Decisão Arbitral
Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma e Prof. Doutor António Carlos dos Santos, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 22-02-2017, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, S.A., pessoa colectiva e contribuinte n.º …, do Serviço de Finanças de … (…), com sede na …, Lote …-…, …, …-… …(doravante “Requerente” ou “A…”), veio, nos termos dos artigos 2.º n.º 1 alínea a) e 10.º, n.ºs 1, alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade das seguintes liquidações de IVA referentes aos exercícios de 2013, 2014 e 2015, no valor global de € 214.089,54, e respetivos juros compensatórios:
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
A Requerente designou como Árbitro a Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 07-12-2016.
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Prof. Doutor António Carlos dos Santos.
Os Árbitros designados pelas Partes acordaram em designar o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa como árbitro presidente, que aceitou a designação.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 07-02-2017.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 22-02-2017.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.
Por despacho de 30-03-2017 foi dispensada a realização de reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
A Requerente dedica-se à actividade de obtenção e transformação de alumínio, realizando exclusivamente operações que conferem o direito à dedução do IVA;
No âmbito da sua actividade, a Requerente procedeu, nos anos de 2013 a 2015, à venda de alumínio para clientes sedeados em Espanha, registados para efeitos de IVA nesse país, tendo aplicando a isenção de imposto prevista na alínea a) do artigo 14.º do RITI;
A Autoridade Tributária e Aduaneira ("AT") efectuou uma acção de inspecção externa, de âmbito geral, à contabilidade da Requerente, tendo em vista o controlo do cumprimento das suas obrigações fiscais nos exercícios de 2013, 2014 e 2015;
No âmbito da referida inspecção, a AT apurou que a Requerente efectuou as seguintes transmissões de bens com isenção de IVA;
No Relatório da Inspecção Tributária, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:
III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável.
1. Falta de liquidação de IVA
Nos anos de 2013 a 2015, o sujeito passivo efetuou as seguintes transmissões de bens para diversas empresas sediadas em Espanha (Conforme cópia das faturas constantes do Anexo 1 ao presente relatório), não tendo procedido à respetiva liquidação do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado), alegando isenção deste imposto nos termos do artigo 14º, a) do RITI (Regime do IVA nas Transações lntracomunitárias):
Ora, de acordo com o referido artigo 14º, a) do RITI, estão isentas de IVA "as transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e ai se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens".
Da consulta à base de dados da AT (Autoridade Tributária e Aduaneira), verifica-se que, na data da emissão de cada uma das faturas elencadas acima, o respetivo cliente não se encontrava registado para efeitos de aquisições intracomunitárias de bens, sendo a situação de cada um deles a seguinte (Conforme "prints" constantes do anexo 2 ao presente relatório):
Desta forma, não estando os clientes em questão, na data da emissão das faturas em causa, data em que ocorre a exigibilidade do imposto nos termos do artigo 8º, nº1, alínea a) do ClVA (Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado), abrangidos por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens, não se verifica nas mesmas a isenção constante do artigo 14º, alínea a) do RITI, tratando-se portanto de operações sujeitas e não isentas de IVA nos termos do artigo 1º, nº 1, alínea a), artigo 2º, nº 1, alínea a), artigo 6º, nº 1 e artigo 8º, nº1, alínea a), todos do CIVA, pelo que será de liquidar IVA à taxa normal (23%) nos termos do artigo 18º, nº 1, alínea c) do CIVA.
Daqui resultam os seguintes valores de IVA em falta, os quais deveriam ter sido liquidados e entregues nos cofres do Estado nos termos do artigo 27º do CIVA:
(...)
IX. Direito de audição.
Notificado para exercer o direito de audição nos termos do artigo 60º da LGT (Lei Gerai Tributária) e artigo 60º do RCPITA (Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira), em 07/06/2016, deu entrada nesta Direção de Finanças o documento referente ao exercício deste direito por parte do sujeito passivo (7 páginas) e respetivos anexos (99 páginas), ao qual foi atribuído o nº de entrada 2016… .
Quanto ao alegado pelo sujeito passivo em cada um dos pontos do exercício do direito de audição é de referir o seguinte:
Pontos 1 a 9, 15. 20, 26 A, 26 B e 26 C:
Contrariamente ao referido pelo sujeito passivo, as liquidações de IVA constantes do capítulo III do presente relatório de inspeção não se devem ao facto dos clientes em questão apresentarem registos desatualizados no sistema VIES.
Tal como já foi referido no projeto de relatório de inspeção, a isenção de IVA prevista no artigo 14º, alínea a) do RITI, não se aplica às faturas em causa devido ao facto dos clientes espanhóis em questão, nas datas em que as mesmas foram emitidas, não se encontrarem, de acordo com os dados constantes do VIES, registados para efeitos de aquisições intracomunitárias.
Quanto ao afirmado pelo sujeito passivo na primeira parte do ponto 5, é de referir que nenhum dos clientes indicados no presente relatório estavam, nas datas de emissão das faturas elencadas no presente relatório, válidos para efeitos de aquisições intracomunitárias de bens.
Ainda no âmbito do ponto 5, e em relação ao cliente F…, NIPC ES…, é de referir que, de acordo com o sistema VIES, este se encontra agora registado para efeitos de aquisições intracomunitárias, mas apenas para transações efetuadas a partir de 29/03/2016 (Anexo 3 ao presente relatório). Esta situação ter-se-á devido a diligências efetuadas por este cliente junto da administração fiscal espanhola no sentido de se registar como operador intracomunitário depois de alertado para tal no decurso da presente ação de inspeção. No entanto, como as transações em causa no presente relatório são anteriores a 29/03/2016, são de manter as liquidações de IVA constantes do presente relatório.
Quanto aos restantes clientes mantém-se a situação descrita na tabela constante da página 5 do projeto de relatório.
Quanto ao afirmado pelo sujeito passivo no ponto 15, é de referir que o VIES é ele próprio um sistema de Intercâmbio de Informações entre os Estados Membros, utilizado há largos anos para controlo das transmissões intracomunitárias.
Pontos 10 a 14, 16 a 19, 21 a 25, 26 D, 26 E e 26 F:
No âmbito do exercício do direito de audição, o sujeito passivo envia em anexo a seguinte documentação de origem espanhola referente a dois dos clientes em questão (E… e B…):
- Modelo 349 ("INFORMACIÓN DE LA PRESENTACIÓN DE LA DECLARACIÓN") -E… - 4º T de 2013, 1º T de 2014, 2º T de 2014, 3º T de 2014, 4º T de 2014, 1º T de 2015, 2º T de 2015, 3º T de 2015 e 4º T de 2015.
- Modelo 349 ("INFORMACIÓN DE LA PRESENTACIÓN DE LA DECLARACIÓN") -B… - 2º T de 2013, 4º T de 2013, 1º T de 2014, 2º T de 2014, 3º T de 2014, 4º T de 2014, 1º T de 2015, 2º T de 2015, 3º T de 2015, 4º T de 2015 e 1º T de 2016.
- Modelo 303 ("IMPUESTO SOBRE EL VALOR ANADIDO - AUTOLIQUIDACIÓN") -E… - 1º T 2014, 2º T de 2014, 3º T de 2014, 4º T de 2014, 1º T de 2015, 2º T de 2015, 3º T de 2015 e 1º T de 2016.
- Modelo 303 ("IMPUESTO SOBRE EL VALOR ANADIDO - AUTOLIQUIDACIÓN") -B… - 2º T de 2013, 4º T de 2013, 1º T 2014, 2º T de 2014, 3º T de 2014, 1º T de 2015, 2º T de 2015, 3º T de 2015, 4º T de 2015 e 1º T de 2016.
- "LISTADO DE CUÊNTAS CORR1ENTES" – E… (30/11/2013 a 17/12/2015),
- "DIÁRIO DE ASIENTOS" – B… (04/05/2013 a 17/03/2016).
- "IVA INTRACOMUNITÁRIO - COMPRAS" – B… (04/05/2013 a 17/03/2016),
- "EXTRACTO DE CUENTAS/LIBRO MAYOR" – B… (04/05/2013 a 17/03/2016).
No entanto, esta documentação não prova que estes dois clientes espanhóis estavam, nas datas em causa no presente relatório, registados em Espanha como operadores intracomunitários, pelo seguinte:
- Desde logo porque se trata de documentação de origem espanhola cuja autenticidade não podemos verificar.
- Além disso, mesmo que esta documentação seja autêntica, não comprova que estes clientes estejam registados para efeitos de aquisições intracomunitárias de bens. Apenas indica que as faturas em causa foram registadas na contabilidade destes clientes e declaradas nas declarações periódicas de IVA.
Ainda no âmbito do exercício do direito de audição, é apresentado em anexo um documento, cuja autenticidade também não pudemos comprovar, denominado de "CERTIFICADO DE SITUACIÓN CENSAL", relativo ao cliente E… .No entanto, é de referir que, na página 2 deste documento, é confirmada a data de início de registo como operador intracomunitário deste cliente constante da tabela exibida na página 5 do presente relatório (15/03/2016), corroborando assim os dados constantes do VIES (Anexo 4 ao presente relatório).
Em relação à empresa B…, foi anexado um documento denominado de "CERTIFICADO DE SITUACIÓN EN EL CENSO DE ACTIVIDADES ECONÓMICAS DE LA AEAT". Este documento, cuja autenticidade não pudemos comprovar, nada refere em relação à data a partir da qual está registado como operador intracomunitário.
No subponto IV do ponto 11, o sujeito passivo refere que o registo no VIES destas duas empresas (E… e B…) apenas foi recentemente atualizado. Em relação à empresa B… esta afirmação não está correta uma vez que a sua situação não se alterou desde o início da presente ação de inspeção até agora. Numa consulta efetuada em 14/03/2016, este cliente já apresentava data de início de 22/07/2015 (Anexo 3 ao presente relatório). Em relação à empresa E…, antes do início da presente ação de inspeção encontrava-se no estado de não registado. Tal como se pode verificar na tabela apresentada na página 5 do presente relatório, atualmente encontra-se como registado mas só para datas iguais ou posteriores a 15/03/2016. Tal como no cliente F… referido acima, esta situação ter-se-á devido a diligências efetuadas por este cliente junto da administração fiscal espanhola no sentido de se registar como operador intracomunitário depois de alertado para tal no decurso da presente ação de inspeção.
Desta forma, iremos prosseguir com as liquidações de IVA constantes do presente relatório.
Nota: Os anexos 1 e 2 indicados no capítulo III do presente relatório não são enviados uma vez que já o foram aquando do envio do projeto de relatório.
Na sequência da acção inspectiva a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:
Em 05-01-2017, as situações das empresas espanholas referidas, no que concerne a registo para transacções intracomunitárias, era a seguinte:
Em 26-08-2016, a Requerente pagou as quantias liquidadas (artigo 15.º do pedido de pronúncia arbitral, cuja correspondência à realidade não é questionada);
Em 21-11-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
A matéria de facto foi fixada com base no processo administrativo, designadamente com base no Relatório da Inspecção Tributária.
Não há controvérsia sobre os factos em que se fundamenta o Relatório da Inspecção Tributária, que são o de as empresas espanholas com quem a Requerente efectuou as transacções serem sujeitos passivos de IVA (os respectivos números fiscais são indicados no Relatório da Inspecção Tributária), mas não estarem registadas para transacções intracomunitárias nos momentos em que foram efectuadas as transacções.
3. Matéria de direito
3.1. Quadro legal
O Artigo 138.º, n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006 (DIVA), estabelece a seguinte regra:
Os Estados–Membros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados, para fora do respectivo território mas na Comunidade, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efectuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa colectiva que não seja sujeito passivo agindo como tal num Estado-Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens.
O artigo 14.º, alínea a), do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI) estabelece o seguinte:
Estão isentas do imposto:
a) As transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens;
Como se está perante um imposto sujeito a regulamentação da União Europeia, é de acatar a jurisprudência do TJUE sobre esta matéria, o que é corolário da obrigatoriedade do reenvio prejudicial, prevista no § 3 do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Os artigos 131º e 138.º, n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006 (Directiva IVA), estabelecem o seguinte:
Artigo 131.º
As isenções previstas nos Capítulos 2 a 9 aplicam-se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados–Membros a fim de assegurar a aplicação correcta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.
Artigo 138.º
1. Os Estados–Membros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados, para fora do respectivo território mas na Comunidade, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efectuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa colectiva que não seja sujeito passivo agindo como tal num Estado-Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens.
Como esclareceu o TJUE no recente acórdão de 09-02-2017, proferido no processo n.º C-21/16, estas normas da Directiva n.º 2006/112/CE devem interpretadas no sentido de que a falta de registo no VIES não é obstáculo à isenção, se não existir nenhum indício sério que sugira a existência de fraude e que se comprove que os requisitos materiais da isenção estão verificados:
O artigo 131.º e o artigo 138.º, n.º 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal de um Estado-Membro recuse isentar de imposto sobre o valor acrescentado uma entrega intracomunitária pelo simples motivo de, no momento dessa entrega, o adquirente, sedeado no território do Estado-Membro de destino e titular de um número de identificação de imposto sobre o valor acrescentado válido para as operações nesse Estado, não estar inscrito no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado nem se encontrar abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias, ainda que não exista nenhum indício sério que sugira a existência de fraude e que esteja demonstrado que os requisitos materiais da isenção estão verificados.
O artigo 8.º, n.º 4, da CRP estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Desta norma decorre a supremacia do direito da União Europeia sobre o direito interno nacional, pelo que, em sintonia com a citada jurisprudência do TJUE, o artigo 14.º, n.º 1, do RITI tem de ser interpretado com o sentido de não ser recusada a isenção «pelo simples motivo de, no momento dessa entrega, o adquirente, sedeado no território do Estado-Membro de destino e titular de um número de identificação de imposto sobre o valor acrescentado válido para as operações nesse Estado, não estar inscrito no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado nem se encontrar abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias».
3.2.Aplicação do regime legal
O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa a eliminação dos efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele] ( [1] ), pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, com a fundamentação que deles consta e apenas essa. ( [2] )
A Administração Aduaneira procedeu a inspecções à Requerente em que concluiu, em suma, que não é aplicável a isenção referida as transmissões de bens efectuadas pela Requerente para as empresas espanholas indicadas no Relatório da Inspecção Tributária, por estas não estarem registadas para realização de transacções intracomunitárias nos momentos em que estas foram realizadas.
O único fundamento de recusa da isenção e das liquidações é o de as empresas espanholas para quem a Requerente efectuou transmissões não estarem registadas no VIES, para transacções intracomunitárias de mercadorias, não sendo invocado, designadamente, que exista qualquer fraude ou que as transmissões não tenham sido efectuadas.
Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira não refere qualquer indício sério de tenha existido fraude, nem de que as transmissões não tenham sido efectuadas.
Por outro lado, o facto de todas as empresas em causa terem números fiscais e terem passado a estar registadas no VIES em datas posteriores às transmissões (como a Autoridade Tributária e Aduaneira refere no artigo 17.º da Resposta) e a documentação apresentada pela Requerente no exercício do direito de audição e no presente processo, em que se incluem documentos comprovativos de que empresas algumas das empresas em causa cumpriram em Espanha obrigações declarativas ( [3] ), inclusivamente respeitante a transacções intracomunitárias com a Requerente, corrobora a conclusão de que se está apenas perante irregularidades relativas à falta de inscrição ou actualização no VIES e não perante fraude ou transacções inexistentes.
A credibilidade dos documentos emitidos pelas autoridades espanholas não pode considerar-se afectada, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira tem ao seu dispor meios de obtenção de informações, no âmbito da cooperação administrativa intracomunitária.
Neste contexto, sendo o único fundamento das liquidações a falta de inscrição das empresas espanholas no VIES nos momentos das transacções, tem de se concluir que é ilegal a recusa da isenção, à face do preceituado no artigo 14.º, n.º 1, do RITI, na interpretação compaginável com os artigos 131.º e 138.º, n.º 1, da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, na interpretação efectuada no referido acórdão do TJUE proferido no processo n.º C-21/16.
Assim, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].
3.3. Questão de conhecimento prejudicado
Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelas razões indicadas, fica prejudicado, por ser inútil [artigo 130.ºdo CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT], o conhecimento das demais questões suscitadas.
4. Juros indemnizatórios
A Requerente pede que sejam pagos juros indemnizatórios desde a data do pagamento das liquidações em causa até à data de processamento da respectiva nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º, n.º1 e 61.º do CPPT.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Como resulta da matéria de facto fixada, a Requerente, em 26-08-2016, efectuou o pagamento das quantias liquidadas.
Nos termos do artigo 43.º da LGT, na parte aqui aplicável, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, a ilegalidade dos actos de liquidação de IVA é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa praticou sem suporte legal.
Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre as quantias que pagou indevidamente, desde a data em que ocorreu o pagamento indevido (26-08-2016) até à daa em que for processada nota de crédito (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).
Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
5. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IVA n.ºs: 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…;
Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de juros compensatórios n.ºs: 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…;
Anular as liquidações referidas;
Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e condenar a Administração Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, relativamente às quantias pagas, desde a data em que foi efectuado o pagamento e a data em que vier a ser emitida a nota de crédito.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 214.089,54.
7. Após trânsito em julgado, envie-se certidão deste acórdão à Excelentíssima Magistrada do Ministério Público na 1.ª Secção de Braga do Departamento de Investigação e Acção Penal, com referência ao processo n.º …/16… T9BRG.
Lisboa, 29-05-2017
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Clotilde Celorico Palma)
(António Carlos dos Santos)
( [1] )Apenas complementado com as consequências da decisão anulatória a nível de atribuição de juros indemnizatórios e de indemnização por prestação de garantia indevida, se for caso disso.
( [2] ) Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:
– de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207;
– de 19-06-2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289;
– de 09-10-2002, processo n.º 600/02;
– de 12-03-2003, processo n.º 1661/02.
Em sentido idêntico, podem ver-se:
– MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;
– MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».
[3] Documentos n.ºs 6 a 15 juntos com o pedido de pronúncia arbitral.