Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 642/2016-T
Data da decisão: 2017-06-14  Selo  
Valor do pedido: € 40.060,90
Tema: Imposto do Selo - Verba 28.1 da TGIS - terrenos para construção
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Decisão Arbitral

 

 

I - Relatório

 

1. A A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua do … n.º …/…, no Porto, (doravante designada por “Requerente”) apresentou, em 27-10-2016, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pedido de pronúncia arbitral no qual solicita a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014 e da formação da presunção de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa que sustentou aquelas liquidações e o consequente reembolso do imposto indevidamente liquidado e pago em excesso no montante total de € 54.271,13 (cinquenta e quatro mil duzentos e setenta e um euros e treze cêntimos), acrescida dos respetivos juros legais.

 

2. As liquidações supra identificadas, emitidas ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante “TGIS”), referem-se aos prédios inscritos na matriz urbana sob os artigos n.ºs … e … sito na União de freguesias … e …, concelho de Matosinhos.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 11-11-2016.

 

4. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

 

5. As partes foram notificadas, em 28-12-2016, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 12-01-2017.

 

7. A Requerida, devidamente notificada através do despacho arbitral, de 20-01-2017, apresentou, em 20-02-2017, a sua Resposta e remeteu o Processo Administrativo.

 

8. O Tribunal Arbitral por despacho, de 08-03-2017, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por não ter sido invocada matéria de exceção, solicitada a realização de diligências probatórias adicionais, nem suscitadas questões que obstassem ao conhecimento do mérito do pedido, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (vd., artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT).

O Tribunal mandou também notificar as Partes para, no prazo de 10 dias, declararem se pretendiam produzir alegações. Caso houvesse lugar a alegações, o Tribunal determinou que estas deveriam ser produzidas no prazo de 15 dias a partir da notificação deste despacho, concedendo-se à Requerida, caso assim entendesse, a possibilidade de juntar as suas alegações com caracter sucessivo relativamente às produzidas pela Requerente.

O Tribunal Arbitral designou o dia 30-05-2017 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

9. A Requerente, em 10-03-2017, e a Requerida, em 24-03-2017, declararam ambas que pretendiam apresentar alegações por escrito.

10. A Requerente apresentou as suas alegações em 24-03-2017.

11. As alegações da Requerida foram apresentadas em 19-04-2017.

12. Por despacho do Tribunal Arbitral, de 29-05-2017, foi estabelecido o dia 15-06-2017 como nova data limite para ser proferida a decisão arbitral.

13. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações escritas, é, em síntese, a seguinte:

13.1. O conceito de terreno para construção, para efeitos fiscais, não é um conceito formal, mas antes um conceito material, dirigido às realidades para que foi formulado, traduzindo, no caso, a destinação potencial à construção. Ou seja, previamente ao exercício do direito de nele se vir a construir, o que existe é uma mera expectativa de poder vir a ser erigida uma construção. Nesse sentido, a titularidade do direito de propriedade sobre um terreno para construção, ainda que de valor superior a € 1 000 000,00 no qual não se encontra erigida qualquer construção, nem tão pouco autorizada ou prevista, não pode ser considerada uma manifestação de riqueza subsumível à verba 28.1 da TGIS.

13.2. Assim sendo, um terreno para construir não é nem pode ser considerado como um prédio afeto exclusivamente à habitação, sem mais. Na realidade, o terreno pode nunca vir a ser edificado; pode vir a sê-lo exclusivamente para fins comerciais; pode até vir a sê-lo simultaneamente para fins comerciais e ainda para habitação coletiva.

13.3. No caso sub judice entende a Requerente que, salvo melhor opinião, não pode nunca resultar da análise do Alvará que o terreno venha a ser afeto exclusivamente à habitação. Uma vez que a construção autorizada também prevê que os edifícios possam ter utilização para fins comerciais, e bem assim, para habitação coletiva.

13.4. A sujeição da taxa de 1%, prevista na verba 28.1 da TGIS, encontra-se dependente do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos, para além da propriedade do prédio: i) o VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, ser igual ou superior a € 1.000.000,00; ii) tratar-se de um terreno para construção; iii) a edificação autorizada e prevista para o mesmo ser exclusivamente para habitação, nos termos do Código do IMI.

13.5. No caso sub judice o terceiro requisito, referido no n.º anterior, não se encontra verificado, uma vez que o terreno não tem uma edificação, autorizada ou prevista, exclusivamente afeta à habitação.

13.6. Resulta, pois demonstrado que não se encontram preenchidos os requisitos cumulativos de que a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS faz depender a sua aplicação, pelo que verifica-se um vício de violação de lei e, consequentemente, deverá considerar-se que a tributação em causa é indevida, devendo os atos de liquidação do Imposto do Selo em causa ser anulados por força da ilegalidade de que padecem.

13.7. A Requerente encontra-se inscrita com o CAE:41100 e tem como objeto social a promoção imobiliária, concretamente o desenvolvimento de projetos de edifícios. Ora quando os imóveis são detidos por empresas imobiliárias, como a Requerente, não se está perante uma capacidade acrescida, mas antes perante uma mera matéria-prima, um fator produtivo natural. Assim, nestes casos, esta norma penaliza e discrimina estas empresas face às empresas que se dedicam a outros sectores de atividade e que não necessitam, para o escopo do seu objeto social, de deter terrenos para construção com afetação prevista ou aprovada para habitação. Ora tal discriminação é claramente violadora do Princípio da Igualdade estatuído no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

13.8. O princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º da CRP, tem como corolário, no domínio tributário, o princípio da capacidade contributiva. Não se afirma, por conseguinte, que o Legislador teve a intenção de discriminar o setor imobiliário. Contudo, o resultado da aplicação de tal norma implica a penalização deste sector e, no caso sub judice, a penalização da Requerente, sem que esta tenha revelado qualquer capacidade económica acrescida.

13.9. Consequentemente, as liquidações em apreço, tal como os atos tributários que a sustentam, enfermam de vício de violação de lei, por consubstanciar erro sobre os pressupostos de direito a aplicação de uma norma materialmente inconstitucional, devendo ser anulada.

13.10. Sucede que, ainda que assim não se entenda, também se refira que constitui igualmente uma discriminação desprovida de “fundamentação racional” tributar terrenos para construção com afetação habitacional que, pese embora com um VPT superior a € 1.000.000,00, não tenham como destino a construção de edificação com um VPT superior a € 1.000.000,00.

13.11. Quando esta norma se aplica a contribuintes, independentemente da sua capacidade contributiva, como no caso presente à Requerente, esta norma é simplesmente discriminatória e violadora do Princípio da Igualdade.

13.12. Acresce que esse Tribunal já se pronunciou, quanto à mesma questão de facto e de Direito, tendo concluído, no processo n.º 490/2016-T, de 15-02-2017, e no processo n.º 645/2016-T, no sentido que “…No tocante aos terrenos para construção, apenas estão abrangidos pelo âmbito de incidência da Verba 28.1 da TGIS aqueles para os quais esteja autorizada ou prevista edificação para fins habitacionais…” e que “… estão excluídos da sujeição à Verba 28.1 da TGIS, os terrenos para construção relativamente aos quais esteja autorizada ou prevista edificação para outros fins que não os habitacionais, nomeadamente, para fins comerciais, industriais ou para serviços…

14. A posição da Requerida, expressa na resposta e nas alegações escritas, pode ser sintetizada no seguinte:

 

14.1. No que diz respeito aos prédios inscritos na matriz urbana sob os artigos n.ºs … e … da união das freguesias de … e …, concelho da Matosinhos, alega a requerente que não tem qualquer edificação autorizada ou prevista, apenas existe o alvará de loteamento que prevê a construção de habitação coletiva e de comércio. Sem olvidar os factos supra alegados pela requerente, não podemos, no entanto, concordar que para aqueles terrenos não esteja prevista a construção de habitação.

 

14.2. Conforme consta do processo administrativo n.º …/2017 enviado pelo SF Matosinhos …, e, desde logo, pelo procedimento de avaliação, que diga-se não foi contestado, os terrenos destinam-se a habitação, tendo um fator de localização de 1,90, tendo sido efetuada com base nos elementos declarados pelo contribuinte na declaração modelo 1 de IMI, para inscrição do prédio na matriz, conforme consta da notificação da avaliação, e foi fixado o VTP de € 1.975.450,00 e de € 2.030.640,00.

 

14.3. Os referidos prédios têm as características constantes da definição de terreno para construção, para efeitos da verba 28.1 da TGIS, na redação dada pela Lei 83-C/2013, ou seja, terreno para construção com afetação habitacional, nos termos do disposto no Código do IMI, sem que, para efeitos de liquidação do Imposto do Selo, se tenha expurgado do valor, a área não afeta a habitação, porque não consta da avaliação e esta não foi contestada, e por isso mesmo também não consta da matriz que serve de base à liquidação do Imposto do Selo.

 

14.4. As liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 83-C/2013, que expressamente prescreve que os terrenos para construção como elemento objetivo de incidência da norma. Estamos, portanto, perante um legítimo critério de diferenciação racional e lógico, em nada violador dos ditames constitucionais, que impõe a limitação de incidência da tributação em causa aos prédios habitacionais de luxo ou com afetação habitacional, com exclusão e em detrimento dos prédios com afetações estritamente económicas.

 

14.5. O facto de o legislador estabelecer um valor (€1.000.000,00) como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha do legislador quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretende tributar de modo mais gravoso. Assim sendo, e integrando o edifício em propriedade total com partes ou divisões suscetíveis de utilização independente (propriedade dita vertical) o conceito jurídico tributário de "prédio", ou seja, uma única unidade, o valor patrimonial tributário do mesmo é determinado pela soma das partes com afetação habitacional, e, sendo este igual ou superior a € 1.000.000,00, há sujeição ao Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS. Nestes termos, a previsão da verba 28.º da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade do art.º 13.º da CRP.

 

14.6. Com efeito, a verba 28.1 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel. Trata-se, repita-se, de uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito.

 

14.7. Contudo, para se poder afirmar que a criação da verba 28.1 da TGIS viola o princípio da proporcionalidade fiscal teria de se verificar uma manifesta desadequação entre a legislação aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, os meios empregues nessa prossecução e os objetivos de receita que se visavam alcançar. Ou seja, teria de se verificar a existência de um erro manifesto na análise feita pelo legislador que, no âmbito da sua liberdade conformadora, não haveria ponderado devidamente, e em concreto, a relação custo/benefício desta medida legal.

 

14.8. A verba 28.1 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00 ou seja, incide sobre o valor do imóvel. Efetivamente a realidade fáctico-jurídica selecionada pelo legislador para constituir a base da incidência do imposto é o prédio em si considerado, em atenção à sua afetação e ao seu valor patrimonial tributário, não o património predial global dos sujeitos passivos.

 

14.9. Quanto à questão da inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS por alegada violação os princípios da igualdade perante os encargos públicos, da repartição justa dos rendimentos e da riqueza, da proporcionalidade e da confiança e da segurança, sempre se dirá que a norma é constitucional em todas as suas vertentes.

 

14.10. De acordo com a Informação do SF da …, de 15.02.2017, junta ao PA, aos terrenos para construção em apreço foi atribuída, em sede de avaliação, a afetação habitacional, o que determinou a sua sujeição à Verba 28.1 da TGIS, na atual redação. Assim, independentemente de o Alvará de Loteamento trazido aos autos prever a construção de habitação coletiva, com uma percentagem de área afeta a comércio e a aparcamento, esta área não se refletiu na avaliação dos terrenos e, por consequência, no VPT apurado.

14.11. Resulta da prova trazida aos autos que os prédios inscritos sob os artigos n.ºs … e … da matriz urbana da União das Freguesias de … e …, concelho da Matosinhos, são terrenos para construção para efeitos da verba 28.1 da TGIS, com a redação dada pela Lei 83-C/2013, ou seja, terrenos para construção com afetação habitacional, nos termos do disposto no Código do IMI.

14.12. Em conclusão, os atos de liquidação impugnados correspondem a uma correta interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 83-C/2013, em respeito aos princípios constitucionais da legalidade tributária e da tipicidade.

 

 

II - Saneamento

15. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Não foram suscitadas exceções.

Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

III - Mérito

III.1. Matéria de facto

16. Factos provados

16.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A)    A A… S.A., é proprietária dos prédios urbanos sitos na … e … e Avenida … n.º…, inscritos na matriz predial urbana sob os artigos n.º s … e … da União de Freguesias de … e …, concelho de Matosinhos, distrito do Porto.

 

B)    Os prédios identificados na alínea anterior estão descritos nas Cadernetas Prediais respetivas como “Terreno para construção”.

 

C)    Os prédios, identificados na alínea A), estão abrangidos pelo Alvará de Loteamento n.º …/91, objeto da alteração n.º …/07, de 10 de julho. O referido Alvará prevê a construção de sete lotes (numerados de 2 a 8) com os seguintes destinos: Lote 2 e 8 - habitação coletiva; Lote 3, 4, 5 e 6 - habitação coletiva e comércio; Lote 7 - habitação coletiva e escritórios.

D)    O Serviço de Finanças de Porto-… emitiu, em 20-03-2015, relativamente aos prédios identificados na alínea A), as liquidações de Imposto do Selo, referentes ao ano de 2014, que constam do seguinte quadro:

N.º liq.

Artigo

M. Coletável

Taxa

Coleta

Valor

2014 …

2 675 953,36

1%

26 759,53

8 919,84 -1ª prest.

8 919,84 -2ª prest.

8 919,84 -3ª prest.

2014 …

2 751 118,07

1%

27 511,18

9 170,39 -1ª prest.

9 170,39 -2ª prest.

9 170,39 -3ª prest.

 

 

E) Devido á avaliação realizada pela Administração Fiscal os valores patrimoniais tributários dos prédios inscritos sob os artigos n.ºs … e … foram alterados respetivamente para €1 975 450,00 e para €2 030 549,00. Em consequência as liquidações, identificadas na alínea anterior, foram objeto de correção, em 14-05-2015, e passaram a ser as que constam do quadro seguinte:

N.º liq.

Artigo

M. Coletável

Taxa

Coleta

Valor

2014 …

1 975 450,00

1%

19 754,50

6 584,83-1ª prest.

6 584,83-2ª prest.

6 584,83-3ª prest.

2014 …

2 030 640,00

1%

20 306,40

6 768,80 -1ª prest.

6 768,80 -2ª prest.

6 768,80 -3ª prest.

 

 

F)     Em virtude da Requerente ter pago, em 30-04-2015, os valores das 1ªs prestações das liquidações referidas na alínea D), ou seja, €8 919,84 (para o prédio inscrito sob o artigo n.º…) e €9 170,39 (para o prédio, inscrito sob o artigo n.º…) a Administração Tributária e Aduaneira, em 14-05-2015, recalculou os valores das 2ªs e 3ªs prestações, nos termos do quadro seguinte:

 

 

 

N.º liq.

Artigo

M. Coletável

Taxa

Coleta

Valor

2014 …

1 975 450,00

1%

19 754,50

8 919,85-1ª prest.

5 417,33-2ª prest.

5 417,32-3ª prest.

2014 …

2 030 640,00

1%

20 306,40

9 170,40 -1ª prest.

5 568,00 -2ª prest.

5 568,00 -3ª prest.

 

(Cfr., fls. 78 e 79 do Processo Administrativo)

G) As liquidações de Imposto do Selo, identificadas nas alíneas anteriores, foram notificadas à Requerente através dos documentos seguintes:

i) Prédio com artigo matricial …: Documento n.º 2015 … referente à 1.ª prestação no valor de € 8 919,85; Documento n.º 2015 … referente à 2.ª prestação no valor de € 5 417,33; Documento n.º 2015 … referente à 3.ª prestação no valor de € 5 417,32.

ii) Prédio com artigo matricial …: Documento n.º 2015 … referente à 1.ª prestação no valor de € 9 170,40; Documento n.º 2015 … referente à 2.ª prestação no valor de € 5 568,00; Documento n.º 2015 … referente à 3ª prestação no valor de € 5 568,00.

H) As liquidações de Imposto do Selo, referidas na alínea anterior, no valor total de € 40 060,90 foram integralmente pagas pela Requerente.

I) Em 29-03-2016, a Requerente interpôs reclamação graciosa dirigida ao Chefe de Serviço de Finanças Porto-…, que recebeu o n.º…2016…, contra os atos de liquidação de Imposto do Selo identificados na alínea D).

J) A Administração Tributária e Aduaneira não proferiu qualquer decisão sobre a reclamação graciosa identificada na alínea anterior.

16.2. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

16.3. Fundamentação da matéria de facto

Quanto à matéria de facto dada como provada a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação da prova documental junta aos autos, cuja autenticidade não foi colocada em causa, bem como na análise do processo administrativo remetido pela Requerida.

III.2. Matéria de Direito

17. A Requerente impugna as liquidações de Imposto do Selo, supra identificadas, com os fundamentos seguintes: (i) ilegalidade decorrente da errónea interpretação da verba n.º 28. 1 da TGIS, porque a mesma incide somente sobre terrenos para construção com afetação exclusiva de habitação, o que não se verifica no caso dos terrenos em apreço; (ii) ilegalidade decorrente do erro sobre os pressupostos de Direito por aplicação de uma norma materialmente inconstitucional, com violação dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade.

Cumpre apreciar.

18. Começaremos por analisar a questão de saber se os dois prédios, em causa nos autos, estão abrangidos no âmbito de aplicação da verba 28.1 da TGIS, na redação conferida pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

 

19. A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu diversas alterações ao Código do Imposto do Selo e, através do artigo 4.º, aditou a verba 28 na TGIS, com a seguinte redação:

“28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.”

 

Posteriormente, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014), através do artigo 194.º, alterou a redação da verba 28.1 da TGIS, que passou a ter o seguinte teor:

“28.1- Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI— 1%.”

A nova redação dada à verba 28.1 da TGIS, pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, alarga o âmbito de incidência objetiva da norma ao incluir expressamente os terrenos para construção, desde que possuam edificação para habitação autorizada ou prevista.

A redação da verba 28.1 da TGIS resultante do disposto na Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, é aplicável ratione temporis à situação sub judice.

A demonstração de que um prédio tem uma edificação para habitação autorizada ou prevista vai muito para além da inscrição matricial. Efetivamente, a inclusão de terrenos para construção na verba 28.1 da TGIS pressupõe que existe uma previsão ou expectativa de edificação para habitação que se concretiza através do cumprimento de exigências legais e administrativas necessárias á referida edificação. A este propósito ANTÓNIO SANTOS ROCHA e EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS (in Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotado e Comentado), Almedina, 2015, pp. 44) afirmam:

No que se refere aos terrenos para construção, quer estejam ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma (CIMI), devem como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida:

·         licença para operação de loteamento,

·         licença para construção,

·         autorização para operação de loteamento,

·         autorização de construção,

·         admitida comunicação favorável de operação de loteamento ou de construção,

·         emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como

·         aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para este efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituado pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no artigo 875.º do CC.” (Fim de citação)

As exigências legais e administrativas, acima expostas, constituem um dos requisitos necessários à inclusão dos terrenos para construção na verba 28.1 da TGIS. Consequentemente, a aplicação desta verba da TGIS só é possível quando além da inscrição matricial de um imóvel como sendo “terreno para construção” exista o reconhecimento administrativo da potencialidade de edificação para habitação no referido terreno.

Sobre o sentido da verba 28.1 da TGIS, na redação dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, concordamos com a posição adotada no Acórdão do CAAD, de 19 de abril de 2016, proferido no proc. n.º 578/2015-T, e do qual transcrevemos (pp. 16):

“(…) a incidência do imposto do Selo aos terrenos para construção não se pode materializar com a mera inscrição dos mesmos, como tais, na matriz, mas antes, e de forma decisiva, pela verificação da efetiva potencialidade de edificação nos referidos terrenos (a qual deve ser apurada in casu e revelada através da existência dos documentos supra descritos). O mesmo é dizer, por outras palavras, que a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1, só se materializa com a verificação da “afetação efetiva”, para utilizar a feliz expressão de JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES (ob. cit., p. 507). Sem essa demonstração da efetiva potencialidade de edificação (…) não se mostram cumpridos os propósitos subjacentes à nova redação do texto legal da verba 28.1 da TGIS ” (Fim de citação)

 

20. A caderneta predial, junta aos autos, comprova que os prédios em causa estão descritos como “terreno para construção”.

Embora os prédios em causa nos presentes autos arbitrais estejam matricialmente inscritos como sendo “terreno para construção” tal não legitima a aplicação automática da verba 28.1 da TGIS, uma vez que, a mera inscrição matricial não constitui, por si só, demonstração de que um prédio tem uma edificação para habitação autorizada ou prevista.

A Requerente afirma que os prédios em causa “(…) não tinham, em 2014, qualquer edificação ou construção erigida sobre o seu solo, tratando-se de meros terrenos para construção;” (Cfr., n.º 4, b), do Pedido de Pronuncia Arbitral).

Acresce, que se encontra junto aos presentes autos o Alvará de loteamento, identificado na alínea C) do ponto 16.1. da presente decisão, que atesta que os prédios em causa estarão afetos ao comércio e à habitação coletiva.

Assim, da análise dos presentes autos arbitrais resulta que não ficou demonstrado que os prédios em causa, descritos como terrenos para construção, tenham edificação, autorizada ou prevista, exclusivamente para habitação como impõe a verba 28.1 da TGIS.

 

21. Atendendo à factualidade objeto dos presentes autos arbitrais e em face do exposto nos n.ºs anteriores, concluímos pela ilegalidade das liquidações do Imposto do Selo, devido a erro imputável à Administração Tributária na aplicação da verba 28.1 da TGIS aos prédios em causa.

Consequentemente, concluímos pela condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar as quantias pagas pela Requerente (vd., alínea H) do ponto 16.1. da presente decisão) relativas às liquidações de Imposto do Selo referidas, nos termos do disposto no artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

22. A Requerente alega ainda a inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, com a redação dada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva.

Considerando o disposto no artigo 124.º do Código de Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, e devido à declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação objeto do presente processo, expressa no n.º anterior, fica prejudicado o conhecimento do vício de inconstitucionalidade invocado pela Requerente.

23. Cabe agora proceder à análise do pedido da Requerente, formulado no Pedido de Pronuncia Arbitral e nas Alegações, para o pagamento “dos respetivos juros legais”.

Com fundamento no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT tem-se entendido que é possível o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais.

Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

A condição necessária para a atribuição dos juros indemnizatórios consiste na demonstração da existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços da Administração Fiscal.

No presente caso a Autoridade Tributária e Aduaneira fez uma errónea aplicação da verba 28.1 da TGIS aos referidos prédios, conforme o referido nos pontos n.ºs 20 e 21 da presente decisão arbitral, a qual conduz à anulação dos atos tributários em causa e ao consequente reembolso das quantias pagas pela Requerente. Assim, conclui-se, sem necessidade de mais considerações, pela procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.

IV - Decisão

Em face do exposto, o Tribunal decide:

-    Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular, com todas as consequências legais, as liquidações de Imposto do Selo, referentes ao ano de 2014, com os n.ºs. 2014 … e 2014 … .

- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente.

 

V - Valor do Processo

Atendendo à matéria de facto provada (vd., alíneas F), G) e H) do n.º 16.1. da presente decisão arbitral) e ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 40.060,90 (quarenta mil e sessenta euros e noventa cêntimos).

 

VI - Custas

Custas a cargo da Requerida, no montante de € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.

Notifique-se.

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 14 de junho de 2017

 

O Árbitro

 

Olívio Mota Amador

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.