Decisão Arbitral
1. Relatório
Em 28-10-2016, a sociedade anónima A…, LDA, pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua …, n.º…, …, …-… Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º …, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação do ato tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de 5.850,00 €.
A Requerente refere que adquiriu, em 17-09-2015, o prédio misto, sito em …, União de freguesias de … e …, concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º… e a parte urbana está inscrita na matriz predial sob o artigo …, e a parte rústica está inscrita sob o artigo … . Antes da escritura, a Requerente apresentou perante o competente Serviço de Finanças a declaração para liquidação do IMT relativa à parte urbana, no valor de 5.850,00 €. A Requerente refere que esta liquidação foi emitida ao abrigo do artigo 17º n.º 1 alínea d) do Código do IMT.
A Requerente alega que apresentou a declaração para liquidação de IMT, mas por lapso manifesto não foi selecionada a opção de enquadramento de IMT calculado para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente à habitação, ao abrigo do artigo 17º n.º 1 alínea b) do Código do IMT.
A Requerente expõe que sempre pretendeu selecionar a opção da taxa de IMT de 1%, correspondente à alínea b) do n.º 1 do artigo 17º do Código do IMT, uma vez que a parte urbana se destina exclusivamente a habitação, pelo que, no seu entender, a liquidação de IMT deveria ser no valor de 900 €.
A Requerente apresentou, em 11-01-2016, reclamação graciosa da referida liquidação de IMT no valor de 5.850,00 €, que foi indeferida em 02-05-2015.
Em 01-06-2016, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que até à data da entrada do pedido arbitral, não tinha sido objeto de decisão.
A Requerente alega que juntou à reclamação graciosa documentos que comprovavam o erro manifesto da AT, e que esta desconsiderou os referidos documentos.
Mais alega a Requerente que não se entende o itinerário cognoscitivo da AT para desconsiderar o teor dos documentos juntos bem como para concluir pelo indeferimento da reclamação graciosa.
A Requerente faz referência aos artigos 268º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 36º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), e ainda vários acórdãos, no que se refere ao dever de fundamentação dos atos por parte da AT.
No entender da Requerente, a liquidação em apreço decorre da aplicação manifestamente indevida da taxa de IMT ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 17º do Código de IMT, uma vez que a parte urbana do prédio em causa se destina unicamente à habitação.
A Requerente insiste que o objeto da aquisição que a lei claramente beneficia é o prédio urbano destinado à habitação, tal como o adquirido por esta.
Mas, no entender a Requerente, não é possível aplicar a interpretação extensiva realizada pela AT à alínea b) do n.º 1 do artigo 17º do Código do IMT, como pretenso fundamento para concluir que a parte urbana não se destina exclusivamente à habitação.
Para a Requerente, deve considerar-se contrário ao princípio da confiança e da certeza e segurança jurídica, enquanto sub-princípios do princípio do Estado de Direito, que a AT possa utilizar, sobretudo ao nível de normas de atribuição de benefícios fiscais e no âmbito do mesmo imposto, os mesmos conceitos com significados opostos, para daí extrair encargos económicos sobre os contribuintes de forma pouco clara e transparente. E conclui afirmando que se verifica um erro de direito por parte da AT, por obrigar indevidamente a Requerente a pagar uma quantia de IMT não aplicável ao caso concreto.
A Requerente alega que a liquidação de IMT em causa nestes autos deve ser anulada por violação dos princípios da colaboração e boa fé, com o consequente reembolso das quantias indevidamente pagas, nos termos dos artigos 59º da Lei Geral Tributária (LGT), 99º alínea d) do CPTT e 266º da CRP.
Foi designada como árbitro único, em 28-12-2016, Suzana Fernandes da Costa.
Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1, alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 12-01-2017.
Notificada nos termos do artigo 17º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 15-02-2017.
A AT refere que a parte urbana do prédio adquirido, inscrita sob o artigo 1004, é um prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, com cinco divisões, com a seguinte descrição matricial: “moradia de casas de 1 pavimento fazendo parte de 1 prédio misto com 3 compartimentos e 2 compartimentos para serviço agrícola”.
Quanto ao vício de falta de fundamentação alegado pela Requerente, a AT refere que não se percebe se a Requerente assaca o alegado vício ao despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa ou ao indeferimento tácito do recurso hierárquico. E alega que o dever de fundamentação legal tem aplicação aos atos administrativos expressos e nunca aos atos tácitos, e conclui que o indeferimento tácito do recurso hierárquico não padece de vício de falta de fundamentação.
Em relação à decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a AT refere que os documentos juntos pela Requerente à reclamação graciosa não demonstravam que o prédio em questão se destinava à habitação. E conclui afirmando que a decisão está devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito.
Relativamente ao vício de ilegalidade do ato com fundamento em erro de direito, a AT alega que não se verifica qualquer erro de direito quanto a AT não aplica a taxa de imposto prevista no artigo 17º n.º 1 alínea b) do Código do IMT, a um prédio que não se destina exclusivamente a fins habitacionais, tal como se decidiu na decisão do CAAD do processo n.º 78/2012-T.
A AT faz referência ao facto de o imóvel em causa ser uno, e como tal, a taxa a aplicar, nos termos do artigo 17º do Código do IMT, ser necessariamente aquela que corresponde à totalidade do mesmo.
A AT também contradiz a posição da Requerente, ao afirmar que não fez qualquer interpretação extensiva à alínea b) do n.º 1 do artigo 17º do Código do IMT, mas apenas uma interpretação literal, fiel ao texto expresso da norma jurídica em causa.
A AT menciona que a parte urbana do prédio misto em causa nestes autos, não tem como destino exclusivo a habitação própria e permanente, nem exclusivamente a habitação nem, tão pouco, constitui um prédio rústico, já que se trata de um prédio urbano com cinco divisões, das quais duas se destinam a serviço agrícola. Assim, entende a Requerente que não poderia ser aplicada outra taxa de IMT ao prédio em questão que não a que foi aplicada.
Por fim, quanto à alegada violação do princípio da confiança e da certeza e segurança jurídica, a AT refere que não se verifica qualquer violação destes princípios, uma vez que o prédio de cinco divisões, em que duas se destinam a serviço agrícola, não é considerado para efeitos de IMT como exclusivamente afeto à habitação.
A Requerida, na sua resposta, protestou juntar o processo administrativo.
Em 06-03-2017, foi proferido despacho a ordenar a notificação da AT para, em 10 dias, juntar aos autos o processo administrativo.
A AT juntou o processo administrativo em 10-03-2017.
Em 04-04-2017, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, e a conceder o prazo de 15 dias para a Requerente e a Requerida, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas. No mesmo despacho, designou-se o dia 02-06-2017 para a prolação da decisão arbitral, e advertiu-se a Requerente para até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.
A Requerente veio, em 19-04-2017, juntar requerimento a informar que dá por reproduzido o anteriormente alegado na sua petição inicial, da qual constam os factos e a matéria de direito aplicável ao caso. E juntou o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.
Em 04-05-2017, a Requerida juntou requerimento dizendo que, quanto às alegações, se remetia para o aduzido em sede de resposta.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).
O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro.
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.
2. Matéria de facto
2. 1. Factos provados:
Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
1. A Requerente A…, LDA adquiriu, em 17-09-2015, por escritura pública de compra e venda, o prédio misto, sito em …, união de freguesias de … e …, concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º … e inscrito na matriz predial, a parte rústica inscrita na matriz sob o artigo…, e a parte urbana sob o artigo … .
2. A parte urbana corresponde a uma moradia de casas de um pavimento fazendo parte de um prédio misto com três compartimentos e dois compartimentos para serviço agrícola, conforme consta da caderneta predial junta com o processo administrativo.
3. A Requerente apresentou, antes da aquisição, perante o Serviço de Finanças competente a declaração para liquidação de IMT, tendo sido emitida a liquidação no valor de 5.850,00 €, junta ao pedido arbitral como documento 2.
4. A Requerente apresentou, em 11-01-2016, reclamação graciosa da referida liquidação de IMT no valor de 5.850,00 €, conforme documento 1 junto ao pedido arbitral.
5. A reclamação graciosa foi expressamente indeferida em 02-05-2015, conforme documento 1 junto ao pedido arbitral.
6. Em 01-06-2016, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, conforme documento 1 junto ao pedido arbitral, que até à data da entrada do pedido arbitral, não tinha sido objeto de qualquer decisão.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos.
3. Matéria de direito
3.1. Objeto e âmbito do presente processo
Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se a taxa de IMT foi devidamente aplicada pela AT no ato de aquisição, pela Requerente, do prédio acima identificado.
Nos termos do artigo 17º do Código do IMT, a taxa aplicável varia em função de dois aspetos essenciais, sendo o primeiro o tipo de prédio ou fração autónoma objeto de aquisição, e o segundo o destino dado a esse prédio ou fração autónoma.
Quanto ao destino dado ao prédio urbano ou fração autónoma, a lei distingue os prédios destinados exclusivamente a habitação própria e permanente do sujeito passivo adquirente, dos prédios destinados exclusivamente a habitação, e dos prédios urbanos.
Considerando estas distinções, o artigo 17º do Código do IMT estabelece as seguintes taxas:
“1 – As taxas de IMT são as seguintes:
a) Aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente:
Valor sobre que incide o IMT
( em euros)
|
Taxas percentuais
|
Marginal
|
Média (*)
|
Até 92 407
|
0
|
0
|
De mais de 92 407 e até 126 403
|
2
|
0,537 9
|
De mais de 126 403 e até 172 348
|
5
|
1,727 4
|
De mais de 172 348 e até 287 213
|
7
|
3,836 1
|
De mais de 287 213 e até 574 323
|
8
|
-
|
Superior a 574 323
|
6 (taxa única)
|
(*) No limite superior do escalão.
b) Aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação, não abrangidas pela alínea anterior:
Valor sobre que incide o IMT
( em euros)
|
Taxas percentuais
|
Marginal
|
Média (*)
|
Até 92 407
|
1
|
1
|
De mais de 92 407 e até 126 403
|
2
|
1,268 9
|
De mais de 126 403 e até 172 348
|
5
|
2,263 6
|
De mais de 172 348 e até 287 213
|
7
|
4,157 8
|
De mais de 287 213 e até 550 836
|
8
|
-
|
Superior a 550 836
|
6 (taxa única)
|
(*) No limite superior do escalão.
c) Aquisição de prédios rústicos – 5%;
d) Aquisição de outros prédios urbanos e outras aquisições onerosas – 6,5 %.”
À data em que se verificou o facto gerador do imposto, o imóvel adquirido não estava constituído em propriedade horizontal, pois tratava-se de um prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, com cinco divisões, com a seguinte descrição matricial: “moradia de casas de 1 pavimento fazendo parte de 1 prédio misto com 3 compartimentos e 2 compartimentos para serviço agrícola”, tal como consta da caderneta predial junta aos autos pela Requerida com o processo administrativo.
Assim, as diferentes unidades que compunham o prédio ainda não eram consideradas, do ponto de vista jurídico, como verdadeiras frações autónomas.
Este facto constitui, a nosso ver, um aspeto decisivo na aplicação da taxa de imposto, tal como entendeu a decisão do CAAD do processo n.º 78/2012-T.
Com efeito, em termos de afetação, não se podia considerar, à data da aquisição do imóvel, que o mesmo, considerando o regime de propriedade total que se verificava, estava exclusivamente afeto a habitação, como impõe a alínea b) do artigo 17º do Código do IMT.
O mesmo não sucederia se todas as unidades / frações não autónomas que o compunham, de um ponto de vista jurídico, estivessem afetas a esse fim em particular.
Com efeito, estamos perante um prédio urbano em regime de propriedade total em que uma parte de destinava a serviço agrícola e outra parte a habitação, a que correspondia uma e só uma inscrição na matriz predial.
Assim sendo, deve ser aplicável à totalidade do prédio a taxa residual de 6,5 %, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 17º do Código do IMT.
Alega a Requerente que, por lapso manifesto, não foi selecionada a opção de enquadramento de IMT calculado para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 17º do Código do IMT.
Ora, ainda que a Requerente tenha incorrido em erro na seleção do enquadramento, outra não poderia ser a taxa aplicável à aquisição em apreço senão a taxa de 6,5 %, conforme acima se demonstra.
Assim, tem que improceder o pedido da Requerente de anulação do ato tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de 5.850,00 €.
4. Decisão
Em face do exposto, determina-se julgar totalmente improcedente o pedido formulado pela Requerente, no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de 5.850,00 €.
5. Valor do processo:
De acordo com o disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 5.850,00 €.
6. Custas:
Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 612,00 €, devidas pela Requerente.
Notifique.
Lisboa, 2 de junho de 2017.
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.
O árbitro singular
Suzana Fernandes da Costa