Decisão Arbitral
Partes
Requerente: A…, NIF … com domicílio na Rua …, nº … –…- …– … Lisboa.
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
I. RELATÓRIO
a) Em 23 de Dezembro de 2016 o Requerente entregou no CAAD um pedido de pronúncia arbitral (PPA) solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).
O PEDIDO
b) O Requerente pede a anulação da liquidação n.º 2016 … referente a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2015, de que resultou uma colecta líquida de 34 293,02 euros e um valor a pagar de 994,06 euros, documento nº 2016… .
c) Uma vez que lhe aponta o vício de ilegalidade, pedindo a restituição do valor pago a mais, acrescido dos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 61º do CPPT, calculados até efectivo reembolso do imposto que venha a ser indevidamente pago.
d) E conclui pedindo que o TAS “desaplique as normas contidas nos nºs 7 e 9 do artigo 13º do Código do IRS, por se encontrarem viciadas de inconstitucionalidade material, procedendo à consequente anulação do ato liquidatário em apreço por vício de falta de lei, corrigindo a respectiva liquidação”.
A CAUSA DE PEDIR
e) O Requerente, pai de 3 filhos menores, celebrou com o seu ex-cônjuge um acordo de regulação das responsabilidades parentais no processo de divórcio, com guarda conjunta e meação de custos entre os progenitores, “nos mesmos termos em que o fazem os unidos de facto e os casados que optem por não declarar conjuntamente rendimentos”,
f) Mas porque a AT “… ao proceder à liquidação, considerou não pertencerem ao agregado familiar do Requerente os filhos sob sua responsabilidade em guarda conjunta”, entende que ocorre “… desigualdade, por não poder em condições análogas às supra (unidos de facto e os casados) obter o Requerente e a sua ex-cônjuge o reconhecimento fiscal da sua conformação familiar, em claro desrespeito pelos comandos da Constituição Fiscal, das Garantias da Família e dos Direitos Fundamentais dos cidadãos”.
g) Verificando-se uma violação do princípio constitucional da igualdade, uma vez que “… existem situações materialmente similares com soluções diametralmente opostas, em especial na opção pela tributação dos rendimentos em separado dos Casados e Unidos de Facto, inovação vinda da "Reforma" do IRS e consagrada no artigo 13º, no 2 do CIRS”.
h) Concluindo que é “…imperiosa a desaplicação das normas, por motivo da sua inconstitucionalidade material e no pleno uso das faculdades de fiscalização concreta da constitucionalidade consagradas no artigo 204º da CRP, que conduzam à desconsideração dos dependentes como membros do agregado familiar para efeitos fiscais”, “…operando assim uma integração analógica das normas relevantes aplicáveis aos Unidos de Factos e Casamentos que optem pela tributação em separado dos rendimentos, isto é, permitindo a aplicação do quociente familiar e das deduções à coleta relevantes a ambos os progenitores na proporção da sua contribuição”.
DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)
i) O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 19-12-2016.
j) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 10.02.2017. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
k) O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 27.02.2017, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
l) Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 27.02.2017 que aqui se dá por reproduzida.
m) Logo em 27-02-2017 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 05.04.2017 juntando o Processo Administrativo (PA) composto por dois ficheiros informatizados designados por PA1 com duas laudas e PA2 com nove laudas.
n) Não se realizou a reunião de partes do artigo 18º do RJAT tendo em conta a posição de ambas as partes. Por despacho de 05.04.2017 foi fixado prazo para apresentação de alegações escritas e sucessivas. Em 21.04.2017 o Requerente apresentou as alegações. Em 08.05.2017 contra-alegou a Requerida. Ambas as partes pugnaram, respectivamente, pela posição já assumida no pedido de pronúncia e na resposta.
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
r) Legitimidade, capacidade e representação – As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
s) Princípio do contraditório - Foi notificada a AT nos termos da alínea m) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes.
t) Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do facto da Requerente ter apresentado o pedido de pronúncia em 23.12.2016 e ter alegado que “… foi notificado da liquidação no dia 04-08-2016, sendo-lhe apresentada como data limite de pagamento o dia 03-10-2016”, o que a AT não colocou em crise.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DO REQUERENTE
u) Alega o Requerente os seguintes factos: “A 23-05-2016 … declarou Rendimentos para efeitos de IRS por submissão digital do Modelo 3 de IRS” e “… tem 3 dependentes a cargo”. “No processo de regulação das responsabilidades parentais foi decretada a guarda conjunta dos menores filhos dos ex-cônjuges”. Mas a “Autoridade Tributária e Aduaneira, ao proceder à liquidação, considerou não pertencerem ao agregado familiar do Requerente os filhos sob sua responsabilidade em guarda conjunta conforme demonstração de liquidação de IRS, campo 10”.
v) Considera existirem normas inconstitucionais, referindo: “O artigo 13º do Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares (CIRS) sofreu uma reformulação no decurso da "reforma" … promovida para o ano de 2015 pela Lei 86-E/2014, de 31 de Dezembro”, daí resultando “… uma discriminação material das realidades familiares em desconformidade com a Constituição da República Portuguesa”, “tendo desconsiderado totalmente uma miríade de situações familiares e parafamiliares, em especial as nascidas do divórcio, sujeitando-as a um tratamento injustificadamente discriminatório em relação às restantes situações parafamiliares, tratadas condignamente pelo direito”, na medida em que “… a interpretação conjugada do nº 7 com o nº 9, ambos do dito artigo, desconsidera como agregado familiar a situação do ora Requerente, como se viu na ora impugnada liquidação, por impedir que ambos os encarregados da guarda conjunta dos dependentes os declarem como parte do seu agregado familiar, impondo sobre um critério aberrantemente arbitrário a definição da situação familiar dos contribuintes”.
w) E explicita: “A implicação dessa (des)consideração é extensa, mas particularmente visível quanto ao quociente familiar e ainda quanto às deduções à coleta, ambos propugnados pelo CIRS como forma de dar cumprimento do comando constitucional do artigo 104º, no 1 da CRP: o imposto sobre o rendimento tem de ter em conta tanto os rendimentos como as necessidades do agregado familiar do Sujeito Passivo”, Acrescentando que “o nosso sistema de deduções à coleta em sede de IRS é inteiramente dependente da figura do agregado familiar, usando-o como critério de aparência ágil para determinação não só das deduções personalizantes, mas também daquelas que pretendem desonerar particulares despesas familiares - a saúde, a educação — da classificação como "rendimentos", que importaria a sua tributação”. Sendo que “… o quociente familiar promove uma discriminação positiva — ainda que limitada — dos sujeitos que tenham outros no seu agregado familiar, ficcionando matematicamente o que de facto acontece: a alocação de parte dos rendimentos líquidos de imposto às necessidades dos restantes membros do agregado”.
x) Ora, uma vez que “… a guarda conjunta passou a ser o sistema por defeito na definição das responsabilidades parentais com a entrada em vigor da Lei 61/2008, de 31 de Outubro (a chamada "Lei do Divórcio"), que rompeu com largos anos de tradição legal e jurisdicional de desresponsabilização de um dos progenitores quanto às responsabilidades parentais que impunha o sistema de guarda isolada”, com este novo instituto “… tenta-se, mediante acordo entre os progenitores, a aproximação entre a realidade familiar pós-divórcio com a anterior, procurando que dessa manutenção resulte um melhor ambiente formativo para o menor”,
y) Na medida em que “ … obteve, na regulação das responsabilidades parentais, uma situação de corresponsabilização perfeita entre si e a sua ex-cônjuge, existindo partilha de encargos e responsabilidades entre eles e a correspondente meação dos custos”, suportando “… 50% dos custos de vida dos menores”, “nos mesmos termos em que o fazem os unidos de facto e os casados que optem por não declarar conjuntamente rendimentos”, existe desigualdade “… por não poder em condições análogas às supra obter o Requerente e a sua ex-cônjuge o reconhecimento fiscal da sua conformação familiar, em claro desrespeito pelos comandos da Constituição Fiscal, das Garantias da Família e dos Direitos Fundamentais dos cidadãos”.
z) Este regime viola o prescrito no artigo 104º nº 1 da CRP, “…numa revelação do Princípio da Capacidade Contributiva, limite da liberdade do Legislador Fiscal” e citando o Prof. Rui Duarte Morais refere “…o legislador não pode deixar de contemplar as despesas com os encargos familiares que (...) são inevitáveis” uma vez que “impressivamente como Direito Fundamental, no artigo 36º … o Legislador Constituinte onera o Estado com o reconhecimento da dissolução do casamento por força do divórcio com a mesma força que o próprio casamento; para logo de seguida afirmar a manutenção das responsabilidades parentais após essa dissolução, sob a forma do dever de educação e manutenção dos filhos”. E no “artigo 67º … consagra a família como elemento fundamental da sociedade vem ainda o legislador incumbir o Estado, sob a égide da protecção da Família, de regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares” “e fá-lo em termos latos de definição de família, incluindo-se pelo menos todas as conformações familiares admitidas pela lei”.
aa) Concluindo: “Torna-se então inequívoco ter o Legislador Fiscal, ao promover a "Reforma do IRS", violado de forma grosseira os comandos constitucionais a que está sujeito, ao desconsiderar como agregado familiar os dependentes e requerente, quando houve a possibilidade de acordar sobre o que é melhor para os dependentes em concreto, entre os progenitores e com mediação e ratificação de um Juiz de Direito, dando origem a uma Guarda Conjunta em que ambos contribuam conjuntamente (passe o pleonasmo) para um desenvolvimento completo e funcional dos seus filhos; enfim, para que os ex-cônjuges, no cumprimento do superior interesse da criança, se apoiem mutuamente no cumprimento dos seus deveres Constitucionais, morais e sociais para com a sua prole”.
bb) Tendo presente que “… existem situações materialmente similares com soluções diametralmente opostas, em especial na opção pela tributação dos rendimentos em separado dos Casados e Unidos de Facto, inovação vinda da "Reforma" do IRS e consagrada no artigo 13º, no 2 do CIRS”, impõe-se a “…a desaplicação das normas, por motivo da sua inconstitucionalidade material e no pleno uso das faculdades de fiscalização concreta da constitucionalidade consagradas no artigo 204º da CRP, que conduzam à desconsideração dos dependentes como membros do agregado familiar para efeitos fiscais, operando assim uma integração analógica das normas relevantes aplicáveis aos Unidos de Factos e Casamentos que optem pela tributação em separado dos rendimentos, isto é, permitindo a aplicação do quociente familiar e das deduções à coleta relevantes a ambos os progenitores na proporção da sua contribuição”. Isto porque, “… não se tratam as deduções à coleta de uma norma excepcional, sendo ao invés critério de correção do montante em coleta, para a adequar à real capacidade contributiva dos Sujeitos Passivos”.
cc) Entende ocorre erro na liquidação imputável à AT uma vez que “a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (artigos 266º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e 55º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviço" (conforme Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Dezembro de 2001, Processo nº 26233).
dd) Em alegações sustentou o que já tinha referido em sede de pedido de pronúncia arbitral.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA
ee) A Requerida propugna “através da leitura do pedido de pronúncia arbitral, que o Requerente não imputa qualquer outro vício de ilegalidade ao acto tributário de liquidação que não seja o da alegada não conformidade com a Constituição, resultante da conjugação do n.º 7 e n.º 9 do artigo 13.º do CIRS com o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)” e nesta conformidade refere “… que o Requerente pretende uma apreciação, em abstracto, das normas em causa” concluindo que “… desta forma, o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar a constitucionalidade das mesmas, da norma em causa, nos termos peticionados”.
ff) Pelo que “… sucede que o Tribunal Constitucional é o foro competente para conhecer quer da ilegalidade, quer da inconstitucionalidade de normas legais [artigos 280.º, n.º 2, alíneas a) e d) e 281.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 3 da CRP e artigos 6.º e 66.º da Lei do Tribunal Constitucional]” e não o “Tribunal Arbitral … dado que que se pretende a fiscalização abstracta da constitucionalidade das normas, matéria constitucionalmente reservada ao Tribunal Constitucional, nos termos da alínea a) do n.º 2, do artigo 281.º da CRP”.
gg) E citando Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 02791/99 refere: “Ora, nos termos do artigo 281º, nº 1, al. a) da CRP, tal fiscalização é da competência exclusiva do Tribunal Constitucional e é expressamente excluída da competência dos tribunais administrativos, pelo nº 5 do artigo 11º do ETAF, os quais só podem conhecer da questão da inconstitucionalidade a título incidental, a propósito de outra questão a elas submetida e não numa acção ou recurso directo de constitucionalidade. Portanto, não é este TCA o Tribunal competente para conhecer do presente recurso, por ser o Tribunal Constitucional o órgão a que está afecta a fiscalização abstracta da constitucionalidade»”,
hh) conclui “… pela impossibilidade do presente Tribunal Arbitral decidir o presente litígio, na medida em que se verifica a excepção dilatória de incompetência material, de onde decorre a absolvição da instância da Requerida, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 278.º, n.º 1, alínea a) e 576.º, n. os 1 e 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT”.
ii) Mesmo que assim não fosse alega a Requerida que: “acresce ainda, por outra parte, que, no âmbito da apreciação da fiscalização abstracta da constitucionalidade, a Requerida sempre seria parte legítima”, “pois que, como é consabido, a Administração Tributária não se pode recusar a aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou ilegalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos artigos 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT (neste sentido, conforme ponto 11 da decisão arbitral proferida no processo n.º 705/2015-T)”, “de acordo com Gomes Canotilho/Vital Moreira “a Administração, em atenção à hierarquia das fontes e à sua directa subordinação à lei, não pode recusar a aplicação de uma lei ou deixar de a cumprir invocando ou questionando a sua inconstitucionalidade”.
jj) Concluindo que “estando em causa um acto normativo emanado da Assembleia da República sob a forma típica de ato legislativo, sempre deveria o Tribunal declarar a absolvição da Requerida da instância, atenta a excepção dilatória de ilegitimidade passiva demonstrada nos presentes autos arbitrais, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea d) e 576.º, n. os 1 e 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT”.
kk) Entende que “…a AT não podia/pode recusar a aplicação de uma norma ou deixar de cumprir a lei invocando ou questionando a sua constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos artigos 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT”.
ll) Relativamente ao regime fiscal aplicável ao caso aqui em discussão refere: “da leitura do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais ficou determinado que “3. Para efeitos de documentos de identificação e similares, os progenitores acordam que, preferencialmente, será indicada a morada de casa da mãe.” (… conforme. documento 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral)”, pelo que “considerando o preceito legal acima transcrito, nos casos de divórcio em que as responsabilidades são exercidas em comum por ambos os progenitores, os dependentes integrarão o agregado do progenitor a que corresponder a residência determinada no acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais”. “Facto é que o próprio acordo acautelou que a morada a indicar, para os efeitos legais tidos por convenientes, seria a da mãe, não obstante ter sido expressamente determinado que as responsabilidades parentais seriam exercidas em comum por ambos os progenitores”.
mm) Concluindo: “Em face do exposto, a AT ao proceder à liquidação do tributo aqui sindicado cingiu-se à estrita aplicação da lei”. “Tanto assim é que o Requerente não assaca qualquer outro vício ao acto tributário de liquidação”. “Assentando a sua defesa única e exclusivamente em argumentos em torno da eventual inconstitucionalidade das normas invocadas, nomeadamente na alegada violação do princípio da igualdade”. “Alicerçando-se, para o efeito, na analogia entre a sua situação e a situação prevista para os Unidos de Facto e Casados”, “constata-se que o Requerente pretende suscitar a violação do princípio da igualdade perante a lei fiscal na dimensão da proibição de diferenciação em situações iguais”.
nn) Finaliza deste modo: “contudo, torna-se imperioso esclarecer que, à luz da Constituição, as situações que se revelam ser iguais são tratadas de forma igual e as situações diferentes terão de ser tratadas de forma diferente na exacta medida da sua diferença”. “O que, no nosso entender, revela ser o caso”.
oo) Sobre a conformidade dos nºs 7 e 9 do artigo 13º do Código do IRS com a CRP, mormente o princípio da igualdade, refere que o “… Tribunal deverá, neste conspecto, na óptica de proibição do arbítrio que brota do principio da igualdade, «tão-somente verificar se a solução legislativa se apresenta em absoluto intolerável o inadmissível, de uma perspetiva jurídico-constitucional, por para ela se não encontrar qualquer fundamento inteligível» verificando se, no caso em apreço, se estabeleceram «distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional» in Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 528/2012, de 7 de Novembro”.
pp) Acrescendo que “o princípio da igualdade, na sua sub-dimensão do princípio da proporcionalidade, impõe a verificação pelo julgador de que as soluções legislativas não se mostrem indubitavelmente, gritantemente, absolutamente desrazoáveis, tendo como pressuposto uma diferenciação que se impõe, por tudo o quanto já vem ante referenciado” pelo que se impõe “… um juízo de avaliação que atenda não apenas à existência de um fundamento racional objectivo na atribuição do tratamento diferenciado a categorias de cidadãos, mas que igualmente aprecie a medida da diferença estabelecida, de modo a verificar a sua adequação em face do fundamento invocado”.
qq) E continua referindo: “quanto à sub-dimensão do princípio da igualdade, i.e., da proporcionalidade (ou igualdade proporcional parafraseando o Tribunal Constitucional) já se pronunciou diversas vezes aquela instância, pelo que voltamos a chamar à colação, de entre vários, o acórdão n.º 183/2013, onde os Ilustres Juízes discorreram o seguinte: «o princípio da igualdade exige que, a par da existência de um fundamento material para a opção de diferenciar, o tratamento diferenciado assim imposto seja proporcionado (…) desigualdade do tratamento deverá, quanto à medida em que surge imposta, ser proporcional, quer às razões que justificam o tratamento desigual - não poderá ser "excessiva", do ponto de vista do desígnio prosseguido -, quer à medida da diferença verificada existir entre o grupo dos destinatários da norma diferenciadora e o grupo daqueles que são excluídos dos seus efeitos ou âmbito de aplicação». “Continuando: «a igualdade proporcional implica a consideração do grau de diferenciação imposto, quer na sua relação com as finalidades prosseguidas - o que pressupõe que as medidas diferenciadoras sejam impostas em grau necessário, adequado e não excessivo do ponto de vista do interesse que se pretende acautelar (...) -, quer no âmbito da comparação a estabelecer entre os sujeitos afetados pela medida e os sujeitos que o não são e, do ponto de vista daquela finalidade, entre uns e outros e o Estado»”.
rr) Concluindo que: “Desta forma, é forçoso concluir que não decorre da interpretação do n.º 7 e n.º 9 do artigo 13.º do CIRS qualquer violação do princípio da igualdade ínsito na CRP”.
ss) Quanto ao pedido de juros indemnizatórios entende que não ocorreu qualquer erro de facto ou de direito imputável à AT, não se verificando os pressupostos do artigo 43º da LGT.
tt) Em alegações manteve o já referido na resposta ao pedido de pronúncia arbitral.
uu) Propugna pela manutenção na ordem jurídica do acto tributário em causa por estar em conformidade com a lei, com procedência das excepções aduzidas e absolvição da instância ou se não procederem, com improcedência dos pedidos e sequente absolvição dos mesmos.
II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR
A primeira e a fulcral questão que se coloca é a de saber se o que está em causa neste processo – independentemente do que as partes alegam - é um pedido de fiscalização sucessiva e concreta da constitucionalidade (artigos 277º e 280º da CRP) ou um pedido de fiscalização sucessiva e abstracta da constitucionalidade (artigos 277º e 281º da CRP).
É na resposta a dar a esta questão que radica a sorte das duas excepções aduzidas pela AT.
A questão de fundo aqui colocada pelo Requerente é de grande relevância como se pode retirar do facto da própria Assembleia da República, através da Resolução nº 86/2017, (DR nº 98/2017 Série I de 2017-05-22) ter recomendado ao Governo que “elimine as discriminações existentes em sede do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares quanto ao exercício das responsabilidades parentais”, permitindo que situações como as que o Requerente aqui coloca tenham uma solução, ao nível do IRS, idêntica às demais consagradas para outros progenitores de menores, no estado de casados ou unidos de facto.
A existência desta Resolução da AR vem dar conforto ao ponto de vista do Requerente e evidencia que na matéria tratada neste processo, existem “discriminações” (usando a expressão do órgão legislativa) que não serão compatíveis com o texto constitucional, pelo menos na leitura implícita feita pelos senhores deputados que a aprovaram, os quais, diga-se, poderiam ter optado por outra via: suscitar directamente ao Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade das normas que estabelecem essas reconhecidas “discriminações”.
Mas o que aqui está em causa é, em primeiro lugar, saber se este processo, nos termos em que foi promovido, é o hábil ou não para se obter uma desaplicação das normas dos nºs 7 e 9 do artigo 13º do Código do IRS, por este TAS, independentemente do mérito da questão de fundo, o qual, segundo a Resolução da AR parece dever considerar-se inquestionável.
No documento “Sistema de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade em Portugal” disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/15245/1/Tese_indice_v03.pdf de autoria de Paula Margarida Tavares Falcão, Orientador Professor Doutor Jorge Miranda, 25 de Março de 2013, refere-se a folhas 20:
“A Constituição Portuguesa prevê assim, no seu articulado, a existência de quatro mecanismos de fiscalização da constitucionalidade, designadamente:
- A fiscalização preventiva da constitucionalidade (artigos 277.º, 278.º, C.R.P.), em que o Tribunal Constitucional se pronúncia quanto à inconstitucionalidade de determinadas normas jurídicas, antes de as mesmas entrarem em vigor na ordem jurídica;
- A fiscalização sucessiva, concreta (artigos 277.º, e 280.º da C.R.P.), pela qual qualquer tribunal pode julgar ou não quaisquer actos normativos inconstitucionais;
- A fiscalização sucessiva, abstracta (artigos 277.º e 281.º, C.R.P.), através da qual somente o Tribunal Constitucional tem legitimidade processual passiva e o poder de declarar ou não a inconstitucionalidade de certa norma jurídica;
- A fiscalização da inconstitucionalidade por omissão (artigo 283.º, C.R.P.), pelo Tribunal Constitucional, que ocorre «em virtude de um silêncio inconstitucional dos órgãos legislativos» (CANOTILHO, JOSÉ JOAQUIM GOMES, «Direito, direitos; Tribunal, tribunais, em Portugal - O Sistema Político e Constitucional», org. por M. Baptista Coelho, 1989, Lisboa, págs. 901 e ss.)”.
E a folhas 21:
“A suscitação da fiscalização concreta de uma norma surge aquando, no decorrer de uma acção proposta nos tribunais comuns, para defesa de um direito ou interesse de um particular, é suscitada a inconstitucionalidade de uma norma aplicável ao caso concreto. Assim, a questão da inconstitucionalidade apresenta-se como uma questão prejudicial, que dependente da acção principal e que é suscitada incidentalmente num processo relativo a questão diversa (MIRANDA, JORGE, «Manual de Direito Constitucional», Tomo VI, Coimbra Editora, 4ª Edição, Coimbra, 2013, págs. 58 e 251). Não existindo no nosso sistema uma acção de inconstitucionalidade, na qual o objecto seja, pura e simplesmente, a avaliação da inconstitucionalidade de normas. Como ensina o Professor Jorge Miranda “A questão de inconstitucionalidade só pode e só deve ser conhecida e decidida na medida em que haja um nexo incindível entre ela e a questão principal objecto do processo, entre ela e o feito submetido a julgamento” (MIRANDA, JORGE, «Manual de Direito Constitucional», Tomo VI, Coimbra Editora, 4ª Edição, Coimbra, 2013, pág. 244). Já o Professor Blanco de Morais, define o processo de fiscalização constitucionalidade, como tendo por objecto uma questão prejudicial heterogénea, desprovida de carácter devolutivo e que emerge a título incidental, no âmbito de um processo principal” (MORAIS, CARLOS BLANCO DE «Justiça Constitucional, Tomo II, O contencioso constitucional português entre o modelo misto e a tentação do sistema de reenvio», Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pág.562).”
Na dissertação: “A fiscalização concreta em Portugal: do texto da Constituição à prática jurisprudencial” disponível em https://estudogeral.sib.uc.pt/1/A%20fiscalizacao%20concreta%20em%20Portugal.pdf, de Thiago de Almeida Ventura, refere-se a folhas 57 e 58:
“A fiscalização concreta da constitucionalidade dá-se «nos feitos submetidos a julgamento» (artigo 204.º, CRP), isto é, incidentalmente – e não a título principal – no decurso de um processo comum (civil, penal, administrativo, etc.). A fiscalização concreta é, portanto, uma fiscalização incidental.
Logo, na ausência da consagração de uma ação ou um recurso direto de inconstitucionalidade no ordenamento jurídico-constitucional português, a questão de inconstitucionalidade só pode surgir incidentalmente a propósito de uma outra questão de direito submetida à apreciação judicial. (Conforme J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição…, II, p. 520. Note-se, porém, que a impossibilidade de alguém se dirigir a tribunal para requerer – a título principal – a declaração de inconstitucionalidade de uma norma não obsta a que o incidente de inconstitucionalidade possa ser provocado mediante a propositura de uma ação declarativa (de simples apreciação, de condenação ou constitutiva) cuja procedência esteja dependente de uma decisão positiva (ou de acolhimento) de inconstitucionalidade (conforme Jorge Miranda, Manual…, VI, pp. 59 e 244). No mesmo sentido, cf. António Rocha Marques, O Tribunal…”, p. 459. Cf., ainda, António de Araújo/Joaquim Pedro Cardoso da Costa, “III Conferência…”, p. 35. Neste caso, a questão principal refere-se ao direito constitucionalmente garantido, enquanto a questão surgida a título incidental no processo diz respeito à inconstitucionalidade normativa (cf. Jorge Miranda, Manual…, VI, pp. 59-60). Consequentemente, a questão de inconstitucionalidade apresenta-se como um mero incidente da instância (Cf. Vitalino Canas, Os processos de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade pelo Tribunal Constitucional: natureza e princípios estruturantes, Coimbra Editora, Coimbra, 1986, p. 37. Todavia, “quando se fala em incidente de inconstitucionalidade, é apenas em contraposição a um processo constitucional próprio, não porque exista um incidente salientado pela lei para se desenrolar com certos sujeitos, perante este ou aquele juiz, em certos termos, exigindo ou dispensando certas provas e com certos efeitos” (Jorge Miranda, Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade, reimpressão 1.ª ed. 1968, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 260), muito embora a sua natureza jurídica seja bastante controvertida na doutrina (Trata-se de uma questão incidental ou prejudicial? Não sendo o nosso intuito desenvolver tal controvérsia nesta seara – a qual nos obrigaria a enveredar por conceitos atinentes ao direito processual, mormente do direito processual civil –, limitar-nos-emos a aludir brevemente à divergência doutrinária. No entendimento de Jorge Miranda – já há muito defendido pelo Autor –, “a inconstitucionalidade constitui objeto de uma questão prejudicial – eis como deve ser antes de mais caraterizada. Se as questões acessórias que surjam no decorrer de um processo […] podem ser ou de natureza substantiva ou de natureza adjetiva, revela-se muito claro que a inconstitucionalidade é uma questão prejudicial, e nunca incidental. Na verdade, perante uma questão de inconstitucionalidade, o juiz coloca-se, não no Direito processual, mas sim no Direito constitucional”. Todavia, continua o Autor, “é uma questão imprópria […]. Tendo sido suscitada a questão da inconstitucionalidade, ela acrescenta-se, cumula-se com a questão objeto do processo, e para julgá-la é competente o próprio juiz junto do qual se fez a arguição: o juiz da causa. Não se devolve, portanto, para qualquer outro processo ou para qualquer outro tribunal” (Contributo…, pp. 258-259). Mais recentemente, cf. Jorge Miranda, Manual…, VI, pp. 58 e 245; Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição…, III, pp. 58-59, embora aqui os Autores reconheçam que “seja controverso se a qualificação como questão prejudicial também se justifica quando a questão de [in]constitucionalidade respeita às normas processuais aplicáveis no processo principal” (ibidem, p. 58). Em sentido próximo, cf. Carlos Blanco de Morais, Justiça…, II, pp. 601-614, principalmente pp. 609 e ss.. No entendimento deste Autor, a questão de inconstitucionalidade constitui “uma questão prejudicial heterogénea, desprovida de caráter devolutivo e que emerge a título incidental, no âmbito de um processo principal” (ibidem, p. 609). Em sentido contrário, cf. Vitalino Canas, Os processos…, pp. 3738, nota 26, para quem “não é de excluir que a questão da [in]constitucionalidade redunde numa questão adjetiva”; António Rocha Marques, “O Tribunal…”, p. 461, que fundamenta a sua posição na ideia subjacente à prejudicialidade da incompetência do juiz da causa para, em primeira linha, decidir a questão suscitada, o que, por sua vez, não se verifica quanto à questão de inconstitucionalidade. Este argumento é, porém, rebatido por Carlos Blanco de Morais, para quem a noção de separação de competências não assume caráter relevante na configuração da prejudicialidade (cf. Justiça…, II, pp. 605-608). Aparentemente também em sentido contrário, cf. J. J. Gomes Canotilho, Direito…, p. 986; Vital Moreira, “A «fiscalização concreta»…”, p. 835; J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição…, II, p. 940).
Assim, a primeira tarefa deste TAS consiste em apurar, se face ao conteúdo e à forma como é colocada a questão aqui a decidir, se trata
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de um pedido incidental de fiscalização sucessiva e concreta da constitucionalidade (artigos 277º e 280º da CRP), como o configura o Requerente;
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ou de um pedido de fiscalização sucessiva e abstracta da constitucionalidade (artigos 277º e 281º da CRP), como defende a Requerida.
Decidida esta questão, o pedido de pronúncia procederá (caso se conclua que se trata de pedido incidental de fiscalização sucessiva e concreta da constitucionalidade dado o reconhecimento implícito da própria AR de que existe “discriminação”) ou improcederá (caso se conclua que se trata de pedido de fiscalização sucessiva e abstracta da constitucionalidade), uma vez que só o Tribunal Constitucional tem competência para apreciar a dissonância de uma norma em termos gerais e abstractos, face aos princípios constitucionais, através de um processo apenas direcionado a título principal - e único - a obter essa declaração, até porque, em princípio, nestes processos é parte demandada o próprio Primeiro-Ministro e não, como aqui acontece, a Autoridade Tributária.
Diga-se que, em ambos os casos, qualquer pessoa singular ou colectiva pode participar na decisão a adoptar pelo Tribunal Constitucional, directamente a título incidental num processo em que seja parte interessada, no caso da “fiscalização sucessiva e concreta da constitucionalidade” (com recurso obrigatório do MP para o Tribunal Constitucional) e indirectamente no caso da “fiscalização sucessiva e abstracta da constitucionalidade”, através das associações ou entidades representativas dos interesses em discussão ou em confronto, incluindo constituindo mandatário, a coberto da figura jurídica “amicus curie”, juntando no próprio Tribunal Constitucional, pareceres em defesa do seu ponto de vista (1).
Por último, pela forma como o Requerente atribui o valor à causa, face ao artigo 97ºA do CPPT (alínea e) do nº 2 do artigo 10º do RJAT por força da alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT), cumpre ao TAS fixar o valor a atribuir à causa.
III. MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA.
FUNDAMENTAÇÃO
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
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(1) E requerendo diretamente, às entidades a que alude o nrº 2 do art.º 281º da CRP, que promovam junto do Tribunal Constitucional, a fiscalização da constitucionalidade.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.
Factos provados
1. Em 20.11.2013 o Requerente e o seu ex-cônjuge estabeleceram um ACORDO SOBRE O EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS nos termos do artigo 1905º do Código Civil e artigo 174º da OTM, relativamente aos três filhos menores, nos seguintes termos (na parte que aqui interessa), homologado por sentença de 09.12.2013 do Meritíssimo Juiz de Direito do … Juízo de Família Menores de Lisboa – 2ª Secção – Processo nº …/11… TMLSB-A:
1. “… os menores … ficarão confiados à guarda e cuidados de ambos os progenitores, residindo uma semana em casa da mãe e outra em casa do pai, sucessiva e alternadamente, iniciando-se as trocas ao domingo, pelas 19 horas, cabendo ao progenitor que estiver com os menores entregá-los ao outro. Excepcionalmente, desde que comunicado com 48h de antecedência, os menores poderão ser entregues, segunda-feira, directamente no estabelecimento de ensino ou em casa do outro progenitor.
2. As responsabilidades parentais serão exercidas em comum, por ambos os progenitores, cabendo-lhes decidir todas as questões relativas à vida dos menores em condições idênticas às que vigoram na constância do matrimónio, salvo nos casos de manifesta urgência em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho devendo dar conhecimento ao outro progenitor logo que possível.
3. Para efeitos de documentos de identificação e similares, os progenitores acordam que, preferencialmente, será indicada a morada de casa da mãe.
4. Os progenitores acordam que no actual momento a escola privada é a melhor opção para os seus filhos. Assim, os menores continuarão a frequentar estabelecimentos de ensino privado até que, por mútuo acordo, seja decidido de outra forma.
5. O Pai suportará integralmente as despesas relativas às mensalidades dos colégios.
6. Suportará, ainda, integralmente, o pagamento dos prémios de seguros de saúde subscritos em nome dos menores,
7. As despesas correntes dos menores serão suportadas na proporção de 50% por cada progenitor, bem como as despesas referentes a actividades extracurriculares dos mesmos desde que a sua frequência seja aprovada por ambos.
8. Serão igualmente suportadas na percentagem de 50% as despesas médicas e medicamentosas não comparticipadas pelos seguros de saúde, bem como inscrições, fardas, equipamentos desportivos, livros escolares e material escolar obrigatório.
9. O progenitor que efectuar o pagamento relativo às despesas referenciadas nos pontos 6 e 7 enviará ao outro o respectivo comprovativo da despesa, no prazo máximo de trinta dias, devendo ser ressarcido no prazo máximo de quinze dias.
10. Cada progenitor providenciará pelas roupas dos menores nas semanas em que estiver com estes, com excepção das peças comummente mais dispendiosas (botas de inverno, blusões, sobretudos, ténis), as quais serão suportadas por ambos os progenitores”.
…
Conforme artigo 6º do pedido de pronúncia arbitral (ppa) e laudas 6 e 7 do documento nº 2 junto com o ppa.
2. Em 23-05-2016 o Requerente submeteu, por via electrónica, a declaração de IRS de Modelo 3 referente ao ano de 2015 – conforme artigo 4º do pedido de pronúncia arbitral (ppa), artigo 5º da resposta e primeira lauda do PA 2 junto com a resposta;
3. Na declaração o Requerente assinalou no quadro 4 o campo 03 (solteiro, divorciado ou separado judicialmente) – conforme artigo 6º da resposta e primeira lauda do PA 2 junto com a resposta;
4. No campo destinado ao agregado familiar, indicou no quadro 6 B a existência de três dependentes em regime de guarda conjunta – conforme artigo 5º do ppa, artigo 7º da resposta e laudas 1 e 2 do PA2 junto com a resposta.
5. A Requerida, ao proceder à liquidação, considerou não pertencerem ao agregado familiar do Requerente os filhos sob sua responsabilidade em guarda conjunta – conforme artigo 7º do ppa e demonstração de liquidação de IRS que constitui o PA1 com duas laudas junto pela AT com a resposta, conjugado com a posição global assumida na resposta.
6. Em 02.08.2016 foi emitida a correspondente liquidação n.º 2016…, notificada em 04.08.2016, da qual resultou uma colecta líquida de € 34 293,02 e um valor de imposto a pagar de € 994,06, com data limite de pagamento a 03.10.2016, o qual efectuou em 09.08.2016 – conforme artigo 2º do ppa, artigos 8º e 9º da resposta e demonstração de liquidação de IRS que constitui o PA1 com duas laudas junto pela AT com a resposta.
7. Em 23 de Dezembro de 2016 o Requerente entregou CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (ppa) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.
Factos não provados
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.
IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR
Para se concluir sobre se o presente pedido de pronúncia arbitral, corresponde a um pedido incidental de fiscalização sucessiva e concreta da constitucionalidade (artigos 277º e 280º da CRP), como o configura o Requerente, ou a um pedido de fiscalização sucessiva e abstracta da constitucionalidade (artigos 277º e 281º da CRP), como defende a Requerida, teremos que considerar o teor integral do pedido apresentado ao TAS e que se expôs nas alíneas v) a ee) do Relatório em termos de significar a posição do Requerente.
Vejamos então o que se refere no pedido de pronúncia arbitral (repetindo o que supra se refere no Relatório):
1. “O artigo 13º do Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares (CIRS) sofreu uma reformulação no decurso da "reforma" … promovida para o ano de 2015 pela Lei 86-E/2014, de 31 de Dezembro”, resultando “… uma discriminação material das realidades familiares em desconformidade com a Constituição da República Portuguesa”, “tendo desconsiderado totalmente uma miríade de situações familiares e parafamiliares, em especial as nascidas do divórcio, sujeitando-as a um tratamento injustificadamente discriminatório em relação às restantes situações parafamiliares, tratadas condignamente pelo direito”, na medida em que “… a interpretação conjugada do nº 7 com o nº 9, ambos do dito artigo, desconsidera como agregado familiar a situação do ora Requerente, como se viu na ora impugnada liquidação, por impedir que ambos os encarregados da guarda conjunta dos dependentes os declarem como parte do seu agregado familiar, impondo sobre um critério aberrantemente arbitrário a definição da situação familiar dos contribuintes”.
2. “A implicação dessa (des)consideração é extensa, mas particularmente visível quanto ao quociente familiar e ainda quanto às deduções à coleta, ambos propugnados pelo CIRS como forma de dar cumprimento do comando constitucional do artigo 104º, no 1 da CRP: o imposto sobre o rendimento tem de ter em conta tanto os rendimentos como as necessidades do agregado familiar do Sujeito Passivo”. “O nosso sistema de deduções à coleta em sede de IRS é inteiramente dependente da figura do agregado familiar, usando-o como critério de aparência ágil para determinação não só das deduções personalizantes, mas também daquelas que pretendem desonerar particulares despesas familiares - a saúde, a educação — da classificação como "rendimentos", que importaria a sua tributação”. Sendo que “… o quociente familiar promove uma discriminação positiva — ainda que limitada — dos sujeitos que tenham outros no seu agregado familiar, ficcionando matematicamente o que de facto acontece: a alocação de parte dos rendimentos líquidos de imposto às necessidades dos restantes membros do agregado”.
3. Uma vez que “… a guarda conjunta passou a ser o sistema por defeito na definição das responsabilidades parentais com a entrada em vigor da Lei 61/2008, de 31 de Outubro (a chamada "Lei do Divórcio"), que rompeu com largos anos de tradição legal e jurisdicional de desresponsabilização de um dos progenitores quanto às responsabilidades parentais que impunha o sistema de guarda isolada”, com este novo instituto “… tenta-se, mediante acordo entre os progenitores, a aproximação entre a realidade familiar pós-divórcio com a anterior, procurando que dessa manutenção resulte um melhor ambiente formativo para o menor”.
4. O Requerente “ … obteve, na regulação das responsabilidades parentais, uma situação de corresponsabilização perfeita entre si e a sua ex-cônjuge, existindo partilha de encargos e responsabilidades entre eles e a correspondente meação dos custos”, suportando “… 50% dos custos de vida dos menores”, “nos mesmos termos em que o fazem os unidos de facto e os casados que optem por não declarar conjuntamente rendimentos”, existe desigualdade “… por não poder em condições análogas às supra obter o Requerente e a sua ex-cônjuge o reconhecimento fiscal da sua conformação familiar, em claro desrespeito pelos comandos da Constituição Fiscal, das Garantias da Família e dos Direitos Fundamentais dos cidadãos”.
5. Este regime viola o prescrito no artigo 104º nº 1 da CRP, “…numa revelação do Princípio da Capacidade Contributiva, limite da liberdade do Legislador Fiscal” e citando o Prof. Rui Duarte Morais refere “…o legislador não pode deixar de contemplar as despesas com os encargos familiares que (...) são inevitáveis” uma vez que “impressivamente como Direito Fundamental, no artigo 36º … o Legislador Constituinte onera o Estado com o reconhecimento da dissolução do casamento por força do divórcio com a mesma força que o próprio casamento; para logo de seguida afirmar a manutenção das responsabilidades parentais após essa dissolução, sob a forma do dever de educação e manutenção dos filhos”. E no “artigo 67º … consagra a família como elemento fundamental da sociedade vem ainda o legislador incumbir o Estado, sob a égide da protecção da Família, de regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares” “e fá-lo em termos latos de definição de família, incluindo-se pelo menos todas as conformações familiares admitidas pela lei”.
6. Conclui-se que se torna “… então inequívoco ter o Legislador Fiscal, ao promover a "Reforma do IRS", violado de forma grosseira os comandos constitucionais a que está sujeito, ao desconsiderar como agregado familiar os dependentes e requerente, quando houve a possibilidade de acordar sobre o que é melhor para os dependentes em concreto, entre os progenitores e com mediação e ratificação de um Juiz de Direito, dando origem a uma Guarda Conjunta em que ambos contribuam conjuntamente (passe o pleonasmo) para um desenvolvimento completo e funcional dos seus filhos; enfim, para que os ex-cônjuges, no cumprimento do superior interesse da criança, se apoiem mutuamente no cumprimento dos seus deveres Constitucionais, morais e sociais para com a sua prole”.
7. Porque “… existem situações materialmente similares com soluções diametralmente opostas, em especial na opção pela tributação dos rendimentos em separado dos Casados e Unidos de Facto, inovação vinda da "Reforma" do IRS e consagrada no artigo 13º, no 2 do CIRS”, impõe-se a “…a desaplicação das normas, por motivo da sua inconstitucionalidade material e no pleno uso das faculdades de fiscalização concreta da constitucionalidade consagradas no artigo 204º da CRP, que conduzam à desconsideração dos dependentes como membros do agregado familiar para efeitos fiscais, operando assim uma integração analógica das normas relevantes aplicáveis aos Unidos de Factos e Casamentos que optem pela tributação em separado dos rendimentos, isto é, permitindo a aplicação do quociente familiar e das deduções à coleta relevantes a ambos os progenitores na proporção da sua contribuição”. Isto porque, “… não se tratam as deduções à coleta de uma norma excepcional, sendo ao invés critério de correção do montante em coleta, para a adequar à real capacidade contributiva dos Sujeitos Passivos”.
Em sede de alegações refere ainda o Requerente:
8. “Conforme referido na petição inicial, o facto de não poder ver fiscalmente reconhecido o seu encargo com os seus dependentes, numa situação igual àquela em que se encontram os contribuintes casados e unidos de facto que têm encargo com dependentes, coloca o requerente numa situação de desigualdade face ao regime de garantias concedidas à família e aos direitos fundamentais dos cidadãos estabelecidas na C.R.P. (artigos 26º nº1 36º 1 e 4 e 67º)”.
9. “O artigo 104º nº 1, vem chamar o sistema fiscal para o âmbito desta protecção, impondo ao IRS, como imposto sobre o rendimento pessoal, a obrigatoriedade de atender não apenas ao rendimento da família, mas também às suas necessidades. Significa isto que o IRS tem de atender aos encargos suportados pela família”.
10. “Por aplicação dos números 7 e 9 do artigo 13º do CIRS, o Requerente vê prejudicado o seu direito ao tratamento fiscal que lhe é devido nos termos dos artigos 69º nº 1 e 78º nº 9. Este tratamento busca a defesa da sua família, conforme consagrado nas normas constitucionais acima referidas dos artigos 26, 36 e 67 da CRP. Por essa razão, a não aplicação das normas previstas naqueles números 7 e 9 do artigo 13º tem de ser declarada pelo tribunal”.
11. “Efectivamente, a sua aplicação redunda na desconsideração dos dependentes na família do requerente, facto que não pode ter outro reconhecimento que não seja a sua inconstitucionalidade concreta. Nestes termos, a actuação do tribunal não pode ser outra que não o uso das suas faculdades de fiscalização concreta da constitucionalidade”.
12. “ … o reconhecimento das despesas efectuadas por um contribuinte com os seus dependentes faz parte do conteúdo da defesa do agregado familiar que é pretendido pelo artigo 36º e 67º da CRP e tal não pode deixar de ser reconhecido pelo tribunal, pois assim o impõe o artigo 104º nº1”, resultando do “… do supra exposto que não se verificam as excepções invocadas pela AT: nem de incompetência material nem de ilegitimidade. Da mesma forma, não demonstra aquela, por impugnação, qualquer razão para a desaplicação das normas do CIRS invocadas”.
Termina o Requerente pedindo que o TAS
“… desaplique as normas contidas nos nºs 7 e 9 do artigo 13º do Código do IRS, por se encontrarem viciadas de inconstitucionalidade material, procedendo à consequente anulação do ato liquidatário em apreço por vício de falta de lei, corrigindo a respectiva liquidação”.
Ora, perante este concreto pedido e esta causa de pedir em concreto, não consegue o TAS atingir que se trate de um pedido incidental de fiscalização sucessiva e concreta da constitucionalidade (artigos 277º e 280º da CRP), como o configura o Requerente.
Ou seja, independentemente do mérito da questão de fundo, a qual, como acima se referiu, nos parece ter toda a virtualidade de merecer uma declaração de inconstitucionalidade (sucessiva e abstracta) das normas contidas nos nºs 7 e 9 do artigo 13º do Código do IRS, a verdade é que toda a lógica do presente pedido de pronúncia se funda apenas na ilegalidade da liquidação, por estar em dissintonia com princípios constitucionais.
Caso o TAS “desaplicasse” as normas contidas nos nºs 7 e 9 do artigo 13º do Código do IRS, tal como se requer, certamente que no recurso obrigatório que seria interposto da decisão pelo Ministério Público, se obteria liminar procedência no Tribunal Constitucional, por incompetência do TAS (ou de qualquer outro tribunal), face a este processo que não é incidental de uma outra questão trazida à lide. Ou seja, não é possível, no nosso ordenamento jurídico, interpor-se uma acção ou um recurso directo de inconstitucionalidade.
É o que resulta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 02791/99 citado pela Requerida:
«… assim, o conhecimento do mérito do presente recurso traduzir-se-ia numa fiscalização abstracta da constitucionalidade, implicando o seu provimento a declaração de inconstitucionalidade das normas regulamentares com força obrigatória geral. Ora, nos termos do artigo 281º, nº 1, alínea a) da CRP, tal fiscalização é da competência exclusiva do Tribunal Constitucional e é expressamente excluída da competência dos tribunais administrativos, pelo nº 5 do artigo 11º do ETAF, os quais só podem conhecer da questão da inconstitucionalidade a título incidental, a propósito de outra questão a elas submetida e não numa acção ou recurso directo de constitucionalidade. Portanto, não é este TCA o Tribunal competente para conhecer do presente recurso, por ser o Tribunal Constitucional o órgão a que está afecta a fiscalização abstracta da constitucionalidade».
Em primeiro lugar cumpre referir que os tribunais arbitrais (fiscais) só podem decidir segundo o “direito constituído” (nº 2 do artigo 2º do RJAT).
Em segundo lugar as normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários são de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, como flui do artigo 29º nº 1 alínea c) do RJAT.
Desta feita, o TAS não pode acolher, sob pena de violar as regras da sua competência, o presente pedido de pronúncia arbitral, procedendo a excepção dilatória de incompetência material, de onde decorre a absolvição da instância da AT, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 278.º, n.º 1, alínea a) e 576.º, nºs 1 e 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Ficam prejudicadas as demais questões colocadas, nomeadamente a apreciação da outra excepção aduzida pela Requerida e apreciação do pedido de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios.
Fixação do valor da causa
No pedido de pronúncia o Requerente inicia referindo que pede a constituição do Tribunal Arbitral: “… para apreciação da legalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS), identificada pelo nº de documento 2016 …(conforme cópia da nota de liquidação que ora se junta como Documento nº1)”.
O Requerente não juntou o Documento nº 1, mas a Requerida veio fazê-lo através do PA1 indicando que a liquidação número 2016…, relativa ao sujeito passivo … e quanto ao período de rendimentos de 2015-01-01 a 2015-12-31, originou uma colecta líquida de IRS de € 34 293,02, valor este que, deduzindo os pagamentos por conta e das retenções na fonte e adicionado da sobretaxa de € 3 009,39, resulta num valor a pagar de 994,06 euros.
No nº 1 do artigo 1º do pedido de pronúncia refere-se: “O presente Pedido de Pronúncia Arbitral tem como objecto o acto tributário de Liquidação de IRS melhor identificado supra”.
Termina o pedido de pronúncia arbitral referindo: “Se requer do douto tribunal que desaplique as normas contidas nos nºs 7 e 9 do artigo 13º do Código do IRS, por se encontrarem viciadas de Inconstitucionalidade material, procedendo à consequente anulação do ato liquidatário em apreço por vício de falta de lei, corrigindo a respectiva liquidação”.
Por último atribui-se o valor da utilidade económica referindo: “Vem pelo presente indicar o valor do processo: € 994,06”.
O artigo 97ºA do CPPT, sob a epígrafe “valor da causa” refere que: “1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende.”
Em anotação ao artigo 97ºA no CPPT, Volume II, 6ª Edição, 2011, de Jorge Lopes de Sousa refere-se: “Em face da regra da alínea a) do n.º 1 deste artigo 97.º-A, tem de se concluir que, quando é impugnado um acto de liquidação, o valor do processo é apenas o da importância cuja anulação se pretende, que será o da própria liquidação, se for pedida a anulação total, ou o valor da parte impugnada, se se pretender uma anulação apenas parcial”.
Naturalmente os valores a reembolsar ou a pagar, numa liquidação de IRS, são valores que não reflectem o valor da liquidação, entendida como o produto da aplicação de uma taxa a uma matéria colectável, acrescida eventualmente dos juros compensatórios.
O Requerente vem impugnar a liquidação não tendo referido que o fazia parcialmente, sendo certo que quando refere “vem pelo presente indicar o valor do processo: € 994,06”, tal indicação, não está em conformidade com o artigo 97ºA do CPPT, uma vez que não se impugnam os reembolsos ou os valores a pagar (pela razão de que estão subtraídos v.g. das retenções na fonte e pagamentos por conta), mas sim as liquidações (de forma total ou parcial, devendo nesta última hipótese especificar-se ou quantificar-se os valores, a importância em concreto, ainda que aproximada, que se pretende ver anulada, com as operações aritméticas a tal conducentes, face à nota de liquidação).
Em face do exposto, fixa-se o valor da utilidade económica em 34 293,02 euros, valor correspondente ao da colecta líquida de IRS constante da nota de liquidação, colocada globalmente em causa pelo Requerente.
V - DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos:
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Julga-se procedente a excepção dilatória de incompetência material do TAS para apreciar o presente pedido de pronúncia arbitral, uma vez que na leitura aqui feita, não se trata de um pedido incidental de fiscalização sucessiva e concreta da constitucionalidade (artigos 277º e 280º da CRP).
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Absolve-se da instância da AT, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 278.º, n.º 1, alínea a) e 576.º, nºs 1 e 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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Ficando prejudicado o conhecimento dos demais pedidos.
Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 34 293,02 euros.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 836,00 segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.
Notifique.
Lisboa, 24 de Maio de 2017
Tribunal Arbitral Singular (TAS),
Augusto Vieira
Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.