Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 502/2016-T
Data da decisão: 2017-06-28  Selo  
Valor do pedido: € 12.546,00
Tema: IS - divisões de prédio em propriedade total
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Pedido  

A…, (doravante Impugnante) contribuinte nº …, residente na Rua …, …, ... ..., apresentou, em 16-08-2016, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, com vista a:

 

¾    A declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo sobre as divisões com afetação habitacional do prédio urbano sito na Rua … nºs … a …, ..., inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de …, …, …, …, … e …, concelho de ..., sob o artigo … .

¾    A condenação da Requerida ao reembolso dos valores correspondentes ao imposto indevidamente pago relativo às liquidações impugnadas, acrescidos dos competentes juros indemnizatórios.

 

O Impugnante alega, no essencial e com relevância para a decisão da causa, o seguinte:

 

-        Sendo o Imposto do Selo da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo um imposto com periodicidade anual e que deve ser liquidado anualmente, o Impugnante foi apenas notificado para pagar prestações desse imposto, sem que as notas de cobrança das prestações identificassem os correspondentes atos de liquidação através do respetivo número.

-        A falta da fundamentação legal exigida constitui um vício que inquina o ato de ilegalidade nos termos da al. c) do art. 90º do CPPT.

-        As liquidações em causa dizem respeito a um prédio urbano de que é proprietário o Impugnante, e que, à data dos factos em apreço, se encontrava em regime de propriedade total constituído por partes suscetíveis de utilização independente e dessa forma descrito na matriz predial.

-        A presente impugnação abrange as três prestações em que o pagamento do imposto de divide.

-        A cumulação de pedidos é admissível pois, verificando-se a identidade do tributo, do ano de tributação e dos fundamentos invocados, é inequívoco que a procedência dos pedidos depende essencialmente das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

-        As liquidações impugnadas encontram-se inquinadas por erro sobre os pressupostos de direito, o qual reside no facto de o valor patrimonial tributário inscrito na matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) não ser igual ou superior a 1.000.000,00 euros.

-        Conforme resulta do consagrado na verba 28 da TGIS, o mesmo incide sobre a propriedade, usufruto, ou direito de superfície de prédios cujo valor patrimonial tributário (VPT) constante da matriz, nos teros do CIMI, seja igual ou superior a 1.000.000,00 euros.

-        No caso em apreço discute-se a incidência do imposto do selo com referência ao prédio urbano, propriedade do Impugnante, sito na Rua … nºs … a …, ..., inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de …, …, …, …, … e …, concelho do ..., sob o artigo … .

-        À data das liquidações, o prédio encontrava-se descrito como prédio em propriedade total constituído por divisões suscetíveis de utilização independente.

-        Nos termos do art. 12º, nº 3 do CIMI, cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo VPT.

-         Da análise do acervo normativo aqui em causa não resulta qualquer disposição legal que faça corresponder o VPT de um prédio composto por vários andares ou divisões suscetíveis de utilização independente à soma das respetivas partes.

-        Aliás, cada uma das partes suscetíveis de utilização independente é objeto de liquidação de IMI separada, o que se coaduna com o regime previsto para os prédios em propriedade total, mas com andares ou partes suscetíveis de utilização independente.

-        Nos termos do art. 5º, nº 1, al. u) do Código do Imposto do Selo (CIS), a liquidação de imposto processa-se “nas situações previstas na verba 28 da Tabela Geral, no momento e de acordo com as regras previstas no CIMI, com as devidas adaptações”.

-        Nos termos do art. 113º, nº 1 do CIMI, o imposto é liquidado anualmente (...) com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita.

-        Ora, o IMI é liquidado em relação a cada parte suscetível de utilização independente e tendo em conta o respetivo valor patrimonial tributário.

-         A ficção da existência de um valor patrimonial tributário correspondente à soma dos valores patrimoniais tributários das diversas partes suscetíveis de utilização independente não encontra suporte nem na letra nem no espírito da lei.

-        E menos suporte na lei encontra a aplicação que a Requerida faz dos preceitos em causa ao distinguir os andares cuja afetação é habitacional e os andares cuja afetação é comercial.; entre aquilo que é o VPT do prédio e o VPT que a Requerida denomina como “valor patrimonial tributário – total sujeito imposto”.

-        Na verdade, conforme se afere da análise da caderneta predial, a Requerida expurgou do VPT total do prédio, 2.342.320,00 euros, os VPT das partes com afetação comercial, alcançando desse modo o VPT alegadamente sujeito a imposto.

-        Acresce que, encontrando-se o prédio em propriedade total, e sendo constituído por partes com afetação habitacional e partes com afetação comercial, não se vê como pode a Requerida pretender qualificar o prédio como sendo de habitação.

-        A qualificação “prédio com afetação habitacional” não existe no CIMI.

-        Quando se refere, na norma de incidência, a afetação habitacional, o Imposto do Selo (IS) pressupõe uma abordagem funcional, como exige também, aliás, o princípio da prevalência da substância sobre a forma que subjaz ao ordenamento jurídico.

-        A atribuição, ao prédio em causa, de afetação habitacional, quando o mesmo é composto por partes com afetação habitacional e partes com afetação não habitacional, extravasa claramente a lei, não encontrando suporte nem na sua letra nem no seu espírito.

-        A posição do Impugnante encontra-se em sintonia com a jurisprudência consolidada do CAAD e do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente os acórdãos do STA de 20.05.2016, proc. nº 1352/15, de 24.05.2016, proc. nº 1344/15, de 04.05.2016, proc. nº 172/16, e de 09.09.2015, proc. 47/15.

-        Do lado das decisões arbitrais sob o patrocínio do CAAD, citam-se as decisões nos processos 132/2013-T, 26/2014-T, 88/2014-T, 206/2014-T, 290/2014-T, 309/2014-T, 428/2014-T, 451/2014-T, 457/2014-T, 458/2014-T, 567/2014-T, 724/2014-T, 152/2015-T, 174/2015-T, 236/205-T, 311/2015-T e 50/2013-T.

 

  1. Resposta da Requerida

Na sua Resposta, a Requerida alega, resumidamente, o seguinte:

-        Dispõe o artigo 44º, n.º 5 do Código do Imposto do Selo (CIS), aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que, havendo lugar a liquidação, o imposto a que se refere a verba 28 da TGIS é pago, nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120º do CIMI, isto significa que (quando o valor for superior a € 500,00) é pago em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro, conforme alínea c) do n.º 1 do citado artigo.

-        Ora, o que aqui está em causa são liquidações que resultam da aplicação direta da norma legal, que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária.

-        O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2º, n.º 1, do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que, no regime de propriedade horizontal, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio.

-        Decorre da análise do preceito normativo que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, vários prédios.

-        O artigo 12º do CIMI estatui o conceito de matriz predial, sendo que o seu n.º 3 respeita, exclusivamente, à forma de registar os dados matriciais.

-        Quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o valor que serve de base ao seu cálculo, será indiscutivelmente o inscrito na caderneta predial como “valor patrimonial total”.

-        Em cumprimento do disposto no artigo 119, n.º 1 do CIMI, o documento de cobrança é enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário e da coleta imputada a cada município da localização dos prédios.

-        Em consonância, estando correta a liquidação e sendo devido o imposto apurado, não são devidos quaisquer juros (moratórios ou indemnizatórios), desde logo por não existir qualquer erro imputável aos serviços, que se limitaram a atuar, como deviam, no estrito cumprimento da norma legal.

-        O Impugnante defende que, pelo facto de se estar perante um prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, tal incidência deveria ser determinada pelo VPT atribuído a cada andar ou divisão.

-        As alegações tecidas na petição inicial, bem como a referência a decisões arbitrais abonatórias da sua pretensão, dão conta dessa discordância.

-        Carece, porém, de sustentação legal a tese defendida pelo Requerente.

-        Muito embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba no 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações, a saber aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme n.º 4 do art. 2º do CIMI.

-        O que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária, conforme adiante se refere.

-        A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da TGIS resulta da conjugação de dois factos: a afetação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00.

-        Na verdade, consta da caderneta predial (anexa à PI) que o prédio em apreço se encontra em regime de propriedade total, composto por várias partes suscetíveis de utilização independente.

-        Sendo esta a informação matricial, de acordo com o artigo 23º, n.º 7 do CIS, as liquidações de imposto do selo reportados ao ano de 2015, foram efetuadas, pela Administração Tributária, tendo em conta a natureza do prédio urbano, à data do facto tributário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.

-        De acordo com as regras do CIMI, concretamente o artigo 113º, n.º 1, a liquidação efetua-se anualmente, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita.

-        Encontrando-se o prédio em regime de propriedade total (não possuindo frações autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do n.º 4 do artigo 2º do CIMI resulta que só as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios), é o VPT global do prédio que deve, pois, relevar.

-        Face ao exposto, deve a alegada violação da verba 28.1 da TGIS ser julgada improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correta aplicação da lei aos factos.

-        Saliente-se que a inscrição matricial de cada parte suscetível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta de uma descrição na matriz do prédio na sua totalidade – veja-se a caderneta predial do prédio que representa o documento do proprietário contendo os elementos matriciais do mesmo.

-        O que se pretende concluir é que estas normas dos procedimentos de avaliação, as normas sobre a inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação das partes suscetíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical, isto porque, e como já se referiu, seria ilegal e inconstitucional.

-        Estes regimes jurídico-civilísticos são diferentes, e a lei fiscal respeita-os!

-        Assim, resulta do facto do IS Verba 28.1. incidir sobre a propriedade de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, que o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, claramente, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando suscetíveis de utilização independente.

-        A verba 28.1 incide, pois, sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

-        Trata-se de uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os respetivos pressupostos de facto e de direito.

-        Também, a diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total face a um imóvel constituído em propriedade horizontal, decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras.

-        Com efeito, a constituição em propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das frações que a constituem, para todos os efeitos legais, nos termos do n.º 4 do art. 2º do CIMI e art. 1414º e seguintes do CC, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária.

-        Deste modo, não se pode concluir por uma alegada discriminação, ou violação do princípio da igualdade quando, na verdade, estamos perante realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente.

-        Importa ainda salientar que a tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na exata medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado.

-        Na verdade, a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia, quanto ao objetivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes.

-        Assim, encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção da receita, o qual apenas seria censurável se resultasse manifestamente indefensável.

-        Não cremos que tal se verifique porquanto tal medida é aplicável de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00.

-        O que se defende agora em sede arbitral foi objeto de informação vinculativa por parte da AT, com despacho de concordância do Sr. Substituto Legal do Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 11.02.2013, cujo teor parcialmente se transcreve:

“3. Para efeitos de tributação em sede de imposto do selo, pela verba 28 da respectiva tabela geral, é determinante a distinção entre prédios constituídos em propriedade total e prédios constituídos em regime de propriedade horizontal. No caso de prédio constituído em propriedade horizontal, nos termos previstos nos artigos 1417.º e seguintes do Código Civil, cada fracção autónoma assim constituída é havida como constituindo um prédio, conforme decorre do disposto no artigo 2.º n.º 4 do CIMI, aplicável por força do disposto no artigo 1.º n.º 1 e n.º 6 do Código de Imposto de Selo, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro e Verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo, na sua atual redacção.

4. Para os devidos e legais efeitos, designadamente para efeitos de tributação em sede de imposto do selo, verba 28 da TGIS, os prédios constituídos em propriedade total, são considerados pela sua totalidade como um único prédio.(...)

6. Para efeitos de IMI e consequentemente para efeitos de sujeição a imposto de selo, verba 28 da Tabela Geral, anexa ao CIS, por remissão daquele Código, o prédio em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente (dita propriedade total) e o prédio em regime de propriedade horizontal, são no que respeita ao conceito de “prédio fiscal” distintos uma vez que no último caso a fracção autónoma, para efeitos de IMI, integra o conceito de prédio. Trata-se de uma excepção à regra geral, dado que cada fracção autónoma de um edifício sujeito ao regime de propriedade horizontal pertence a um titular independente, o qual é proprietário da sua fração autónoma e comproprietário das partes comuns do prédio.

7. Já relativamente ao primeiro caso (propriedade total) ainda que o prédio tenha partes ou divisões suscetíveis de utilização independente o conceito jurídico tributário é de que este prédio constitui uma única unidade, uma vez que a sua titularidade, sem prejuízo da compropriedade, apenas pertence a um único proprietário”.

-        Desta forma se conclui que o ora Requerente, para efeitos de IMI e também de imposto do selo, por força da redação da referida verba, não é proprietário de frações autónomas, mas sim de um único prédio, considerando a AT que este é o entendimento que melhor se coaduna com o princípio da legalidade ínsito no artigo 8º da LGT, a que está votada toda a sua atividade.

-        Pelo que temos, necessariamente, de concluir que as notificações efetuadas para pagamento do imposto em causa, não violaram qualquer princípio legal, devendo, assim, ser mantidas.

-        Este entendimento encontra-se em consonância com uma recente decisão arbitral, do passado dia 5 de maio, proferida no proc. n.º 668/2015 – T.

-        O Requerente alega, na sua douta PI, ausência de fundamentação legal nos termos da alínea c) do artigo 99.º do CPPT, por falta do número da liquidação, nos vários documentos para pagamento do imposto em causa.

-        Da consulta às referidas notas de cobrança, verifica-se que as mesmas se referem à liquidação do Imposto e Selo sobre imóveis verba 28 da TGIS, onde se encontra devidamente identificado o prédio pela descrição – município /freguesia/artigo – o valor patrimonial, a taxa aplicada, e nestas mesmas notas de cobrança, encontramos igualmente as disposições legais ao abrigo das quais a liquidação foi efetuada.

-        Assim, nos termos do estatuído no art.º 77.º da Lei Geral Tributária, a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

-        De acordo com o n.° 2 de tal artigo a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

-        Ou seja, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso, parte integrante do respetivo ato, equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.

-        Em conformidade com o que já foi decidido neste douto tribunal, cf. decisão prolatada no processo 42/2013-T, sempre se dirá que «nos denominados atos de massa, como é o caso da liquidação impugnada, não deve ser exigido o mesmo rigor formal que se deve exigir de outros actos administrativos que se destinam a situações específicas individualizadas (neste sentido vide, por exemplo, o acórdão do STA de 22-11-2000, processo n.º 25389).».

-        Tendo ainda presente no que respeita à fundamentação dos atos administrativos que o ato está fundamentado quando, pela motivação aduzida, se mostra apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra o mesmo, se assim entender.

-        Seguindo de perto a jurisprudência assente, que refere: «Variando a densidade da fundamentação em função do tipo legal de ato e das suas circunstâncias, é aceitável uma fundamentação menos densa de certos tipos de atos, considerando-se suficiente tal fundamentação desde que corresponda a um limite mínimo que a não descaracterize, ou seja, fique garantido o "quantum" indispensável ao cumprimento dos requisitos mínimos de uma fundamentação formal: a revelação da existência de uma reflexão e a indicação das razões principais que moveram o agente», in Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no recurso n.o 31616 de 13-04-2000.

-        Atente-se, ainda, à doutrina que refere que determinado ato, in casu, o ato administrativo-tributário, se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final, in A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 687 e seg, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.

-        Analisando a cognoscibilidade do iter volitivo ou percurso cognitivo da administração no que concerne ao ato final, neste caso a liquidação do imposto, seguindo a jurisprudência assente sempre se dirá que fundamentar «(...) Não significa uma exaustiva descrição de todas as razões que determinam a sua prática, mas implica esclarecer devidamente o seu destinatário dos motivos que estão na génese e das razões que sustentam o seu conteúdo. (...) Esse dever de fundamentação visa, assim, permitir ao destinatário do ato conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo deste, permitindo-lhe ficar a saber quais os motivos que levaram a Administração à sua prática. (...) Um ato está devidamente fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artigo 487º, n.º 2 do Código Civil – fica esclarecido acerca das razões que o motivaram.» in Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 016217de 28-10-1998.

-        Repristinando o já antedito, para se atingir aquele objetivo basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, congruente e que se mostre contextual, sendo a fundamentação do ato administrativo-tributário suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.

-        Ora, resulta demonstrado que o Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance das liquidações, como resulta do próprio exercício jurídico-argumentativo que faz agora no presente pedido de pronúncia arbitral.

-        Pelo que não se pode deixar de concluir, como conclui a boa jurisprudência, que : «Não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido...», in Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0105/12 de 30-01-2013.

-        É manifesto e inquestionável que o Requerente compreendeu perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação em causa, e quais os critérios e métodos legais que levaram aos valores ínsitos nas liquidações ora em crise, sendo o presente pedido de pronúncia arbitral, e a fundamentação apresentada pelo Requerente, prova disto mesmo.

 

 

 

3.                             Tramitação subsequente

 

3.1.            Dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT

Em despacho proferido em15.12.2016, o Tribunal propôs a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, por se afigurar desnecessária.

Tendo as Partes expressado a sua concordância, o Tribunal determinou a dispensa da reunião por despacho proferido em 2.5.2017.

 

3.2.            Requerimento subsequente da Impugnante

Em 24.01.2017, o Impugnante apresentou requerimento em que requeria a junção de comprovativos do pagamento da segunda e da terceira prestação do imposto relativo às liquidações impugnadas – pagamento superveniente à apresentação do pedido de pronúncia arbitral – e pedia simultaneamente a ampliação do pedido a fim de abranger neste o reembolso dessas mesmas quantias.

Foi concedido à Autoridade Tributária prazo para se pronunciar sobre este requerimento, o que a mesma optou por não fazer.

 

3.3.            Alegações

Por despacho de 10.05.2017 foi concedido às Partes prazo para a presentação de alegações finais.

Nas respetivas alegações finais, ambas as Partes reiteraram, no essencial, as teses e argumentos já anteriormente expostos.

 

 

II – SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 10-11-2016, tendo sido o árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respetivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, nº 1, als. a) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD).

As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Estando-se perante a impugnação de uma pluralidade de atos de liquidação, a cumulação de pedidos é admissível nos termos do art. 3º, nº 1 do RJAT.

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

III – QUESTÕES A DECIDIR

 

São questões a decidir:

-        A existência de uma situação de ampliação do pedido e a sua admissibilidade;

-        A existência de vício de falta de fundamentação;

-        A incidência do imposto da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo sobre divisões de prédio urbano em propriedade total, com afetação habitacional e suscetíveis de utilização independente e como tal consideradas na matriz predial tributária.

 

IV – FACTOS PROVADOS

 

São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão:

-          O Impugnante era, à data do facto tributário, proprietário do prédio urbano sito na Rua … nºs … a …, ..., inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de …, …, …, …, … e …, concelho de ..., sob o artigo …;

-          O prédio descrito encontra-se descrito na matriz predial tributária como prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente;

-          O prédio é composto por dezoito divisões suscetíveis de utilização independente das quais, oito têm afetação comercial, e as restantes têm afetação habitacional;

-          O valor patrimonial tributário do prédio é de 2.342.320,00 euros;

-          O valor considerado pela AT- Autoridade Tributária e Aduaneira como estando sujeito a imposto é de 1.254.600,00 euros;

-          A AT- Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou imposto do selo sobre os valores patrimoniais tributários dos andares ou partes suscetíveis de utilização independente com afectação habitacional, à taxa de 1%, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) relativamente ao ano de 2015;

-          Nenhuma das divisões do prédio tem valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros;

-          O Impugnante procedeu ao pagamento da totalidade do imposto liquidado.

-          O Impugnante procedeu ao pagamento da segunda e da terceira prestações do imposto liquidado, em processo de execução fiscal, em 20-02-2017.

 

V - FUNDAMENTAÇÃO  

 

I.            Ampliação do pedido/incidente de liquidação para tornar líquido o pedido genérico

O Impugnante requereu, através de requerimento dirigido ao Tribunal em 24.2.2017, a ampliação do pedido, de modo a incluir nele o reembolso das quantias pagas voluntariamente em processo de execução fiscal, referentes à segunda e terceira prestações do imposto correspondente às liquidações impugnadas.

Este pagamento foi efetuado em 20-02-2017, portanto após a apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

Com o devido respeito pela posição assumida pelo Impugnante, cremos não estar perante uma situação de ampliação do pedido mas de um simples incidente de liquidação para tornar líquido o pedido genérico, nos termos dos artigos 358º e 359º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo arbitral tributário por força da remissão operada pelo art. 29º, nº 1, al. e) do RJAT.

Com efeito, o pedido formulado pelo Impugnante, no que diz respeito ao reembolso do imposto pago, é um pedido genérico, não quantificado, que abrange todo o imposto que tiver sido pago relativamente às liquidações impugnadas, e cujo montante não era possível ao Impugnante quantificar no momento da apresentação do pedido de pronúncia, por, nesse momento, não ter sido efetuado ainda o pagamento da totalidade do imposto liquidado, e por esse pagamento estar dependente de factos cuja ocorrência e tempo de verificação não eram previsíveis, como, por exemplo, a instauração do processo de execução antes de anuladas as liquidações.

Assim, no momento em que, por ter sobrevindo o pagamento da totalidade do imposto, o Impugnante tem conhecimento exato do montante total cujo reembolso pretende exigir, deve vir ao processo indicar essa quantia, através de um procedimento de liquidação do pedido.

É claro que o pedido formulado, no que diz respeito ao reembolso do imposto pago, é um pedido genérico, pois a sua quantia não se encontra nem é passível de ser determinada à partida, sendo claro também que os montantes pagos relativos à segunda e à terceira prestação do imposto liquidado cabem dentro do pedido genérico: “o reembolso do imposto indevidamente pago”.

Assim, o incidente tem cabimento.

A matéria de facto que lhe diz respeito deve ser considerada nos temas da prova enunciados ou a enunciar com a restante matéria de facto da causa principal – como, de resto já foi – e a liquidação deve ser discutida e julgada com a causa principal, conforme dispõe o art. 360º, nº 2 do CPC.

 

 

II.            A existência de vício de falta de fundamentação

O Impugnante tem razão ao afirmar que a falta ou insuficiência de fundamentação do ato tributário constitui um vício que inquina o ato de invalidade nos termos da al. c) do art. 77º da LGT e do art. 36º do CPPT.

No entanto, a fundamentação do ato tributário consiste na explicitação “das razões de facto e de direito” que motivaram a decisão (art. 77º, nº 1 da LGT).

A indicação do número com que a Administração Tributária regista e identifica a decisão não pode considerar-se como fazendo parte da fundamentação do ato, pelo que a sua falta não pode equivaler a falta de fundamentação.

Improcede, pois, o pedido de anulação dos atos de liquidação impugnados com base no vício de violação de lei por falta de fundamentação.

 

III.            A incidência do imposto da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo sobre divisões de prédio urbano em propriedade total, com afetação habitacional e suscetíveis de utilização independente e como tal consideradas na matriz predial tributária

A questão de fundo que há que apreciar e decidir é a de saber se o imposto da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo incide sobre divisões de prédio urbano em propriedade total, com afetação habitacional suscetíveis de utilização independente e como tal consideradas na matriz predial tributária.

Sobre esta mesma questão o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou diversas vezes, encontrando-se firmada a doutrina de que, tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência objectiva do Imposto do Selo deve ser determinada, não pelo valor patrimonial tributário resultante do somatório do valor patrimonial tributário de todas as divisões ou andares suscetíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo valor patrimonial tributário atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.

 A fundamentação desta doutrina pode encontrar-se num dos primeiros acórdãos que o Supremo Tribunal proferiu sobre esta matéria, em 09-09-2015, no processo n.º 47/15. Neste aresto, que tomamos como base da nossa decisão nos presentes autos, profere aquele Tribunal:

«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.”

Prossegue o Tribunal:

 “(…) A presente temática está, desde logo por força do artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, sujeita às normas do Código do IMI, - «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI».

Como tal, e como já tantas vezes se mencionou, no entendimento do presente tribunal, o mecanismo para o apuramento do VPT relevante para efeitos da aludida verba, é o que se encontra estatuído no Código do IMI.

Ora, o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI estabelece que «cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário».

Desvalorizando o legislador, nos termos anteriormente mencionados, qualquer prévia constituição de propriedade horizontal ou vertical.

Com efeito, para este (legislador), o que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

Refira-se que a própria ATA parece concordar com o critério exposto, razão pela qual as liquidações que a própria emite são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada um dos andares e as liquidações individualizadas.

Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.

Assim, só haveria lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.

Não podendo a ATA considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de IMI (e, tal como anteriormente mencionado, este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28 da TGIS).

Em conclusão, o regime jurídico atual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, pelo que a atuação da ATA traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.

De facto, não pode a ATA distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.

No caso em apreço, o[s] prédio[s] em causa encontrava[m]-se, à data relevante dos factos, constituído[s] em propriedade total e tinha[m] […] fracções com utilização independente, como resulta dos documentos […].

Dado que nenhuma dessas fracções tem valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência.”

Consideramos que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo explanada no aresto citado assenta em fundamentos corretos, pelo que entendemos dever aplicá-la ao caso sub judice, sem qualquer reserva.

No âmbito do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), o legislador estabeleceu claramente, no artigo 12.º, n.º 2 do CIMI, que as partes de prédio com utilização independente são avaliadas separadamente, sendo esse valor tomado como base da liquidação de imposto.

No âmbito do Imposto do Selo, o artigo 13.º, n.º 1 do respectivo código dispõe que “o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI”.

Portanto, parece claro que o legislador pretendeu que fosse considerado o valor patrimonial tributário das partes com utilização independente para efeitos de delimitação da incidência objectiva do imposto.

A Administração Tributária parece conformar a sua atuação com este entendimento, ao emitir atos de liquidação de Imposto do Selo individualizados em relação a cada parte com utilização independente.

Acresce que, de acordo com o artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas deve reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Ora, o elemento subjetivo da interpretação, a retirar dos elementos históricos que são sobejamente conhecidos nesta matéria, e que são parcialmente reproduzidos no acórdão do STA citado, indica claramente a intenção do legislador de submeter a tributação unidades habitacionais (“casas de habitação”) de elevado valor. Unidades habitacionais são as partes suscetíveis de utilização independente e não o prédio na sua totalidade.

Sem esta interpretação, a norma da verba 28.1 a Tabela Geral do Imposto do Selo seria completamente arbitrária, iníqua e destituída de racionalidade.

Em consonância com todos os elementos interpretativos mencionados, e acompanhando a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, deve considerar-se que, estando-se perante um prédio em propriedade total formado por partes suscetíveis de utilização independente, só há lugar a incidência de imposto do selo (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentar um valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros.

Por todo o exposto, cumpre concluir que as liquidações de imposto de selo impugnadas são ilegais, por violação da lei de imposto, ao incidirem sobre partes independentes de prédios em propriedade total mas tomando por base o valor patrimonial tributário da soma das mesmas partes e quando nenhuma dessas partes tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000,00 de euros.

 

 

VII - DECISÃO

 

Pelos fundamentos expostos, decide-se:

I)       Julgar inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, declarando-se a invalidade, por violação de lei, e anulando-se os atos de liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2015 e respeitantes às divisões habitacionais do prédio urbano sito na Rua … nºs … a …, no ..., inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de …, …, …, …, … e …, concelho de ..., sob o artigo …, relativas ao ano 2015.

II)    Condenar a Requerida, AT- Autoridade Tributária e Aduaneira ao reembolso do imposto indevidamente pago referente às liquidações anuladas, acrescido dos competentes juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

 

 

Valor da utilidade económica do processo: Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 12.546,00 euros.

 

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às Partes.

 

 

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 28 de Junho de 2017

 

 

 

 

O Árbitro

 

 

(Nina Teresa Sousa Santos Aguiar)