DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1.1. A…, viúva (doravante designada por «Requerente») - residente na Rua do…, n.º…, …, …-… …, com o NIF…, e na qualidade de representante legal de herança indivisa, com o NIF … -, tendo sido notificada do indeferimento da reclamação graciosa que havia deduzido contra 11 liquidações de Imposto do Selo (IS) todas relativas ao ano de 2015, no montante total de €12.050,70 (vd. Docs. 1 a 33 apenso à p.i.), apresentou, a 29/11/2016, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 99.º do CPPT e nos arts. 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.º 2 ss. do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista que anule “a decisão que indeferiu a Reclamação Graciosa” e que se declare “a ilegalidade, por vício de violação de lei, incluindo constitucional, e, em consequência, se[jam] anulados os [11] actos de liquidação” ora em causa. Pede, ainda, que a AT seja condenada “a restituir à Requerente o Imposto do Selo que por ela foi pago, no valor de €12.050,70” e que lhe seja reconhecido o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios vencidos sobre aquela quantia de €12.050,70.
1.2. Em 15/2/2017 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.
1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos e para os efeitos do mencionado artigo. A AT apresentou a sua resposta a 22/3/2017, tendo argumentado, em síntese, a total improcedência do pedido da Requerente.
1.4. Por despacho datado de 22/5/2017, o presente Tribunal considerou, ao abrigo do disposto nos arts. 16.º, als. c) e e), e 19.º, ambos do RJAT, dispensável a reunião do art. 18.º do RJAT, bem como a audição de testemunhas, e que o processo prosseguisse para decisão, tendo fixado a data de 31/5/2017 para a prolação da mesma.
1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.
II – Alegações das Partes
2.1. Vem a ora Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “as liquidações de Imposto do Selo (IS) que são objecto do presente pedido de pronúncia arbitral enfermam de vício de violação de lei”; b) “[as] liquidações de Imposto do Selo [...] objecto do presente pedido de pronúncia arbitral dizem respeito a um prédio urbano em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sito na Rua…, n.º…, em …, com seis pisos, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de … e …, concelho de Loures, sob o artigo … (que teve origem no artigo … da extinta freguesia de …), que era pertença da Requerente A… e do seu falecido marido B…, com quem estava casada no regime da comunhão geral de bens, conforme consta na respectiva Caderneta Predial Urbana e na respectiva certidão permanente do registo predial (com o código de acesso PL-…-…-…-…), de que se juntam fotocópias enquanto documentos n.ºs 40 e 41”; c) “no rés-do-chão desse prédio situa-se uma loja destinada a comércio, e, em cada um dos restantes pisos (1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º andares), situam-se duas divisões com utilização independente destinadas a habitação (cfr. documentos n.º 38 e 39)”; d) “o referido prédio urbano é, pois, composto por 6 pisos, com 11 divisões, todas com utilização independente (cfr. documentos n.ºs 40 e 41)”; e) “todas essas 11 divisões são funcional e economicamente independentes, sendo distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública (como é o caso da loja, a que corresponde o artigo U-…-RC – cfr. documentos n.ºs 1 a 33, e 40)”; f) “a cada uma dessas 11 divisões corresponde um artigo matricial próprio (cfr. Página 11 de 27 documentos n.ºs 1 a 33, e 40). Cada uma dessas 11 divisões foi objecto de um procedimento autónomo de avaliação em sede de IMI (cfr. documento n.º 40)”; g) “cada uma dessas 11 fracções foram dadas de arrendamento pela cabeça-de-casal e pelo seu falecido marido a outros tantos inquilinos, conforme a AT tem conhecimento através das declarações fiscais que lhe foram apresentadas pela Requerente”; h) “ao efectuar as liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, a AT pressupôs que se tratava de um único prédio, e que, em virtude de a soma do VPT por ela atribuído a cada uma das suas 11 divisões autónomas se cifrar em €1.205.070,00, a propriedade desse prédio seria subsumível à Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS), por o VPT utilizado para efeitos de IMI ser, assim, superior ao €1.000.000,00 referido naquela Verba 28.1 da TGIS”; i) “todavia, na previsão dessa norma da Verba 28.1 da TGIS (que [...] foi aditada ao CIS pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10), bem como das normas dos arts. 2.º-4, 3.º-3/u, 4.º-6, 5.º/u do CIS (na redacção que lhes foi dada pelo art. 3.º daquela Lei n.º 55-A/2012), não se integram prédios com as características daquele que pertencia à cabeça-de-casal e ao seu marido, e que, após a morte deste e a aceitação da herança pelos respectivos herdeiros, passou a integrar o acervo dos bens da herança indivisa (cfr. documentos n.ºs 38 e 39). Com efeito, o conceito de prédio utilizado pelo legislador na Verba n.º 28.1 da TGIS não equivale ao conceito de prédio que foi considerado pela AT ao efectuar as liquidações de IS em apreciação”; j) “o que o legislador pretendeu com aquela verba foi tributar a capacidade contributiva revelada pelos sujeitos passivos que fossem proprietários, usufrutuários ou titulares do direito de superfície de habitações (fossem elas vivendas ou apartamentos, e, a partir de 2014, também terrenos para construção, ex vi da redacção que à Verba 28.1 da TGIS foi dada pelo art. 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12) cujo VPT fosse igual ou superior a €1.000.000,00”; l) “o conceito de prédio subjacente a essa norma não corresponde, pois, ao previsto no art. 2.º na interpretação que dele terá feito a AT, isto é, que, nos casos de prédios com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, só existindo propriedade horizontal é que cada fracção autónoma é havida como constituindo um prédio – cfr. art. 2.º-4 do CIMI”; m) “se cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente tiver condições para que possa ser considerado separadamente na inscrição predial, de modo a nela ser designadamente discriminado o respectivo VPT, então só se integrará no tatbestand daquela Verba n.º 28.1 da TGIS se, para além de ter «afetação habitacional», o seu VPT for igual ou superior a €1.000.000,00. Se as partes do prédio em propriedade total forem funcional e economicamente independentes, podendo assim, cada uma delas, ser utilizadas, de forma autónoma e independente, para habitação ou comércio, cada uma dessas partes só se encontrará sujeita a IS por força da Verba n.º 28.1 da TGIS caso o respectivo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00”; n) “no caso em apreço, a ratio legis da referida norma (Verba n.º 28.1 da TGIS) é a de tributar a capacidade contributiva dos sujeitos passivos revelada pela propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios, ou de partes desses prédios susceptíveis de utilização independente, com «afetação habitacional», quando o VPT constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00”; o) “dispondo o art. 67.º-2 do CIS que «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI», e estabelecendo a parte final da verba 28 da TGIS que o valor patrimonial tributário que releva para esse efeito é o utilizado para efeitos de IMI («sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI»), a interpretação subjacente às liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral viola os princípios da legalidade, da igualdade fiscal, da justiça e da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-fiscal”; p) “se o valor previsto na Verba 28.1 da TGIS se reportasse à totalidade das 11 fracções, não se compreenderia que tivessem sido efectuadas 11 liquidações e emitidas e notificadas outras tantas notas de cobrança”; q) “no caso em apreço, verifica-se que o VPT que consta da matriz de cada uma das referidas 11 divisões independentes (a que, nos termos expostos, corresponde um artigo matricial próprio e que foram objecto de um procedimento autónomo de avaliação em sede de IMI - cfr. documentos n.º 1 a 33, e 40) não é igual ou superior a €1.000.000,00”; r) “à luz da correcta interpretação e aplicação da norma da Verba 28/28.1 da TGIS, importa, pois, concluir que as liquidações aqui objecto de pedido de pronúncia arbitral enfermam de vício de violação de lei, pelo que, com fundamento em ilegalidade, deverão as mesmas ser anuladas”; s) “uma vez determinada a anulação das 11 (onze) liquidações de Imposto do Selo objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, deverá, em consequência, ser ordenada a restituição à Requerente dessas quantias, no valor global de €12.050,70 (cfr. documentos n.ºs 1 a 33). Para além da restituição desses €12.050,70, deverá ainda ser ordenado o pagamento à Requerente dos juros indemnizatórios (cfr. arts. 43.º e 100.º da LGT, e 61.º do CPPT) vencidos sobre as importâncias pagas”.
2.2. Em conclusão, pede a ora Requerente que seja anulada “a decisão que indeferiu a Reclamação Graciosa” e que se declare “a ilegalidade, por vício de violação de lei, incluindo constitucional, e, em consequência, se[jam] anulados os [11] actos de liquidação” ora em causa. Pede, ainda, que a AT seja condenada “a restituir à Requerente o Imposto do Selo que por ela foi pago, no valor de €12.050,70” e que lhe seja reconhecido o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios vencidos sobre aquela quantia de €12.050,70.
2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação: a) que, “à data, a Requerente detinha a propriedade plena do prédio urbano em análise, avaliado nos termos do CIMI, no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos, descrito como «prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente», tendo o mesmo valor patrimonial tributário (VPT) superior a € 1.000.000,00 (cfr. caderna predial junta aos autos com a PI)”; b) que, “em cumprimento da verba n.º 28.1 da TGIS, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, cuja norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do CIMI com VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, e afetação habitacional, procedeu a AT à notificação dos documentos de cobrança com vista ao pagamento das liquidações em causa (docs. identificados na PI)”; c) que “o que está aqui em causa são liquidações que resultam da aplicação directa da norma legal, que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária”; d) que, “quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o VP que serve de base ao seu cálculo, será indiscutivelmente o inscrito na caderneta predial como «valor patrimonial total»”; e) que, “em cumprimento do disposto no artigo 119.º, n.º 1, do CIMI, o documento de cobrança é enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios”; f) que, “muito embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba n.º 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações, a saber aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme n.º 4 do art. 2.º do CIMI”; g) que “a previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, ou entre prédios com afetação habitacional e prédios com outras afetações”; h) que “as liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida”.
2.4. Em conclusão, a AT considera que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida dos pedidos.”
III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação
3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:
i) Estão em causa as seguintes (11) liquidações de Imposto do Selo (IS):
1. Liquidação de IS n.º…, datada de 05/04/2016, respeitante ao prédio que se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-…-RC, da União das Freguesias de … e …, concelho de Loures, relativa ao ano de 2015, da autoria da AT, de que resultou uma colecta no valor de €1.885,70, que foi notificada à Requerente através dos documentos de cobrança identificados, respectivamente, com os n.ºs 2016 …, 2016 … e 2016 … (vd. Docs. 1 a 3);
2. Liquidação de IS n.º…, datada de 05/04/2016, respeitante ao prédio que se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-…-… ESQ, da União das Freguesias de … e …, concelho de Loures, relativa ao ano de 2015, da autoria da AT, de que resultou uma colecta no valor de €1.016,50, que foi notificada à Requerente através dos documentos de cobrança identificados, respectivamente, com os n.ºs 2016…, 2016 .. e 2016 … (vd. Docs. 4 a 6);
3. Liquidação de Imposto do Selo n.º…, datada de 05/04/2016, respeitante ao prédio que se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-…-… DT, da União das Freguesias de … e …, concelho de Loures, relativa ao ano de 2015, da autoria da AT, de que resultou uma colecta no valor de €1.016,50, que foi notificada à Requerente através dos documentos de cobrança identificados, respectivamente, com os n.ºs 2016…, 2016 … e 2016 … (vd. Docs. 7 a 9);
4. Liquidação de Imposto do Selo n.º…, datada de 05/04/2016, respeitante ao prédio que se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-…-… ESQ, da União das Freguesias de …e …, concelho de Loures, relativa ao ano de 2015, da autoria da AT, de que resultou uma colecta no valor de €1.016,50, que foi notificada à Requerente através dos documentos de cobrança identificados, respectivamente, com os n.ºs 2016…, 2016 … e 2016 … (vd. Docs. 10 a 12);
5. Liquidação de Imposto do Selo n.º…, datada de 05/04/2016, respeitante ao prédio que se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-…-… DT, da União das Freguesias de … e …, concelho de Loures, relativa ao ano de 2015, da autoria da AT, de que resultou uma colecta no valor de €1.016,50, que foi notificada à Requerente através dos documentos de cobrança identificados, respectivamente, com os n.ºs 2016…, 2016 … e 2016 … (vd. Docs. 13 a 15);
6. Liquidação de Imposto do Selo n.º…, datada de 05/04/2016, respeitante ao prédio que se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-…-… ESQ, da União das Freguesias de … e …, concelho de Loures, relativa ao ano de 2015, da autoria da AT, de que resultou uma colecta no valor de €1.016,50, que foi notificada à Requerente através dos documentos de cobrança identificados, respectivamente, com os n.ºs 2016…, 2016 … e 2016 … (vd. Docs. 16 a 18);
7. Liquidação de Imposto do Selo n.º…, datada de 05/04/2016, respeitante ao prédio que se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-…-… DT, da União das Freguesias de … e …, concelho de Loures, relativa ao ano de 2015, da autoria da AT, de que resultou uma colecta no valor de €1.016,50, que foi notificada à Requerente através dos documentos de cobrança identificados, respectivamente, com os n.ºs 2016…, 2016 …e 2016 … (vd. Docs. 19 a 21);
8. Liquidação de Imposto do Selo n.º…, datada de 05/04/2016, respeitante ao prédio que se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-…-4 ESQ, da União das Freguesias de … e …, concelho de Loures, relativa ao ano de 2015, da autoria da AT, de que resultou uma colecta no valor de €1.016,50, que foi notificada à Requerente através dos documentos de cobrança identificados, respectivamente, com os n.ºs 2016…, 2016 … e 2016 … (vd. Docs. 22 a 24);
9. Liquidação de Imposto do Selo n.º…, datada de 05/04/2016, respeitante ao prédio que se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-…-4 DT, da União das Freguesias de … e …, concelho de Loures, relativa ao ano de 2015, da autoria da AT, de que resultou uma colecta no valor de €1.016,50, que foi notificada à Requerente através dos documentos de cobrança identificados, respectivamente, com os n.ºs 2016 …, 2016 … e 2016 … (vd. Docs. 25 a 27);
10. Liquidação de Imposto do Selo n.º…, datada de 05/04/2016, respeitante ao prédio que se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-…-5 ESQ, da União das Freguesias de … e…, concelho de Loures, relativa ao ano de 2015, da autoria da AT, de que resultou uma colecta no valor de €1.016,50, que foi notificada à Requerente através dos documentos de cobrança identificados, respectivamente, com os n.ºs 2016…, 2016 … e 2016 … (vd. Docs. 28 a 30); e
11. Liquidação de Imposto do Selo n.º…, datada de 05/04/2016, respeitante ao prédio que se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-…-5 DT, da União das Freguesias de … e …, concelho de Loures, relativa ao ano de 2016, da autoria da AT, de que resultou uma colecta no valor de €1.016,50, que foi notificada à Requerente através dos documentos de cobrança identificados, respectivamente, com os n.ºs 2016 …, 2016 … e 2016 … (vd. Docs. 31 a 33).
ii) A Requerente é cabeça-de-casal da herança aberta por morte de B…, falecido a 5/4/2013 (conforme assento de óbito junto como Doc. 38), sendo ela e o filho de ambos, C…, os únicos herdeiros da referida herança. O prédio urbano em causa, que faz parte do acervo da referida herança, é composto por 6 pisos, com 11 divisões, todas com utilização independente (vd. Docs. 40 e 41). Todas as 11 divisões são funcional e economicamente independentes, sendo distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública (como é o caso da loja, a que corresponde o artigo U-…-RC – vd. Docs. 1 a 33, e 40). A cada uma dessas 11 divisões corresponde um artigo matricial próprio.
iii) Conforme quadro constante do ponto 19.º do pedido de pronúncia, pode verificar-se que o VPT atribuído a cada uma das 11 fracções não supera, para nenhuma delas, o milhão de euros constante da verba n.º 28 da TGIS (existem 10 fracções com, cada uma, um VPT de €101.650,00, e uma fracção com um VPT de €188.570,00) – vd. Docs. 1 a 33, e 40.
iv) A Requerente foi notificada das liquidações supra referidas, no montante total de €12.050,70 – montante este que foi pago pela Requerente (vd. Docs. 1 a 33).
v) A 1/8/2016, a ora Requerente deduziu reclamação graciosa contra as 11 liquidações supra identificadas (vd. Doc. 34). Através do Ofício n.º…, de 20/10/2016, do SF de Loures …, a Requerente foi notificada da decisão proferida a 20/10/2016, que indeferiu a mencionada reclamação graciosa (vd. Doc. 37).
vi) Inconformada, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 29/11/2016.
3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.
3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos presentes autos.
IV – Do Direito
No caso ora em análise, as questões essenciais que se colocam são as de saber: 1) se a sujeição a IS, nos termos do disposto na verba n.º 28 da TGIS, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional, ou se, ao invés, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPTs dos andares ou unidades independentes que o compõem; 2) se são devidos os peticionados juros indemnizatórios.
Vejamos, então.
1) Na origem da primeira questão está a verba n.º 28 da TGIS, aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que dispõe o seguinte:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI: 28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%. 28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”
A Lei n.º 55-A/2012, que entrou em vigor em 30/10/2012, não procedeu à qualificação dos conceitos que constam da referida verba n.º 28, nomeadamente, do conceito de «prédio com afectação habitacional». Contudo, observando o que dispõe o art. 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo (CIS), também aditado pela citada Lei n.º 55-A/2012, verifica-se que «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.» Existindo dúvida quanto ao alcance da referida verba, justifica-se, portanto, observar o que diz o CIMI.
Da leitura do CIMI percebe-se que o conceito de «prédio com afectação habitacional» remete, naturalmente, para o conceito de «prédio urbano» que está definido nos arts. 2.º e 4.º. Por seu lado, constata-se que a determinação do VPT obedece aos artigos 38.º e ss. do CIMI.
Entre as várias espécies de «prédios urbanos» (art. 6.º), menciona-se, expressamente, os «prédios urbanos habitacionais» [v. n.º 1, al. a)], acrescentando, depois, o n.º 2 do mesmo artigo do CIMI, que estes “são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”
Se é certo que o n.º 4 do art. 2.º do CIMI refere que, “para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”, também é certo que nada há na lei que aponte para a discriminação entre prédios em propriedade horizontal e vertical no que se refere à sua identificação como «prédios urbanos habitacionais». Daqui se conclui que partes autónomas de prédios em propriedade vertical com afectação habitacional devem ser consideradas como «prédios urbanos habitacionais».
Com efeito, não faz sentido distinguir na lei aquilo que a própria lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus). Com efeito, nada denuncia, nem na verba n.º 28, nem no disposto no CIMI, uma justificação para aquela particular diferenciação. Note-se, a este propósito, o que dispõe o artigo 12.º, n.º 3, do CIMI: “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”
O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afectação habitacional, possua um VPT superior a €1.000.000,00. Fixar como valor de referência, para a incidência do novo imposto, o VPT global do prédio em causa, não encontra base na legislação aplicável, que é o CIMI, considerando a remissão feita pelo acima referido art. 67.º, n.º 2, do CIS.
Assim, e observando o caso ora em análise, verifica-se que, como nota a Requerente, “o VPT que consta da matriz de cada uma das referidas 11 divisões independentes [...] não é igual ou superior a €1.000.000,00” (vd. ponto iii) da factualidade provada). Daqui se conclui, em face do que foi supra exposto, que sobre os mesmos não deve incidir o IS a que se refere a verba n.º 28 da TGIS, sendo, consequentemente, ilegais os actos de liquidação impugnados pela ora Requerente.
Com efeito, e como bem refere a DA proferida no proc. n.º 552/2015-T, de 27/1/2016, em processo idêntico ao ora em análise, “a principal questão trazida aos autos [...] é a de saber se a sujeição a Imposto do Selo (verba 28 da TGIS) de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das divisões de utilização independente e com afetação habitacional [...], ou se é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório de todos os VPT dos andares ou divisões de utilização independente e com afetação habitacional que o integram [...]. Efetivamente, do ponto de vista formal, bem anda a AT ao referir que um prédio constituído em propriedade horizontal é uma realidade jurídico-tributária distinta de um prédio urbano em propriedade vertical ou total. Porém, se o n.º 4 do artigo 2.º do CIMI, estabelece a ficção legal de que cada uma das frações autónomas de um prédio constituído em propriedade horizontal consubstancia um prédio, daí não decorre, necessariamente, que uma parte de utilização independente de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal seja considerada prédio. Se o legislador utilizou, na norma da verba 28.1 da TGIS, a expressão «prédio urbano de afetação habitacional», não se afigura legítimo que a AT nela pretenda incluir os andares ou divisões de utilização independente de prédios não constituídos em propriedade horizontal que, como a própria reconhece, não são prédios, não podendo, por isso, ser equiparados às fracções autónomas de prédios constituídos em regime da propriedade horizontal. No que respeita à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios não constituídos em propriedade horizontal, rege o artigo 7.º, n.º 2, do CIMI, mas apenas quanto aos «prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior», caso em que, de acordo com a sua alínea b) «(…) cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes». E é esta a única norma do CIMI em que se faz referência ao «valor [global] do prédio», sem que, contudo, este tenha qualquer relevância ao nível da liquidação do imposto. Assim, da conjugação das normas do n.º 2 do artigo 7.º e do n.º 1 do artigo 6.º, ambos do CIMI, resulta que, se um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal integrar exclusivamente partes ou divisões destinadas a habitação, o valor do prédio não equivale à soma das suas partes.”
É de notar, por último, que este entendimento (de ordem infraconstitucional), que tem sido aqui defendido, tem sido sufragado pelo STA, como se pode ver pelo recente Acórdão n.º 47/15, de 9/9/2015, no qual se assinalou, de uma forma clara, que, “tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.”
Veja-se, ainda, a este respeito, o que foi pertinentemente observado no seguinte aresto recente do STA (Acórdão de 24/5/2016, proferido no rec. 1344/15): “a questão que incumbe decidir prende-se com a interpretação da verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, no sentido de definir se ela tem aplicação aos prédios urbanos, com um artigo de matriz mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes a que foram atribuídos independentes VPT, cada um destes de valor inferior a um milhão de euros. Esta questão já não é nova neste Supremo Tribunal e tem merecido uma resposta uniforme no sentido propugnado na sentença recorrida [ou seja, e como sintetiza este aresto: «Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.»], por todos, o acórdão datado de 04.05.2016, recurso n.º 0166/16. Também o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a dimensão constitucional desta norma à luz dos princípios da igualdade tributária, capacidade contributiva e proporcionalidade, tendo concluído que, a norma constante da verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00, não é inconstitucional, por todos o acórdão 247/2016, datado de 04.05.2016. No presente recurso não se coloca a necessidade de apreciação da norma em apreço à luz de tais princípios e parâmetros constitucionais, antes se impondo uma interpretação teleológica e sistemática da mesma, pelo que, a orientação jurisprudencial que tem sido seguida pelos Tribunais comuns, e que agora se seguirá, não belisca a boa doutrina imposta por aquele Tribunal Constitucional.”
2) À luz do que dispõe o n.º 5 do art. 24.º do RJAT – “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” –, tem-se entendido que esta norma permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais. Justifica-se, assim, a análise do presente pedido.
São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vd. art. 43.º, n.º 1, da LGT). É, por isso, condição necessária para a atribuição dos mencionados juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Ac. do STA de 30/5/2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Ac. do STA de 10/4/2013, proc. 1215/12).
Tendo havido, como decorre do que se disse no ponto 1), erro imputável aos serviços, tal determina a procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.
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V – DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se:
– Declarar a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação, bem como a devolução da quantia de €12.050,70, indevidamente paga.
– Julgar procedente o pedido também na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.
Fixa-se o valor do processo em €12.050,70 (doze mil e cinquenta euros e setenta cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas a cargo da requerida, no montante de €918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I do RCPAT e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 31 de Maio de 2017.
O Árbitro
(Miguel Patrício)
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Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.