Decisão Arbitral
I – Relatório
1. No dia 29 de Setembro de 2016, A…, com o NIF … e domicílio fiscal na Rua …, n.º…, …, …-…, Lisboa, veio, nos termos do art.º 10º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), requerer a constituição de tribunal arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e respectiva anulação, da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º …2012… interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ..2012…, e consequente anulação da Liquidação de IRS referente ao ano de 2007 com n.º 2011…, assim como a condenação da Administração Tributária (AT) no reembolso do montante de € 14.488.83 (catorze mil quatrocentos e oitenta e oito euros e oitenta e treze cêntimos), pago pelo Requerente na sequência da notificação da referida liquidação, acrescido dos juros devidos. Para além da procuração e do comprovativo de pagamento da taxa de arbitragem inicial, juntou cinco documentos.
2. No Pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro tendo sido por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
3. O tribunal arbitral ficou constituído em 19 de Dezembro de 2016.
4. A Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) enviou, em 31 de Janeiro de 2017, a sua Resposta e o processo administrativo (PA).
5. Em 26 de Abril de 2017 realizou-se a inquirição de testemunhas e o tribunal fixou o prazo para apresentação de alegações escritas, sucessivas (que vieram a ser apresentadas em 10 e 22 de Maio de 2016, respectivamente), indicando que a sentença arbitral seria proferida até ao dia 18 de Junho de 2017.
6. O Pedido de Pronúncia
O Requerente sustenta, em síntese (da nossa responsabilidade):
- Em 17 de Janeiro de 2007, o Requerente e outra pessoa adquiriram, pelo valor de € 190.000, a fracção autónoma L, correspondente ao quarto andar esquerdo duplex, destinado a habitação, sito no número … da Rua …/número … da …, em Lisboa.
- Na escritura de compra e venda, pela qual o Requerente adquiriu 50% da propriedade do referido imóvel (equivalente ao valor de € 95.000), os adquirentes declararam que a mesma se destinava a habitação própria e permanente, tendo-a efectivamente destinado a essa finalidade.
- No mesmo ano de 2007 (através de escritura realizada em 10 de Julho), o Requerente e a outra comproprietária, procederam a alienação da fracção por € 380.000, sendo o valor de € 190.000 imputável ao Requerente.
- Na declaração de IRS correspondente a 2007, o Requerente declarou o reinvestimento do valor de realização do imóvel noutro imóvel afecto a habitação própria e permanente, reinvestimento esse que veio efectivamente a ocorrer ainda em 2007, tendo o Requerente passado a utilizar esse outro imóvel como habitação própria e permanente.
- Apesar da junção de documentos em sede de audição prévia, designadamente o atestado passado pela Junta de Freguesia da … e contrato de fornecimento de gás com a sociedade B…, SA, celebrado em 20 de Janeiro de 2007 e rescindido em 28 de agosto de 2007, assim como as respectivas facturas, a AT não aceitou a aplicação do regime de reinvestimento previsto no art.º 10º, n.º 5, do CIRS por entender que o Requerente não teve habitação própria e permanente no ano fiscal de 2007 naquela primeira fracção, e emitiu a liquidação de IRS n.º 2011 …, no montante de € 14.488,80, acto que foi objecto de reclamação graciosa, e posteriormente recurso hierárquico, ambos indeferidos.
- O entendimento da AT de que o art.º 10.º, n.º 5, do CIRS exige que “o imóvel gerador das mais-valias correspondesse à residência habitual do sujeito passivo beneficiário dos rendimentos, ou seja, ao seu domicílio fiscal”, viola os princípios da legalidade e da proporcionalidade (artigos 103º, n.º 2 e 165º, n.º 1, al. i) da CRP, art.º 8º da LGT e 46º do CPPT).
- Tendo ficado amplamente demonstrado nos autos que o Requerente tinha a sua habitação própria e permanente no imóvel alienado no ano de 2007, o mesmo não pode deixar de beneficiar da exclusão de tributação prevista na al. b) do n.º 10 do art.º 5.º do Código do IRS, que exige que o imóvel alienado se destine a habitação própria e permanente, não sendo exigível, ao contrário do que entende a AT que o Requerente tivesse o seu domicílio fiscal no imóvel em causa.
- Habitação própria e permanente e domicílio fiscal são conceitos diferentes, com significados diferentes e consequências legais diferentes, sendo a circunstância de o Requerente - por mero lapso - não ter imediatamente alterado a sua residência fiscal para o imóvel em causa (que foi detido pelo Requerente apenas durante um curto espaço de tempo), absolutamente irrelevante para efeitos do art.º 10º, n.º 5 do Código do IRS, que exige apenas e somente a habitação própria e permanente do sujeito passivo.
- Se o domicílio fiscal registado é um indício de habitação própria e permanente não é a mais certa e muito menos a única prova da habitação própria e permanente – tem sido entendido, por exemplo, que os unidos de facto podem optar pelo regime de tributação previsto no CIRS desde que consigam comprovar a verificação dos pressupostos da união de facto.
- E no caso dos autos, sendo o CIRS omisso quanto à necessidade de o sujeito passivo ter o seu domicílio fiscal na sua habitação própria e permanente – como acontece no art.º 46.º do EBF quanto à isenção de IMI prevista para prédios destinados à habitação própria e permanente - isso significa que tal não é efectivamente necessário para efeitos do regime de reinvestimento do valor de realização.
- Assim, face à prova documental já efectuada e prova testemunhal, a realizar, deve ser aplicado o art.º 10.º, n.º 5, do CIRS que não faz qualquer referência ao conceito de “domicílio fiscal”, mas apenas ao conceito de “habitação própria e permanente”.
- Se se pudesse considerar que existe uma presunção de que a habitação própria e permanente de determinado sujeito passivo de IRS corresponde à morada comunicada à AT (i.e. ao domicílio fiscal), poderia o benefício ser atribuído a quem não tivesse aí habitação própria e permanente.
- E a existir tal presunção, seria ilidível, o que fez o Requerente, pelo que são ilegais a correcção levada a cabo pela AT, bem como a liquidação em referência que a materializa.
- O entendimento defendido tem sido quase uniforme nos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD (por ex. proc. 103/2013- T, 739/2014-T, 696/2015-T e 37/2013-T).
- A interpretação da AT é ilegal por violação do n.º 5 do art.º 10º do CIRS e inconstitucional por violação dos princípios da reserva parlamentar (165º, n.º 1, al. i) e 103º da CRP) e da proporcionalidade, já que seria manifestamente desproporcionado que sem base legal o Requerente ficasse impedido de beneficiar do regime de exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização apenas por não ter, por mero lapso, comunicado em tempo a sua alteração de domicílio fiscal.
- Deve o presente pedido de pronúncia ser considerado inteiramente procedente, anulando-se a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e a liquidação de IRS do exercício de 2007, e reembolsando-se o Requerente do montante € 14.488,33 indevidamente pago na sequência da referida liquidação, sendo ainda pagos aos Requerentes juros indemnizatórios sobre o montante indevidamente pago, nos termos dos artigos 43º da LGT e 61º do CPPT, bem como os juros de mora se a eles houver lugar.
7. A Resposta
A Requerida respondeu, em síntese (da nossa responsabilidade):
- Sem adoptar uma interpretação estritamente literal, e recorrendo aos elementos de interpretação das leis (artigos 11º, nº1, da LGT e 9º, nº 1 do Código Civil), recusa-se a interpretação do Requerente de que a correspondência entre domicílio fiscal e habitação própria e permanente teria que ser expressamente prevista pelo legislador no nº 5 do artigo 10º do CIRS, como condição de exclusão de tributação de ganhos obtidos (nº 1 do mesmo artigo).
- O facto de não se encontrar expressamente consagrado no artigo 10.º do CIRS que se considera existir afectação a habitação própria e permanente do sujeito passivo do imóvel onde este fixar o seu domicílio fiscal, não significa que tal não resulte da globalidade das normas fiscais aplicáveis quando interpretadas de acordo com os vários elementos de hermenêutica jurídica, para tal apontando o elemento sistemático, o confronto com outras normas do sistema.
- Tendo em conta o artigo 19.º da LGT, conclui-se que a comunicação do domicílio fiscal é obrigatória e só com esta o domicílio fiscal declarado pelo sujeito passivo goza de eficácia perante a AT.
- E do artigo 43.º do CPPT, plenamente aplicável ao caso, obriga à participação de alteração do domicílio.
- E o disposto no artigo 10.º do CIRS deve ser interpretado de forma conjugada e não em desarmonia com o disposto no 42.º do EBF, resultando manifesto do seu confronto com os artigos 19.º da LGT e artigo 43.º do CPPT que, do ponto de vista fiscal, os conceitos de habitação própria e permanente e de domicílio fiscal devem coincidir entre si, sendo que o domicílio fiscal declarado perante a AT é um requisito legal imprescindível para que o contribuinte possa beneficiar da exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente.
- Quanto ao elemento teleológico das normas em causa, o dever de comunicação do domicílio fiscal tem subjacente uma clara finalidade de certeza e de segurança jurídicas, e a fixação e comunicação do domicílio fiscal à AT é um requisito formal de que o legislador faz depender a exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente, prevista no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS.
- A interpretação defendida pelo Requerente vai contra o espírito do legislador, fazendo uma interpretação contra legem das normas fiscais aplicáveis ao caso; se se admitisse a interpretação defendida pelo Requerente, muito mal andaria a Administração Tributária, do ponto de vista da segurança e certeza jurídicas, na medida em que, abriria a porta à possibilidade de um mesmo sujeito passivo declarar determinado imóvel como sendo o seu domicílio fiscal, para efeitos do gozo da isenção de IMI para a habitação própria e permanente e de outro para efeitos de exclusão de tributação por reinvestimento de mais-valias (ou de muitas outras vantagens fiscais dependentes do local de fixação da habitação própria e permanente), na medida em que, para provar o local da habitação própria e permanente e beneficiar dessas vantagens fiscais, bastaria apresentar correspondência endereçada à morada do imóvel em causa.
- Só a obrigatoriedade de comunicação do domicílio fiscal como requisito formal à operacionalização da exclusão de tributação por reinvestimento de mais-valias para habitação própria e permanente se coaduna com uma interpretação sistemática das leis fiscais, bem como com a finalidade subjacente ao espírito do legislador (neste sentido cita-se o Acórdão do TCAS no proc. n.º 04550/11).
- Quanto à alegação de violação do princípio da legalidade (artigos 103, nº 2 e 165º, nº 1, al. I) da CRP e 8º da LGT), a interpretação e aplicação das normas jurídicas propugnadas pelo Requerente, é que se mostra contrária à lei e violadoras do princípio da legalidade tributária e do princípio da tipicidade, ao introduzir uma total incerteza na aplicação do regime e na atribuição dos benefícios fiscais dependentes da fixação da habitação própria e permanente e da declaração do domicílio fiscal
8. Alegações
Nas alegações as Partes reproduziram, no essencial, os argumentos constantes das peças iniciais.
9. Objecto do pedido
A questão fundamental objecto do presente Pedido é saber se o Requerente, ao alienar um imóvel anteriormente adquirido sob declaração de ser destinado a habitação própria e permanente, reunia efectivamente as condições para usufruir do regime previsto no nº 5 do artigo 10º do Código do IRS de exclusão tributária dos ganhos provenientes de transmissão de habitação própria e permanente, sujeitos a incidência na alínea a) do nº 1 do mesmo artigo.
Para além das questões referentes à prova, é suscitada como questão jurídica decisiva a interpretação do conceito de “habitação própria e permanente” exigido, como condição de exclusão de incidência tributária, na referida disposição (artigo 10º do CIRS), e sua articulação com as normas relativas a domicílio fiscal, designadamente o artigo 19º, nº 2, da LGT e o artigo 43º do CPPT.
10. Saneamento
O tribunal arbitral singular é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.
II Fundamentação
11. Factos provados
11.1. Em 17 de Janeiro de 2007, o Requerente, A…, adquiriu, em compropriedade com C…- 50% cada um deles - a fracção autónoma correspondente ao quarto andar esquerdo do nº … da Rua …/ nº … da Travessa de …, Freguesia da …, em Lisboa, pelo preço de € 190.000 (Escritura de compra e venda, PA, anexo 1, fls. 49 a 52).
11.2. Na referida escritura de compra e venda, indica-se como residência dos compradores a Rua …, nº…, …, Lisboa, sítio onde o Requerente tinha o seu domicílio fiscal (Doc. nº 3 junto com o Pedido e informação do SF, PA, anexo 2, fls. 22).
11.3. Em 14 de Março de 2007, o Requerente alterou o seu domicílio fiscal de Rua …, nº …, …, Lisboa para Rua do…, nº…, …, em Lisboa domicílio que manteve até 2009, quando o alterou para Rua da …, …, ... do em Lisboa. (PA, Anexo 3, fls. 28).
11.4. Em 10 de Julho de 2007, o Requerente e a outra comproprietária venderam, por 380 mil euros, o imóvel objecto dos autos, a D… e E… (PA, anexo 1, fls. 54 a 60).
11.5. Os compradores do referido imóvel em 10-07-2007, D… e E…, declararam, na escritura de compra e venda, serem ambos residentes na Rua …, nº…, …, em Lisboa, e destinarem a fracção adquirida para sua habitação própria e permanente (PA, anexo 1, fls. 54 a 60).
11.6. Na escritura de compra e venda referida no número anterior, os vendedores declararam ser residentes, o Requerente, na Rua…, nº…, …, em Lisboa, e C…, na …, nº…, …, Oeiras (PA, anexo 1, fls. 54 a 60).
11.7. Em 25 de Setembro de 2008, o Requerente entregou uma declaração de IRS, de substituição[1], referente ao ano de 2007, indicando reinvestimento do valor de realização do imóvel noutro imóvel afecto a habitação própria e permanente (PA, anexo 1, fls. 68 e ss. e 82).
11.8. Com base numa informação enviada pelo Serviço de Finanças de Lisboa … (ofício nº…, de 20-09-2011), o Serviço de Finanças de Lisboa …, através do ofício nº…, datado de 17 de Outubro de 2011, notificou o Requerente para esclarecer, através do exercício de direito de audição prévia, incorrecções detectadas na sua declaração de IRS (PA anexo 1, parte 1, fls. 42 a 44, PAT 33/2016, fls.5).
11.9. Em 31 de Outubro de 2011, a Junta de Freguesia da … emitiu, no uso de competência concedida pela alínea p) do nº 6 do artigo 34º da lei nº 169/99, alterada pela Lei nº 5-A/2002, de 11/1, atestando que “na base de informações colhidas, cujos elementos se encontram arquivados”, que o Requerente “residiu nesta freguesia de Janeiro de 2007 a Julho de 2007” (Doc. nº 3 junto com o Pedido e PA, 1, parte 1, fls. 61).
11.10. O Requerente foi titular de um contrato de fornecimento de gás ao apartamento sito na Rua …, nº…, …, em Lisboa (Doc. nº 5 junto com o Pedido e PA, 1, parte 1, fls. 62 a 66).
11.11. Relativamente à notificação referida em 11.8, o Requerente exerceu o direito de audição prévia em 3 de Novembro de 2011, juntando os documentos referidos em 11.09 e 11.10., que após analisados, não alteraram o entendimento da AT que decidiu que o Requerente, não tendo tido a sua habitação própria e permanente na fracção em questão no ano fiscal de 2007, não podia beneficiar do regime de reinvestimento previsto no art.º 10º, n.º 5, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e que as mais-valias obtidas com a alienação de tal imóvel deveriam ter sido sujeitas a tributação em sede de IRS - Categoria G. (PA1, anexo 1, fls. 45 e ss.).
11.12. A AT procedeu a correcções, com declaração oficiosa …-2007-… -…, e liquidação nº 2011…, datada de 14 de Novembro de 2011, no montante de € 14.488,80, que deu lugar, após acerto de contas, a emissão de nota de cobrança nº 2011…, cujo pagamento o Requerente efectuou no dia 19 de Dezembro de 2011 (PA, anexo 1, fls. 73 e ss, anexo 2, fls. 21 e 22 e doc. n.º 3 junto pelo Requerente).
11.13. Em 2 de Abril de 2012, o Requerente apresentou reclamação graciosa do acto de liquidação, que correu com o nº …2012…, tendo sido notificado, por carta registada, com data de 18 de Julho de 2012, para audição prévia sobre projecto de despacho de 17-07-2012, onde se concluía que “não se mostrando cumprido o requisito exigido pelo art.º 10º, nº 5, al. a), do CIRS “transmissão …de imóveis destinados a habitação própria e permanente”, uma vez que fiscalmente, a residência habitual (domicílio fiscal) do reclamante não corresponde à morada do prédio objecto de transmissão, não poderá, o respectivo ganho, beneficiar da exclusão da tributação”. (PA, anexo 2, fl. 29).
11.14. O Requerente não exerceu então direito de audiência, e a proposta de decisão de indeferimento da reclamação foi convertida em definitivo, por despacho da Chefe do Serviço de Finanças de 13 de Agosto de 2012, notificado pelo ofício datado de 10 de Agosto de 2016 (PA, anexo 2, fls. 28 a 30).
11.15. Do indeferimento da reclamação graciosa foi, em 17 de Setembro de 2012, Interposto recurso hierárquico (nº …2012…) que veio a ser objecto de informações da Divisão de Justiça da Direcção de Finanças de Lisboa e da Direcção de Serviços de IRS, respectivamente de 30/11/2012 e de 3/1/2016, concluindo-se, no ponto 6 desta última informação: “Por conseguinte, e apesar dos elementos de prova em sentido contrário apresentados pelo contribuinte (designadamente a declaração emitida pela Junta de Freguesia da …) da conjugação dos vários factos acima descritos e da valoração da prova por eles produzida não nos parece possível dar por provado que o imóvel gerador das mais-valias tenha efectivamente correspondido ao local de habitação permanente do ora recorrente, sendo por isso de confirmar o sentido do despacho recorrido, o qual deverá ser mantido”. (PA, anexo 3, fls. 24 a 29).
11.16. Dispensada a notificação para audição prévia nos termos da alínea c) do ponto 3 da Circular nº 13, de 08-07-1999, 1 de Julho de 2016, o recurso hierárquico foi indeferido por despacho de 14 de Junho de 2016 da Chefe de Divisão da Direcção de Serviços de IRS, com competência subdelegada, tendo sido notificado ao Requerente, por ofício (nº…) de 30 de Junho de 2016, na pessoa do mandatário, em 1 de Julho de 2016 (Doc. nº 1 junto com o Pedido e PA anexo 3 e PAT, fls.6), na sequência do que foi apresentado o presente Pedido de pronúncia arbitral, em 26 de Setembro de 2016.
12. Factos não provados
Não se encontram provados factos invocados no Pedido e não constantes no número anterior como “factos provados”.
13. Fundamentação dos factos provados e não provados
A fixação da factualidade teve por base as peças juntas pela Requerente (Pedido de pronúncia arbitral, documentos juntos com o Pedido e alegações) e Requerida (Resposta, Processo administrativo junto aos autos e alegações). Foram também tidos em conta os depoimentos das testemunhas apresentadas pelo Requerente (ambos moradores no prédio, em 2007, um deles apresentando-se como amigo de longa data do Requerente e a outra simplesmente como vizinha, ambos tendo declarado que o Requerente habitou no prédio embora não tenham conseguido precisar o período em que isso terá ocorrido.
Os factos provados mostram-se suficientes para decisão do processo.
14. Aplicação do direito
14.1. Os factos a enquadrar juridicamente
Não está em causa nos autos a discussão sobre a veracidade do facto jurídico consistente na transmissão do direito de propriedade verificada com a escritura outorgada em 17 de Janeiro de 2007, pela qual o Requerente se tornou proprietário de uma fracção autónoma de um prédio sito em Lisboa. E também é facto assente que na escritura de compra e venda foi declarado pelos adquirentes – o Requerente e outra pessoa – que destinavam a fracção a habitação própria e permanente. Assim como é facto incontroverso que os compradores desse prédio o venderam decorridos poucos meses, em 10 de Julho de 2007.
O foco do diferendo é, sim, se se verificou, relativamente ao Requerente, o pressuposto - afectação efectiva do prédio a sua habitação própria e permanente - necessário para poder ser excluído da tributação pelos ganhos obtidos com a transmissão onerosa do prédio adquirido em Janeiro de 2007, vendido pelo dobro do preço em Julho do mesmo ano.
Ou seja, trata-se de saber se para além da declaração que fez, constante da escritura de compra e venda, de afectação a habitação própria, o prédio em causa foi efectivamente afectado ao destino declarado. A importância desta avaliação é relevante dada a razão de ser da exclusão de incidência prevista no nº 5 do artigo 10º do CIRS - trata-se de excluir de tributação mais-valias realizadas na transmissão onerosa de imóveis efectivamente destinados a habitação permanente dos sujeitos passivos.
O Requerente sustenta que, desde a aquisição do prédio, ele a outra comproprietária destinaram efectivamente a fracção à sua habitação própria e permanente, e que esse facto se encontra demonstrado através da prova documental (atestado passado pela Junta de Freguesia da … e contrato de fornecimento de gás) e testemunhal. Em sentido contrário, a AT entende que, no ano fiscal de 2007, o Requerente não teve a sua habitação própria e permanente na fracção em questão. Quanto à prova invocada, considera que o atestado da junta de freguesia não prova a residência mas apenas que (aquela entidade) atestou a residência, com base nas informações directas dos seus membros, ou com base em testemunhos ou testemunho do próprio. E que o contrato de fornecimento de Gás Natural, também não demonstra a existência de qualquer consumo, ou uma qualquer vivência habitual. Por outro lado, argumenta que face ao disposto no art.º 19.º da LGT, que faz coincidir o domicílio fiscal do sujeito passivo com o local da residência habitual, o Requerente nunca alterou o seu domicílio fiscal para a morada do prédio em causa.
Há então que decidir, sobre a situação de facto – pronunciando-nos sobre a prova produzida – e ter em conta o direito aplicável. Comecemos pela análise do regime jurídico relevante para apreciação e ponderação da factualidade.
14.2. O Direito aplicável
14.2.1. A tributação de rendimento de mais-valias em sede de IRS e a exclusão nos casos de ganhos obtidos com a alienação de habitação própria e permanente e reinvestimento em imóvel com a mesma finalidade
Está em causa a aplicação do artigo 10º do Código do IRS, referente a rendimentos de mais-valias, englobáveis para tributação em IRS como “incrementos patrimoniais” (artigos 1º, nº 1, e 9º, nº 1, a), do mesmo Código).
O nº 1 do artigo 10º do CIRS dispõe que «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário». (sublinhado nosso).
Mas, segundo o n.º 5 do mesmo artigo 10º, «São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições: a) Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal; b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior desde que efectuada nos 24 meses anteriores; c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir». (redacção vigente em 2007).
Esta norma de exclusão de incidência relativa às mais-valias realizadas em bens imóveis tem como objectivo “favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente. Para o efeito, a lei prevê a exclusão tributária de mais-valias realizadas na transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo sempre que, dentro de determinados prazos e condições, o valor de realização for reinvestido em imóvel destinado ao mesmo fim (…)»[2]. As condições previstas para o reinvestimento impõem uma afectação em prazos apertados, evitando que seja protelada a construção ou o melhoramento, com frustração do escopo normativo. “O objectivo geral do regime de exclusão da incidência é, pois, não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se uma técnica de roll over que torna não tributáveis essas mais-valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis também destinados a habitação (…). A exclusão referida só vale pois para as mais-valias de imóveis destinados a habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino. O imóvel «de partida» e o «de chegada» têm de ser destinados à habitação própria e permanente».[3]
14.2.2. O conceito de habitação própria e permanente
Na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, o nº 5 do artigo 10º do CIRS dizia: “são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições” redacção que vinha desde o texto aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro.
Contudo, este texto teve por base a autorização legislativa concedida pela Lei nº 106/88,de 17 de Setembro, cujo artigo 13º, nº 6, dizia: “Não contam como rendimento do IRS as mais-valias resultantes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação do próprio desde que o produto da alienação seja reinvestido na aquisição de outro imóvel ou de terreno para a construção de imóvel exclusivamente com o mesmo destino” (sublinhado nosso).
Assim, a alteração de redacção introduzida em 2000, terá pretendido acentuar/clarificar que a exclusão de tributação se restringia aos casos de alienação de habitação própria e permanente com reinvestimento noutra com igual finalidade.
A exclusão de incidência em causa encontra a sua justificação na necessidade de se estimular e incentivar o acesso à habitação própria, reflexo do direito à habitação constitucionalmente previsto[4].
Como a expressão e o objectivo indicam, a “habitação própria e permanente” implica a organização no prédio das condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação, encontrando-se forçosamente associado ao conceito de residência habitual.
Embora se possa observar que, no plano conceptual, «nem o conceito de residência habitual se identifica com a residência permanente, nem o domicílio coincide com a morada, ou seja, o local onde a pessoa tem a sua habitação, tal como se pode inferir dos dois números do artigo 82º do C.Civ. (cf. Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 98 e Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, pág. 380 e 381)» [5], não poderá deixar de, na interpretação do nº 5 do artigo 10º do CIRS se exigir, atenta a finalidade da norma, o requisito de permanência na “habitação” com habitualidade e normalidade e, por outro lado, ter-se em conta que se trata de um conceito utilizado em norma fiscal, concretamente de uma norma de exclusão tributária[6], relevando o disposto nos artigos 11º [7] e 59º, nº 4 [8], da LGT.
Ora, não sendo o conceito de “habitação própria e permanente” um conceito próprio, específico, de outro ramo de direito, terá que ser interpretado segundo os cânones normais da actividade interpretativa, atendendo designadamente aos elementos sistemático e teleológico, e tendo em conta o conjunto das normas fiscais.
Desse conjunto assume especial relevância a alínea a) do n.º 1 do art. 19.º da Lei Geral Tributária que dispõe que o domicílio fiscal dos sujeitos passivos no caso das pessoas singulares é, salvo disposição em contrário, o local da respectiva residência habitual.
Na redacção vigente ao tempo dos factos, o referido artigo 19º da LGT dispunha ainda que «É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária» (nº 2), sendo «(…) ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária» (nº 3). No nº 6 previa: « A administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor».[9]
Nos autos, as Partes sustentam posições opostas sobre a relevância da aplicação do artigo 19º da Lei Geral Tributária.
14.2.3. Análise dos argumentos das Partes sobre a questão
O Requerente defende que o nº 5 do artigo 10.º do Código do IRS não faz qualquer referência ao conceito de “domicílio fiscal”, mas apenas ao conceito de “habitação própria e permanente” e que não existe correspondência ou confusão entre os dois conceitos, referentes a realidades diferentes e com finalidades diversas.
E considera que só há coincidência entre o domicílio fiscal e a habitação permanente quando o legislador o determine expressamente, o que, não sendo o caso do art.º 10.º, n.º 5, do Código do IRS, leva a que a interpretação da AT, ao exigir que um sujeito passivo de IRS tenha o seu domicílio fiscal na sua habitação própria e permanente como condição para beneficiar do regime de reinvestimento aí previsto, viole o disposto no art.º 9.º, n.º 2, do CC, aplicável ex vi art.º 11.º, n.º 1, da LGT.
Alega que, mesmo nos casos em que a lei estabelece uma relação entre a habitação própria e permanente e o domicílio fiscal (maxime, no caso de aplicação da isenção prevista no actual artigo 46.º do EBF), o contribuinte não está impedido de demonstrar que habita efectivamente no imóvel objecto da isenção (mesmo nos casos em que, por lapso, não alterou a sua morada fiscal). Indica que os tribunais têm vindo a entender de forma reiterada que, para efeitos da aplicação do n.º 5 do art.º 10.º do Código do IRS, basta a demonstração da habitação própria e permanente, independentemente da alteração do domicílio fiscal.
A AT contrapõe outra análise, invocando os elementos sistemático e teleológico de interpretação.
Quanto ao primeiro elemento, considera que resulta da conjugação dos artigos 19.º da LGT, 43.º do CPPT e 42.º do EBF que os conceitos de habitação própria e permanente e de domicílio fiscal devem, de um ponto de vista fiscal, coincidir entre si, sendo que o domicílio fiscal declarado perante a AT é um requisito legal imprescindível para que o contribuinte possa beneficiar da exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente.
Os artigos 19.º da LGT e 43.º do CPPT prevêem a obrigatoriedade de comunicação do domicílio fiscal pelo sujeito passivo, e respectivas alterações, sendo condição de eficácia nas suas relações com a AT. O disposto no artigo 10.º do CIRS deve ser interpretado em conjugação com os artigos referidos, resultando que, do ponto de vista fiscal, deve haver coincidência entre os conceitos de habitação própria e permanente e de domicílio fiscal declarado perante a AT, tratando-se de um requisito legal imprescindível para que o contribuinte possa beneficiar da exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente.
Quanto ao elemento teleológico, a AT realça que ao dever de comunicação do domicílio fiscal subjaz a finalidade de certeza e segurança jurídicas, pelo que a coincidência de habitação própria e permanente com o domicílio fiscal realiza um requisito formal legalmente considerado indispensável à exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente, prevista no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS.
Considera ainda a Requerida que a interpretação defendida pelo Requerente é que seria contrária à lei, e violadora da segurança e certeza jurídicas, possibilitando situações em que um mesmo sujeito passivo pudesse declarar determinado imóvel como sendo o seu domicílio fiscal para efeitos do gozo da isenção de IMI para a habitação própria e permanente e aproveitar, relativamente a um outro imóvel, da exclusão de tributação por reinvestimento de mais-valias (ou de muitas outras vantagens fiscais dependentes do local de fixação da habitação própria e permanente), na medida em que, para provar o local da habitação própria e permanente e beneficiar de outras vantagens fiscais, bastaria apresentar correspondência endereçada à morada deste outro imóvel. Pelo que, conclui, só a obrigatoriedade de comunicação do domicílio fiscal como requisito formal à operacionalização da exclusão de tributação por reinvestimento de mais-valias para habitação própria e permanente se coaduna com uma interpretação sistemática das leis fiscais, bem como à respectiva finalidade.
Analisando os argumentos em presença, realça-se desde já que a posição do Requerente, ao defender que apenas é correcta uma interpretação do nº 5 do artigo 10º do CIRS que dissocie totalmente os conceitos “habitação própria e permanente” e domicílio fiscal”, suscita-nos profundas reservas.
Com efeito, o nº 1 do artigo 19º da Lei Geral Tributária consagra «um conceito de domicílio fiscal independente do direito comum”, dando lugar a que se reconhecesse então: “o dever de comunicação do efectivo domicílio fiscal – entendido não como qualquer escolha arbitrária mas o verdadeiro centro da actividade do contribuinte (…) - e a possibilidade de a Administração Tributária proceder à sua confirmação efectiva assumem hoje particular relevância em virtude, não apenas da particular complexidade de que hoje se reveste o controlo das obrigações tributárias resultante, em parte, da extrema mobilidade dos elementos dos factos tributários, mas também da sua prova depender por vezes o acesso dos cidadãos a vantagens de natureza fiscal (…)[10]». (sublinhado nosso)
Continuando a citar as anotações do mesmo Autor à LGT, «o cumprimento desse dever é também entendido como do máximo interesse para o contribuinte que pretenda exercer, no quadro da lei, os direitos que lhe assistem perante a administração tributária, já que a falta de indicação do correcto domicílio fiscal o priva de um indispensável ponto de contacto com ela, para o exercício integral dos seus direitos e cumprimento das suas obrigações» e que «o sentido da norma é impor aos contribuintes que comuniquem a alteração da residência nos procedimentos que lhes digam respeito a prévia alteração do seu cartão de contribuinte, de onde consta o respectivo número fiscal». [11] E, quanto ao nº 6 do artigo 19º, assinalava ser inédito o seu teor porque «confere à Administração Tributária o direito de proceder à rectificação oficiosa do domicílio fiscal do sujeito passivo em caso de apurar que ele não corresponde ao real». E acrescentava que «essa possibilidade – a efectivar por meio da alteração do cartão de contribuinte – atalha a fuga ao cumprimento das obrigações acessórias dos tributos e manutenção indevida de benefícios fiscais ou sociais resultantes de o domicílio declarado do sujeito passivo não corresponder ao real».[12]
Aderimos inteiramente aos comentários acima reproduzidos, vendo neles uma interpretação que explica adequadamente a consagração do regime de domicílio fiscal previsto nos artigos 19º da LGT e 43º do CPPT, não conduzindo à sua inutilidade ou reduzida eficácia.
Desde logo, cabe realçar que o facto de o artigo 19º prever a possibilidade de rectificação oficiosa pela Administração Tributária do domicílio fiscal, caracterizado como uma desburocratização, é uma medida que se impõe se a AT apurar divergências entre registos existentes e realidade, mas não nos parece passível de ser entendido como uma imposição de a Administração proceder, em cada caso concreto, a uma investigação suplementar para, apesar de existir um domicílio registado, declarado pelo contribuinte, se aferir da veracidade do mesmo com vista a concluir pela respectiva coincidência com a residência habitual.
Assim como a interpretação de que caberia à AT demonstrar que um sujeito passivo não tinha habitação própria no local invocado como tal mas não coincidente com o domicílio fiscal registado, constituiria uma inversão do critério normal de distribuição do ónus da prova, atendendo à conjugação dos artigos 74º e 19º da LGT.
É que o presente tribunal entende que considerar-se (como acontece em algumas decisões judiciais) que a Administração Tributária tem o poder/dever de corrigir um cadastro quando tem conhecimento oficioso de dados correspondentes a factualidade diversa, é bastante diferente de impor-lhe ónus acrescidos de investigação quando o artigo 19º da LGT tem, precisamente, a finalidade de atenuar as dificuldades de prova.
O tribunal também não considera curial a tese defendida pelo Requerente quando opõe as situações previstas no artigo 10º, nº 5, do CIRS (exclusão de tributação no caso de reinvestimento em habitação permanente) e no artigo 42º do EBF (isenção de IMI para prédios urbanos destinados a habitação), concluindo, através de um raciocínio a contrario sensu, pela irrelevância do conceito de domicílio fiscal, na aplicação da lei no primeiro caso.
O nº 1 do artigo 42º (actual 46º) do EBF dispunha, ao tempo da situação sub judice: «Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis, nos termos da tabela a que se refere o n.º 5, os prédios ou parte de prédios urbanos habitacionais construídos, ampliados, melhorados ou adquiridos a título oneroso destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar e sejam efectivamente afectos a tal fim no prazo de seis meses após a aquisição ou a conclusão da construção, da ampliação ou dos melhoramentos, salvo por motivo não imputável ao beneficiário, devendo o pedido de isenção ser apresentado pelos sujeitos passivos até ao termo dos 60 dias subsequentes àquele prazo». E o nº 8 do mesmo artigo explicitava “Para efeitos do disposto no presente artigo, considera-se ter havido afectação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se aí se fixar o respectivo domicílio fiscal”.
Este número foi introduzido no Estatuto dos Benefícios Fiscais - então como nº 7 do artigo 42º e relativamente à Contribuição Autárquica - pela Lei nº 109-B/01, de 27/12, OE/2002.
O aditamento referido parece-nos ter correspondido mais a uma necessidade de clarificação e alerta para os contribuintes numa matéria (isenção de CA, depois IMI) que interessava à generalidade dos compradores de casa própria e que tinham que requerer a respectiva isenção, com riscos de perda de parte do período de isenção por dificuldades de prova de efectiva mudança para o local [13]. Mas pode dizer-se que a relevância do domicílio fiscal já derivava do previsto no artigo 19º da LGT e no artigo 43º do CPPT. A regra enunciada clara e expressamente, pela Lei nº 109-B/01, de 27/12, OE/2002, como nº 7 do artigo 42º do EBF, parece-nos ser apenas a explicitação de uma conclusão que derivava da aplicação do sistema de normas tributárias.
Ou seja, não vemos que o disposto no nº 8 (antes nº 7) do artigo 42º do EBF, ao tempo da situação que nos ocupa, constitua um regime especial ou excepcional, antes devendo ver-se nele o afloramento de um princípio geral que derivava da obrigatoriedade de actualização dos dados cadastrais dos contribuintes, e que configura o domicílio fiscal como o primeiro e mais importante elemento de prova da residência habitual do sujeito passivo.
E, é de elementar senso comum que essa coincide, em princípio, com a habitação própria e permanente[14].
Esta conclusão não impede, contudo, que se levante a questão de existência de situações em que a não coincidência daquelas duas realidades (domicílio fiscal e local de habitação própria e permanente) possa não obstar à aplicação das normas em causa (nº 5 do artigo 10º do CIRS e artigo 46º, ex 42º, do EBF).
14.2.4. Habitação própria e permanente não coincidente com o domicílio fiscal
Desde logo, verifica-se que a norma que prevê a exclusão de tributação de mais-valias (nº 5 do artigo 10º do CIRS) ao admitir a disjunção – habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar – suscita a possibilidade de a exclusão de tributação ser compaginável com uma situação em que apesar do titular dos rendimentos tributáveis em IRS não habitar no local, mantém aí membros do seu agregado familiar. Mas, porque essa situação não é a dos autos, não nos deteremos no desenvolvimento dessa questão.
Focando a actual decisão sobre a situação controvertida no presente processo, este tribunal considera que:
- O domicílio fiscal é um domicílio especial que o contribuinte está obrigado a manter actualizado, devendo, em princípio, coincidir com o local onde tem a sua habitação própria e permanente, até porque esta pode ser objecto de controlo pela AT por dar origem a benefícios ou vantagens de ordem fiscal, podendo dizer-se que do regime dos artigos 19º da LGT e 43º do CPPT resulta uma presunção de coincidência dessas situações;
- Existem razões que podem justificar muito legitimamente a falta de coincidência dessas realidades, desde logo profissionais[15] mas também pessoais (por exemplo, necessidade de estar todos os dias fora da área da habitação para prestar apoio a familiares);
- Também pode haver puro esquecimento, que sendo uma razão muito menos legítima, terá contudo que ser confrontada com a possível desproporcionalidade que significaria a perda de determinados benefícios para além da penalização específica para tal esquecimento (tratado como contra-ordenação);
- Não derivando do artigo 19º da LGT uma presunção inilidível (artigo 73º da LGT), os sujeitos passivos poderão, face á divergência entre domicílio fiscal e habitação própria permanente, «provar os factos demonstrativos de que aquela morada correspondia à sua habitação própria permanente, de acordo com as regras do ónus da prova. Assim, resulta do artigo 74.º n.º 1 da LGT que o “ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Também o artigo 342.º do Código Civil determina no seu nº 1 que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, determinando o n.º 2 do mesmo artigo que “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocados compete àquele contra quem a invocação é feita.”.»[16]
Ou seja, subscreve-se a posição do TCAS (Acórdão de 8 de Outubro de 2015, in proc. nº 06685/13) no sentido de que «(…) se é legítimo à AT no procedimento tributário opor-se ao reconhecimento de determinado direito do contribuinte derivado de lei substantiva quando este se limita a invocar o seu domicílio fiscal, mas não tenha comunicado a sua alteração, já não é legítimo o não-reconhecimento desse direito quando para além da invocação do domicílio fiscal o sujeito passivo prove que à data dos factos constitutivos do seu direito substantivo tinha residência habitual no local em questão.»[17]
Resta então concluir se foi produzida prova de que o Requerente destinou efectivamente o imóvel adquirido em Janeiro de 2007 a sua residência própria e permanente.
15. Prova produzida e respectivo enquadramento jurídico
Recordemos que ficou provado nos autos que o Requerente foi adquirente de um imóvel em 17 de Janeiro de 2007 a cuja alienação procedeu em 10 de Julho de 2007. O imóvel situa-se no nº … da Rua …/ nº … da …, freguesia da … mas o Requerente, alterou em 14 de Março de 2007 o seu domicílio fiscal da morada declarada no acto de aquisição – Rua…, nº…, …, Lisboa - para Rua …, nº…, …, em Lisboa, mantendo-o até 2009, quando o alterou para Rua da …, …º, ... do em Lisboa.
Ou seja, o Requerente nunca actualizou o seu domicílio fiscal como sendo no nº … da Rua …, e, no acto da venda do imóvel, quem declarou ter domicílio fiscal na fracção aí situada foram os adquirentes do mesmo.
O Requerente, que declarara na escritura de aquisição do prédio em causa que o destinava a habitação própria, entregou declaração de IRS em 2008, indicando a venda do prédio e que iria reinvestir o valor de realização do imóvel noutro imóvel afecto a habitação própria e permanente.
Desta factualidade resulta que o Requerente nunca procedeu a inscrição como seu domicílio fiscal do prédio que, num período de seis meses, adquiriu e revendeu, embora afirme tê-lo destinado efectivamente à finalidade declarada na aquisição, fazendo do mesmo a sua habitação própria e permanente.
O Requerente apresentou como prova documental de que fez do local a sua habitação própria e permanente uma declaração da Junta de Freguesia da …, com data de 31 de Outubro de 2011, atestando “na base de informações colhidas, cujos elementos se encontram arquivados”, que o Requerente “residiu naquela freguesia entre Janeiro de 2007 a Julho de 2007, e um documento em que figura como titular de um contrato de fornecimento de gás ao apartamento sito na Rua …, nº…, …º, em Lisboa.
Esta declaração da junta de freguesia, embora realizada ao abrigo da lei [18], é um documento emitido decorridos alguns anos sobre os factos atestados. Não explica em que se baseia o conhecimento dos factos, remetendo para documentos arquivados, ou seja, ter-se-á baseado na própria escritura de compra e venda onde era declarado o destino a dar ao imóvel adquirido e cuja veracidade havia precisamente que demonstrar.
Ou seja, atendendo à falta de coincidência de domicílio fiscal, o atestado em causa não reveste valor suficiente para, só por si, constituir prova da situação invocada pelo Requerente.
Aderimos, neste ponto, às conclusões do Acórdão proferido em 2 de Dezembro de 1999 pela Relação de Lisboa, no processo nº 0066156, no sentido de que «A lei só dá competência às juntas de freguesia para atestar a residência, mas já não a residência permanente. O atestado de residência não prova a residência, prova, sim, que a Junta de Freguesia, com base nas informações directas dos seus membros ou com base em testemunho ou declaração próprio, atestou a residência.» (pontos II e III do sumário).
Quanto ao contrato de gás em nome do Requerente, também não prova a afectação do imóvel a habitação própria e permanente, já que tal contrato de fornecimento é compatível com a aquisição do imóvel para arrendamento ou apenas para revenda.
O que, aliás, seria normal, seria a existência de outros tipos de contratos de fornecimento de bens e serviços – água, electricidade, telecomunicações – assim como registos de contactos com outras entidades, como bancos, e respectiva correspondência[19], elementos que não foram sequer mencionados pelo Requerente.
E a prova testemunhal não se mostrou suficiente para colmatar as insuficiências da prova documental.
A testemunha F… (sócio da empresa que vendeu o imóvel ao Requerente, e morador ao tempo no 3º andar do mesmo prédio) que declarou ser amigo e colega do Requerente há mais de vinte anos, referiu que esteve várias vezes na casa daquele e que era frequente visitarem-se, e até ficarem em casa um do outro, mas não conseguiu garantir expressamente que o Requerente fizera da fracção em causa a sua habitação permanente no período entre a aquisição e a venda do imóvel sito no nº … da Rua … . Também referiu que o Requerente até fez obras naquele imóvel mas o período entre a compra e a revenda mostra-se demasiado curto para que, para além de existência de obras, o Requerente tenha aí fixado a sua habitação própria e permanente, tanto mais que em Março desse ano declarou ter domicílio fiscal noutra morada.
A outra testemunha, que declarou ter também residido numa fracção situada no andar imediatamente abaixo do apartamento do Requerente, disse lembrar-se de ver o Requerente habitar no prédio. Afirmou que o via passar com as compras, acompanhado da namorada, mas não conseguiu concretizar o período em que isso ocorrera.
Em suma, as testemunhas não deram um contributo suficientemente explícito e convincente, adequado a fundamentar a conclusão de que o Requerente afectou efectivamente o imóvel em causa a sua habitação própria e permanente no período entre Janeiro e Julho de 2007, de modo a colmatar a falta de coincidência dessa morada com o domicílio fiscal do Requerente que, tendo sido objecto de alteração nesse mesmo período – em Março de 2007 – não o foi para a morada do imóvel mas para um outro local.
Acresce que em Julho de 2007, outras pessoas – os adquirentes no contrato outorgado no dia 17 desse mês – declararam ter, à data da escritura, a sua residência no imóvel adquirido.
16. Conclusão sobre a questão dos autos
16.1. Quanto à legalidade da liquidação
Estando em causa a aplicação do n.º 5 do artigo 10º do CIRS que exclui de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que o valor da realização seja reinvestido em outro imóvel destinado exclusivamente ao mesmo fim,[20] trata-se, no presente processo, de apreciar a validade da liquidação ocorrida por falta de preenchimento do primeiro dos requisitos, afectação da fracção alienada a habitação própria e permanente (tanto quanto nos apercebemos a Administração nem chegou a aferir da existência de efectivo reinvestimento em imóvel para a habitação própria e permanente)
Verificando-se a falta de domicílio fiscal do Requerente no imóvel por ele adquirido com declaração de o destinar a habitação própria e permanente, e não tendo conseguido provar por outra forma a efectiva afectação a esse destino, não pode dar-se provimento ao pedido de declaração de ilegalidade da liquidação do imposto, pelo que o Pedido é considerado improcedente.
16.2. Quando à ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico
O indeferimento da reclamação graciosa baseou-se em informação que analisou, fundamentalmente, a questão da divergência existente entre domicílio fiscal e o local do imóvel cuja sujeição a mais-valias obtidas com a respectiva alienação é objecto de controvérsia, não entrando na análise dos elementos de prova oferecidos.
No recurso hierárquico, apesar da importância dada à obrigatoriedade de coincidência de domicílio fiscal e habitação própria e permanente, foi considerada a prova produzida, os factos identificados pelo recorrente, não sendo, porém, considerados susceptíveis de fundamentar a fixação pelo sujeito passivo de habitação própria e permanente no imóvel.
Assim, não se entende que os indeferimentos dos processos administrativos em causa – reclamação e recurso hierárquico – estejam eivados de ilegalidade. De qualquer modo, ainda que tais actos administrativos, de segundo e terceiro grau, estivessem incorrectamente fundamentados, verificando-se que a presente decisão arbitral concluiu pela legalidade do acto primário, de liquidação, aquela questão tornar-se-ia irrelevante para a decisão que tem por seu objecto, mediato, o acto de liquidação, que é verdadeiramente o que se controverte na acção (cf. Acórdão do STA, 11-09-2013, processo nº 01138/12).
16.3. Quanto à inconstitucionalidade
O Requerente diz que a interpretação que a AT faz do nº 5 do artigo 10º do CIRS viola os princípios da reserva parlamentar (artigo 165º, n.º 1, al. i) e 103º da CRP) e da proporcionalidade.
Quanto à violação do princípio da reserva parlamentar, a acusação funda-se na adopção pela AT de uma interpretação diferente da defendida pelo Requerente, sendo esta a de que a alínea b) do n.º 10 do art.º 5.º do Código do IRS exige que o imóvel alienado se destine a habitação própria e permanente mas não que o sujeito passivo nele tenha o seu domicílio fiscal.
Se bem compreendemos, o raciocínio é o de que retirar da lei uma interpretação diferente da defendida pelo Requerente como correcta, equivale a criar outra norma, o que só é permitido, de acordo com os trâmites constitucionalmente consagrados, por Lei da AR ou Decreto-Lei do Governo com base em autorização legislativa. Esta interpretação parece-nos, contudo susceptível de conduzir a um alargamento da invocação de violação da CRP a todos os casos em que houvesse divergências de interpretação de uma norma em área de competência reservada da AR.
Ou seja, crê-se que a posição da AT sobre o conceito de habitação própria e permanente utilizado no nº 5 do artigo 10º do CIRS, e sua articulação com o disposto sobre o domicílio fiscal, entendendo que as duas realidades devem ser coincidentes, não configura, em si, qualquer violação do princípio da reserva parlamentar da AR.
Outra questão é invocar-se que a rejeição pela Administração Tributária da possibilidade de um sujeito passivo poder justificar a divergência entre domicílio fiscal e habitação própria e permanente comprovando esta, constitui violação do princípio da proporcionalidade. No caso dos autos, o Requerente alega violação do referido princípio, com o fundamento de que é manifestamente desproporcionado que fique impedido de beneficiar do regime de exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização apenas porque por mero lapso não comunicou em tempo a sua alteração de domicílio fiscal.
Contudo, este argumento poderia ser aceitável se se tivesse provado que o Requerente afectou efectivamente o imóvel a habitação própria e permanente, tendo-se simplesmente esquecido de actualizar o respectivo domicílio fiscal. Mas, como visto, não se provou tal situação. O Requerente até se lembrou de actualizar o domicílio fiscal durante o período em que invoca ter vivido no prédio mas para o fazer constar num local diferente do prédio em causa nos autos. Assim conclui-se, também, que não foi violado o princípio constitucional da proporcionalidade.
E, improcedendo o pedido arbitral, improcede também o pedido de reembolso do montante pago, assim como de pagamento de juros indemnizatórios ou de juros de mora[21].
17. Decisão
Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade do acto de liquidação de IRS (imposto e juros compensatórios), datado de 14-11-2011, relativo ao ano de 2007, com o n.º 2011…, assim como de anulação dos despachos de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico interpostos da referida liquidação.
b) Considerar improcedente o pedido de condenação da Requerida no reembolso da quantia paga assim como no pagamento de juros.
c) Condenar o Requerente em custas.
18. Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do artigo 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 14.488.83 (catorze mil quatrocentos e oitenta e oito euros e oitenta e treze cêntimos).
19.Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pelo Requerente.
Lisboa, 14 de Junho de 2017.
A Árbitro
(Maria Manuela Roseiro)
[1] Uma primeira declaração de IRS terá sido entregue em 26 de Maio de 2008 dando origem a liquidação datada de 21 de Julho de 2008 (PAT, fls. 3).
[2] Citando José Guilherme Xavier de Basto, in “IRS, Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos”, Coimbra Editora, 2007, pp. 412 e ss.
[3] José Guilherme Xavier de Basto, ibidem, pp. 413 e 414.
[4] Cf. al. c) do nº 2 do art.º 65º da CRP. A protecção desse direito reflecte-se em outras normas, incluindo tributárias (por exemplo, isenção temporária de IMI e, anteriormente, de Contribuição Autárquica).
[5] Cf. Acórdão do STA de 23 de Novembro de 2011, proc. nº 0590/11.
[6] Tendo em conta a finalidade da exclusão, visando uma finalidade de ordem extrafiscal – designadamente aumento do bem-estar social através da facilitação de compra de habitação própria – a referida delimitação negativa de tributação parece configurar uma isenção condicionada (cf. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, pp. 450 e ss, incluindo nota 841). Acerca discussão sobre a natureza jurídica das normas de exclusão, designadamente face às normas de isenção fiscal, Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Boletim de CTF nº 359, p. 118 e ss.. Xavier de Basto, que caracteriza a situação como exclusão de incidência de tributação de mais-valias, subordinada ao princípio da realização, e acompanhada de mecanismos de limitação de exigência de imposto em casos de reinvestimento em bens da mesma natureza (roll over) (cf. ob. cit. pp. 385 a 387), usa o termo “benefício” quando se refere à exclusão de incidência do nº 5 do artigo 10º do CIRS (ibidem, pp. 414 e 415).
[7] Segundo o nº 2 do artigo 11º da LGT, «Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” e o nº 3 do mesmo artigo: “Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários».
[8] «A colaboração dos contribuintes com a administração tributária compreende o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiros». Com interesse ainda, atendendo à hipótese de a exclusão configurar um benefício fiscal, o nº 2 do artigo 14º da LGT: «Os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito».
[9] Em consonância com esta norma, o artigo 43º do CPPT, sob a epígrafe “Obrigação de participação de domicílio” dispunha: «1-Os interessados que intervenham ou possam intervir em quaisquer procedimentos ou processos nos serviços da administração tributária ou nos tribunais tributários comunicam, no prazo de 15 dias, qualquer alteração do seu domicílio ou sede. 2-A falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos dos artigos anteriores, devido ao não cumprimento do disposto no n.º 1, não é oponível à administração tributária, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas.3- A comunicação referida no n.º 1 só produzirá efeitos, sem prejuízo da possibilidade legal de a administração tributária proceder oficiosamente à sua rectificação se o interessado fizer a prova de já ter solicitado ou obtido a actualização fiscal do domicílio ou sede».
[10] António Guerreiro, in Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, p. 119.
[11] Lima Guerreiro, ibidem, pp. 120 e 121.
[12] Lima Guerreiro, ibidem, p. 122. Referia que: «o averbamento oficioso da mudança de residência deve ser o auto de notícia ou, após complementada com os elementos necessários, a participação de qualquer entidade pública do incumprimento pelo contribuinte do dever de comunicação, quando devidamente confirmado». Caracterizando esta previsão normativa como inserida na linha da desburocratização e modernização da administração fiscal, indicava ainda que, na hipótese de constituir um erro da administração, havia a possibilidade de oposição do contribuinte através de reacção contra a rectificação indevida, nos termos do artigo 147º do CPPT (intimação para comportamento).
[13] O nº 6 do mesmo artigo previa que para efeitos de concessão e cessação da isenção aplicam-se os n.ºs 4, 5 e 6 do artigo anterior e, no caso previsto no n.º 1 do presente artigo, se a afectação a residência permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar ocorrer após o decurso nele previsto, (…) a isenção iniciar-se-ia a partir do ano imediato, inclusive, ao da verificação de tais pressupostos, cessando, todavia, no ano em que findaria se a afectação a habitação própria e permanente (…) se tivesse verificado nos seis meses imediatos ao da conclusão da construção, da ampliação, melhoramentos ou aquisição a título oneroso (…). Note-se que os nºs 4, 5 e 6 do artigo 41º diziam « 4 - Nos casos previstos neste artigo, a isenção é reconhecida pelo chefe de finanças da área da situação do prédio, em requerimento devidamente documentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 90 dias contados da verificação do facto determinante da isenção.5 - Nas situações abrangidas pelo número anterior, se o pedido for apresentado para além do prazo referido, a isenção inicia-se a partir do ano imediato, inclusive, ao da sua apresentação, cessando, todavia, no ano em que findaria caso o pedido tivesse sido apresentado em tempo.6 - Os benefícios fiscais a que se refere este artigo cessam logo que deixem de verificar-se os pressupostos que os determinaram, devendo os proprietários, usufrutuários ou superficiários dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 13.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.»
[14] Quanto à objecção levantada pelo Requerente de que «Se se pudesse considerar que existe uma presunção de que a habitação própria e permanente de determinado sujeito passivo de IRS corresponde à morada comunicada à AT (i.e. ao domicílio fiscal), poderia o benefício ser atribuído a quem não tivesse aí habitação própria e permanente», dir-se-á que, apesar de partir do princípio de que as duas realidades coincidem, não obsta, também nesse caso, à possibilidade de a administração, descobrindo a incorrecção declarada, tirar daí as devidas consequências.
[15] Como assinalado na decisão arbitral 144/2016-T, estas circunstâncias «podem impor ao sujeito passivo que se ausente nos dias úteis de trabalho da área da sua residência, como sucede frequentemente a professores, juízes, médicos, enfermeiros, engenheiros e muitos outros profissionais, que, por via disso, podem preferir indicar o seu domicílio fiscal na sede do seu local de trabalho para mais facilmente poderem ser contactados, notificados e receber a sua correspondência, mormente registada, a qual ficariam provados de rececionar ou mesmo de levantar nos correios mediante aviso, já que tal só pode ocorrer em dias úteis e nos horários de funcionamento dos respetivos serviços».
[16] Citamos excerto da decisão arbitral nº 144/2016-T, já referida também considera a dado passo (tendo como referência acórdãos do STA de 9-7-2014, no processo nº 01146 e de 17-09-2014, in Proc. 0158/13, e de 18~02~2016, no processo nº 08826/15): «A questão comum a todos é a de saber se o imóvel alienado foi efetivamente (ou não) habitação própria permanente, no sentido de nele o interessado ter residido (senão sempre, pelo menos a maior parte do tempo) e, sobretudo, daquele corresponder ao seu centro de interesses familiar e social. Nos Acórdãos citados pela AT resulta, também, claro que a demonstração de tal factualidade é matéria de prova, a qual pode ou não ser alcançada. Nos presentes autos, essa prova foi alcançada»
[17] Na decisão no processo arbitral 564/2015-T, embora na apreciação de um caso diferente, de aplicação do regime de tributação conjunta em IRS aos casais em união de facto, aderimos a posição adoptada pelo TCAS no Acórdão 05655/12, de 5 de Março de 2015, de que «uma vez feita a prova da identidade do domicílio fiscal, como aquela exigência legal não é constitutiva do direito dos Impugnantes, então há que concluir que o incumprimento daquela comunicação não a obsta que os Impugnantes optem pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens previsto no n.º 1 do art.º 14.º do CIRS (nesse sentido, vide, o recente Ac. do TCA Sul de 19/02/2015, proc. n.º 08313). Em suma, vivendo duas pessoas, independentemente do sexo, em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos, na mesma residência habitual [prova que cabe aos sujeitos passivos, no caso de incumprimento obrigação de comunicação prevista no n.º 3 do art.º 19.º da LGT] verifica-se a identidade de domicílio fiscal prevista no disposto n.º 2 do art.º 14.º do CIRS».
Realce-se que no caso do referido proc. 564/2015-T (tal como na decisão judicial citada) foi feita prova do pressuposto essencial nesses casos, que era o facto de os sujeitos passivos, ter tido a mesma residência habitual, aí vivendo em condições análogas às dos cônjuges durante o período de tempo exigido pela lei.
[18] O artigo 34º do Decreto-Lei nº 135/99, de 22 de Abril dispunha: «-1- Os atestados de residência, vida e situação económica dos cidadãos, bem como os termos de identidade e justificação administrativa, passados pelas juntas de freguesia, nos termos das alíneas f) e q) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, devem ser emitidos desde que qualquer dos membros do respectivo executivo ou da assembleia de freguesia tenha conhecimento directo dos factos a atestar, ou quando a sua prova seja feita por testemunho oral ou escrito de dois cidadãos eleitores recenseados na freguesia ou, ainda, mediante declaração do próprio. 2- Nos casos de urgência, o presidente da junta de freguesia pode passar os atestados a que se refere este diploma, independentemente de prévia deliberação da junta. 3 - Não está sujeita a forma especial a produção de qualquer das provas referidas, devendo, quando orais, ser reduzidas a escrito pelo funcionário que as receber e confirmadas mediante assinatura de quem as apresentar. 4 - As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal. 5 - A certidão, relativa à situação económica do cidadão, que contenha referência à sua residência faz prova plena desse facto e dispensa a junção no mesmo processo de atestado de residência ou cartão de eleitor. 6 - As certidões referidas no número anterior podem ser substituídas por atestados passados pelo presidente da junta (sublinhado nosso)”. (o nº 1 foi alterado pelo Decreto-Lei nº 73/2014, de 13/05, passando a dizer: «Os atestados de residência, vida e situação económica dos cidadãos, bem como os termos de identidade e justificação administrativa, passados pelas juntas de freguesia, nos termos das alíneas qq) e rr) do n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, devem ser emitidos desde que qualquer dos membros do respetivo executivo ou da assembleia de freguesia tenha conhecimento direto dos factos a atestar, ou quando a sua prova seja feita por testemunho oral ou escrito de dois cidadãos eleitores recenseados na freguesia ou ainda por outro meio legalmente admissível»
[19] Ora, referindo (parcialmente) o Acórdão do STA, proferido em 23 de Novembro de 2011, no processo nº 0590/11 (embora relativamente à isenção de IMI), o pressuposto «habitação própria e permanente» é a situação de facto que condiciona a exclusão de tributação. O requisito da permanência na “habitação” deve ser entendido no sentido e habitualidade (…), para se assegurar a finalidade subjacente à atribuição do benefício, que consiste em estimular e incentivar o acesso à habitação própria (cf. al. c) do nº 2 do art.º 65º da CRP o beneficiado deve organizar no prédio as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação. A morada em certo lugar, a habitatio, deve demonstrar-se através “factos justificativos” de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal. E exemplifica com factos susceptíveis de demonstrar a ligação do beneficiado ao prédio e respectiva concretização necessária através de certas condições físicas (casa, mobília, etc.), jurídicas (contratos, declarações, inscrições em registos, etc.) e sociais (integração no meio, conhecimentos dos e pelos vizinhos, etc.).
[20] De acordo com o disposto nas alíneas do nº 5 do art.º10º do CIRS, sendo necessária a afectação do imóvel adquirido com o reinvestimento à habitação do adquirente ou do seu agregado familiar até seis decorridos meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado (nº 6 do mesmo artigo 10º.
[21] Os juros de mora, aliás, só seriam devidos em caso de provimento do presente Pedido de pronúncia, e de mora da Requerida na execução do julgado, nos termos dos artigos 43º, nº 5, 100º, 102º da LGT e 146.º, n.º 2, do CPPT.