidas compensações e acrescentados os juros de mora e compensatórios, os impostos em falta ascenderam a:
a. no exercício de 2011, 97.155,36 €;
b. no exercício de 2012, 175.696,61 €; e
c. no exercício de 2013, 131.880,91 €, num total de 404.732,88 €.
9- Em 15 de Janeiro de 2016 a Requerente procedeu à regularização do montante de impostos em falta, o qual ascendia a 404.732,88 € (montante este que já incluía juros compensatórios).
10- A Requerente não se conformou com a correcção promovida pelos SIT relativa à tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas, no montante de 404.732,88 €, pelo que em 29 de Fevereiro de 2016 deduziu reclamação graciosa contra os actos de autoliquidação de IRC dos exercícios de 2011, 2012 e 2013, na parte correspondente.
11- Os argumentos apresentados pela ora Requerente não foram acolhidos pela Autoridade Tributária, tendo a Requerente sido notificada, em 29 de Março de 2016, do projecto de indeferimento da reclamação graciosa, tendo exercido o respectivo direito de audição prévia em 07 de Abril de 2016.
12- Os argumentos da ora Requerente não foram acolhidos, pelo que em 20 de Abril de 2016 a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, na qual a Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de … manteve as correcções promovidas pelos Serviços de Inspecção Tributária.
13- As correcções relativas a tributações autónomas, que os serviços de Inspecção Tributária promoveram e que a Requerente ora contesta, no montante total de 404.732,88 €, são relativas a encargos suportados pela B… com motociclos nos exercícios de 2011, 2012 e 2013.
14- No âmbito da prossecução da sua actividade de prestação de serviços de distribuição de produtos alimentares, a B… é proprietária de diversos motociclos que se encontram devidamente registados na sua contabilidade como activos tangíveis e aos quais se encontram associados diversos encargos, nomeadamente depreciações, seguros, manutenção e conservação e combustíveis.
15- A B… tem como actividade a fabricação, transformação, distribuição e comercialização de produtos alimentares.
16- Para o desenvolvimento da sua actividade de comercialização e distribuição de produtos alimentares, a B… necessita de colocar ao dispor dos seus funcionários veículos para a entrega dos seus produtos aos clientes.
17- Tendo em vista a maximização do número de entregas diárias, a B… concluiu que os veículos que melhor se adaptariam à sua actividade e que de forma mais efectiva permitiriam aumentar o número de entregas, pela rapidez na sua deslocação, eram os motociclos.
18- A utilização de viaturas comerciais revelar-se-ia inadequada para a actividade de entrega de produtos ao domicílio, na medida em que dificultaria a circulação dos colaboradores encarregues das entregas, quando comparada com a utilização de motociclos os quais, pela facilidade de circulação, permitem que seja realizado um maior número de entregas em menor tempo, aumentando a facturação.
19- A opção pela utilização de viaturas comerciais na actividade exercida pela B… comportaria um aumento significativo de custos com combustível e manutenção das viaturas e dificultaria a circulação dos colaboradores encarregues das entregas, quando comparada com a utilização de motociclos os quais, pela facilidade de circulação, permitem que seja realizado um maior número de entregas em menor tempo.
20- Segundo o Manual de procedimentos interno, “As motorizadas utilizadas nas Lojas exploradas pela B… são propriedade desta e destinam-se à realização de entregas ao domicílio”.
21- Cada loja B… dispõe de garagem própria/parqueamento de forma a garantir o estacionamento dos motociclos no fim de cada dia de trabalho.
22- A B… possui oficinas próprias e exclusivas, destinadas à reparação e manutenção dos motociclos da B…, certificadas e homologadas por uma marca de motociclos (…), beneficiando das mesmas condições que qualquer concessionário da marca usufrui.
23- O mesmo Manual dispõe que cabe a cada colaborador a quem foi atribuído um motociclo, a cada início e fim de período de trabalho, a responsabilidade pela recolha e estacionamento daquela na garagem ou parqueamentos afectos à Loja em causa, devendo igualmente proceder à devolução à equipa de gerência da Loja, das chaves do veículo e da garagem/estacionamento.
24- Está também previsto no Manual de Procedimentos que a eventual utilização abusiva dos motociclos (nomeadamente para fins alheios à actividade da Requerente) constitui uma infracção disciplinar.
25- Analisada a facturação mensal da B… nos anos de 2011, 2012 e 2013, de acordo com a respectiva contabilidade, a facturação decorrente de entregas ao domicílio tem o peso na facturação exposto nas tabelas infra:
26- De acordo com a contabilidade da Requerente, facturação nos pontos de venda foi, no mesmo período constante do ponto anterior, a constante da tabela infra:
27- A percentagem da facturação da B… relativa a entregas ao domicílio é maximizada pelo facto de aquela mitigar o impacto de factores exógenos como o trânsito na sua actividade, através do uso de motociclos.
28- A maior parte das instalações da B… encontra-se vocacionada para os serviços de entrega ao domicílio, sendo que apenas três lojas se encontram exclusivamente vocacionadas para a componente de restaurante.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem outros factos que devam considerar-se provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
B. DO DIREITO
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da matéria de excepção
Começa a Requerida por arguir a intempestividade (em rigor, extemporaneidade) do pedido de pronúncia arbitral, alegando que a Requerente peticiona (unicamente) que o tribunal arbitral declare a ilegalidade dos actos de liquidação de IRC n.º 2015…, n.º 2015… e
n.º 2015…, e que se mostra claramente ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação dos actos de liquidação em crise em sede arbitral, já que as datas limites de pagamento daquelas ocorreram, respectivamente, a 2016-01-08, 2016-01-18 e 2016-01-20, e o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 2016-07-18.
A posição da Requerida assenta no entendimento de que a Requerente deveria ter identificado como objecto da pronúncia arbitral o acto de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada.
Ressalvado o devido respeito, entende-se não assistir, nesta matéria, razão à AT. De facto, e desde logo, necessariamente que o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação, tem subjacente, a declaração de ilegalidade de todos os actos subsequentes[1] e cuja validade seja afectada por aquela declaração, onde se inclui, obviamente, o acto de indeferimento da reclamação graciosa.
Aliás, e de resto, na parte relativa ao indeferimento, e na medida em que não estejam em causa vícios do próprio acto de decisão da reclamação graciosa/recurso hierárquico, ou do respectivo procedimento, aquele acto será meramente confirmativo, e, como tal, irrecorrível em si mesmo.
Por outro lado, e como tem sido reconhecido pela jurisprudência nacional, se, em casos como o dos autos, o objecto imediato do processo é o acto de decisão da reclamação graciosa/recurso hierárquico, o seu objecto mediato será o próprio acto primário de liquidação[2].
Esta situação, de resto, é perfeitamente clara no contencioso administrativo, como resulta do artigo 50.º/1 do CPTA, devidamente conjugado com o artigo 59.º/4 do mesmo Código. Também o regime do contencioso arbitral tributário corrobora este entendimento, já que o artigo 2.º do RJAT, toma como referente da competência dos tribunais arbitrais, os actos primários[3], sendo os actos secundários relevantes como referentes da tempestividade da pretensão impugnatória, como resulta do artigo 10.º/1/a) daquele Regime, onde se impõe que os pedidos de constituição de tribunal arbitral sejam apresentados no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.º 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Ou seja, em suma e em bom rigor, a pretensão da Requerente foi correctamente formulada, já que se reporta à al. a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT (acto de liquidação), e foi apresentada dentro do prazo fixado pela al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do mesmo diploma (90 dias contados a partir da decisão da reclamação graciosa)[4].
Deve, deste modo, improceder a excepção da extemporaneidade do pedido, invocada pela AT.
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do fundo da causa
A Requerente defende, em síntese, que da análise do teor literal dos preceitos contidos nos n.ºs 3 e 6 do artigo 88.º do CIRC, não se enquadrando os gastos com motos ou motociclos suportados pela B… nas condições de exclusão do n.º 6, parece que deveriam ser sujeitos a tributação autónoma nos termos do n.º 3. Contudo, tendo presente a ratio das normas em causa, a actividade normal desenvolvida e o contexto da utilização dos motociclos (utilização exclusiva para a sua actividade), entende a Requerente que não deverá ser penalizada a aquisição de motociclos em oposição à aquisição de veículos comerciais, que caem na exclusão do n.º 6 do artigo 88.º do CIRC.
Finalmente, entende a Requerente que, da mesma forma que a AT considerou, através da Informação Vinculativa referente ao Processo n.º 2879/2005, de 14 de Setembro, que as despesas com a utilização de viaturas ligeiras de passageiros por hotéis para serviços de transferes não se encontram sujeitas a tributação autónoma, a mesma informação deveria ser utilizada para o caso dos autos, não devendo relevar os encargos com a utilização dos seu motociclos, atento o seu emprego exclusivo na sua a atividade.
Por sua vez, segundo a AT, a ênfase que a Requerente faz quanto à natureza comercial e ao contexto da utilização dos seus motociclos “não são argumentos minimamente aptos a afastar aquilo que a lei fiscal expressa e claramente consagra: a sujeição a tributação autónomas”, razão pela qual a interpretação da Requente não tem o mínimo apoio nem na letra nem na ratio dos preceitos em causa.
Vejamos.
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A tributação autónoma em questão nos presentes autos, incidiu sobre gastos da Requerente, com depreciações, seguros, manutenção e conservação e combustíveis, relativos a motociclos.
A este respeito, dispunha o artigo 88.º do CIRC vigente no exercício de 2011, no que para aqui interessa, que:
“3 — São tributados autonomamente, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica:
a) À taxa de 10 %, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;(...)
5 — Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.
6 — Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afectos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo, bem como as depreciações relacionadas com viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.”.
No ano de 2012, a redacção da referida norma passou a ser a seguinte, que vigorou também no ano de 2013:
“3 – São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjetivamente e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja igual ou inferior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica.
5 – Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.
6 – Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afetos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo, bem como as depreciações relacionadas com viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.”.
Esta redacção vigorou até 2015, quando passou a ter o seguinte teor:
“3 - São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes taxas:
a) 10 % no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a €25 000;
b) 27,5 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a €25 000, e inferior a €35 000;
c) 35 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a €35 000.
5 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.
6 - Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com:
a) Viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afetos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo; e
b) Viaturas automóveis relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.”
Anteriormente a 2010, era a seguinte a redacção do artigo 81.º do CIRC, na parte que ora releva, correspondente ao artigo 88.º, supra transcrito:
“3 – São tributados autonomamente, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica:
a) À taxa de 10 %, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola; (...)
5 – Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.
6 – Excluem-se do disposto no nº 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afectos à exploração do serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade, normal do sujeito passivo, bem como as reintegrações relacionadas com viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no nº 8) da alínea b) do nº 3 do artigo 2º do Código do IRS.”
Em suma, o que ora se trata é de apurar a ratio legis da previsão do artigo 88.º/3/a), e do artigo 88.º/3 que lhe sucedeu, acima transcritos, verificar se a mesma assenta numa presunção e, em caso de resposta afirmativa, se a mesma foi, ou não, in casu, ilidida.
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Quando se fala em tributações autónomas, como é o caso, é conveniente desde logo ter presente que está em causa um conjunto de situações díspares, que abrangerão, pelo menos, três tipos distintos, a saber:
o Tributação autónoma de determinados rendimentos (ex.: artigo 72.º do actual CIRS);
o Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex.: n.º 7 do artigo 88.º do actual CIRC);
o Tributação autónoma de outros encargos independentemente da respetiva dedutibilidade (ex.: artigos 1 e 2 do artigo 88.º do actual CIRC).
Esta precisão torna-se importante porquanto se entende que, atenta a disparidade e heterogeneidade das situações sujeitas a tributações autónomas, será nesta sede não só desnecessário mas, até, contraproducente, o esforço de sintetizar e procurar uma natureza jurídica própria e unitária, comum a todas aquelas situações.
A natureza das específicas tributações autónomas em questão nos autos, tem sido objecto de ampla discussão na doutrina e jurisprudência recentes.
Uma corrente tem olhado para as mesmas como um imposto sobre a despesa, que tributaria determinados tipos de gastos, de uma forma totalmente desligada do rendimento, em termos de haver mesmo quem sustente que as mesmas constituem um tributo próprio, que apenas casualmente estaria integrado nos códigos do IRS e IRC.
Não obstante, tem obtido acolhimento recorrente na jurisprudência do CAAD[5], o entendimento de que as tributações autónomas sobre encargos dedutíveis, como as que estão em causa nos presentes autos, integram, ainda, o regime dos impostos regulados pelos códigos onde se integram, visando, ainda que de uma forma enrevesada, o rendimento tributado por aqueles.
Naturalmente que quem considere as tributações autónomas que ora nos ocupam um tributo próprio, distinto do IRC e directamente incidente sobre a despesa, concluirá que a norma sob interpretação, não integrará qualquer presunção, formulando, directamente, o objecto da sua incidência – a despesa.
Não tem sido esse, todavia, entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, que já de há algum tempo a esta parte, tem sustentado, por exemplo[6], que “as tributações autónomas não consubstanciam, ontologicamente, um tipo de imposto distinto do IRC, como, por exemplo, é a derrama”, com as quais “as características que as tornam um imposto distinto e especial em relação ao IRC”, pelo que “as tributações autónomas não são nem nunca foram um imposto especial autónomo”, e que “numa perspectiva teleológica, sistemática e funcional, (…) as tributações autónomas hão-de considerar-se um adicional do IRC”, assentando a AT tais conclusões no entendimento de que a finalidade das tributações autónomas “é indubitavelmente acessória à tributação do rendimento”, não sendo “correcto afirmar que a tributação autónoma se alheia, quer da função e natureza do IRC, quer mesmo do apuramento do lucro tributável.”.
Também o Tribunal Constitucional[7], tem reconhecido que a matéria das tributações autónomas é “regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento”, não obstante afirmar que a mesma “é materialmente distinta da tributação em IRC”, e que “estamos (...) perante factos tributários distintos e que são objeto de um tratamento fiscal diferenciado”, infirmando assim a tese da AT porquanto “a tributação autónoma não pode ser entendida como um adicional ao imposto que o contribuinte deva pagar a título de IRC”, e indo mesmo ao ponto de referir que “o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos” e que aquela tributação “nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros”, afirmações que terão de ser lidas, crê-se, cum grano salis, enquadrando-as nas limitações que as contextualizam, reportando-as à existência de uma “base de incidência” consistente em “certas despesas que constituem factos tributários autónomos”, e na “sujeição a taxas específicas”, compreendendo-se assim que a tributação autónoma “nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa” (o que não quer dizer que seja alheia ao rendimento e lucros em geral), e que a distinção entre a tributação autónoma e o IRC, sendo profunda e vincada, se deve cingir ao necessário para salvaguardar a especificidade daquela ao nível da respectiva teleologia, base de incidência e taxas específicas, sem prejudicar a integração no mesmo edifício normativo.
Efectivamente, crê-se, não estará o TC a defender que a tributação autónoma constitui um imposto sobre a despesa stricto sensu, completamente alheio e distinto do IRC, sob pena de não só ser desmentido pela sistemática da lei fiscal[8] e, expressamente, pelo próprio legislador[9], como também de condenar irremediavelmente as tributações autónomas a uma inconstitucionalidade formal, por violação do disposto na al. i) do artigo 165.º/1 da CRP[10], na medida em que as leis autorizativas da criação daquelas não licenciaram a criação de um novo imposto sobre a despesa[11].
Com efeito, e como se teve oportunidade de escrever noutra sede[12], “a complexidade gerada pelas sucessivas alterações na arquitetura do CIRC conduziram (...) a um edifício normativo atípico, no qual se poderá discernir um core correspondente ao que se poderá chamar IRC tout court (ou em sentido estrito), que a Requerente pretende que esgote tudo o que seja designado por IRC, e uma periferia que integra regulamentações “marginais”, subtraídas, em grande parte, à lógica, natureza e princípios do IRC tout court, mas que, não obstante, ainda se situam no “campo gravitacional” daquele.
E é no processo de concretização desta zona de difícil definição que todas as decisões analisadas (...) operam, não podendo as mesmas ser devidamente compreendidas sem que se compreenda também que, de facto, o que todas as decisões em questão estão a fazer é apurar quais as consequências que a “gravitação” em torno do core do IRC aportam para as matérias em cada uma delas abordadas.”.
Nesse sentido, “dentro do quadro hermenêutico acima desenhado, (...) por força da evolução histórica do respetivo regime legal, se constituiu um tipo de IRC que integra um núcleo duro (...) e um grupo de normações adjacente, que comunga de parte da lógica e do regime daquele, mas que em muitos aspetos diverge dos mesmos.”. E, mais adiante, “da consideração do texto legislativo, estaticamente e na sua evolução histórica, resulta que o legislador entendia, e continua a entender, que as tributações autónomas integram o IRC, senão enquanto imposto stricto sensu, pelo menos em termos de fazerem parte do mesmo regime fiscal unitário”.
Isto porque “o regime legal das tributações autónomas em questão nos autos apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas do seu principal referente de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é devidamente compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.”.
Daí que não, “se entenda que “a definição de IRC constante dos artigos 1.º e 3.º do CIRC” esteja “realmente ultrapassada por uma nova definição de aplicação transversal/geral”, sendo essa uma postura epistemológica própria de um conceptualismo que liminarmente se repudiou.
Pelo contrário: trata-se do reconhecimento daquilo que, face ao quadro legal vigente, se impõe como o mais razoável: o abandono definitivo de qualquer definição de aplicação transversal/geral de IRC, e o reconhecimento do regime deste como uma realidade complexa e multifacetada, irredutível a uma definição daquela índole, que apenas um conceptualismo fundamentalisticamente abstracionista poderá pressupor.”.
Por isso, “Tudo aquilo que se tem vindo a dizer evidencia que a evolução do regime legal do IRC transmutou-o numa realidade complexa e multifacetada, aos mais diversos níveis, que se reflete, na matéria que nos ocupa nestes autos, na tal “natureza dual” de que falava o Prof. Saldanha Sanches na passagem citada no Acórdão 617/2012 do TC.
O reconhecimento desta dualidade de natureza não prejudica, contudo, como se entende estar subjacente quer à citação em causa quer à jurisprudência que a cita, que se considere que o sistema, apesar de dual, seja o mesmo[13]. Dito de outro modo, apenas faz sentido falar-se de um sistema dual, se o sistema em questão, globalmente considerado, for, ainda, o mesmo. Caso contrário falar-se-ia não de um sistema de natureza dual, mas de dois sistemas distintos, o que, por tudo o que se vem dizendo, não será o que ocorre. E, in casu, o sistema será o regime do IRC, que operando ora pelo lucro, ora pelos gastos, visa e prossegue as finalidades próprias daquele imposto, incluindo, evidentemente, a arrecadação de receita para o Estado.”.
Neste quadro, julga-se que o entendimento mais correcto, será o de que as tributações autónomas em causa se poderão configurar como um imposto “híbrido” , incidindo sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas, e não sobre o consumo ou a despesa, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação, não incidindo, igualmente, sobre o património, e enquadrando-se numa problemática da tributação dos rendimentos relativamente à qual o legislador entendeu actuar a dois níveis (separada ou simultaneamente): não aceitar a dedutibilidade de alguns gastos, na totalidade ou parcialmente e/ou tributá-los autonomamente.
As tributações autónomas ora em questão nos autos integrarão, também e para além do mais, o elenco de normas antiabuso específicas, sendo patente a similitude, por exemplo, com a norma do anterior artigo 65.º/1 do CIRC, que dispunha que:
“Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.”.
Ou seja, nos casos a que se reportam as tributações autónomas suportadas pela Requerente nos autos, o legislador podia ter optado por um regime semelhante ao estatuído na norma transcrita, vedando pura e simplesmente a respectiva dedutibilidade, ou condicionando-a nos mesmos termos dessa norma, ou noutros que entendesse adequados.
Em vez disso, optou o legislador por não ir tão longe, quedando-se o regime legal de IRC sobre os gastos em causa num patamar aquém daquele, ao permitir-se a dedutibilidade dos encargos em causa, contra o pagamento imediato de uma parte do lucro tributável que, presente ou futuramente, irá ser afectado por tal dedução.
Não obstante, será ainda assim inegável a similitude dos regimes, bem como das preocupações e finalidades que lhes estão subjacentes.
O que vem de se dizer tem, deste modo, subjacente a constatação de que as tributações autónomas, incluindo aquelas em questão nos autos, devem grande parte da sua razão de ser à circunstância de que será objectivamente inviável a tributação integral numa base rigorosa, em sede de IRS, nos potenciais beneficiários dos gastos sujeitos àquelas (o que equivaleria a uma tributação dos fringe benefits como foi concebida e aplicada na Austrália e na Nova Zelândia). Não se ignora assim que as tributações autónomas do tipo que aqui nos ocupa têm uma vertente dirigida directamente para o rendimento de pessoas singulares. Tal como têm, de resto, uma vertente sancionatória – no sentido de impositiva de um tratamento desfavorável[14] – relativamente ao tipo de despesas que as desencadeiam. Contudo, estas vertentes não esvaziam, nem, muito menos, impossibilitam, uma outra vertente, igualmente (senão mais) relevante, indissociavelmente interligada com o rendimento, no caso, das pessoas colectivas.
Entende-se, então, que, por via das imposições em causa, também se visa, pelo menos na mesma medida, disciplinar a utilização pelas empresas de gastos que podem ser necessários, numa parte, à prossecução da actividade normal, mas que – tendo por base um juízo de normalidade – também serão em benefício de pessoas singulares que acabam por deles fruir a título particular e não profissional. Só que, não dispondo a Administração Tributária de nenhuma “fita métrica” para fazer tal separação, vem o legislador optando, já há bastante tempo, pela introdução no Código do IRC desta parcela que já considerava objectivamente, à data dos autos, uma imposição, no mínimo, semelhante, ao IRC, mesmo que se considere questionável tal disposição (bem como a actual redação, a respeito da inclusão no IRC, das tributações autónomas no artigo 23º-A do Código do IRC).
Reconhecem-se aqui, assim, aquelas caraterísticas que há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam:
a) a tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC. É isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a colecta e, consequentemente, o imposto a pagar;
b) pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas;
c) trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efetiva entre contribuintes e tipos de rendimento;
d) considera-se desfavoravelmente determinados gastos em que, reconhecidamente, não é fácil determinar a medida exacta da componente que corresponde a consumo privado, e relativamente aos quais é conhecida a prática geral de abuso na sua relevação.
Embora, ultimamente[15], a AT tenha procurado aditar ao elenco supra uma dimensão de extra-fiscalidade (fiscalidade verde), apontando que “a tributação autónoma constitui também um instrumento de política fiscal que atua como desincentivo à utilização de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos e motociclos movidos a combustíveis de origem fóssil, em razão das externalidades negativas que os mesmos provocam.”, não se vislumbra que tal seja um fundamento da imposição da tributação autónoma, mas, antes, da exclusão de determinadas viaturas da incidência daquelas.
Com efeito, desde logo, não foi a criação e desenvolvimento das tributações autónomas ora em causa que foi motivada pela prossecução de objectivos ecológicos, mas antes o desagravamento daquelas relativamente a algumas viaturas que teve tal motivação.
Por outro lado, subjacente a tal desagravamento, afigura-se estar, não tanto uma proscrição dos combustíveis de origem fóssil, já que se assim fosse todas as viaturas que não utilizassem tais combustíveis deveriam ter o mesmo tratamento, por um lado, e todas as viaturas que os utilizassem deveriam igualmente, pelo menos na medida correspondente ao respectivo nível de poluição, ter o mesmo também o mesmo tratamento.
Enquadra-se, assim, a excepcionação dos veículos eléctricos da sujeição a tributação autónoma mais como uma medida pontual e casuística, até pelo seu contexto histórico, relacionada com promoção da industria e comércio de veículos movidos a electricidade, do que como uma medida estruturada de defesa da qualidade ambiental[16].
Melhor ou pior, as tributações autónomas ora em causa deverão ser assim entendidas como uma forma de obstar a determinadas actuações abusivas, que o “normal” funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras formas de combater tais actuações, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis.
Este carácter antiabuso das tributações autónomas ora em causa será não só coerente com a sua natureza “anti-sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que, amiúde, o cita.
*
Sob o prisma que vem de se expor, as tributações autónomas em análise terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra-apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá efectivamente na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).
Confrontado com tal dificuldade[17], o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da empresarialidade das despesas em questão (impondo, por exemplo, a demonstração de que “não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”, por exemplo, como faz no artigo 88.º/8 , e fazia no artigo 65.º/1, ambos do CIRC[18]), optou por consagrar o regime actualmente vigente, que, não obstante, tem precisamente o mesmo fundamento, a mesma finalidade, e o mesmo tipo de resultado, que outras formas utilizadas noutras situações típicas do regime (no caso) do IRC.
Assim, do facto conhecido que é a realização de determinado tipo de gastos, o legislador tira o facto desconhecido, que é a aferição do grau de afectação empresarial do produto de tais gastos.
E será este facto desconhecido, presumido pelo legislador, que desencadeia e justifica a tributação autónoma em questão no presente processo. Com efeito, foi por presumir que as despesas sobre que incide aquela tributação autónoma têm, por regra, uma afectação mista, havendo, por isso, um benefício injustificado na sua dedução integral, que o legislador começou, numa primeira fase, por limitar a percentagem daquelas que admitia como dedutível. Ulteriormente, por razões que pouco importarão ao caso, mas que passarão por constrangimentos de ordem orçamental, por um lado, e pela necessidade de assegurar a tributação de eventuais benefícios que particulares pudessem retirar daquelas despesas, o legislador adoptou o actual modelo de tributação autónoma das despesas que ora nos ocupam. Mas tal, não excluiu, antes complementou, aquela primitiva motivação de tributar, adequadamente, o rendimento das pessoas colectivas, distorcido pela dedução de despesas, que o legislador presume de afectação não totalmente empresarial. Ou seja: as finalidades orçamentais e, eventualmente, de tributação de fringe benefits, que possam assistir ao regime actual da tributação autónoma que nos ocupa, não excluem, antes assentam, na referida presunção de “empresarialidade parcial” das despesas sobre que recaem (e, complementarmente, na distorção da tributação do rendimento das pessoas colectivas daí decorrente).
Este entendimento, não só é compatível, como é uma decorrência, do quanto tem sustentado a AT em sede arbitral, afirmando, por exemplo[19], e de que “A razão de ser das tributações autónomas não se encontra no simples arrecadar de mais imposto, mas visa primacialmente desincentivar o recurso ao tipo de despesas que tributam, as quais, pela sua natureza, são propiciadoras de pagamento de rendimentos camuflados, e, em última análise até, permitir reaver algum imposto que deixou de ser pago pelo beneficiário dos rendimentos, transferindo a responsabilidade deste para a esfera de quem paga esse rendimento, (…) O que lhes confere uma clara natureza anti-abuso, manifestamente acessória/complementar à tributação segundo a capacidade contributiva revelada pelo rendimento, ainda que só aparentemente em prejuízo da tributação do rendimento real (leia-se, com base na contabilidade), porquanto o que com elas se pretende é justamente prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos e em fraude às normas que visam atingir o rendimento real dos sujeitos passivos.”, sendo “justamente a sua função anti-abuso que legitima as tributações autónomas à luz do princípio da capacidade contributiva.”.
Também a recente jurisprudência do TC, já citada[20], tem afirmado que “A introdução do mecanismo de tributação autónoma é justificada, por outro lado, por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa “zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial” e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais”, tendo “ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, (...) explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.”, confirmando que “o legislador optou, por isso, por sujeitar os gastos a uma tributação autónoma como forma alternativa e mais eficaz à não dedutibilidade da despesa para efeitos de determinação do lucro tributável”, “pretendendo-se (…) reduzir, mediante a incidência do imposto, a vantagem fiscal que resulta para as empresas da realização de despesas que são dedutíveis mas não têm uma causa empresarial.” e “evitar a realização de despesas excessivas e desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial” que “sendo excessivas e não justificadas do ponto de vista empresarial, têm efeitos desfavoráveis para a obtenção da receita fiscal”, visando-se assim “penalizar certo tipo de despesas que, sendo excessivas, não se encontram justificadas por razões empresariais” e “compensar o resultado prejudicial que, por via da redução do lucro tributável, a despesa acarreta para o erário público”.
Não deixa, assim, o TC dúvidas, de que é intrínseco à tributação autónoma, “estimular os contribuintes a evitar a realização de despesas excessivas que, injustificadamente, possam afetar os resultados económicos e provocar uma diminuição da receita fiscal”, atenta uma censura “do ponto de vista fiscal”, à “realização de despesas que determinam desnecessariamente uma redução do rendimento tributável” (sublinhados nossos).
Surpreende-se assim de maneira que se crê clara, na jurisprudência constitucional, um plano de justificação axiológico-normativo subjacente ao regime em questão, directamente relacionado com a desnecessidade ou injustificabilidade do gasto sujeito a tributação autónoma, em termos de, julga-se, não se verificando, para lá de qualquer dúvida razoável, essa desnecessidade ou injustificabilidade, desfalecer o fundamento normativo que sustenta aquele tipo de tributação.
*
Face à conclusão que vem de se operar, de que as tributações autónomas que nos ocupam encerram uma presunção de que os gastos que sujeitam são, parcialmente, desnecessários ou injustificáveis do ponto de vista empresarial, cumpre então apurar se a presunção que assim se surpreende, é, ou não, susceptível de ser ilidida.
A este propósito, dispõe o artigo 350.º/2 do Código Civil:
“As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.”
Em coerência, dispõe o artigo 73.º da LGT:
“As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”.
Para que opere a estatuição desta última norma, é necessário, evidentemente, que esteja em causa uma norma de incidência tributária.
Ora, no caso, a norma em questão será, sem dúvida, uma norma de incidência tributária objectiva, como a própria Requerida, de resto, o reconhece[21], já que prevê que determinados factos – os gastos com determinados bens que se presumem de afectação mista (empresarial e particular), como se viu já – implicam uma determinada obrigação de imposto.
A Requerida, embora reconhecendo, como se disse, que se está perante uma norma de incidência, procura afastar a aplicabilidade, alegando que “por um lado, não contém na sua redacção a expressão «presume-se», nem, por outro, procede à tributação com base em ficções de rendimentos ou da matéria colectável.”.
Ora, sempre ressalvado o respeito devido, nem ou nem outro daqueles argumentos deverá proceder.
Com efeito, e no que diz respeito ao primeiro daqueles, bastará notar que as presunções contidas em normas de incidência, por regra, não contém a expressão “presume-se”, ou equivalente[22].
Relativamente ao segundo dos argumentos apresentados pela Requerida, que o desenvolve, alegando que “os encargos que (...) são tributados autonomamente são os «efectuados ou suportados pelos sujeitos passivos», (…) são os encargos que contabilisticamente se encontram registados nas contas da Requerente e que concorreram, na qualidade de custos indispensáveis, para a formação do lucro tributável”, pelo que “a norma em causa não ficcionou um determinado montante a ser tributado a título de encargos com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas” ou “ficcionou a respectiva base tributável”, o mesmo apenas é compatível, embora a Requerida não o assuma expressamente, com o entendimento de que as tributações autónomas são um imposto sobre a despesa.
Efectivamente, apenas considerando que as tributações autónomas esgotam o seu fundamento impositório na despesa em que assenta o respectivo facto tributário, se poderá concluir que aquele se esgota nos “encargos que contabilisticamente se encontram registados nas contas da Requerente e que concorreram, na qualidade de custos indispensáveis, para a formação do lucro tributável”.
Pelo contrário, considerando-se que a finalidade das tributações autónomas “é indubitavelmente acessória à tributação do rendimento”, que não é “correcto afirmar que a tributação autónoma se alheia, quer da função e natureza do IRC, quer mesmo do apuramento do lucro tributável.”, e, sobretudo, que de que “o que com elas se pretende é justamente prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos e em fraude às normas que visam atingir o rendimento real dos sujeitos passivos.”, sendo “justamente a sua função anti-abuso que legitima as tributações autónomas à luz do princípio da capacidade contributiva.”, ou seja, e em suma, que as tributações autónomas são, ainda, tributação sobre o rendimento, e não sobre a despesa, como se viu atrás, ter-se-á forçosamente que concluir que os encargos que integram o facto tributário mais não são do que o facto conhecido, do qual o legislador tira o facto desconhecido que é o rendimento, da pessoa colectiva (no caso), legitimador da tributação, afectado pela presumida empresarialidade parcial (incompleta, injustificada, desnecessária) dos encargos em causa.
Face ao exposto, haverá que concluir que a presunção de “empresarialidade parcial” em questão, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de ilisão genericamente consagrada no art.º 350.º/2 do Código Civil e 73.º da LGT[23], o que se afigura, de resto, conforme a uma proporcional e adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas de empresarialidade integral à partida não evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto.
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Aqui chegados, torna-se necessário, então, aferir se, em concreto, a presunção da norma do artigo 88.º/3 (al. a), no que diz respeito ao exercício de 2011 do CIRC, vigente à data dos factos tributários, acima determinada, foi, ou não, ilidida.
Como ficou consignado na Decisão Arbitral, relativa ao processo n.º 553/2016-T, “sendo a justificação essencial das tributações autónomas previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º a dificuldade natural de apuramento da empresarialidade das despesas com veículos que aí se tributam, a prova de que a empresarialidade total ocorreu tem de ser especialmente exigente, não podendo considerar-se ilidida a presunção quando subsistam dúvidas razoáveis sobre a afectação exclusiva de viaturas ao serviço das empresas, pois é precisamente para as situações de dúvida que se impõe a tributação”.
No caso concreto, inexistem quaisquer dúvidas quanto à utilização dos motociclos no exercício da actividade da Requerente, podendo ser mesmo considerado facto notório, do conhecimento geral.
Restaria, então, verificar se, de facto, como acima se expôs, essa utilização dos motociclos no exercício da actividade da Requerente se demonstra, para lá de qualquer dúvida razoável, como ocorrendo em contexto exclusivamente empresarial, não existindo margem para que os seus colaboradores, órgãos sociais ou sócios, retirem benefícios da sua disponibilidade para efeitos pessoais.
Tais dúvidas não poderão ser afastadas com a mera apresentação de regulamentos internos e previsão de meios de controle abstractamente adequados a detectar infracções às suas regras potencialmente adequados.
Face aos factos dados como provados, haverá que considerar que, no caso, não é isso que acontece.
Com efeito, como resulta da matéria de facto dada como provada, a prova produzida não permite concluir que não ocorreu a utilização de veículos para fins estranhos à actividade da Requerente. Era a esta que incumbia, de acordo com as regras do ónus da prova, realizar tal demonstração. Não o tendo feito, reverte o não preenchimento desse ónus contra a parte sobre quem impendia este último, ou seja, contra a Requerente, não se podendo declarar tal facto como provado. Na verdade, apenas se provou que a Requerente criou regras internas de utilização e previu meios de controle com o objectivo de obstar à utilização dos veículos no interesse pessoal dos seus funcionários, mas não foi produzida prova convincente sobre a eficiência ou não da implementação prática dessas regras. A circunstância de se tratar de veículos modificados não afasta por si só a possibilidade da sua utilização abusiva.
Na realidade, a mera apresentação de regulamentos internos e a previsão de meios de controle abstractamente adequados a detectar infracções às suas regras, não se confunde com a efectiva demonstração de que tais regras eram cumpridas, ou seja, não corresponde à prova da eficiência da implementação prática dessas regras.
Neste contexto, mesmo que se admita que a existência daquelas regras de utilização e a previsão de meios de controle poderá, em medida não determinada, dissuadir utilizações dos motociclos para fins privados, não pode deixar de se concluir que não dissiparam, com segurança exigível a uma decisão jurisdicional, as dúvidas que legislativamente justificam aquelas tributações autónomas.
Em suma, não se pode concluir que as situações em causa se afastem da «linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo» e, sendo assim, mantém-se a aplicação da presunção legislativa de empresarialidade parcial dos encargos em causa.
Termos em que será de considerar não ilidida a presunção do artigo 88.º/3 (alínea a), relativamente ao exercício de 2011) do CIRC vigente à data dos factos tributários, pelo que, demonstrando-se que os motociclos a que se reportam as despesas sobre as quais incidiu a tributação autónoma em questão no presente processo arbitral não têm um afectação 100% empresarial, deverão os correspondentes gastos ser objecto de incidência daquela tributação.
Face ao exposto, deverá a presente acção arbitral ser julgada improcedente e, consequentemente, manter-se a liquidação de objecto do presente processo.
Fica assim prejudicado o pedido da Requerente de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia por si paga na sequência da notificação da liquidação ora anulada.
***
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a. Julgar improcedente a excepção de intempestividade suscitada pela entidade requerida;
b. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter os actos de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2015…, n.º 2015… e n.º 2015…, respeitante aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, na parte correspondente à tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas, objecto daquele, no valor de € 404.732,88, bem como o acto de decisão da reclamação graciosa que sobre os mesmos incidiu.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 404.732,88, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa 28 de Junho de 2017
O Árbitro Presidente,
(Fernanda Maçãs), com a seguinte declaração:
Voto a decisão mas não acompanho a fundamentação no que concerne à natureza das tributações autónomas, mantendo a posição defendida em anteriores decisões arbitrais.
O Árbitro Vogal
(José Pedro Carvalho, vencido conforme declaração de voto em anexo)
O Árbitro Vogal
(Manuela Roseiro, com declaração de voto em anexo)
Declaração de voto
Subscrevo o presente Acórdão na medida em que concluiu pela improcedência do Pedido de pronúncia arbitral e legalidade da liquidação impugnada. Devo, contudo, assinalar que mantenho a interpretação defendida em anteriores declarações de voto em processos com objecto idêntico (nºs 628/2014-T e 553/2016-T), quanto à caracterização das normas referentes a tributações autónomas previstas no Código do IRC e respectiva articulação com o artigo 73º da LGT.
Fundamentando, agora muito sinteticamente, reitero a interpretação de que o artigo 88º do CIRC não contém uma presunção ilidível, por aplicação do artigo 73º da LGT. Trata-se antes de uma norma que, embora tendo subjacente um juízo presuntivo da dificuldade de controlo rigoroso da natureza e quantitativo de rendimentos tributáveis, opta por tipificar situações de aplicação de tributação autónoma, que constituem, na prática, uma redução do montante dos custos dedutíveis na determinação da matéria colectável em IRC. Pelas razões identificadas no presente acórdão, considero essa tipificação adequada à realização de objectivos prosseguidos pelo legislador na tributação do rendimento, designadamente evitar a erosão da matéria colectável em IRC nas situações em causa.
Em suma, concluo que o legislador utiliza uma técnica legislativa semelhante à expressa em outras normas tributárias e compatível com a dificuldade de assegurar a fiscalização administrativa das situações por elas abrangidas.
Manuela Roseiro
Declaração de voto
Não acompanho a decisão que fez vencimento, com excepção da fundamentação relativa à natureza das tributações autónomas, entendendo que, à semelhança do que ocorreu no processo arbitral 628/2014-T, deveria o pedido formulado pela Requerente proceder integralmente.
Assim, e relativamente à matéria de facto, considero que tendo em particular consideração:
- a falta de contestação especificada, apreciada, nos termos do artigo 110.º/7 do CPPT, à luz da experiência comum das coisas, aí se integrando a notoriedade pública da actividade da Requerente e a forma como a exerce;
- o teor do Manual de Procedimentos interno de utilização dos motociclos da Requerente, que, apesar de ser interno, não foi questionado quanto à sua autenticidade e aplicação, sendo, como tal, normal, que a utilização dos motociclos se dê nos termos ali prescritos;
- o facto notório de os motociclos utilizados pela B… serem veículos modificados e adaptados à finalidade própria da actividade daquela, contendo uma caixa própria destinada ao transporte de pizzas, caracterizada com as insígnias da marca, e que reduz a capacidade de transporte a uma pessoa
se deveriam ter dado como provados os seguintes factos, alegados pela Requerente:
a) Os motociclos supra mencionados são unicamente utilizados para a entrega dos bens alimentares e apenas durante o horário de funcionamento da B…, não sendo permitida a utilização dos mesmos a título pessoal pelos funcionários;
b) O Manual de Procedimentos interno de utilização dos motociclos da B…, dispõe que a utilização de motociclos pelos funcionários da Requerente se cinge, única e exclusivamente, ao exercício da sua actividade, referindo-se, expressamente, que os motociclos “destinam-se à realização de entregas ao domicílio”;
c) No preço cobrado pela B… a clientes pelos produtos encontra-se já reflectido o acréscimo de encargos suportado pela em virtude das deslocações ao domicílio, sendo que a quantia correspondente ao serviço de entrega não consta expressamente discriminada nas facturas que emite e que o serviço de entregas ao domicílio não se encontra disponível para encomendas de produtos abaixo de um determinado valor no preço cobrado pela B… a clientes pelos produtos encontra-se já reflectido o acréscimo de encargos suportado pela em virtude das deslocações ao domicílio, sendo que a quantia correspondente ao serviço de entrega não consta expressamente discriminada nas facturas que emite e que o serviço de entregas ao domicílio não se encontra disponível para encomendas de produtos abaixo de um determinado valor.
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Relativamente à matéria de direito, as questões que se colocam nos presentes autos são salvo melhor opinião, as de saber, em primeiro lugar, se a norma em que assenta a tributação autónoma que a Requerente contesta tem subjacente uma presunção, se, em caso afirmativo, será legalmente possível ilidir tal presunção, e, por fim, se, no caso concreto, a Requerente logrou fazê-lo.
A decisão vencedora responde positivamente às duas primeiras questões e negativamente à segunda.
As tributações autónomas cujo encargo pretende a Requerente ver subtraído ao seu lucro tributável, poderão ser encaradas como uma espécie de norma antiabuso consensual, em que o legislador propõe ao contribuinte que deduza o gasto nos termos gerais, aceitando a percentagem de empresarialidade fixada a forfait, corporizada no pagamento da tributação autónoma, como compensação pela erosão da base tributável decorrente de um gasto que normalidade das coisas revela não terá, por norma, uma afectação exclusivamente empresarial, sem prejuízo de, por força das normas gerais aplicáveis às presunções, atrás analisadas, bem como dos princípios próprios do direito fiscal, incluindo, como reconhece a própria Requerida[24], o “princípio da substância económica dos factos tributários, que impõe que a tributação, sempre que possível, assente na realidade económica subjacente aos factos tributários”, o contribuinte poder provar, em concreto, a efectiva empresarialidade integral da despesa, e, consequentemente, deduzi-la integralmente, não suportando a tributação autónoma[25], sendo que nos casos em que a tributação autónoma incida exclusivamente sobre encargos dedutíveis[26], excluindo, portanto, os não dedutíveis, poderá ainda o contribuinte, não deduzir[27] os gastos sujeitos a tal tributação, se dedutíveis, não se verificando, dessa forma, o pressuposto da tributação autónoma referida (sobre encargos dedutíveis)[28].
Note-se aqui, até em função de alguma confusão que se possa gerar, que a empresarialidade integral de que se fala aqui não se identifica com a empresarialidade a que se reporta o artigo 23.º do CIRC. Antes, o preenchimento dos requisitos do artigo 23.º do CIRC, relativamente aos gastos em questão, são pressuposto da dedutibilidade do gasto e, no caso em que a tributação autónoma incida sobre encargos dedutíveis, da própria tributação autónoma.
Com efeito, e por exemplo, ao exigir na norma do artigo 88.º/3/a) do CIRC vigente no exercício de 2011, que sejam dedutíveis “os encargos (...) relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos” para os sujeitar a tributação autónoma, naturalmente que o legislador está a remeter para o critério geral do artigo 23.º do CIRC, como requisito para que opere a tributação autónoma em causa, não podendo, crê-se, sob pena, para além do mais, de violação do princípio da tipicidade da lei fiscal, fazer incidir tal tributação autónoma sobre encargos não dedutíveis, o que, de resto, é coerente com a própria natureza daquela, que, como é consensualmente reconhecido, bebe um dos seus principais fundamentos na necessidade de, nas palavras do TC, citadas na decisão, eliminar “a vantagem fiscal que resulta para as empresas da realização de despesas que são dedutíveis mas não têm uma causa empresarial.”, ou de, nas palavras da Requerida nos autos[29], evitar a “erosão da base tributável em sede de IRC”, vantagem e erosão essas que não se consumam, no caso das despesas não dedutíveis.
Daí que, desde logo a “empresarialidade” (parcial) presumida pelas tributações autónomas em questão seja especial, em relação à empresarialidade do artigo 23.º, que pressupõem.
Dito de outro modo, e explicitando a articulação normativa entre os regimes em causa, de uma forma geral e como regra, o preenchimento dos critérios do artigo 23.º do CIRC conferem ao contribuinte o direito de deduzir integralmente ao lucro tributável os gastos correspondentes.
Todavia, relativamente aos gastos sujeitos a tributação autónoma, ora em causa, tal direito fica onerado com a obrigação de arcar com as correspondentes tributações autónomas, no fundo porquanto o legislador, como se viu atrás, entende que, no quadro da normalidade, que está também subjacente ao regime do artigo 23.º do CIRC, tais gastos se revestem de características especiais, que indiciam uma empresarialidade não integral, ao contrário do que acontece com a generalidade dos gastos que preencham os pressupostos do referido artigo 23.º do CIRC, em termos de não se justificar como regra a sua não dedutibilidade, por se conceder que uma parte mais ou menos significativa, sempre no plano da normalidade das coisas onde se posiciona o legislador, do gasto será, de facto, empresarialmente necessária, mas em termos, igualmente, de não se justificar, pelas razões já atrás vistas, que a dedução do gasto afecte a receita tributária nos termos em que resultam da dedução nos termos do referido artigo 23.º, sem intervenção da tributação autónoma.
Assim, em ordem a justificar a não incidência de tributação autónoma sobre os gastos em causa, o contribuinte haja, não de ensaiar a demonstração da verificação dos pressupostos daquele artigo 23.º, mas, antes, demonstrar para lá de qualquer dúvida razoável que, em concreto, as despesas do género em questão, que pretende deduzir integralmente sem sujeitar a tributação autónoma, tiveram uma afectação exclusivamente empresarial.
Daí que a prova a realizar, em ordem a infirmar a presunção de empresarialidade parcial ora em causa, seja distinta da prova subjacente ao regime geral do artigo 23.º do CIRC, não sendo aplicável a abundante jurisprudência e doutrina produzida a esse respeito[30], implicando a demonstração, para lá de qualquer dúvida razoável, não meramente da relação dos gastos com a actividade prosseguida pelo sujeito passivo, que, de resto, pressupõe, mas de que, como se disse, em concreto, as despesas em questão tiveram uma afectação exclusivamente empresarial, sem que, no plano da normalidade do funcionamento da empresa, se detecte qualquer margem da designada zona cinzenta de despesa empresarial, produtiva, e despesa privada, de consumo, sendo que, qualquer dúvida terá de ser resolvida em desfavor do contribuinte, por força do funcionamento próprio das regras do ónus da prova[31].
Não procedem, deste modo, segundo se julga, as considerações apresentadas pela Requerida na sua Resposta[32], segundo as quais estaríamos perante “uma manifesta redundância, pois que a obrigaria a um duplo ónus probatório, isso sob a égide do mesmo código tributário, ao abrigo de um mesmo imposto.”, por “para além de terem os contribuintes de comprovar a indispensabilidade dos custos concorrentes à formação do lucro tributável”, terem “de igual modo de provar a empresarialidade das despesas alvo de tributação, nos termos do disposto no artigo 88.º do CIRC.”, pelo que “seria legítimo ensaiar, então, duas (absurdas) conclusões, alternativas entre si: A primeira, a de que, nos termos e para os efeitos do artigo 23.º do CIRC, sempre que os contribuintes provassem a indispensabilidade de um custo, por sua vez sujeito a tributação autónoma, ficariam automaticamente excluídos da tributação do artigo 88.º do CIRC, pois que a empresarialidade já se escorava na indispensabilidade;
A segunda, a de que, sempre que os contribuintes não conseguissem provar a empresarialidade de uma despesa – previamente aceite como custo fiscal para efeitos de apuramento do lucro tributável –, veriam o aludido custo ser corrigido e acrescido ao Q07 da sua Modelo 22, porquanto, se uma despesa não é tida como prosseguindo fins empresariais, não pode o dito custo, sob pena de incoerência, ser considerado indispensável para a respectiva fonte produtora.”.
De resto, o conceito “empresarialidade integral”, objecto da prova necessária à elisão da presunção em questão, e o correlativo conceito de “empresarialidade parcial” (ou não integral), subjacente àquela, não são exclusivos da matéria que nos ocupa, e preexiste, inclusive, à criação das tributações autónomas.
Com efeito, o CIVA, desde a sua entrada em vigor, no ano de 1986, e no seu actual artigo 23.º, prevê exclusões do direito à dedução que assentam, consabidamente, num juízo de análogo, de afectação “não estritamente profissional” das despesas cuja dedução é excluída.
A referida norma, como não podia deixar de ser, em função da consabida matriz comunitária do IVA, tem correspondência[33] no artigo 176.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho (que reformulou a Sexta Directiva), que dispõe que:
"O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados- Membros podem manter todas as exclusões previstas na respetiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respetiva adesão."
Esta norma, sucedeu ao artigo 17.º, n.º 6, da Sexta Directiva, em vigor aquando da adesão de Portugal à CE, que prescrevia que:
"O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da presente directiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respetiva no momento da entrada em vigor da presente directiva".
A circunstância de, não obstante o disposto neste último normativo, não ter sido aprovada a deliberação do Conselho ali referida, passados mais de 30 anos, dá bem conta do melindre e sensibilidade da questão.
Com efeito, e como detalham Clotilde Celorico Palma[34], e Maria Odete Oliveira e João Seixas Cambão[35], não obstante várias tentativas ao longo dos anos, nunca foi possível uma aproximação à unanimidade necessária dos Estados Membros relativamente à matéria em questão.
Ou seja, sendo consensual a existência, no âmbito das actividades empresariais, a existência despesas, no caso sujeitas a IVA, que não têm uma afectação “estritamente profissional”, a forma e medida adequadas do enquadramento de tais despesas no âmbito do sistema do IVA ainda não foi encontrada. E, se se verificam tais inultrapassáveis divergências entre Estados, que partilham necessariamente o mesmo lado da relação jurídico-tributária, facilmente se compreenderá a extensão e alcance da insatisfação que os contribuintes, do lado oposto da mesma, manifestarão em tal matéria e, correlativamente, na matéria que ora nos ocupa, cujo fundamento axiológico-normativo, crê-se que inegavelmente, é essencialmente o mesmo.
Ora, como se tem tornado paulatinamente clarividente face à jurisprudência do TJUE relativa à essencialidade do princípio da neutralidade em sede de IVA, acabar-se-á inelutavelmente por concluir, face à inércia do Conselho em aprovar a regulamentação das exclusões do direito à dedução previstas no artigo 176.º da Diretiva 2006/112/CE, e não obstante a existência de jurisprudência antiga do TJUE em sentido oposto[36], que demonstrado o carácter estritamente empresarial das despesas, as mesmas devem ser dedutíveis (se é que tal decorre já da reafirmada necessidade de interpretação restritiva das exclusões do direito à dedução[37]), demonstração essa que, tal como na matéria ora em causa, se deverá ter – por o ser efectivamente – distinta da demonstração necessária ao exercício do direito à dedução nos termos gerais.
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O reconhecimento da natureza presuntiva das tributações autónomas em causa nos autos, nos termos acima expostos, será, para além de tudo o mais, julga-se, uma salvaguarda da sua constitucionalidade, na medida em que estará garantida quer a possibilidade da respectiva dedução integral pelo contribuinte, quer a sua não dedução, consoante o lado para o qual a presunção que lhes está subjacente seja, concretamente e em cada caso, infirmada, assim se assegurando, devidamente, a conformidade do regime legal em questão com os princípios da igualdade tributária[38] e da capacidade contributiva, que seriam desnecessária (e, ocasionalmente, como é o caso, desproporcionalmente) truncados, pela estatuição de uma presunção inilidível da parcialidade da afectação empresarial das despesas em questão.
Efectivamente, e no limite, a questão da possibilidade, ou não, de ilidir a presunção de empresarialidade parcial em que assentam as tributações autónomas que ora nos ocupam, reconduz-se à resposta de uma mais prosaica e evidente questão, que é a de saber se existe, e qual é, o fundamento material, inerente a um legislador razoável, para que um contribuinte que, em função da sua concreta actividade tem uma necessidade incontornável de utilizar determinado tipo de viaturas, no caso, até, especialmente modificadas e adaptadas a tal actividade, e que tem implementado um sistema, no quadro da respectiva organização empresarial, que exclui, sob um ponto de vista da regularidade e licitude do seu funcionamento, a utilização privada (não empresarial) das referidas viaturas, se veja onerado com a tributação autónoma, com as características, natureza e fundamentos da que ora nos ocupa.
A ausência de tal fundamento, e a imposição, nessas circunstâncias, de uma tributação que, não sendo, em última análise, um imposto sobre a despesa ou o património, se reconduz, por isso, e de alguma forma, a um imposto sobre o rendimento em que se insere, não poderia, crê-se, deixar de redundar num défice de constitucionalidade, não só face aos referidos os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, como ainda face aos princípios relativos à liberdade de iniciativa económica, concorrência, e, até propriedade privada, na medida em que, sem qualquer justificação atendível[39] se estaria a onerar com uma carga fiscal adicional determinadas actividades económicas, que não podem ser exercidas de outra forma, prejudicando, consequentemente, o seu livre desenvolvimento, considerações que não deverão ter sido estranhas à informação vinculativa da AT de 14-09-2006, proferida no processo 2879/2005, onde se considerou que se pretendeu excluir do âmbito da aplicação do (então) artigo 81.º/3 do CIRC as viaturas utilizadas no exercício da actividade normal do sujeito passivo (no caso daquela informação, viaturas utilizadas por unidades hoteleiras em transfers) e que, não obstante a parca fundamentação e o diferente contexto histórico não deixa de evidenciar alguma sensibilidade da AT ao quanto se vem de dizer, tanto mais que, até à data, não foi revogada a informação em causa.
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Essencialmente, a decisão que fez vencimento, acaba por assentar no entendimento de que a Requerente não fez prova cabal de que os veículos a que se reporta a tributação autónoma questionada tivessem uma utilização estritamente empresarial, conclusão que não se subscreve.
Com efeito, os motociclos são, em geral, um meio de transporte que não é utilizado na actividade comercial ou industrial, pois é mais rentável que um trabalhador conduza uma veículo com maior capacidade de transporte.
Mas, no caso em apreço, a utilização dos motociclos está perfeitamente explicada como sendo os «veículos que melhor se adaptam à sua actividade e que de forma mais efectiva permitem aumentar o número de entregas, pela rapidez na sua deslocação, e por sua vez aumentar o lucro tributável gerado pelo aumento das vendas».
Notoriamente, não há outra forma de entregar pizzas quentes nos domicílios dos clientes (sobretudo à hora de ponta do trânsito) e a entrega de pizzas naquelas condições é obviamente essencial para o negócio, como, de resto, a contabilidade da Requerente, que não é posta em causa pela AT, evidencia. Por outro lado, é igualmente notoriamente consabido que os motociclos são veículos mais económicos ao nível do custo de aquisição, consumos e manutenção, assistindo à sua utilização, quando se destinem ao transporte de apenas uma pessoa e carga ligeira, uma inegável racionalidade económica.
De facto, verifica-se que motociclos em causa são unicamente utilizados para a entrega dos bens alimentares e apenas durante o horário de funcionamento da B…, não sendo permitida a utilização dos mesmos a título pessoal pelos funcionários. De resto, e no caso concreto, os motociclos em questão, poderão mesmo considerar-se uma espécie de motociclos de mercadorias na medida em que têm a sua capacidade de transporte de pessoas reduzida, para aumentar a sua capacidade de transporte de mercadorias[40].
Ora, se é certo que em pequenas empresas, de dimensão familiar, com maior personalização de dirigentes e trabalhadores e conhecimento por aqueles das necessidades particulares destes, é provável que haja alguma promiscuidade na utilização dos motociclos para fins da empresa e fins privados, ficando ao critério dos gerentes a utilização dos veículos, entende-se que isso terá de se considerar uma hipótese remota quando está em causa uma empresa com dimensão nacional e multinacional, em que os colaboradores e suas necessidades de transporte pessoal são presumivelmente ignorados por um conselho de administração remoto e é crível que tenha uma regulamentação interna sobre a generalidade das matérias, incluindo, conforme provado, sobre a utilização dos motociclos em causa, não deixando ao critério dos anónimos colaboradores a utilização dos bens para os seus fins privados.
No caso concreto acresce ainda que a Requerente dispõe de parqueamento próprio para os motociclos, que apenas saem de lá em serviço, e que a utilização daqueles pelos seus colaboradores se dá, exclusivamente, durante o horário laboral, de onde resulta um incentivo acrescido no sentido de um controle efectivo daquela utilização, já que a se a mesma se der para fins particulares, estará, não só, o património da Requerente a ser ilicitamente abusado, como a própria força de trabalho dos colaboradores que o fizessem estaria a ser desviada, com o consequente impacto na produtividade.
Assim, concedendo-se que a Requerente poderia fazer mais, no cumprimento do ónus probatório que lhe assiste, como, designadamente e por exemplo, a elaboração de documentação nos termos previstos no actual artigo 23.º-A/1/h) do CIRC[41], crê-se que o processo contém os elementos suficientes, conforme acima já se apontou, a propósito da discordância quanto à matéria de facto dada como provada, para que o tribunal concluísse pela afectação exclusivamente profissional dos veículos em questão.
De resto, não obstante se concordar que o juízo probatório em causa dever ser particularmente exigente, em ordem a não restarem quaisquer dúvidas razoáveis, considera-se que a referida exigência deverá ter como referente próximo, por força dos princípios da coerência e unidade do ordenamento jurídico, a normalidade subjacente às exclusões da tributação autónoma em questão expressamente admitidas, designadamente no que diz respeito às viaturas afetas à exploração de serviço público de transportes e a serem alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo, bem como relativamente às situações abrangidas pela informação vinculativa da AT de 14-09-2006, proferida no processo 2879/2005.
Com efeito, não obstante, de um ponto de vista abstracto, as viaturas a que se referem as referidas situações de exclusão da sujeição à tributação autónoma em causa, poderão sempre ser objecto de utilização particular, nem que seja no quadro de uma situação ilícita (furto; abuso de confiança; abuso de uso) ou abusiva. Não obstante, e bem, entendeu o legislador que, na normalidade das situações isso não ocorrerá, e que a possibilidade de isso ocorrer não se revestia de intensidade suficiente para justificar a imposição da tributação autónoma em causa aos respectivos sujeitos passivos.
Ora, no caso, considera-se que é, precisamente, isso que ocorre, ou seja, não obstante ser sempre possível, de um ponto de vista cartesiano, equacionar a possibilidade de ocorrência de utilização dos veículos em causa fora do âmbito da actividade empresarial da Requerente, essa possibilidade contém-se em níveis análogos ou inferiores relativamente a outras situações relativamente ás quais se admite expressamente a não sujeição à tributação autónoma, restringindo-se, inclusivamente, ao domínio da ilicitude, no quadro das relações jurídico-laborais da Requerente com os seus colaboradores.
Em todo o caso, entendendo o tribunal que os elementos disponibilizados pela Requerente, sendo credíveis, se revelavam insuficientes, sempre poderia, em cumprimento do disposto nos artigos 16.º/c) e e), e 29.º/1 e 2 do RJAT, 114.º do CPPT, 99.º/1 da LGT e 411.º do CPC, determinar que a Requerente procedesse à junção de prova idónea a elucidar as concretas sobras de dúvidas que pairassem na matéria.
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Por todo o exposto, votei no sentido da procedência integral do pedido.
Lisboa, 26-06-2017
O árbitro vogal
(José Pedro Carvalho)
[1] Não obstante terem sido retirados do elenco dos actos nulos, que constava do artigo 133.º/1 e 2/i) do antigo CPA, dever-os actos consequentes que forem desconformes com a sentença proferida em processo impugnatório, conforme resulta, para além do mais, do artigo 179.º/2 do CPTA vigente, estando ainda abrangida pela obrigação de reconstituição da legalidade, imposto pelo artigo 100.º da LGT.
[2] Neste sentido, cfr., por exemplo, o Ac. do STA de 16-11-2011, proferido no processo 0723/11, e disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler: “A impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa tem por objeto imediato a decisão da reclamação e por objeto mediato os vícios imputados ao ato de liquidação.”.
[3] (Cfr. artigo 2.º/1/a) ) “actos de liquidação de tributos, de autoliquidação,...”.
[4] Cfr., neste sentido, Carla Castelo Trindade, “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - Anotado”, Almedina, 2016, pp. 69 e ss. e 241 e ss.
[5] Cfr., p. ex., decisões dos processos 187/2013-T, 209/2013-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 292-2013T, 37/2014-T, 94/2014-T e 242/2014-T.
[6] Exemplos retirados da resposta apresentada pela AT no processo arbitral 242/2014T do CAAD, em termos reiterados em vários outros processos sobre o mesmo tema.
[8] Cfr., por exemplo, a tributação autónoma apenas é devida pelos contribuintes que possuam ou devam possuir contabilidade organizada, quer em sede de IRC (artigo 88.º/15), quer em sede de IRS (artigo 73.º/2), e já não pelos que optem pelo regime simplificado. Naturalmente que se a tributação autónoma fosse estritamente um imposto sobre a despesa, completamente alheio e distinto do impostos sobre o rendimento onde se insere, nada justificaria que os contribuintes empresariais, sujeitos ao regime simplificado, não vissem as suas despesas tributadas autonomamente.
[9] Cfr. os artigos 12.º, 23.º-A/1/a) e 88.º/21, todos do CIRC actual , de onde resulta expressamente que o IRC inclui as tributações autónomas.
[10] “É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:(...) i) Criação de impostos” (sublinhado nosso).
[11] Cfr., por todas, a pioneira Lei 101/89, de 29-12, que, no n.º 3 do seu artigo 25.º, autorizou o Governo a “tributar autonomamente em IRS e IRC”, e não a criar um novo imposto, sobre a despesa.
[13] Daí a referência a um IRC em sentido estrito/amplo, reflexo da tal dualidade.
[14] Que não no sentido de punição de comportamentos ilícitos.
[15] Incluindo no presente processo. Cfr. artigos 141.º e ss. da resposta.
[16] Não se negando, evidentemente, que, de forma colateral, tem também esse efeito.
[17] Note-se que dificilmente se justificaria, que com base nesta dificuldade de prova, se impedisse a mesma, dizendo-se, no fundo, ao interessado, que como lhe será muito difícil fazer a prova da medida/exclusividade da utilização empresarial, está impedido de a fazer. Não procedem, por isso, as considerações da Requerida, na sua Resposta (cfr. artigos 147.º e ss), relativamente à dificuldade de prova na matéria em questão.
[18] A discricionaridade do processo legislativo licenciaria que o legislador aplicasse o mesmo mecanismo que entendeu adequado para as despesas a favor de sociedades off-shore, a outras despesas, designadamente as aqui em questão.
[19] Também retirado da resposta apresentada no supra-citado processo arbitral 242/2014T do CAAD.
[20] Acórdão 197/2016, de 13-04-2016.
[21] Cfr. artigo 155.º da Resposta.
[22] Cfr., por exemplo, o artigo 89.º-A/4 da LGT (Ac. do STA de 02-05-2012, proferido no processo 0381/12), e o artigo 64.º do CIRC (Ac. do STA de 09-03-2016, proferido no processo 0820/15).
[23] Não colhendo, assim, também aqui, a argumentação da Requerida (cfr. artigos 67.º e ss. da Resposta), segundo a qual, a interpretação que a Requerente faz das normas não encontra o mínimo respaldo na letra da lei, e/ou se estaria a “abrir recurso à equidade, de justificar uma justiça no caso concreto”, já que a lei não se cinge, naturalmente, à norma analisada, mas a todo o sistema jurídico, incluindo especialmente outras normas que sejam aplicáveis.
[24] Artigo 159.º da Resposta.
[25] Esta admissibilidade não será contraditória com o reconhecimento, atrás feito, de que a presunção subjacente ao art.º 88.º/3 do CIRC vigente à data dos factos tributários, assenta num juízo de dificuldade de prova. Com efeito, a circunstância de se lograr num caso concreto uma prova difícil, não significará que a mesma não seja, por regra, difícil, e isto mesmo que no caso concreto tenha sido fácil tal prova. Ou seja, uma excepção não invalida a regra, sendo certo que até pode não ser excepção, por se ter, com efectiva dificuldade, logrado a prova.
[26] Como era o caso, na situação sub iudice, da previsão do artigo 88.º/3/a), vigente no ano de 2011.
[27] Não se está aqui a sustentar, evidentemente, que as tributações autónomas são optativas. Antes, o que o será (num certo sentido, pelo menos) é a classificação ou não de determinado encargo como dedutível, na medida em que o mesmo pressupõe a sua necessidade para a manutenção da fonte produtora, e tal juízo compete ao sujeito passivo (neste sentido, cfr. p. ex. o Ac. do STA de 30-11-2011, proferido no processo 0107/11, disponível em www.dgsi.pt).
Não se trata aqui, de igual modo, de sugerir que se possam “omitir despesas”. Efectivamente, a contabilização de determinado encargo como não dedutível implica, justamente, a sua relevância na contabilidade, que é, precisamente, o oposto da sua omissão.
[28] Aqui se manifestando, uma vez mais, a extrema dificuldade, senão impossibilidade, de um “teoria geral” das tributações autónomas, derivada da sua diversidade de regimes e fundamentos.
[29] Artigo 170.º da Resposta.
[30] Que, sumariamente, assenta no entendimento num “conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a actividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respectivas actividades.” (Ac. STA, proferido a 04-09-2013, no processo n.º 0164/12, disponível em www.dgsi.pt).
[31] Manifestando-se aqui mais uma distinção em relação ao regime do art.º 23.º do CIRC, onde, por exemplo, os gastos elencados no n.º 2 se devem presumir (não obstante em parte alguma do mesmo ser empregue a expressão “presume-se”, ou equivalente) como empresariais, conforme já defendia o Prof. Teixeira Ribeiro (Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Outubro de 1985, RLJ n.º3743, p. 39-43.).
[33] Sendo objecto de debate se a norma comunitária em causa – conhecida como cláusula stand still – suporta ou não a norma nacional. Sendo esse o entendimento da AT (cfr., p. ex., as informações vinculativas proferidas nos processos n.º 3479, com despacho de 16-07-2012, e n.º 9889, com despacho de 29-02-2016), existe, no entanto, doutrina em sentido contrário (cfr. Maria Odete Oliveira e João Seixas Cambão, “IVA – Algumas notas sobre os limites das exclusões do direito à dedução”, Fisco n.º 115/116, Setembro de 2004, p. 59).
[34] “IVA – Algumas notas sobre os limites das exclusões do direito à dedução”, Fisco n.º 115/116, Setembro de 2004, pp. 67 a 70.
[35] “Exclusões, restrições, limitações e outras complicações em matéria de direito a dedução no imposto sobre o valor acrescentado.”, cit., pp. 68 a 72.
[38] No mesmo sentido, relativamente às disposições análogas que prevêm a exclusão do direito à dedução em sede de IVA, cfr. Clotilde Celorico Palma, “IVA – Algumas notas sobre os limites das exclusões do direito à dedução”, cit.
[39] Sendo certo que a mera intenção de incrementar a receita tributária não poderá ser atendível, não só porque, genericamente, aquele incremento não pode ser prosseguido cegamente e a qualquer custo, como, no caso concreto, a própria AT, atrás citada, reconhece que “A razão de ser das tributações autónomas não se encontra no simples arrecadar de mais imposto”.
[40] Daí que, sempre se poderia, concluindo de forma distinta do quanto atrás se expôs, equacionar se, por imposição da interpretação conforme à Constituição, e, concretamente, ao princípio da igualdade, não se deveria fazer uma interpretação extensiva da não sujeição dos veículos automóveis ligeiros de mercadorias a tributação autónoma, de modo a abranger os motociclos que, comprovadamente, tenham as mesmas características.
[41] Um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem os encargos, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência, objectivo, identificação da viatura e o número de quilómetros percorridos.