DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1.1. A…, S.A., NIPC…, com sede na …, n.º…, freguesia de…, …-… … (doravante designada por «Requerente»), em face da liquidação de IMT/IS n.º…, relativa ao ano de 2012, no valor de €7236,88 (IMT), apresentou, a 4/1/2017, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos dos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), e do art. 99.º do CPPT, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), visando que se declare nula ou seja anulada “a liquidação de IMT in casu e, consequentemente, [...] ordenado o reembolso da quantia indevidamente paga relativamente à liquidação de IMT, acrescida dos juros indemnizatórios devidos”.
1.2. Em 14/3/2017 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.
1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta. A AT apresentou a sua resposta a 28/4/2017, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido da Requerente.
1.4. Ao abrigo do disposto no art. 16.º, al. c), do RJAT, o presente Tribunal considerou ser dispensável a reunião do artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse para decisão. Por despacho de 22/5/2017, foi fixada a data de 1/6/2017 para a prolação da decisão arbitral.
1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.
II – Alegações das Partes
2.1. Vem a Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “a liquidação adicional ora em apreço decorre da aplicação pretensamente indevida ao Demandante do benefício de isenção de IMT, previsto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE”; b) “está essencialmente em causa, no caso sub judice, a correcta interpretação desta disposição legal. [I.e.] se deve aquela norma ser interpretada no sentido de que, no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente: a) apenas a transmissão de bens imóveis, cuja alienação ocorra em virtude de se estar a vender ou permutar ou ceder a empresa ou estabelecimento em que o imóvel (transmitido) se integra, goza de isenção de IMT; b) ou, alternativamente, e como é nosso entendimento, se essa isenção abrange (também) os imóveis transmitidos por venda ou permuta, quando não integrados na venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimento”; c) “se o objectivo do legislador fosse o de, no âmbito em causa, isentar de IMT apenas as transmissões dos imóveis afectos às empresas ou estabelecimentos vendidos permutados ou cedidos, então bastar-lhe-ia referir – e não referiu –, que apenas gozava de isenção de IMT a transmissão de imóveis quando integrados na venda, permuta ou cessão da empresa ou estabelecimento”; d) “em sede de isenção de IMT, apesar da menos feliz redacção do artigo 270.º do CIRE, o legislador apenas pretendeu consagrar para o CIRE um regime equivalente ao que já resultava da alínea c) do n.º 2 artigo 121.º do CPEREF. Conforme expressamente o afirma no n.º 49 do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, onde refere que “mantêm-se no essencial os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais”. De facto, se interpretássemos o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE no sentido de que a transmissão de imóveis em sede de liquidação da massa insolvente ou de planos de insolvência ou de pagamentos está sujeita a IMT, então a proposição constante do referido n.º 49 do referido Preâmbulo passaria, sem mais, a falsa”; e) “como muito bem nota o douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30 de Maio de 2012, interpretar o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE no sentido de que apenas as transmissões de imóveis inseridas na transmissão de empresa ou seu estabelecimento estão isentas de IMT, não é uma interpretação conforme à Constituição”; f) “os diversos elementos interpretativos da norma em causa confluem para uma única conclusão: a de que, em sede de plano insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da massa insolvente, a isenção de IMT consagrada no n.º 2 do art.º 270 do CIRE abrange os imóveis transmitidos por venda ou permuta, mesmo quando essa transmissão não surge integrada na transmissão de empresa ou estabelecimento. Sendo por demais evidente que o acto de liquidação adicional do IMT que ora se impugna, decorre [...] de uma errada interpretação do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, enfermando, por isso, do vício do erro sobre os pressupostos de direito”; g) “em face do exposto, o Demandante tem direito à restituição do valor indevidamente pago, acrescido dos juros legais desde a data do pagamento até à sua efectiva devolução, por força da liquidação cuja anulação ora se requer”; h) “o acto em causa não indica e inexiste qualquer dispositivo legal e aplicável que fundamente e legitime a quantificação dos montantes apurados e a liquidação do tributo em causa, nem foram indicadas quaisquer razões justificativas da liquidação agora impugnada. O acto impugnado enferma assim de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é insuficiente, obscura e incongruente, pelo que foram frontalmente violados o art. 268.º/3 da CRP, os arts. 124.º e 125.º do CPA e o art. 77.º da LGT”; i) “a liquidação em apreço [deve] ser anulada por preterição de formalidade legal, violação dos princípios da colaboração e boa fé nos termos supra referidos (art. 59.º da LGT, e art. 99.º/d do CPPT; cfr. art. 7.º do CPA e n.º 2 do art. 266.º da C.R.P)”; j) “a revogação da isenção só poderia ser concretizada no prazo de 1 ano após ter sido concedida, tratando-se de um acto constitutivo de direitos, por aplicação conjugada do disposto nos arts. 141.º, n.º 1, do CPA e 58.º do CPTA. [...]. [...] verifica-se a ilegalidade da revogação, já que o acto revogatório, com efeitos ex tunc, ocorreu mais de um ano depois do acto concedente da isenção, em clara violação do disposto no art. 141.º do CPA”.
2.2. Pelo exposto, pretende a Requerente que o presente pedido de pronúncia arbitral seja “julgado procedente por provado, com fundamento nas razões de facto e de direito acima apresentadas, declarando-se nula ou anulando-se a liquidação de IMT in casu e, consequentemente, [...] [que seja] ordenado o reembolso da quantia indevidamente paga relativamente à liquidação de IMT, acrescida dos juros indemnizatórios devidos”
2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que: a) “em causa, nos presentes autos, está a existência dos pressupostos de isenção de IMT prevista no n.º 2 do art. 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), ou não”; b) “alega o Requerente que, tendo a aquisição do prédio sido efectuada no âmbito da liquidação de determinada massa insolvente, a mesma está abrangida pela isenção de IMT prevista no n.º 2 do 270.º do CIRE. Tal interpretação não tem qualquer suporte legal [...]. Desde logo [porque], conforme consta no Processo Administrativo (PA) ora junto, o Requerente adquiriu uma fração autónoma destinada à habitação em processo de insolvência, mas em que o insolvente é uma pessoa singular”; c) a “isenção [do actual n.º 2 do art. 270.º do CIRE] abrange todos os atos integrados no âmbito de planos de insolvência, ou de pagamentos, ou de liquidação da massa insolvente, com a reserva de o insolvente ser uma empresa ou um estabelecimento”; d) “no âmbito da interpretação da redacção anterior do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, o entendimento jurisprudencial tem sido uniforme no sentido de que terá de tratar-se de bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não os bens imóveis de pessoas singulares, com a única justificação de fazerem parte de um processo de insolvência”; e) “caso o legislador tivesse pretendido alterar o sentido da lei, podê-lo-ia ter expressamente concretizado no art. 234.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, que alterou a referida norma, o que não fez. [...]. Do cotejo das duas redações do n.º 2 do referido artigo, verifica-se que o legislador apenas acrescentou a isenção referente às transmissões da empresa ou de estabelecimentos desta, integrados no âmbito de planos de recuperação de empresas”; f) “o facto de o Preâmbulo do CIRE dispor que, quanto aos benefícios fiscais, se mantêm essencialmente os previstos no CPEREF, quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais, não tem qualquer relevância interpretativa do art. 270.º, n.º 2. «Essencialmente» não se confunde, na verdade, com «exclusivamente»”; g) “o art. 234.º daria nova redação ao art. 270.º, n.º 2, do CIRE, que passaria a dispor estarem isentos os atos de venda, permuta ou cessão do estabelecimento ou empresa integrados no âmbito de planos de insolvência, pagamentos ou recuperação da massa insolvente. A questão da pseudo-inconstitucionalidade orgânica da anterior redação ficaria, assim, ultrapassada pelo facto de a nova redação ter sido introduzida pela Assembleia da República”; h) “a «interpretação conforme a Constituição» apenas é ilegal quando viole os princípios fundamentais de interpretação e aplicação das normas jurídicas desenvolvidos na presente norma e no Código Civil, o que não é comprovadamente o caso. Em suma, a liquidação impugnada é legal e conforme a Constituição, não se mostrando violados os múltiplos princípios constitucionais que o Requerente se limitou a invocar na sua douta P.I, sem que, contudo, tivesse logrado demonstrar qualquer inconstitucionalidade”; i) “no caso em apreço, estamos perante a aquisição de um imóvel, ainda que em processo de insolvência, mas que não pertence a uma empresa nem estava destinado ao exercício de atividade empresarial alguma, mas que era propriedade de uma pessoa singular com destino a habitação. Pelo que não estão reunidos os pressupostos legalmente previstos para a isenção de IMT em razão da sua transmissão ter sido efectuada num processo de insolvência de pessoa singular”; j) “bem andou a AT na aplicação e interpretação da legislação aplicável à liquidação impugnada nos autos, por se mostrar provado que o Requerente adquiriu o imóvel, no âmbito de um processo de insolvência, a um sujeito passivo singular que não exerce qualquer atividade empresarial”; l) “sobre [a] alegada falta de fundamentação de facto e de direito, cabe referir que nos termos do estatuído no art. 77.° da Lei Geral Tributária (LGT), a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. [...]. [...] não se vislumbra que a liquidação em causa no presente processo careça de fundamentação legal, pelo que se considera que o ónus de fundamentação foi cumprido e que o pedido do Requerente improcede necessariamente”; m) “alega o Requerente que a revogação do benefício fiscal é ilegal por violação do disposto nos arts. 141.º, n.º 1, do CPA, e 58.º do CPTA, porque terá existido um ato de concessão da isenção, ato esse constitutivo de direitos, por aplicação conjugada destes mesmos artigos. [...] também aqui improcedem os fundamentos invocados. [...] não existiu nenhum ato constitutivo de direitos porque o benefício aqui em causa é um benefício automático nos termos do artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)”; n) “da análise destas disposições legais verifica-se que o reconhecimento da isenção em causa neste processo é automático, decorre diretamente da lei e não existe uma análise prévia nem verificação prévia dos pressupostos da mesma. O que acontece é que o sujeito passivo apresenta uma declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º do CIMT, e só posteriormente é que a AT fiscaliza a verificação dos pressupostos conforme dispõe o artigo 7.º do EBF.”
2.4. A AT conclui, em síntese, que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, e absolvida a Requerida do pedido, com todas as consequências legais.”
III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação
3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:
i) A 27/12/2012, a Requerente adquiriu o prédio urbano, sito em …, Rua …, n.º…, freguesia de … e Município de Alcobaça, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o número … e inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo…, no âmbito do processo de insolvência de B… e C…, que correu termos no … Juízo Tribunal Judicial de Alcobaça, sob o n.º …/11… TBACB (vd. Doc. 1 apenso aos autos).
ii) O referido imóvel foi arrolado e apreendido para a massa insolvente e a Requerente comprou-o pelo preço global de €220.000,00 (vd. Doc. 1).
iii) A ora Requerente foi notificada, através do ofício n.º…, de 4/12/2015, remetido pelo SF de Leiria –…, da instauração do procedimento para pagamento da liquidação adicional n.º …do IMT e IS que foram entendidos como estando em falta (vd. Doc. 3). Em Julho de 2016, a Requerente procedeu ao pagamento do mencionado IMT, no montante em causa de €7.236,88 (vd. Doc. 4).
iv) A Requerente apresentou reclamação graciosa da referida liquidação a 18/8/2016. A 25/11/2016, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação.
v) Inconformada, a Requerente deduziu, em 4/1/2017, o presente pedido de pronúncia arbitral.
3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.
3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos autos.
IV – Do Direito
No caso em análise, são quatro as questões de direito controvertidas: 1) saber se a isenção prevista no n.º 2 do art. 270.º do CIRE abrange a venda de prédio urbano destinado a habitação que pertence a pessoa(s) singular(es), ou se o insolvente tem de ser uma empresa ou um estabelecimento; 2) saber se existe o alegado vício de falta de fundamentação; 3) saber se o reconhecimento da isenção de IMT em causa é automática; e 4) saber se são devidos juros indemnizatórios à Requerente.
Vejamos, então.
1) A este respeito, verifica-se que a interpretação que foi sendo feita por numerosa jurisprudência, relativamente à anterior redacção do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, continua adequada face à actual redacção e às especificidades do caso aqui em análise – com efeito, a única diferença entre as duas redacções (inclusão, na actual redacção, da isenção referente às transmissões da empresa ou de estabelecimentos desta, integrados no âmbito de planos de recuperação de empresas) não tem qualquer relevância para o caso ora em análise.
Nestes termos, a alegação da ora Requerente de que, tendo a aquisição do prédio sido efectuada no âmbito da liquidação de determinada massa insolvente, a mesma está abrangida pela isenção de IMT prevista no n.º 2 do 270.º do CIRE é destituída de suporte legal.
Como bem assinala a Requerida, “no âmbito da interpretação da redacção anterior do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, o entendimento jurisprudencial tem sido uniforme no sentido de que terá de tratar-se de bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não os bens imóveis de pessoas singulares [como é aqui o caso: v. ponto i) da factualidade provada], com a única justificação de fazerem parte de um processo de insolvência”.
Neste mesmo sentido, vejam-se, e.g., os seguintes arestos: “A isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art. 270.º do CIRE aplica-se [...] às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, [...] [e] às vendas e permutas de imóveis (enquanto elementos do seu activo), desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.” (Ac. do STA de 20/1/2016, proc. 1350/15); “a [...] isenção [do n.º 2 do art. 270.º do CIRE] não abrange a venda de prédio urbano, destinado à habitação, que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, independentemente da mesma pertencer a pessoa singular ou colectiva (entidade empresarial).” (Ac. do STA de 3/7/2013, proc. 765/13).
No mesmo sentido, ainda que a respeito de isenção de IS (art. 269.º, al. e), do CIRE): “a referida isenção [do artigo 269.º, al. e)] não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, antes havendo de demonstrar-se que o bem vendido integra o activo de uma empresa” (Ac. do STA de 25/6/2013, proc. 866/13).
Reproduzindo, também, este último aresto – e entendendo que, ainda que respeitante a isenção de IS, o mesmo traduz o entendimento que corresponde à melhor interpretação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE – veja-se a DA que foi proferida em 15/2/2017, no proc. 514/2016-T (processo este relativo, também, a acto de liquidação de IMT): “As dúvidas interpretativas advêm da falta de clareza do texto deste n.º 2. Levanta-se, nomeadamente, a questão de saber se a referência a venda se reporta apenas à venda da empresa ou de estabelecimentos nela integrados ou abrange quaisquer imóveis, matéria sobre a qual existe já vasta jurisprudência quer do CAAD quer dos Tribunais Judiciais em especial ao que poderíamos denominar de amplitude da isenção de imposto aí prevista. Tal jurisprudência tem vindo a entender que resulta da letra do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE que o legislador incluiu na previsão da norma, não só a transmissão global do património da empresa insolvente, mas também a transmissão parcelar desse património, correspondente a um ou mais estabelecimentos da empresa insolvente e mesmo correspondente a meros imóveis (ainda que não estabelecimentos). Levanta-se ainda – e no que releva para o caso em apreço – a questão de saber se a isenção se estende às aquisições de imóveis efetuadas em processo de insolvência de pessoas singulares, designadamente, quando estas não têm atividade comercial ou quando, tendo-a, o imóvel adquirido não está afeto a essa atividade. Sobre essa questão, pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo [...]. Também neste CAAD, no Tribunal constituído no processo 13/2016, ainda que em sede de imposto de selo, se pronunciou no sentido de que a isenção [de IS prevista na alínea e) do artigo 269.º do CIRE] só se aplica relativamente a bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não a bens imóveis de pessoas singulares. É este o entendimento que nos parece corresponder à melhor interpretação da norma do artigo 270.º do CIRE: sendo o insolvente pessoa singular sem atividade comercial ou quando, tendo-a, o imóvel adquirido não ter sido afetado àquela atividade. Isto, porque se trata de uma norma que consagra um benefício fiscal, de natureza excecional, que não permite a aplicação analógica (não a mera interpretação extensiva) que, neste caso, se teria de fazer para que a isenção pudesse ser aplicada ao caso sub judice.”
Em resumo: não se vislumbram razões para contrariar o entendimento jurisprudencial acima elencado – e o artigo 234.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, também não procedeu à alteração daquela norma em termos que possibilitem uma interpretação que inclua na isenção de IMT prevista no n.º 2 do art. 270.º do CIRE a aquisição de imóvel por insolvente que seja (como se verifica no caso aqui em análise) pessoa singular.
2) Relativamente à alegada falta de fundamentação, verifica-se que não assiste razão à Requerente, uma vez que a fundamentação, ainda que sucinta, existe, é clara e congruente, e permitiu à ora Requerente entender o iter cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação em causa, possibilitando-lhe a reacção legal contra o mesmo.
Este tem sido o entendimento generalizado na jurisprudência, como se demonstra, por ex., pelo seguinte acórdão: “as exigências de fundamentação não são inflexíveis, podendo variar de acordo com o tipo de acto e o circunstancialismo concreto em que o mesmo foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae a que se refere o artigo 487.º, n.º 2, do C. Civil – fique conhecedor das razões de facto e de direito que lhe subjazem, de modo a permitir-lhe optar, de forma elucidada, entre a aceitação do acto ou a utilização dos meios legais de reacção, e de maneira a que, neste caso, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual. O dever de fundamentação fica assegurado sempre que, apesar da inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao teor expresso do acto, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram.” (Acórdão do TCAS de 18/9/2014, proc. 6789/13).
No mesmo sentido, veja-se, ainda, o seguinte aresto: “O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º, n.º 2, do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual. Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.” (Acórdão do STA de 12/3/2014, proc. 1674/13).
3) Como assinala a Requerida, no presente caso “não existiu nenhum ato constitutivo de direitos porque o benefício aqui em causa é um benefício automático nos termos do artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)”.
Concordando-se com a referida classificação do benefício fiscal ora em causa, conclui-se, consequentemente, que não ocorreu a alegada violação do disposto nos artigos 141.º, n.º 1, do CPA, e 58.º do CPTA.
Com efeito, e como bem salienta a Requerida, “o reconhecimento da isenção em causa neste processo é automático, decorre diretamente da lei e não existe uma análise prévia nem verificação prévia dos pressupostos da mesma. O que acontece é que o sujeito passivo apresenta uma declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º do CIMT, e só posteriormente é que a AT fiscaliza a verificação dos pressupostos conforme dispõe o artigo 7.º do EBF” (a este respeito, veja-se, também, o que dispõe o artigo 10.º, n.º 8, al. d), do CIMT).
4) Nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vd., por ex., o seguinte aresto: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Ac. do STA de 30/5/2012, proc. 410/12).
Ora, não tendo havido, como decorre do que se disse em 1), 2) e 3), erro imputável aos serviços, conclui-se pela improcedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.
***
V – DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se:
– Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se integralmente na ordem jurídica o acto de liquidação ora impugnado, e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.
– Julgar improcedente o pedido também na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.
Fixa-se o valor do processo em €7236,88 (sete mil duzentos e trinta e seis euros e oitenta e oito cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas a cargo da Requerente, no montante de €612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 1 de Junho de 2017.
O Árbitro
(Miguel Patrício)
***
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.