Decisão Arbitral
Requerente: A…, S.A.
Requerida : AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
I.RELATÓRIO
1. A…, S.A., (doravante designada por Requerente) contribuinte fiscal nº…, com sede no…, …, nº…, …-… …, apresentou em 20-10-2016, pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e artigo 10º, nºs 1 e 2, ambos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de nulidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e consequente anulação e restituição das autoliquidação de IRC, com referência ao ano de 2011, no montante de 9.302.24 €.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 04-11-2016.
3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
4. Em 21-12-2016, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 05-01-2017, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
6. Em 08-02-2017, foi proferido despacho convidando a Requerente a pronunciar-se sobre a excepção suscitada pela AT.
7. Em 20-02-2017, a Requerente respondeu à excepção.
8.Foi proferido despacho arbitral em 27-02-2017, devidamente notificado às partes que fundamentou a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, a inquirição da testemunha indicada pela Requerente, concedeu àquelas a faculdade de apresentarem alegações escritas e indicou prazo limite para a prolação e notificação às partes da decisão arbitral.
9.A Requerente apresentou alegações escritas em 10-03-2017, onde fundamentalmente reitera a posição assumida em sede de pedido de pronúncia arbitral, e a Autoridade Tributária e Aduaneira, procedeu em 24-03-2017 à apresentação das suas alegações, onde basicamente, remete para o teor da sua resposta.
10. A fundamentar o seu pedido, a Requerente invocou em síntese, e com relevo para o que aqui importa, o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição):
a. (…) que apresentou no dia 24 de Março de 2016, o pedido de revisão oficiosa do ato de autoliquidação de IRC, referente ao período e tributação de 2012, (cfr. artigo 1 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 1 com o mesmo junto);
b. (…) tendo o pedido sido apresentado (…) no dia 24 de Março de 2016, formou-se a presunção de indeferimento tácito no dia 24 de Julho de 2016, (cfr. artigo 3 do pedido de pronúncia arbitral);
c.(…) relativamente ao período de tributação de 2012, a Requerente era a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributado ao abrigo do “RETGS”, composto pelas seguintes sociedades:
a. A Requerente, enquanto sociedade dominante do Grupo;
b. B…, Lda., com o NIPC …;
c. C…, SGPS, S.A., com o NIPC…;
d. D... S.A. com o NIPC…;
e. E…, S.A., com o NIPC…;
f. F…, SGPS, S.A., com o NIPC …;
g. G…, S.A. com o NIPC…,
h. H…, SGPS, S.A. (H…), com o NIPC…, a qual integrou o RETGS no período de tributação de 2012; e
i. I…, S.A. (I…), com o NIPC…, a qual integrou o RETGS no período de tributação de 2012, (cfr. artigo 39 do pedido de pronúncia arbitral);
d. A Requerente assumia a forma jurídica de uma sociedade anónima de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal e qualificada, em sede do IRC, como um sujeito passivo residente nos termos do artigo 2º,nº1, alínea a) do Código daquele imposto (cfr. artigo 40 do pedido de pronúncia arbitral);
e. O grupo de sociedades dominado pela Requerente tem como actividade principal a construção civil, obras públicas, promoção imobiliária e actividades conexas (cfr. artigo 41 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 1A com o mesmo junto):
f. A Requerente encontra-se sujeita ao regime geral de tributação de IRC, adoptando um período de tributação coincidente com o ano civil. (cfr. artigo 42 do pedido de pronúncia arbitral);
g. No cumprimento das obrigações declarativas legalmente impostas (…) a Requerente submeteu, em 31 de Maio de 2013, a declaração Modelo 22 do IRC do Grupo, referente ao período de tributação de 2012, (…) da qual resultou o montante a pagar de € 22.933,86 (cfr. artigo 43 do pedido de pronúncia arbitral);
h. De acordo com a informação disponibilizada na área da Requerente no site da AT, o montante total dos Pagamentos Especiais por Conta (PEC) que foi inscrito no campo 356 do quadro 10 da declaração Modelo IRC do Grupo, ainda passível de dedução no período da tributação de 2012, correspondeu a € 9.302,24 (cfr. artigo 44 do pedido de pronúncia arbitral e documentos nºs 3 e 4 com o mesmo juntos);
l. (…) entende a Requerente que o montante pago a título de PEC, e susceptível de dedução no período de 2012, pode e deve ser deduzido à coleta total do IRC formada pelas tributações autónomas referente ao mesmo período e atrás identificada, pelo que a Requerente considera ser-lhe devido pela AT um total de € 9.302.24, (cfr. artigo 53 do pedido de pronúncia arbitral);
j. (…) entende ainda Requerente “que o montante de imposto pago na autoliquidação em maio de 2013 não se apresenta correto, uma vez que o montante correto a pagar pela Requerente deveria ter ascendido a € 13.631,62: € 22.933.86 - € 9-302,24)”, (cfr. artigo 54 do pedido de pronúncia arbitral);
11. Pugna a Requerente, como se extrai do seu pedido, pela anulação da “decisão da Autoridade Tributária, de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa (…) em virtude de tal decisão se fundar em violação do disposto no art. 90º do Código do IRC e em consequência determinar a anulação das autoliquidações referentes ao exercício de 2011 com a consequente restituição do montante de € 9.302,40 (….), respetivamente acrescido dos respetivos juros indemnizatórios previstos no art. 43º da LGT e no art. 61 do CPPT.”
Requer ainda “que, qualquer aplicação da norma – nº 21 do artigo 88º do CIRC – que implique uma interpretação da mesma no sentido da não dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta nas tributações autónomas, seja considerada inconstitucional, por violação do princípio da não retroatividade previsto no nº 3 do artigo 103º da CRP, que expressamente se vem desde já alegar”
-Em síntese conclusiva (da nossa responsabilidade) concluiu a Requerente que, quer o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, quer as autoliquidações de IRC (incluindo as taxas de tributação autónoma) com referência ao ano de 2011 padecem de violação da lei, porquanto não deve ser vedada a dedução do pagamento especial por conta à parte da colecta de IRC correspondente às taxas de tributação autónoma.
-Pugnando que as tributações autónomas têm a natureza de IRC, uma vez que não se subtraem à natureza e ao regime do imposto, devendo ser incluídas no conceito de “colecta do IRC”, rematando que esta deverá englobar não só o valor do IRC mas igualmente o das tributações autónomas
- Pronuncia-se ainda a Requerente acerca do aditamento do nº 21 ao artigo 88º do CIRC, efectuado pela Lei nº 7-A/2016 de 30 de Março nos moldes que serão alvo de apreciação infra.
12.A AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta, por excepção e por impugnação, e procedeu à junção do processo administrativo instrutor.
Por impugnação:
13. Na resposta por impugnação, identificando o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente como a pretensão desta em ser-lhe reconhecido o direito a deduzir os valores pagos a título de pagamentos especiais por conta à colecta produzida por tributações autónomas, alega o seguinte, no sentido da improcedência de pedido de pronúncia arbitral, (que se menciona maioritariamente por transcrição),
13.1. (…) tanto a jurisprudência como a doutrina já abordaram, abundantemente, a caracterização da figura “tributações autónomas” em IRC (e em IRS), (cfr.. artigo 80º da resposta),
13.2. As considerações tecidas a este respeito revelam que a figura das tributações autónomas tem sido instrumentalizada para a prossecução de objectivos diversos que abarcam desde o originário propósito de evitar práticas de evasão e de fraude -, através de despesas confidenciais ou não documentadas, ou de pagamentos a entidades localizadas em jurisdições com regimes fiscais privilegiados, à substituição da tributação das vantagens acessórias sob a forma de despesas de representação ou de atribuição de viaturas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, na esfera dos respectivos beneficiários -, até à finalidade de prevenir o fenómeno designado por ”lavagem de dividendos” (cfr., nº 11º do art. 88º do CIRC) ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos (cfr. nº 13 do mesmo preceito) [cfr. artigo 81º da resposta],
13.3.Reconhece-se, assim, que o carácter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspectos material e temporal dos factos geradores, impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC. (cfr. artigo 89º da resposta),
13.4. (…) a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista [1] em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro na alínea a) do nº 1 do artº 90º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedeceram a regras diferentes.(cfr. artigo 90º da resposta),
13.5. E isso, pois, num caso trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art. 87º do CIRC à matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III do Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias colectáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art. 88º do CIRC. (cfr. artigo 91º da resposta),
13.6. (…) ao contrário do que é afirmado no ponto 9 da declaração de voto de vencido anexa à Decisão Arbitral proferida no processo nº 697/2014-T, não há uma liquidação única de IRC [2], mas antes dois apuramentos:
Isto é, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 90º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120º e 121º do mesmo código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, prevista nos artigos 87º ou no 88º do CIRC, às respectivas matérias colectáveis determinadas igualmente de acordo com as regras próprias (cfr. artigos 92º e 93º da resposta),
13.7. (...) contrariamente, à conclusão redutora extraída desta afirmação de que “se lhes aplica igualmente a norma dirigida à colecta de IRC constante das alíneas b) e c) (actuais c) e d)) do nº 2 do artigo 90º do CIRC, por não se vislumbrar obstáculo a tanto na sua especial forma de incidência e taxas aplicáveis”, impõe-se que seja feito um exercício interpretativo em ordem a determinar se o regime das deduções à colecta do IRC, enquanto parte integrante do sistema -regra deste imposto e pré – existente à incorporação no respectivo das tributações autónomas, também se projecta nas (múltiplas) colectas destas tributações (cfr. artigo 97º da resposta),
13.8. Convém clarificar que a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89º e 90º do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto;
(1) num caso a liquidação opera mediante a aplicação das taxas do artigo 87º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e,
(2) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma, (cfr. artigo 106º da resposta),
13.9. Donde resulta que o montante apurado nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 90º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferentes, pelo que as deduções previstas as alíneas do nº 2 só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime – regra do imposto (cfr. artigo 107º da resposta) (cfr. artigo 107º da resposta),
13.10. Quando se trata das deduções previstas no nº 2 do artº 90º do CIRC, veio a Requerente defender no Pedido – ancorando-se, salvo o devido respeito, numa leitura simplista e descontextualiza deste normativo – que a expressão “montante apurado nos termos do número anterior “ deve ser entendida como abrangendo o somatório do montante do IRC, apurado sobre a matéria colectável determinado segundo as regras do capítulo III e às taxas previstas no artº 87º do mesmo Código, e o montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no art. 88º.(cfr. artigo 112º da resposta),
13.11. O resultado desta interpretação implicaria que, na base de cálculo dos pagamentos por conta definida no nº 1 do artº 105º do Código do IRC – e em termos idênticos aos utilizados no nº 2 do artº 90º a saber:
“os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do nº 1 do artº 90º (…) –
- fossem incluídas as tributações autónomas.(cfr. artigo 113º da resposta),
13.12. Em boa lógica, só faz sentido concluir que a respectiva base de cálculo corresponda ao montante da colecta do IRC resultante da matéria colectável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo, (cfr. artigo 117º da resposta),
13.13. Assim sendo, a delimitação do conteúdo da expressão utilizada pelo legislador no nº 2 do artº 90º do CIRC “montante apurado nos termos do número anterior”, e no nº 1 do artº 105º do CIRC. “imposto liquidado nos termos do nº 1do artº 90º”, deve ser feita de forma coerente (cfr. artigo 118º da resposta),
13.14. O que equivale a dizer que corresponde ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do artº 87º à matéria colectável determinada com base no lucro e nas taxas do artº 87º do Código (cfr. artigo 120º da resposta),
13.15. Por simples decorrência das considerações procedentes que conduziram à conclusão de que as deduções referidas nas alíneas a) e b) do nº 2 do artº 90º do Código do IRC são efectuadas ao “montante apurado nos termos do número anterior”, entendido como o montante do IRC apurado com base na matéria colectável determinada de acordo com as regras constantes do capítulo III e das taxas do artº 87º do mesmo Código (cfr. artigo 133º da resposta),
13.16. É possível estender tal conclusão à dedução relativa aos pagamentos especiais por conta (cfr. artigo 134º da resposta),
13.17. (…) a natureza jurídica do PEC, revelada pela sua configuração como “instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido, e não como imposição a se, bem como pela função que lhe está associada no combate à evasão e fraude fiscais, liga indissociavelmente este pagamento ao montante do IRC apurado sobre a matéria colectável determinada com base no lucro (capítulo III do Código) (cfr. artigo 144º da resposta).
13.18. Em suma, a interpretação do nº 2 do artº 90º em coerência com a natureza e conteúdo das deduções previstas nas suas alíneas, entre as quais figura o PEC, deve ser feita á luz dos objectivos gerais do IRC que o reconduzem, na sua essência, à tributação do rendimento das pessoas colectivas, determinado em conformidade com as regras do capítulo III do respectivo código (cfr. artigo 147º da resposta),
13.19. Sendo por isso, manifestamente destituída de qualquer base a pretensão da ora Requerente de dedução do montante suportado em sede de pagamento especial por conta à colecta produzida pelas tributações autónomas no ano de 2012 (cfr. artigo 148º da resposta),
14. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigo 3º, 6º e 15º do CPPT, ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT),
15. O processo não enferma de nulidades, tendo sido invocada a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
a- A Requerente assume a forma jurídica de sociedade anónima de direito português, com sede e direcção efectiva em Portugal, e qualificada em sede de IRC como sujeito passivo residente nos termos do disposto no artigo 2º, nº 1, alínea a) do CIRC,
b- Relativamente ao período de tributação de 2012, a Requerente era a sociedade dominante de um grupo de sociedade tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”) comporto pelas seguintes sociedades;
. a própria requerente;
. B…, Lda., com o NIPC…;
. C…, SGPS, S.A., com o NIPC …;
. D... S.A. com o NIPC…;
. E…, S.A., com o NIPC…;
. F…, SGPS, S.A., com o NIPC…;
. G…, S.A. com o NIPC…,
. H…, SGPS, S.A. (H…), com o NIPC…, a qual integrou o RETGS no período de tributação de 2012; e
. I…, S.A. (I…), com o NIPC…, a qual integrou o RETGS no período de tributação de 2012,
c- O grupo de sociedades dominado pela Requerente tem como actividade principal a construção civil, obras públicas, promoção imobiliária e actividades conexas,
d- Em 31 de Maio de 2013, submeteu a declaração Modelo 22 de IRC do Grupo, com referência ao exercício de 2012.
e. No ano de 2012 a Requerente não apurou qualquer colecta em sede de IRC,
f. Em 10 de Dezembro de 2015 a AT procedeu à emissão de declaração oficiosa nº 2015…, donde resultou o montante de imposto a pagar de 9.401,78 €,
g- A Requerente apresentou em 24 de Março de 2016, pedido de revisão oficiosa do acto tributário de autoliquidação de IRC, com referencia ao período de tributação de 2012,
h- Revisão oficiosa essa que foi tacitamente indeferida,
i- Já após a formação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a AT veio em Setembro de 2016 pronunciar-se no sentido do indeferimento da pretensão da Requerente, alegando e concluindo, em brevíssima síntese, que “as tributações autónomas não devem ser consideradas para efeitos das deduções referidas no nº 2 do artº 90º do CIRC, até porque, embora estando relacionadas com o IRC, não fazem parte do conceito de coleta.”
j. Em 20-10-2016,a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral, que deu origem ao presente processo, formulando pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e anulação da identificada liquidação de IRC, (cfr. sistema informático de gestão processual do CAAD)
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão inexistem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto dado como provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [(cfr. art. 123º, nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)].
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) ) questão(ões) de direito, (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junto aos autos e o PA anexo, consideram-se provados com relevo para a decisão os factos supra elencados.
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Questão da incompetência material do Tribunal Arbitral
As excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e tendo a sua apreciação carácter oficioso e prioritário, importa, desde já, apreciar a excepção dilatória da incompetência material do tribunal invocada pela Requerida.
- posição da Autoridade Tributária e Aduaneira
A AT suscita a excepção de incompetência material deste Tribunal Arbitral pelas seguintes razões, em suma, e com relevo;
I. (…) atendo o disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a) e 4º, nº 1, ambos do RJAT, e nos artigo 1º e 2º, alínea a) ambos da Portaria nº 112-A/2011, de 22.04, verifica-se a excepção de incompetência do presente Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido supra,
ii. dispõe-se no artigo 2º, alínea a) da Portaria 112-A/2011, que a vinculação da AT à jurisdição referida tem por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no nº 1 do artigo 2º do RJAT, “com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código do Procedimento e de Processo Tributário,
iii. Da factualidade (…) resulta que na situação sub judice, sempre se impunha a precedência obrigatória de reclamação graciosa nos termos do disposto no nº 1 do artigo 131º do CPPT,
IV. (…) a jurisprudência tem provido o entendimento – que não se questiona -, de que, atenta a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto no artigo 131º, nº1 do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento,
V. Todavia, tal equiparação está legalmente vedada em sede arbitral, estando excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas
à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º do CPPT, mas tão só de revisão oficiosa nos termos do artigo 78º da LGT,
VI.Com efeito, o artigo 2º, alínea a) da Portaria nº 112-A/201 exclui, literalmente, do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, “(….) as pretensões relativas
à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação (…) que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do CPPT”,
VII. Aí não se referindo a revisão oficiosa prevista no artigo 78º da LGT,
VIII. Ou seja, da redacção conferida ao citado preceito legal constata-se que o legislador optou por restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, tenham sido precedidas, obrigatoriamente, da reclamação graciosa prevista no artigo 131º do CPPT,
IX. Acresce referir que a Portaria nº 11ª-A/2011 foi aprovada e publicada já após extensa e profusa jurisprudência que reafirmava que, atenta a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosas, é passível a sua equiparação ao disposto no artigo 131º, nº 1 do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respectiva decisão de indeferimento.
X. Ora, se o legislador não previu, no artigo 2º daquela Portaria, o procedimento de revisão oficiosa como equiparável ao recurso à via administrativa, maxime à reclamação graciosa, para efeitos de aceder ao pedido de pronúncia arbitral, foi, certamente, porque não o pretendeu fazer.
XI. Em suma, atento o exposto, conclui-se que por força do estatuído no artigo 2º, alínea a) da Portaria nº 112-A/2011, os litígios que tenham por objecto a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131º do CPPT.
Concluindo a AT neste segmento da sua resposta, que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para a apreciar o pedido subjacente, o que constitui uma excepção dilatória, impeditiva do conhecimento do mérito da causa e conducente à sua absolvição da instância.
- posição da Requerente
A Requerente convidada a pronunciar-se sobre as excepções suscitadas pela AT, veio afirmar, em síntese, e com relevo o seguinte:
i. (…) a AT veio invocar que nos termos da alínea a) do artº 2 do RJAT, foi restringido o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que sejam relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação/autoliquidação, tenham sido precedidos da reclamação prevista no artº 131º do CPPT,
ii. a vingar a tese da AT, teríamos uma limitação de um princípio constitucional,
iii. a regra aplicável, quer para a impugnação judicial quer para a arbitragem, é que se submetam ao crivo da AT todos aqueles atos relativamente aos quais esta entidade ou ainda não se pronunciou ou ainda não teve qualquer intervenção, razão pela qual lhe deve ser dada a oportunidade para se pronunciar antes de uma entidade terceira – tribunal judicial ou arbitral – se pronunciar quanto à sua legalidade,
iv. (…) é manifesta a equiparação do pedido de revisão do ato tributário à reclamação graciosa sobre atos de autoliquidação, retenção na fonte e de pagamento por conta,
v. (…) as reclamações graciosas necessárias justificam-se pela necessidade de uma filtragem administrativa prévia à via judicial, por estarem em causa atos que não são da autoria da AT mas do próprio sujeito passivo e nos quais, este ainda não teve qualquer intervenção,
vi.(…) a melhor leitura da alínea a) do nº 1do artº 2º do RJAT é a de que se se permite ao tribunal arbitral apreciar a eventual ilegalidade da própria liquidação, essa competência abrangerá também os casos em que o ato de segunda grau é o de indeferimento de pedido de revisão do ato tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir.
- decisão da questão da competência material
Os tribunais arbitrais encontram-se constitucionalmente reconhecidos como verdadeiros tribunais (artigo 209º, nº 2 da CRP), e a arbitragem voluntária em geral encontra a sua base legal na Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro, em vigor e que procedeu à revogação da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, onde se prevê que “ o Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, se para tanto forem autorizadas por lei especial ou se estas tiverem por objecto litígios respeitantes a relações de direito privado” (artigo 1º, nº 5)
A autorização legislativa constante do artigo 124º da Lei nº 3- B/ 2010, de 28 de Abril, relativa à arbitragem em matéria tributária, configura a arbitragem tributária, como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo consagrado no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
No uso dessa autorização, foi aprovado o Decreto - Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro que disciplina a arbitragem em matéria tributária.
De acordo com o seu preâmbulo, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD foi fixada nos seguintes termos: encontram-se abrangidos pela “competência dos tribunais arbitrais, a apreciação da declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, da autoliquidação, de retenção na fonte e os de pagamentos por conta, a declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de atos de determinação da matéria colectável e de atos de fixação de valores patrimoniais, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida.”
O âmbito material da arbitragem tributária está definido nas alíneas a) e b) do artigo 2º do RJAT:
Artigo 2º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1.A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável quando não dê origem a liquidação de qualquer tributos, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.
Esta competência dos tribunais arbitrais é, porém, limitada pelos termos em que a AT veio a expressar a sua vontade de se vincular a esta jurisdição, consubstanciada na Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, portaria de vinculação esta que já decorria do disposto no artigo 4º do RJAT:
Artigo 4º
Vinculação e funcionamento
“1.A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.
Deste modo, e para além de outras constantes das alíneas b), c) e d), elenca a alínea a) do nº artigo 2º da Portaria de Vinculação as pretensões que se encontram expressamente excluídas no âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais tributários: “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Ou seja, o diploma que instituiu a arbitragem em matéria tributária, contendo uma previsão de ampla arbitrabilidade em matérias tributárias, não tem, contudo, como já se escreveu [3], uma operacionalidade imediata pois fica condicionada à vinculação da AT, nos precisos termos previstos no artigo 2º da Portaria nº 112-A/ 2011, de 22 de Março.
Recordando ainda a decisão citada, “A vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais é objecto de uma limitação concreta: são expressamente excepcionadas da arbitragem as pretensões que decorram de alegada ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção da fonte ou de pagamento por conta, exceto se a sua ilegalidade tiver sido previamente suscitada, nos termos dos arts. 131º e ss, do CPPT”
A questão de obrigatoriedade de “recurso” prévio à via administrativa, nomeadamente através da reclamação graciosa nos actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta, e a “equiparação” do pedido de revisão previsto no artigo 78º da Lei Geral Tributária à reclamação graciosa, tem sido alvo de decisões arbitrais em sentido não coincidente.
Reconhecendo-se não ser este o lugar próprio para análise e apreciação das diversas posições que tal tema tem suscitado, caberá ainda assim, relembrar, em brevíssima nota, que neste como em outros processos arbitrais onde a AT tem suscitado a incompetência material dos tribunais arbitrais tributários, tendo como pano de fundo a revisão oficiosa, os argumentos têm sido basicamente; (i) o meio processual para reagir contra o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é a acção administrativa prevista e regulada no CPTA e não a impugnação judicial, daqui resultando a insusceptibilidade de apreciação no domínio arbitral, (ii) a remissão contida na alínea a) do artigo 2º da Portaria de Vinculação, para a “via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, circunscreve-se aos meios neles mesmo previstos e não a qualquer outro procedimento, nomeadamente o de revisão previsto no artigo 78º da LGT.
Antecipando o sentido decisório no que a este particular segmento respeita, perfilha este Tribunal Arbitral Singular uma perspectiva menos restritiva da competência dos tribunais arbitrais tributários, de forma a que nela se inclua a apreciação da ilegalidade provinda do acto de indeferimento do pedido de revisão do acto tributário.
Perfilha-se deste modo, o sentido da decisão e a fundamentação de direito que esteve subjacente, entre outros [4] no processo nº 670/2015-T do CAAD, de 11-07-2015 subscrevendo-se, com a devia vénia o quanto aí vem dito;
“(…) o que está em causa é a competência ou não do tribunal arbitral para a apreciação imediata da ilegalidade do indeferimento de um pedido de revisão oficiosa apresentado, nos termos do artº. 78º da LGT e, mediatamente, a legalidade da autoliquidação que lhe está subjacente, sendo certo que, no caso concreto, se encontra provado nos autos que a Requerente não apresentou qualquer reclamação graciosa prévia à interposição do pedido arbitral. Porém, vem igualmente provado que a Requerente interpôs, antes, um pedido de revisão de conformidade com o que está previsto no art. 78º da LGT e é da decisão tomada [nos presentes autos indeferimento tácito] nesse recurso que solicita a respectiva declaração de ilegalidade”
“ A revisão do ato tributário no âmbito da LGT, constitui um meio administrativo de correcção de erros de atos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses atos, a deduzir nos prazos normais respectivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração (Ac., do STA, de 12/97/2006 Pº 402/2006)
Seguindo as teses daquele Acórdão 117/2013-T, acompanhamos o entendimento de que “o ato de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa do ato tributário constitui um ato administrativo, à face da definição fornecida pelo artº 120º do CPA [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no nº 2º, alínea d), da LGT, 2º, alínea d), do CPPT, e 29º,nº 1, alínea d) do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um ato em matéria tributária pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário.
Assim, aquele ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um “ato administrativo em matéria tributária”.
Nesse caso, a conclusão inevitável é admitir que o processo judicial tributário comporta a apreciação da legalidade dos atos administrativos em matéria tributária, nos termos que estão definidos no artº.97º do CPPT, ou seja “o processo judicial compreende:….e) a impugnação dos atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação.”
Em idêntico sentido do que vem de citar-se, recolhe-se do processo arbitral nº 117/2013-T, de 17/05/2013;
“ (…) importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previsto no art. 78º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo artº 2 do RJAT.
Na verdade, neste art. 2º não de faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere “pedidos de revisão de actos tributários” e “os actos administrativos que comportam a apreciação da legalidade de actos de liquidação”.
No entanto, a fórmula “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a) do nº 1 do art. 2º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
A inclusão nas competência dos tribunais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131º a 133º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação, A referência que na alínea a) do nº 1 do art.10 do RJAT se faz ao nº 2 do art. 102º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz qualquer dúvidas de que se abrangem nas competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquela artº 2º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau,
Alias, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria nº 112-A/2011m de 22 de Março, interpretou estas competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.
Obtida a conclusão de que a formula utilizada na alínea a) do nº 1 do art. 2º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa.”
Concluindo o acórdão que vimos de citar;
(…) permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosas, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.
Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria nº 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de liquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.”
“(…) É de concluir, assim, que o artigo 2º alínea da Portaria nº 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9º do Código Civil, e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do artigo 11º, nº 1 da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa”
Desde modo, sem necessidade de quaisquer outras considerações adicionais, não perfilha este Tribunal Arbitral da interpretação levada a cabo pela AT, quanto aos artigos 2º, nº 1, alínea a) e 4º, nº 1 ambos do RJAT, e artigos 1º e 2º, alínea a) da Portaria nº 112-A/2011 de 22 de Março, improcedendo, em consequência, a excepção de “incompetência material” do presente Tribunal Arbitral pela mesma suscitada.
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B.DO DIREITO
- apreciação do mérito da causa
-A questão central que é objecto do presente processo a que cabe responder, reconduz-se em saber se os valores pagos a título de pagamento especial por conta podem ser deduzidos à colecta produzida pelas tributações autónomas, ou seja,
- É legalmente possível deduzir o montante dos pagamentos especiais por conta (PEC) ao valor da colecta das tributações autónomas (TA) apurado na autoliquidação de IRC de um determinado exercício?
Quer esta questão, quer a relativa à dedução de benefícios fiscais (por exemplo SIFIDE e CFEI) [5] tem sido suscitada em diversas decisões proferidas no âmbito do CAAD, afigurando-se como conclusão possível, face às diversas decisões proferidas no âmbito do CAAD, que a tendência e orientação jurisprudenciais (com obvias excepções) vão no sentido que os pagamentos especiais por conta, não são dedutíveis ao valor da colecta das tributações autónomas, apuradas num determinado exercício fiscal.[6]
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Antes de afrontarmos a questão central que os presentes autos convocam, impor-se-á um ainda que breve incurso ao quadro normativo que lhe subjaz (tributações autónomas, pagamento especial por conta).
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-das tributações autónomas (e respectivas regras de liquidação)
Desde a sua introdução no ordenamento jurídico – fiscal português em 1990, com a publicação do Decreto Lei nº 192/90,de 9 de Junho, passando pela reforma da Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que integrou o seu normativo no Código do IRC até ao momento presente, o regime das tributações autónomas, tem vindo a ser objecto de diversas alterações, nomeadamente através de sucessivas modificações quer das taxas, quer das sistematização e redacção às mesmas conferida, nos respectivos códigos sobre os impostos sobre os rendimentos, ou seja quer no CIRC, quer no CIRS.
A evolução normativa relativamente à tributação autónoma tem vindo a abranger realidades diversas, como desde logo decorre dos diversos números do actual artigo 88º do CIRC, subsistindo, todavia, na óptica do legislador, a ratio da sua criação;
- preocupações de combate à fraude e à evasão fiscal (desde logo enunciadas no preâmbulo da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro) e razões de simplicidade e eficácia na arrecadação fiscal, objectivos de evitar a erosão da base tributável em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, determinaram que o legislador onerasse equitativamente todos dos contribuintes com certos tipos de despesas, tendo vindo o regime das tributações autónomas, inserido no CIRC a verificar uma expansão de relevo.
O Tribunal Constitucional convocado a pronunciar-se sobre diversas situações relacionadas com a tributação autónoma (que aqui não são convocadas) tem vindo a pronunciar-se acerca da tributação autónoma, de forma genérica, no sentido que infra se detalhará (em citação da decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 113/2015-T de 30-12-2015), mas que desde já, sumariamente, se antecipa, salientando-se do voto de vencido do Exmo. Senhor Conselheiro Vítor Gomes exarado no processo nº 204/2010 do Tribunal Constitucional o seguinte:
“ Embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula (…).Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta (…)“
Provindo igualmente do Tribunal Constitucional:
“ Com este tipo de tributação teve-se em vista, por um lado incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afectam negativamente a receita fiscal, e por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, bem como combater a fraude e evasão fiscal que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social” [7]
Podendo extrair-se quanto à ratio das tributações autónomas, e ainda que exemplificativamente, a doutrina que dimana do Supremo Tribunal Administrativo:
“ o legislador criou as taxas de tributação autónoma com vista a penalizar a realização de determinadas despesas uma vez que devem ser tributados na pessoa/empresa que suporta o respectivo custo (…)”[8]
E ainda,
“ Na tributação autónoma o facto tributário que dá origem ao imposto é instantâneo; esgota-se no ato de realização de determinadas despesas que está sujeita a tributação (embora o apuramento do montante de imposto, resultante das aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesas considerado, se venham a efectuar no fim de um determinado período tributário. Mas o facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro”.[9]
A jurisprudência arbitral tributária (v.g. processos 166/2014-T; 246/2013-T, 260/2013-T, 282/2013-T, 6/2014-T, 36/2014-T) tem vindo a considerar que as tributações autónomas pertencem sistematicamente ao IRC e não ao IVA ao IRS, ou a qualquer outro imposto do sistema fiscal português.
Perfilhando o seguinte entendimento: “a razão de ser das tributações autónomas não se encontra no simples arrecadar de mais imposto, mas visa primacialmente desincentivar o recurso ao tipo de despesas que tributam, as quais pela sua natureza, são proporcionadoras de pagamento de rendimentos camuflados, e, em última análise até, permitir reaver algum imposto que deixou de ser pago pelo beneficiário dos rendimentos, transferindo a responsabilidade desta para quem paga esse rendimento, o que lhes confere uma clara natureza anti abuso, manifestamente, acessoriamente complementar à tributação segundo a capacidade contributiva revelada pelo rendimento, ainda que só aparentemente em prejuízo da tributação do rendimento real (leia-se com base na contabilidade). Em suma, com as tributações autónomas o que se pretende é justamente prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos e em fraude às normas que visam atingir o rendimento real dos sujeitos passivos”.[10]
A doutrina que tem vindo a debruçar-se sobre esta questão não diverge da que dimana da jurisprudência assinalada.
Neste sentido, exemplificativamente, SALDANHA SANCHES[11] (com referência ao então artigo 81º, nº 3, que previa uma taxa de 10% sobre encargos relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas);
“Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da exclusivamente empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou de distribuição oculta de lucros, Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida da taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal. Se na declaração do sujeito passivo não há lucro, o custo pode ser objecto de uma valoração negativa: por exemplo, temos uma taxa de 15% aplicada quando o sujeito passivo teve prejuízos nos dois últimos exercícios e foi comprada uma viatura ligeira de passageiros por mais de € 40.000 (artigo 81ºnº 4).
Com esta previsão o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresariais ou viaturas em princípio, demasiado dispendiosas quando existem prejuízos. Cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial, e, por isso, são sujeitos de uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas sim, um custo transformado – excepcionalmente – em objecto de tributação.”
Estar-se-á, segundo RUI MORAIS[12] perante “uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários”.
“ O objectivo parece ser o de tentar evitar (atenuando ou anulando a “vantagem delas resultante em IRC”) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utiliza para fins não empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis: ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes. A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto”.
Em sentido correspondente HELENA PEGADO MARTINS; “O artº 88. prevê a tributação autónoma de diversas despesas. Embora constituam “um entorse” à luz das características próprias do IRC, enquanto imposto direto que incide sobre o rendimento das pessoas coletivas, elas encontram justificativo nos objectivos que visam prosseguir.
A generalidade dos casos previstos na norma prende-se ou com situações de evasão fiscal (vg, o caso das despesas não documentadas e as relativas a pagamentos a não residentes e aí sujeitas a um regime fiscal mais favorável) ou com situações de risco em que é difícil aferir, com segurança, da dedutibilidade do gasto à luz do artº 23º (caso das despesas de representação), ou em que poderão ser atribuídos verdadeiros rendimentos aos trabalhadores sem a correspondente tributação em IRS (caso de ajudas de custo e dos encargos com viaturas). O legislador opta, assim, por sujeitar os gastos a tributação autónoma, como forma alternativa e mais eficaz do que a não dedutibilidade de uma parcela de gasto para efeitos de determinação do lucro tributável”[13]
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Por outro lado haverá que ter em consideração conforme foi já escrito [14]que “a tributação autónoma tal como decorre da própria designação consiste numa forma de tributação que, não obstante se encontrar prevista dos códigos de impostos sobre o rendimento, designadamente no IRC, é materialmente distinta daqueles. Desde logo, tem um facto tributário diverso, dado que não se refere, em rigor, ou pelos menos à primeira vista, à percepção de rendimento, mas a certas despesas. Este entendimento é confirmado pela jurisprudência do tribunal constitucional, administrativo e arbitral, assim como pela doutrina. Depois, contrariamente ao IRC no seu regime geral, as tributações autónomas não têm natureza periódica e não são de formação sucessiva, mas aproximando-se mais dos impostos de prestação única, dada a circunstância de o seu facto geral, isto é, as despesas sobre que incidem, surgirem de forma isolada no tempo.”
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- do pagamento especial por conta (PEC)
O pagamento especial por conta, foi introduzido no nosso ordenamento jurídico através do Decreto -Lei nº 44/98 de 3 de Março, por via do aditamento do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) de dois artigos, 83º A) e 74º A).
O seu preâmbulo é claro quanto à justificação da sua criação: “as práticas evasivas de ocultação de rendimentos ou de empolamento de custos são manifestamente geradoras de graves distorções dos princípios de equidade e da justiça tributárias e da própria eficiência económica e lesivas da estabilidade das receitas fiscais. Delas resulta uma injusta repartição da carga tributária, tanto mais sentida quanto muitos sujeitos passivos de IRC, durante anos sucessivos, em nada em quase nada contribuíram para o Orçamento do Estado, continuando, contudo, a usufruir, por vezes de modo privilegiado, dos direitos económicos e sociais previstos na Constituição.
Neste contexto, o presente diploma estabelece um pagamento especial por conta, através de um novo mecanismo, sobre os rendimentos dos anos de 1998 e seguintes, para as pessoas colectivas sujeitas a IRC”.
- Desde a sua criação, passando pela reforma introduzida pela Lei nº 30- G/2000, de 29 de Dezembro, a que se seguiu a alteração produzida através da Lei do Orçamento do Estado para 2003 (Lei nº 31-B/2002, de 30 de Dezembro) o regime do pagamento especial por conta tem vindo a sofrer algumas alterações no que toca, nomeadamente à sua base de incidência, ao reembolso na circunstância de não ter sido deduzido ao imposto, dedutibilidade e respectivos prazos, condições pagamento, sua obrigatoriedade e outras, cuja análise não cabe nos presentes autos.
Para o que aqui releva, importará ter presente o seu carácter de obrigatoriedade, de acordo com a previsão do nº 1 do artigo 106º do CIRC, na redacção introduzida pela Lei nº 3-B/2010 de 28 de Abril:
“1- Sem prejuízo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 104º, os sujeitos ai mencionados ficam sujeitos a um pagamento especial por conta, a efetuar durante o mês de março ou em duas prestações, durante os meses de março e outubro do ano a que respeita , ou, no caso de adotarem um período de tributação não coincidente com o ano civil, nos 3ºs e 10º meses do período de tributação respetivo.”
Prevendo-se no artigo 93º do CIRC, na sua redacção actual que: “a dedução a que se refere a alínea d) do nº 2 do artigo 90º é efetuada ao montante apurado na declaração a que se refere p artigo 120º do próprio período de tributação a que respeita, ou, se insuficiente, até ao 6º período de tributação seguinte, depois de efetuadas as deduções referidas nas alíneas a) a c) do nº 2 e com observância do nº 9, ambos do artigo 90º.”
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Isto posto;
Já citado e abundantemente invocado em várias acórdãos e decisões arbitrais proferidas no âmbito do CAAD, que abordaram o thema decidendum subjacente, não hesitamos também e com a devida vénia, em trazer à colação o que foi entendido no âmbito do processo nº 113/2015-T, pelo acerto e relevância do quanto aí foi dito, com que nos identificamos:
“ A questão fundamental a que cabe responder nesta decisão é a de saber se as quantias satisfeitas como pagamento especial por conta podem ser deduzidas no imposto sobre o rendimento das pessoas colectiva resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma.
Cotejando a abundante jurisprudência referenciada pela Requerente há efetivamente uma linha condutora que há que realçar a que coincide com o que este tribunal arbitral perfilha: o imposto calculado por aplicação das taxas de tributação autónoma reguladas no artigo 88º do CIRC é também ele imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, i.e, o imposto sobre o rendimentos das pessoas coletivas inclui as tributações autónomas.
Se dúvidas houvesse a atual redação do artigo 23º- A) CIRC desvanecê-las-ia,
(…)
A solução do caso sub judicio precisa que se vá mais fundo e se apure qual é o regime aplicável ao IRC calculado através das taxas de tributação autónoma. O imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas nasceu incidindo objetivamente sobre o lucro tributável, correspondendo este à diferença entre o património líquido no fim e no início do período de tributação.
(…)
É assim que na estrutura conceptual original do IRC o apuramento do lucro tributável toma como ponto de partida o resultado do exercício obtido através das regras técnicas da contabilidade, introduzindo-lhe depois algumas correções de sentido positivo ou negativo, de modo a que este resultado final correspondesse ao lucro tributável, i.e., ao rendimento real que se pretendia tributar (…). Claro que não se regulava nem podia regular o tratamento a dar às “ tributações autónomas” que não faziam parte do sistema, que foi concebido nesta estrutura simples; tomar como ponto de partida o resultado contabilístico (17º -1 do CIRC 1989), corrigi-lo de forma a espelhar o rendimento que se pretende tributar através de regras qualitativamente semelhantes às que vigoravam no plano oficial de contabilidade então vigente (artigo 18º e seguintes CIRC, 1989), aplicar-lhe a taxa geral (69.1 CIRC 1989) e ao produto assim obtido fazer-lhe as deduções da tributação que de algum modo já havia sido suportada ou haveria que sê-lo através de outro sistema fiscal (71º-2CIRC 1989) (…)
(…)
Há que ver agora como foram inseridas as “tributações autónomas” neste sistema.
A introdução no complexo dos impostos sobre o rendimento da aplicação das taxas de tributação autónoma, foi feita através do Decreto-Lei nº 192/90 de 9 de Junho, que estipulou que as despesas confidenciais ou não documentadas passassem a ser tributadas autonomamente em IRS e IRC.
(…)
Todos os elementos indicam que a introdução de tributar despesas em IRC constituiu de início uma medida extravagante, fora da estrutura conceptual do IRC, criada para homenagear o princípio da tributação sobre o rendimento real equilibrado através das correções codificadas. A dita autonomia desta taxa aparece assim com grande intensidade; embora se considera inegavelmente que o seu produto é imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, não é já o rendimento que se tributa diretamente (como regulava o IRC) mas sim despesas.
Nestes casos de dissonância haverá os tais conflitos que importa dirimir.
Estes conflitos resultam e são resolvidos através da interpretação normativa. No fundo haverá que dirimir o conflito aparente quando o pensamento legislativo subjacente à norma do regime geral do imposto por um lado e à norma especial que regula a tributação autónoma por outro lado, não é conciliável, i.e., da sua aplicação atingir-se-á uma finalidade não prosseguida pela norma em causa.
Este conflito nas finalidades a atingir por cada uma das normas é patente no momento em que foram introduzidas no sistema português as chamadas “tributações autónomas”.
(…)
Parece claro à luz destes comandos que no período de 1990-2000 não era concebível utilizar créditos fiscais potenciais para satisfazer a obrigação de imposto apurado a este título, sob pena de se perverter o intuito da lei.
Na sua linha de orientação geral o CIRC pós reforma manteve os princípios que estão na sua génese: partir do resultado contabilístico e corrigi-lo de acordo com as regras estabelecidas, agora aperfeiçoadas pela experiência de 12 anos, para atingir o lucro tributável.
No que se vem averiguando o CIRC resultante da reforma passou a conter o seu artigo 69º - A) com a epígrafe “Taxa de tributação autónoma”, onde se regulou que as despesas confidenciais ou não documentados (nº 1) e as despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos (nº 2), passavam a ser tributadas autonomamente”.
(…)
Não se vê que a reforma do CIRC operada em 2000-2001 tenha introduzido qualquer alteração significativa no código. Introduziu-se apenas o mecanismo de combate a despesas consideradas indesejadas que já constava de legislação extravagante, ampliou-se ligeiramente o espetro de aplicação mas não se adaptou por qualquer forma o procedimento de liquidação. Crê-se por isso que se manteve a caracterização do regime que já antes vigorava, continuando a ter que se efetuar a interpretação das normas de modo a prevenir efeitos contrários à ratio legis.
As sucessivas alterações a este artigo não afetaram por qualquer forma o (des) equilíbrio do sistema, que se manteve até à data dos factos.
(…) Por sua vez, no acórdão do Tribunal Constitucional nº 617/2012,a propósito das “tributações autónomas”, considerou-se que: “com este tipo de tributação teve-se em vista, por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidade patronais como dos trabalhadores, para a segurança social”.
Mais do que afirmar a ratio da imposição das taxas de tributação autónoma, a fundamentação do citado acórdão expressa bem a forma como é entendido o seu cálculo, por confronto com a liquidação do imposto sobre o rendimento de acordo com a taxa geral:
Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesas efetuadas, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.
O mencionado acórdão expressa ainda de forma clara o modo instantâneo em que ocorre o facto tributário e a inexistência de caráter periódico, duradouro ou sucessivo na sua formação.
Por isso caracteriza assim a operação de liquidação:
Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa.
Crê-se que com a análise histórica, enquadramento sistemático e posições doutrinárias e jurisprudenciais, demonstrou-se já a rato legis das normas que impõem imposto tributado autonomamente e a sua distinção perfeita dos objetivos que animam a estrutura geral do CIRC. Fica assim traçada a linha em que se inicia o conflito: logo que a interpretação da norma em causa conduza a resultado que afaste os objetivos que presidiram à sua inclusão no sistema fiscal. Viu-se já quais eram um e outro.
É reconhecido por todos os atores que têm que trabalhar o direito fiscal em geral e em o IRC em particular, a menor coerência da convivência das “tributações autónomas” com o regime geral do imposto sobre o rendimento. A Requerente dá abundantes notícias disso mesmo. Mas reconhecida que é essa dificuldade haverá sempre que aplicar a lei, apurando o seu sentido através da interpretação”.
Continuando a identificada decisão, quanto ao PEC:
“Na doutrina a na jurisprudência o regime do PEC sempre foi tido como sistema para evitar a evasão fiscal e para garantir o pagamento de imposto por todas as empresas em atividade. Esta linha de orientação consta nos textos mais indutores da aplicação do regime nos tribunais, designadamente pelo trabalho doutrinário desenvolvido pelo Tribunal Constitucional. Neste sentido pode ver-se na motivação do seu acórdão nº 494/2009, que o PEC no recorte que lhe foi dado no CIRC está “indissociavelmente ligado à luta contra a evasão e fraude fiscais”, procurando garantir que os rendimentos manifestados pelos contribuintes “correspond[i]am ao rendimento tributável realmente auferido.
Na doutrina (…) [Teresa Gil] deu fundamentadamente conta das circunstancias que rodearam a introdução do PEC, designadamente das dificuldades na aplicação do princípio da tributação pelo lucro real, constatadas face á “divergência que existe entre os lucros efetivamente obtidos e aqueles que são declarados pelas empresas, e, portanto, objeto do tributação”. Embora esta autora considere que o PEC é uma medida insuficiente para resolver o problema da evasão fiscal deste tipo, preferindo o estabelecimento de coleta mínima, menciona que o PEC foi afinal o regime possível face aos limites constitucionais.
O regime atual do PEC é assim caracterizado por (i) ter ligação indissociável à luta contra a evasão e fraude fiscais: (ii) foi introduzido no CIRC em março de 1998, antes das taxas de tributação autónoma que só passaram a fazer parte da sua sistemática na reforma de 2000-2001; (jjj) na conceção do PEC previu-se a sua dedução à coleta na liquidação do IRC calculado sobre o rendimento real; (iv) a recuperação do crédito resultante do PEC está subordinada a condições de obtenção da rácios de rentabilidade próprios das empresas do sector de actividade em que se inserem ou à justificação da situação de crédito por ação de inspecção feita a pedido do sujeito passiva (87º-3 CIRC).
Em súmula, o crédito pelas quantias entregues como pagamento especial por conta, não constitui um crédito exigível que os sujeitos passivos de IRC possam dispor. Para que o possam fazer há que reunir determinadas condições”.
Concluindo:
“Cabe agora apreciar finalmente o argumento basilar que é aquele que resulta da letra da norma do artigo 83º. 2/e , do CIRC [redação dada pela Lei nº 60-A/2005, de 31.12 e 90º c) do CIRC, na redação dada pela Lei nº 3-B/2010,de 28.4 ] que permite que ao montante de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado seja efetuada a dedução relativa ao pagamento especial por conta.
Resulta de facto um conflito entre o regime que regula a tributação autónoma e a dedução à coleta respetiva do PEC. Veja-se a ratio das normas em causa. O método de apuramento do imposto constante do CIRC baseia-se no princípio da incidência sobre o lucro tributário; a tributação autónoma incide sobre despesas individualmente consideradas cuja taxa é aplicável a cada despesa, sendo que “essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a tributação autónoma”.
É inequívoco que o sistema de liquidação não é o adequado ao apuramento das tributações autónomas. Mas será de deduzir o PEC à citada “agregação do conjunto de operações sujeitas a tributação a tributação autónoma” conduz a um resultado inconciliável para o sistema em causa?
Cabe indagar esta linha.
Como se viu o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no então artigo 83º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor.
Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelas contribuintes.”
(…) o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.
Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate á evasão ou a pressão para correcção das declarações – e a efetação dos seus créditos á satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.
Em termos práticos a possibilidade de dedução do PEC às tributações autónomas implicaria que mesmo que determinada empresa estivesse eternamente em situação de prejuízo, nenhum imposto sobre o seu rendimento real teria que suportar, enquanto aplicasse o PEC à satisfação das tributações autónomas. Para mais as próprias tributações autónomas perderiam o seu carácter anti- abuso, passando a confundir-se afinal com o imposto calculado sobre o lucro tributável. Ora não são esses os objetivos do sistema de tributação do rendimento das pessoas coletivas e a melhor interpretação da norma contida no artigo 83º -2 do CIRC não é essa decididamente aquela que permite deduzir os pagamentos especiais por consta à coleta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma”.
A decisão em causa, proferida no âmbito do processo arbitral nº 113/2015 - T, que vimos de citar, concluiu no seguinte sentido:
(…) a pretensão da Requerente tem necessariamente que improceder pois a liquidação impugnada cumpre com a legalidade, pois assenta em correcta interpretação da norma citada”
Face ao que vem de expor-se, não encontra este Tribunal Arbitral Singular razões decisivas e determinantes para decidir em sentido diferente ao que vem de assinalar-se, de resto secundado, por várias outras decisões proferidas no âmbito do CAAD, entre as quais se destacam, a título meramente exemplificativo, as proferidas nos seguintes processos: 524/2016- T; 122/2016-T; 34/2016-T:19/2016-T;785/2015-T;783/2015-T;781/2015-T;113/2015-T.
Adicionalmente, sempre se dirá que este entendimento arbitral no sentido da não dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta resultante das tributações autónomas, se encontra em sintonia com o novo nº 21 aditado ao artigo 88º do CIRC pela LOE de 2016.
- do aditamento do nº 21 ao artigo 88º do CIRC
As teses em confronto neste segmento evidenciadas no pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e a posição expressa pela AT na sua resposta, são de clara identificação: (i) a Requerente rejeita a natureza interpretativa do normativo em causa e (ii) a Requerida pugna em sentido contrário.
Assim,
O artigo 133º da Lei do Orçamento de Estado para 2016 (Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março), com entrada em vigor no dia imediatamente a seguinte, introduziu o nº 21 ao artigo 88º do CIRC, no seguinte sentido:
“ A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”
Tendo determinado ainda o seu artigo 135º que tal norma tem natureza interpretativa:
“ A redação dada pela presente lei ao nº 6 do artigo 51, ao nº 15 do artigo 83, ao nº 1 do artigo 84º, aos nºs 20 e 21 do artigo 88º e ao nº 8 do artigo 117º do Código do IRC tem natureza interpretativa”.
Ora, sem prejuízo da declaração expressa do legislador no apontado sentido, ou seja, afirmação de que se está perante uma lei interpretativa, haverá como tarefa prévia indagar se assim é, antecipando-se que é entendimento deste Tribunal Arbitral a aceitação da natureza interpretativa à norma em causa (nº 21 do artigo 88º do CIRC) e que tal facto não consubstancia qualquer violação ao princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal (nº 3 do artigo 103º da CRP), nem viola o princípio constitucional da segurança jurídica.
Vejamos pois;
- De acordo com o nº 1 do artigo 13º do Código Civil, “a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos produzidos pelo cumprimento da obrigação, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza”.
No ensinamento dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela [15], “as leis interpretativas consideram-se integradas na lei interpretada. Isto quer dizer que retroagem os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivessem sido publicadas na data em que o foi a lei interpretada.”
Como refere o Prof. Baptista Machado [16] “(…) a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e a situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar a fixar uma das interpretações possíveis da LA (lei antiga) com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas
Poderemos consequentemente dizer que são de natureza interpretativa aquelas leis que. sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudências anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes de tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se, entretanto, se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a lei nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora”.
Prosseguindo ainda; “Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos; que a solução do direito anterior seja controvertida ou pela menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.”
Ora, conforme decidido no âmbito do processo nº 673/2015- T do CAAD, a aceitação da natureza interpretativa ao nº 21 do artigo 88º do CIRC que se faz no artigo 135º da LOE de 2016, “passa o teste” enunciado por este Autor:
“- a solução que resultava do teor literal do artigo 93, nº 1, do CIRC era controvertida, como evidencia aquela decisão arbitral e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia;
. o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível quando há razões para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário optimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar”
(…) “ Para além disso, não se vê que o regime que resulta do artigo 88º, nº 21, do CIRC encerre qualquer contradição (….): segundo esta nova norma, as normas do CIRC relativas à forma de liquidação de tributações autónomas devem ser interpretadas como aí se prevê e relativamente a essa parte da liquidação de IRC não são efectuadas deduções”
Por outro lado ainda,
A não retroactividade da lei fiscal, como vem sendo apontado pela doutrina do Tribunal Constitucional, tem em vista a criação de impostos retroactivos, circunscrevendo-se o seu âmbito de aplicação às matérias de incidência subjectiva, objectiva, temporal e territorial.
Do mesmo modo, não se poderá concluir que a atribuição definitiva de natureza interpretativa à norma em causa colida com o princípio da segurança jurídica, subscrevendo-se o que se retira do processo arbitral que vimos seguindo:
“ […] no específico caso dos pagamentos especiais por conta, não pode concluir-se que não se esteja perante uma lei verdadeiramente interpretativa, pois não havia uma jurisprudência consolidada do sentido da sua dedutibilidade à colecta resultante das tributações autónomas e, pelo contrário, a solução perfilhada pelo nº 21º do artigo 88º. Já anteriormente podia ser adoptada pelos tribunais, como foi pelo Tribunal Arbitral que proferiu a decisão no processo do CAAD nº 113/2015-T.
Assim, não pode concluir-se que a interpretação autêntica que se faz daquele artigo 88º, nº 21, por força do artigo 135º da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, seja violadora do princípio constitucional da segurança jurídica, no que concerne à parte daquela norma que se reporta à indedutibilidade dos pagamento especiais por conta à colecta das tributações autónomas”
Face ao exposto, e inexistindo qualquer razão plausível para não perfilhar do que vem dito, subscreve este Tribunal Arbitral Singular posição do sentido do carácter interpretativo da norma em questão e, consequentemente pela não violação do princípio constitucional da não retroactividade ou qualquer outro.
Concluindo-se, também por este motivo, pela improcedência do pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da revisão oficiosa, bem assim como da declaração de ilegalidade da autoliquidação IRC respeitante ao exercício de 2011 que consubstanciam o pedido da Requerente.
III- REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS E JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A Requerente formula o pedido de restituição da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios contados até integral reembolso.
O reembolso das quantias e o direito a juros indemnizatórios dependem da procedência do pedido de declaração de ilegalidade das autoliquidações.
Consequentemente, improcedendo este pedido, improcedem necessariamente os de reembolso e juros indemnizatórios.
IV- DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral Singular em;
a. julgar improcedente a excepção da “incompetência material” do Tribunal Arbitral,
b. julgar improcedente o pedido de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto tributário identificado nos autos,
c. julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação da autoliquidação de IRC de 2012, no montante de 9.302,24 €,
d. absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos formulados,
e. condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
V- VALOR DO PROCESSO
De conformidade ao estatuído nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 37/2013, de 26 de Junho, 97º A), nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos da Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 9.302,24 €.
VI- CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12, nº 2, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e Tabela I a esta anexa, fixa-se o montante das custas em 918,00 €.
NOTIFIQUE-SE
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.
A redacção da presente decisão, rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas.
Vinte e seis de Abril de dois mil e dezassete.
O árbitro
(José Coutinho Pires)
[1] Expressão utilizada pelo Ilustre Professor SALDANHA SANCHES, J.L., Manual de Direito Fiscal, pág. 407, “Com esta previsão [tributações autónomas] o sistema mostra a sua natureza dual”
[2] De facto, o que existe é um pagamento único, pois, quanto às regras de pagamento, no artº 104, nº 2, alínea a), do CIRC o legislador refere-se ao montante total apurado na declaração, incluindo, portanto, todos os apuramentos.
[3] Cfr, decisão arbitral nº 236/2013- T, de 22/04/2014, disponível em www.caad.org.pt
[4] Ver, entre outros, os processos nºs 48/2012-T, 117/2013-T, 203/2015-T e 670/2015-T, disponíveis em www.caad.org.pt
[5] A título meramente exemplificativo, vejam-se as decisões proferidas no âmbito dos processos nºs 769/2014-T e 219/2015-T.
[6] Neste sentido e ainda que a título exemplificativo poderão ver-se as decisões proferidas nos processos 113/2015-T, 781/2015-T, 783/2015-T, 785/2015-T,19/2016-T, 34/2016-T, 122/2016-T, 524/2016-T.
[7] Acórdão nº 617/2012, de 19 de Dezembro de 2012 (Plenário) de 31/01/2013, no âmbito do processo nº 150/12 .
[8] Acórdão de 12-04-2012, relatado pela Conselheira Fernanda Maças.
[9] Acórdão do Tribunal Constitucional citado.
[10] Processo Arbitral nº 187/2013- T.
[11] Manual de Direito Fiscal, 3ª Edição, Almedina, Coimbra 2007, páginas 407 ss.
[12] Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra 2009, reimpressão da edição de Novembro de 2008, páginas 202 e ss.
[13] Lições de Fiscalidade AAVV, Vol. I, coordenação de João Ricardo Catarino e Vasco Branco Guimarães, Almedina, 2014, 3ª Edição, página 320 e ss.
[14] Cfr. Acórdão nº 122/2016- T, de 04-11-2016, proferido no âmbito do CAAD.
[15] Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora 1967, página 19.
[16] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12º Reimpressão, Almedina, 2000, páginas 246 e seguintes.