Os árbitros Conselheiro José Baeta de Queiroz (árbitro-presidente), Dra. Rita Guerra Alves e Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 19-12-2016, acordam no seguinte:
1. RELATÓRIO
A…, Lda., com sede na Rua do …, …, …-… LISBOA, titular do NIF … (doravante simplesmente designada por “Requerente” ou “A…”), na sequência do despacho de 10-05-2016 proferido por delegação do Diretor de Finanças de Lisboa que indeferiu a reclamação graciosa que apresentou ao abrigo do disposto no artigo 68.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) do ato tributário consubstanciado na demonstração de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 2015…, de 02-06-2015, relativa ao 4.º trimestre de 2014, bem como da demonstração de acerto de contas n.º 2015…, de 24-06-2015, no total de € 142.181,48, e da correspondente demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2015…, de 24-06-2015, no valor de € 1.589,31, veio, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, deduzir pedido de anulação do referido ato de liquidação adicional de IVA, bem como a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
A Requerente optou pela não designação de árbitro.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-10-2016.
Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e no artigo 11.º, n.º 1, alínea b), ambos do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os acima identificados, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi regularmente constituído em 19-12-2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que suscitou a caducidade do direito da ação, pelo que o pedido formulado pela Requerente, conducente à declaração da ilegalidade do ato e, consequentemente, à sua anulação, deve ser declarado improcedente, por intempestivo, e, por isso, ser a Requerida absolvida da instância - cf. alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
Por despacho de 03-02-2017, tendo em conta já ter sido exercido o contraditório quanto às exceções invocadas pelas partes, não ter sido requerida a produção de prova constituenda e salvaguardada a hipótese de as partes requererem a produção de alegações orais (o que não sucedeu), o tribunal decidiu dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade processuais, nos termos do disposto nos artigos 19.º, nº 2, e 29.º, nº 2, do RJAT, e convidar as partes a proferir alegações por escrito, o que fizeram, mantendo, na essência, os argumentos vertidos nos articulados iniciais.
Por despacho de 27-03-2017 foi estabelecido como prazo limite para a prolação do acórdão a data de 19 de maio de 2017.
2. SANEAMENTO
O tribunal é competente e foi regularmente constituído
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Cumpre apreciar prioritariamente a exceção da caducidade do direito de ação.
2.a. Questão da exceção da caducidade do direito de ação
A Autoridade Tributária suscita a questão da caducidade do direito de ação.
Argumenta que o prazo para impugnação direta, ou seja, do ato primário de liquidação, de 90 dias contados da data limite para pagamento voluntário – 21 de agosto de 2015 – estava há muito esgotado em 3 de outubro de 2016, quando foi formulado o pedido de constituição do tribunal arbitral.
É certo, concede a AT, que a Requerente «… impugnou administrativamente o ato tributário de liquidação adicional, por meio de reclamação graciosa», e não foi atendida. Mas, «…não obstante ter feito alusão e identificado essas circunstâncias, a Requerente não formulou/concretizou ao Tribunal qualquer pedido tendente à anulação do que nessa sede foi decidido», identificando como objeto do pedido a liquidação adicional, a demonstração de acerto de contas e a demonstração de liquidação de juros compensatórios, requerendo, a final, «… a anulação do ato tributário de liquidação adicional de IVA, a restituição do imposto indevidamente pago e o pagamento dos juros indemnizatórios correspondentes».
Assim, «… não tendo requerido expressamente a anulação do despacho que indeferiu a reclamação graciosa por si apresentada, inexiste o apoio que poderia firmar a tempestividade do pedido e, consequentemente, a possibilidade de o Tribunal apreciar o pedido formulado relativamente ao ato de liquidação». Isto porque os poderes de cognição do tribunal estão limitados pelo pedido, não o podendo exceder, restando-lhe, consequentemente, absolver da instância a Requerida.
A Requerente admite que não formulou expressamente pedido nenhum relativo aos despachos que decidiram as reclamações graciosas que apresentou.
Mas entende que, não obstante, eles «… integram inequivocamente o objeto dos presentes autos…», porque se lhes referiu, afirmando a sua discordância e controvertendo a argumentação neles produzida, apontando os vícios de que enfermam e pugnando pela sua ilegalidade.
Mais afirma que a interpretação da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária feita pela AT poria a norma em colisão com os artigos 20.º e 268.º nºs 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa, «… por violação do princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva…».
Para a Requerente, é «… evidente que a decisão expressa de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa integra, contrariamente ao que se invoca, o objeto do pedido de pronúncia arbitral».
À laia de conclusão, diz a Requerente que «… não restam dúvidas de que quer a lei, quer a jurisprudência, se bastam com o pedido de anulação dos atos tributários, devendo, por isso, concluir-se pela improcedência da exceção invocada».
Importa decidir esta questão.
Os contribuintes que pretendam impugnar judicialmente um ato tributário de liquidação, dispõem do prazo de 90 dias a contar dos seguintes factos:
‒ do termo do prazo para pagamento voluntário, a não ser que se trate de um ato de autoliquidação – artigos 102.º, n.º 1, alínea a), e 131,º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);
‒ do indeferimento tácito da mesma reclamação graciosa – artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT;
‒ do indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão da falada reclamação graciosa – artigos 76.º, n.º 2, e 102.º, n.º 1, alíneas d) e), do CPPT;
‒ do indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação – artigos 78.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 102.º, n.º 1, alínea e), do CPPT.
Em qualquer dos casos, o objeto imediato da impugnação judicial é o ato tributário de liquidação.
Embora o artigo 62.º, n.º 1, alínea d), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) confira aos tribunais tributários competência para conhecer «dos recursos dos atos contenciosamente recorríveis de indeferimento total ou parcial de impugnações administrativas...», sempre se terá de entender que esse conhecimento implica e exige o do próprio ato de liquidação.
Senão vejamos uma hipótese de improvável verificação:
Um contribuinte, tendo reclamado graciosamente da liquidação, vai a juízo impugnar – e impugnar só – o ato que indeferiu a reclamação.
O tribunal dá-lhe razão e anula – e anula só – o ato de indeferimento da reclamação graciosa.
A Administração continua a dispor de um título executivo incólume e nada impede que o execute.
Debalde teria o contribuinte recorrido a juízo e o juiz decidido o caso. Estaríamos perante um processo inútil, proibido, aliás, pelo artigo 130.º do Código de Processo Civil (CPC) – o processo é uma sequência de atos e, no caso, todos eles seriam inúteis.
E a razão é que a decisão administrativa que, em sede de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou revisão oficiosa, indefere o pedido do contribuinte que pretendia a anulação do ato de liquidação não altera a situação jurídica do contribuinte, antes a mantem, nem constitui um ato lesivo – a lesão, a existir, foi resultado da liquidação.
Por isso, ao fazer-se desaparecer da ordem jurídica a decisão administrativa desfavorável ao contribuinte tudo fica na mesma – a liquidação sobrevive e o Fisco pode exigir o imposto liquidado.
Não se concebe, pelo exposto, uma impugnação judicial contra tal decisão administrativa se o objeto do processo não incluir – mediatamente – a apreciação da legalidade da liquidação em si.
Mas o que acontece se o contribuinte, tendo reclamado graciosamente do ato de liquidação, e visto indeferida essa reclamação, vier, aproveitando o prazo contado desse indeferimento, impugnar a liquidação, sem pedir, simultaneamente, a anulação do ato de indeferimento?
É este o caso vertente.
Para a AT, como viu, o resultado é a caducidade do direito de ação.
Não do direito de ação contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa – esta estaria em prazo – mas do direito de ação contra o ato de liquidação.
A escorreita argumentação da AT é aliciante, mas não nos parece que conduza à solução adequada.
Como se viu, a mera impugnação do ato de indeferimento da reclamação graciosa seria de todo inconsequente, pois não arrastaria o apagamento do ato de liquidação.
Deveriam, pois, em rigor, ser impugnados ambos os atos – imediatamente, o de indeferimento da reclamação; mediatamente, o de liquidação.
Mas o que o tribunal apreciaria seriam, antes de tudo, os fundamentos opostos à liquidação, pois sem isso, pelas razões expostas, nenhuma tutela jurisdicional efetiva seria dada aos direitos do impugnante.
O ato de indeferimento da reclamação, não tendo feito mais do que manter, administrativamente, o de liquidação, cairia por si, pois os vícios da liquidação transmitem-se-lhe – como ato secundário, ele será ilegal por não ter reconhecido, devendo fazê-lo, a ilegalidade da liquidação.
De tudo isto resulta que a relevância do ato de indeferimento da reclamação graciosa tem a ver, mais do que com a sua (i)legalidade, com a fixação do prazo para a impugnação da liquidação.
Consequentemente, a petição em que se pede apenas a declaração de ilegalidade da liquidação, sem formular idêntico pedido relativamente ao indeferimento da reclamação (apesar de, no caso, se lhe ter amplamente referido e exposto os fundamentos da sua ilegalidade), enferma apenas de uma imperfeição que, aliás, o tribunal podia ter convidado a corrigir, ao abrigo do disposto no artigo 18.º, alínea c), do RJAT.
Acontece, ademais, que, no caso em apreço, resulta da petição que a Requerente não se alheou da reclamação graciosa, que não só referiu, como criticou, imputando-lhe os vícios que assaca ao ato de liquidação. Daqui se pode extrair um pedido implícito, que não tendo sido reduzido a escrito, se revela a partir dos termos do articulado.
A decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa não deixa, por tudo quanto se disse, de integrar o objeto do processo.
Só este entendimento assegura a tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente garantida pelo artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Sem que daí resulte ofensa de qualquer outro princípio, substantivo ou processual, nem violação de nenhum direito ou interesse legítimo do Fisco que, pelo modo como respondeu, claramente revelou ter entendido a pretensão da parte e os seus fundamentos.
Razões por que se julga improcedente a exceção da caducidade do direito à ação deduzida pela Requerida.
Não há outras exceções, nulidades ou questões prévias que impeçam a apreciação do mérito da causa.
3. ARGUMENTAÇÃO DAS PARTES
3.a. A fundamentar as suas pretensões alega a Requerente, em síntese que:
a) O imposto a que se refere a liquidação adicional objeto de impugnação não corresponde a serviços prestados no 4.º trimestre de 2014, mas sim a serviços prestados ao longo dos seguintes períodos: 2012/09T, 2012/12T, 2013/03T, 2013/06T, 2013/09T e 2013/12T;
b) A partir de 2009, a atividade empresarial consistiu tão-somente na gestão do centro comercial B… . Durante os exercícios de 2009 a 2013, a A… atravessou um período conturbado [económica e financeiramente, bem como no que toca aos atos de gestão da própria sociedade] que culminou no incumprimento de diversas obrigações fiscais e contratuais com os lojistas do B…;
c) Esse incumprimento implicou que os lojistas do B… deixassem de pagar as rendas acordadas e, bem assim, denunciassem os respetivos Contratos de Utilização de Loja (CUL). No final de 2013, a atual gerência, confrontada com a situação empresarial da A… e com o potencial da mesma, encetou um conjunto de diligências com vista à recuperação do negócio e à regularização das dívidas da sociedade. Essas diligências possibilitaram a manutenção da atividade da A… tendo sido celebrados novos CUL com a atribuição de um conjunto de descontos sobre o valor das rendas respeitantes aos períodos acima identificados, cujo pagamento estava pendente por parte dos lojistas;
d) Uma vez finalizado o processo negocial, a A… procedeu à emissão das faturas respeitantes aos valores que constavam dos CUL inicialmente celebrados com os lojistas, bem com à emissão das notas de crédito (descontos) que resultaram da celebração dos novos CUL;
e) Com base nos artigos 7.º e 8.º do Código do IVA (CIVA), de acordo com os quais o imposto é devido e torna-se exigível no momento em que os bens transmitidos são postos à disposição do adquirente e em que os serviços são prestados e, nos casos em que é obrigatória a emissão de fatura, no momento da sua emissão, sem ultrapassar o prazo para essa emissão;
f) Não emitiu as faturas nas datas das prestações de serviços, indicadas nas faturas, mas fê-lo apenas posteriormente no final de dezembro de 2014;
g) Nos Documentos nºs 2 e 3 anexos ao Pedido (correspondentes às fls. 52 a 86 do Processo Administrativo (PA)), junta cópias de faturas relativas a prestações de serviços, de faturas relativas a despesas comuns e de notas de crédito, emitidas às sociedades C…, SA (“C…”), D…, SA (“D…”) e E…, SA (“E…”), e relativas a todo o período entre julho de 2012 e dezembro de 2014, e ainda as relativas a janeiro de 2015 emitidas às sociedades C… e D… . Todas essas faturas e notas de crédito são datadas de dezembro de 2014 (24-12-2014 e 30-12-2014);
h) Deste modo, em dezembro de 2014, foram emitidas as seguintes faturas relativas a períodos de imposto anteriores a 01-01-2014:
i) Também em dezembro de 2014, foram emitidas as seguintes faturas com referência ao período de imposto de 2014/12T:
j) Por outro lado, em dezembro de 2014 foram emitidas as seguintes notas de crédito com referência a períodos de imposto anteriores a 01-01-2014:
k) E, do mesmo modo, ainda em dezembro de 2014, foram emitidas as seguintes notas de crédito com referência ao período de imposto de 2014/12T:
l) Em relação aos três primeiros trimestres do ano de 2014, entregou as declarações do IVA em 10-08-2015 e junta cópias das guias de pagamento e dos documentos bancários de pagamento, com data de processamento de 11-08-2015, referentes a esses períodos: 2014/03T, 2014/06T e 2014/09T (cf. fls. 87 a 92 do PA);
m) No que se refere aos períodos de 2012/09T, 2012/12T, 2013/03T, 2013/06T, 2013/09T e 2013/12T, cujas declarações periódicas de IVA se encontravam em falta, procedeu à sua entrega em 18-12-2015 e efetuou, na mesma data, o pagamento dos montantes de IVA apurados. Junta cópias das declarações periódicas submetidas relativas àqueles períodos trimestrais e dos documentos bancários relativos ao pagamento (cf. fls. 93 a 116 do PA);
n) Do mesmo modo, no que respeita ao período de 2014/12T;
o) Foi notificada a 10-03-2015 para exercer o direito de audição prévia relativamente ao projeto de liquidação adicional de IVA referente ao período de 2014/12T (nos autos não existe evidência deste facto);
p) De acordo com essa notificação a AT apurou IVA liquidado nas faturas comunicadas relativamente ao período em análise no montante de € 204.211,53[1], considerando, contudo, que a Requerente havia apenas inscrito na sua declaração periódica o valor de € 59.368,32, de acordo com a fórmula constante da notificação-modelo que abaixo se indica e que, em suma, considera apenas o IVA liquidado pelo sujeito passivo excluindo o IVA autoliquidado:
q) Com data de 02-06-2015, a AT emitiu a liquidação adicional de imposto aqui em causa na qual considera uma regularização de imposto a favor do Estado (campo 41) no valor de € 146.973,37 e um valor a pagar de € 142.181,48 (cf. fls. 41 a 43 e 51 do PA);
r) O valor oficiosamente regularizado a favor do Estado traduz a diferença, após acerto de contas, entre o montante de € 206.211,53, considerado pela AT como IVA liquidado nas faturas comunicadas e o montante de € 59.368,32, inscrito pela Requerente no campo 4 da declaração periódica apresentada;
s) Efetuou o pagamento do valor decorrente do ato tributário impugnado, apurado na declaração oficiosa relativa a 2014/12T (cf. fls. 117, 118 e 136 a 139 do PA);
t) Por não se conformar com a liquidação de imposto objeto do pedido de pronúncia arbitral, alegando duplicação de pagamento de IVA, apresentou, a 21.12.2015, a competente reclamação graciosa (cf. fls. 2 a 17 e 23 a 37 do PA);
u) Justifica a duplicação de coleta referindo que no que toca aos períodos dos anos de 2012 e 2013, bem com o no que se refere ao último período de 2014, procedeu à submissão das declarações periódicas de IVA que se encontravam em falta e, consequentemente, à entrega dos montantes de imposto devidos;
v) Por Ofício datado de 18.05.2016, foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada (cf. fl. 146 do PA);
w) Exerceu por escrito o seu direito de audição prévia, nos termos e para os efeitos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, em que sustenta que o IVA liquidado pela AT referente ao mês de Dezembro de 2014, diz respeito a prestações de serviços realizadas em períodos de IVA de anos/exercícios anteriores e que o ato tributário reclamado duplica o montante de IVA efetivamente devido pela Requerente, porquanto o imposto liquidado em dezembro de 2014 por referência ao último período de 2014 e bem assim o imposto liquidado por referência aos períodos de 2012 09T, 2012 12T, 2013 03T, 2013 06T, 2013 09T e 2013 12T já havia sido entregue nos cofres do Estado mediante a entrega das declarações periódicas de IVA relativas a esses períodos que se encontravam em falta (cf. fls. 154 a 160 do PA).
x) Por Ofício datado de 30.06.2016, foi notificada da manutenção da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (cf. fl. 194 do PA).
y) Ora, não podendo conformar-se com a decisão da AT, apresentou o pedido de pronúncia arbitral.
3.b. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentou resposta e juntou processo instrutor, invocando, em síntese, e para além da exceção já apreciada, o seguinte:
a) O ato tributário não enferma de qualquer ilegalidade, pelo que não assiste razão à Requerente;
b) A Requerente não emitiu as faturas nas datas das prestações de serviços mas só posteriormente, no final de 2014, não dando assim cumprimento às normas contidas nos artigos 7.º e 8.º do CIVA em relação ao IVA respeitante às prestações de serviços anteriores a dezembro de 2014;
c) A entrega de declarações periódicas de substituição relativamente aos períodos em que, de acordo com os artigos 7.º e 8,º do CIVA, deveria ter sido liquidado o imposto, não supre o incumprimento a que se refere a alínea anterior;
d) Em suma, segundo o disposto no artigo 37.º, n.º 1, do CIVA, a liquidação do imposto sobre as operações tributáveis é efetuada na fatura para efeitos da sua exigência aos adquirentes dos bens e serviços. Não é efetuada na declaração periódica. Esta destina-se a declarar o IVA já liquidado nos documentos (cf. fls. 193 do PA);
e) Que não vê como em data anterior à emissão das faturas poderia ser dado cumprimento à obrigação de contabilização das operações, dispondo os artigos 44.º e 45.º do CIVA que o registo das transmissões de bens/prestações de serviços efetuadas pelo sujeito passivo deve ser efetuado após a emissão das faturas, até à apresentação da declaração periódica e deve comportar todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica;
f) Que não parece, assim, verificar-se ilegalidade da liquidação adicional relativa ao 4.º trimestre de 2014 pelo facto de se tomar como base o IVA liquidado em faturas de prestação de serviços respeitantes a períodos anteriores, mas emitidas só no final de dezembro/2014;
g) Que a Requerente nem com a reclamação graciosa nem com a audição prévia demonstra (nomeadamente com os registos contabilísticos) qual a origem dos valores declarados nessas declarações de substituição, ou, como parece resultar do facto de só em dezembro de 2014 ter emitido faturas e notas de crédito a que se referem essas prestações de serviços ainda não faturadas, que os valores declarados nessas DP de substituição, ou parte dos mesmos, não correspondiam a documentos emitidos e contabilizados nesses períodos (cf. p. 194 do PA).
h) Que procedeu também à análise de um outro processo de reclamação graciosa, com o n.º …2015…, relativa a IRC do exercício de 2013, também apresentada pela Requerente, ao qual foram juntos pela reclamante os elementos contabilísticos do exercício (registos contabilísticos e cópias dos documentos de suporte;
i) Que pela comparação entre estes elementos e as referidas declarações de substituição apresentadas em 18-12-2015 (não liquidadas), não foi possível encontrar qualquer correspondência entre os valores declarados e os contabilizados;
j) Que dos elementos contabilísticos aportados pela Requerente para instruir a reclamação graciosa apresentada relativamente a IRC de 2013, consta uma única fatura de prestações de serviços (rendas), dirigida à F.., Lda., no montante de € 150.217,74, a que acresceu IVA no montante de € 34.550,80. No entanto da declaração de IVA relativa ao período 2013/12T foi declarado o valor da base tributável de € 97.413,42 e o IVA de € 22.405,09, enquanto que nas outras três DP relativas a 2013 foram inscritos valores da base tributável e de IVA liquidado não contabilizados nesse exercício;
k) Que não foram apresentados elementos comprovativos da duplicação que a Requerente parece alegar entre o valor da liquidação adicional objeto de reclamação e os valores pagos com as declarações de substituição;
l) Que no exercício de 2013 a Requerente só emitiu uma fatura (para o cliente F…, no montante de € 150.217,74, antes de IVA). Os restantes valores lançados nas contas 7- Rendimentos respeitam a acréscimos de rendas. Deste modo, além das referentes ao ano de 2014, foram emitidas no final de 2014 faturas respeitantes às rendas do 2.º semestre de 2012 e de todo o ano de 2013, assim como notas de crédito relativas a descontos e faturas relativas a despesas comuns, todas respeitantes ao mesmo período de 2012 e 2013. Esses documentos (faturas e notas de crédito) serviram de base ao acréscimo de rendimentos relativos a 2013 (periodização económica). Assim, o valor do rédito contabilizado no exercício de 2013 engloba a fatura emitida em 2013 e o acréscimo de rendimentos desse período que só foram debitados aos clientes em 2014 (cf. p. 6 do Doc. n.º 14 anexo ao Pedido).
4. MATÉRIA DE FACTO
Em matéria de facto relevante, e com base no exame crítico dos documentos juntos, que aqui se têm por reproduzidos, dá o tribunal por assente os seguintes
4.1. FACTOS PROVADOS
A) A AT procedeu à emissão oficiosa da demonstração de liquidação de IVA, no seguimento de uma divergência detetada entre a comunicação de faturas reportada junto do programa E-Factura e os montantes em sede de IVA declarados pela Requerente, no seio da declaração periódica de bens e de prestações de serviços, com base nas faturas comunicadas à AT no valor de 206.211,53€ e o valor do IVA declarado na declaração periódica de 59.368,32€, existindo uma diferença de 146.973,37€.
B) A Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IVA, com o número de liquidação 2015…, com a retificação do IVA relativa ao período de 2014 12T no valor de 146.973,37 € na coluna 41, com o seguinte fundamento. "Liquidação Adicional emitida nos termos do art. 87º do Condigo do IVA, por se verificar que o valor de IVA liquidado nas faturas é superior ao valor de Iva apresentado na declaração periódica do período indicado. A liquidação foi efetuada com base nos indicadores de cálculo constantes da notificação para a Audição Previa, tendo sido eventualmente modificada com base em correções posteriores efetuadas. Sobre os montantes do imposto em falta incidem juros compensatórios, de acordo com os artigos 96.º do CIVA e 35º da Lei Geral Tributaria".
C) A Requerente, procedeu ao pagamento do imposto da demonstração de liquidação de IVA, no valor de 142.181,48 €.
D) A Requerente exerceu o seu direito de audiência prévia previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária.
E) A Requerente entregou a reclamação graciosa com o n.º …2015…, sobre a demonstração de liquidação de IVA n.º 2015… .
F) A reclamação graciosa foi indeferida pelo Diretor de Finanças Ajunto, em 29 de junho de 2016, e notificada a Requerente.
4.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos eles objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita, designadamente, que o IVA constante das faturas emitidas em dezembro de 2014 se refere a serviços prestados em 2012 e 2013, e que foi então entregue nos cofres do Estado.
5. MATÉRIA DE DIREITO
1. Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral consiste em apreciar a legalidade da liquidação de IVA, no que diz respeito à retificação efetuada pela AT, na emissão oficiosa da demonstração de liquidação de IVA n.º 2015…, relativa ao período de 2014 12T, no valor de 146.973,37 € descrito na coluna 41, sendo este o objeto mediato do pedido de pronúncia arbitral.
2. A Requerente, em suma, sustenta que a liquidação adicional em crise, consubstancia uma duplicação de coleta. Sustentando que as faturas em causa, sobre as quais resultou a liquidação adicional emitidas no 4.º trimestre de 2014, não se referem a serviços prestados nesse período, mas antes a serviços prestados nos períodos de 2012 09T, 20121 2T, 2013 03T, 20130 6T, 2013 09T e 2013 12T, e que sobre esses já procedeu à retificação e ao pagamento do IVA referente a essas faturas nos respetivos períodos, mediante a entrega de declarações de substituição.
3. A AT procedeu a emissão da demonstração de liquidação de IVA n.º 2015 … (declaração periódica oficiosa) no seguimento de uma divergência detetada de 146.973,37 €, entre a comunicação de faturas reportada junto do programa E-Factura e os montantes em sede de IVA declarados pela Requerente, no seio da declaração periódica de bens e de prestações de serviços com base nas faturas comunicadas à AT no valor de 206.211,53€ e o valor do IVA declarado de 59.368,32€.
4. A questão controvertida no presente Processo Arbitral prende-se com saber se existe duplicação de coleta na declaração periódica oficiosa emitida pela AT, uma vez que a requerente alega que o IVA da demonstração de liquidação de IVA n.º 2015 … já foi devidamente liquidado.
5. Ora, nas suas declarações, a Requerente comunicou que no 4.º trimestre de 2014 (2014 12T) emitiu faturas que resultaram no valor de IVA de 206.211,53 €, e que mediante submissão da declaração periódica de IVA para esse período declarou a Requerente o valor do IVA de 59.368,32 €.
6. Com efeito, a AT, nos termos artigo 87.º do CIVA, procedeu à emissão de declaração periódica oficiosa, com base na informação que tinha em seu poder, o que fez mediante as comunicações e declarações entregues pela Requerente.
7. A moldura jurídica para a retificação operada pela AT baseia-se na conjugação do artigo 87.º do CIVA, do regime do Decreto-lei n.º 198/2012, de 24 de agosto e do artigo 75.º n.º 1 da LGT.
8. Prevê o artigo 87.º do CIVA: 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 90.º, a Direcção-Geral dos Impostos procede à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença. 2 - As inexactidões ou omissões praticadas nas declarações podem resultar directamente do seu conteúdo, do confronto com declarações de substituição apresentadas para o mesmo período ou respeitantes a períodos de imposto anteriores, ou ainda com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos a IRS, IRC ou informações recebidas no âmbito da cooperação administrativa comunitária e da assistência mútua."
9. Normativo complementado pelo Decreto-lei n.º 198/2012, de 24 de agosto, o qual implementou o sistema de entrega e comunicação de faturas, também conhecido por E-Fatura e SAF-T, e entrega de declarações periódicas pelos próprios contribuintes.
10. Comunicações e declarações, enviadas pelo sujeito passivo, e que, como tal, presumem-se verdadeiras nos termos do disposto no artigo 75.º n.º 1 da LGT “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.
11. Esta moldura jurídica é bastante clara, no sentido de perante a existência de uma diferença para menos de imposto devido, nas declarações dos sujeitos passivos, a AT proceder à retificação e liquidar a diferença de imposto devido.
12. Desde logo, se das comunicações de faturas pela Requerente, resultar um imposto superior ao liquidado nesse período, a AT pode proceder a sua correção de forma a estar em conformidade com as declarações entregues.
13. No presente caso, existe uma divergência entre a declaração da Requerente no 4.º trimestre de 2014, quanto às faturas emitidas e o valor de IVA liquidado, o que deu lugar à retificação, o que nos presentes autos originou uma diferença de IVA a entregar de 146.973,37 €.
14. Com efeito, este valor foi apurado com base nas faturas emitidas no 4.º trimestre de 2014 e coincide com a comunicação de faturas reportada junto do programa E-Factura e consequentemente confirmado na inspeção tributária.
15. Correção ou retificação assente na premissa que as declarações entregues pelo sujeito passivo são verdadeiras, e nos presentes autos não é invocada a sua falsidade.
16. Mais se diz que, e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, e especialmente não tendo sido suscitado pelas partes a idoneidade nem veracidade das declarações juntas, o presente Tribunal aceita as declarações juntas como verdadeiras e idóneas, de acordo com o disposto no artigo 75.º n.º 1 da LGT.
17. Dessa forma e perante as declarações verdadeiras, entregues pelo sujeito passivo, presume-se que das declarações do sujeito passivo resultou um IVA a liquidar de 206.211,53 €, no entanto, apenas declarou o IVA de 59.368,32 €.
18. Porém, alega a Requerente que esta diferença de 146.973,37 € já foi devidamente liquidada, não no período em que a fatura foi emitida, mas em outros períodos mediante a entrega da declaração de substituição.
19. Desta forma, e sendo a Requerente invocar a duplicação da coleta, cabe-lhe o ónus da prova desses fatos constitutivos.
20. Se não vejamos:
21. No que concerne ao regime jurídico do ónus da prova, estipulam os artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º n.º 1 do Código Civil (CC) que o ónus da prova recai sobre quem os invoque.
22. Conforme resulta do artigo 74.º da LGT " 1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.".
23. Perante o exposto, cabia à Requerida provar que sobre os serviços prestados no âmbito das faturas emitidas no 4º Período de 2014, e sobre os quais a declaração periódica oficiosa recaiu, foi devidamente liquidado entregue o IVA devido.
24. Visto que o sujeito passivo apenas declarou 59.368,32 € dos 206.211,53 € que lhe cabia declarar, cabia-lhe provar que a diferença no valor de 146.973,37 €, foi efetivamente liquidado, e comprovar assim, a duplicação.
25. No entanto, a Requerente, não provou que as faturas emitidas no 4.º trimestre de 2014, juntas como prova documental, e embora tenham apostas no seu texto que dizem respeito a serviços prestados em períodos distintos ao 4.º trimestre de 2014, a mesma não demonstra que o IVA desses serviços foi liquidado, pago e declarado em período distinto, mediante uma declaração de substituição.
26. Mais, a Requerente não demonstrou que as declarações de substituição e o IVA aí liquidado, dizem respeito às faturas emitidas no 4º Trimestre de 2014 e que deram lugar à presente liquidação.
27. Desta forma, não foi possível ao Tribunal estabelecer a correspondência entre os valores contabilizados e declarados face aos valores liquidados de IVA no âmbito das declarações de substituição. A documentação disponibilizada ao Tribunal não permite subsumir em concreto as faturas, as declarações periódicas em discussão.
28. Ao presente Tribunal é lhe apenas possível concluir que a Requerente no 4º Trimestre de 2014, teve um imposto a liquidar de 206.211,53 € e que apenas declarou 59.368,32 €, sendo que o valor em falta teria de ser liquidado.
29. O Tribunal não consegue apurar quais as faturas que estiveram na base de cada uma das declarações periódicas do IVA em apreço. Apenas consegue determinar quais as faturas emitidas em 12/2014, não sendo possível determinar se as mesmas estiveram na base das declarações de substituição em crise.
30. Cabendo o ónus da prova à Requerente, esta não demonstra que os valores elencados nas declarações de substituição correspondem aos documentos emitidos no 4.º trimestre de 2014, e não demonstra igualmente, que o IVA que invoca que se encontra em duplicação, já foi pago em outro momento.
31. Consequentemente, não provando que o IVA já tinha sido liquidado, presume-se que o mesmo não foi liquidado e encontra-se em falta.
32. Invoca a requerente vícios do procedimento de declaração periódica oficiosa pela AT, ora aqui em apreço, quanto à falta de fundamentação, violação do ónus da prova e do princípio do inquisitório.
33. Peticiona a Requerente que a liquidação objeto do presente pedido arbitral sofre de absoluta falta de fundamentação, uma vez que o destinatário não consegue conhecer quais os fatos em que a mesma se fundamenta, em manifesta violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 77 º da LGT.
34. A Administração Tributária tem o dever de fundamentar os atos de liquidação impugnados de harmonia com o princípio plasmado no artigo 268º da Constituição (CRP) e acolhido nos artigos 125º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e 77 º da LGT.
35. Estabelecem os nºs 1 e 2 do artigo 77º da LGT : “1-A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição da razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo as que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”.
36. Nos termos da decisão do STA no processo n.º 01674/13, de 03-12-2014, "A fundamentação a que se refere este normativo legal terá, pois, de assentar em razões de facto e de direito que suportem formalmente a decisão administrativa.
E, como é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C. Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos de facto e de direito que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do acto. E, por isso, a insuficiência, a obscuridade e a contradição da motivação equivalem a falta de fundamentação (art. 125º nº 2 do CPA), por impedirem uma cabal apreensão do iter volitivo e cognoscitivo que determinou a Administração a praticar o acto com o sentido decisório que lhe conferiu.
No que se refere à fundamentação de direito, a jurisprudência deste Tribunal tem decidido que para que a mesma se considere suficiente não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o acto fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico. Como se dá nota no acórdão do Pleno desta Secção de 25/03/93, no proc. nº 27387, o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao texto do acto, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram."
37. Emerge da nota de liquidação adicional, que a mesma foi emitida nos termos do artigo 87.º do CIVA, e que resulta de uma correção com base nas declarações comunicadas pela Requerente sem juízo de valor sobre as mesmas. A liquidação adicional de IVA em crise resulta da subtração do valor do IVA liquidado declarado na declaração do período e o IVA liquidado em faturas que foram comunicadas pelo sistema E-Fatura pela Requerente à AT.
38. Elementos suficientes para compreender os aspetos de facto e de direito que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do ato.
39. Elementos que a própria Requerente forneceu, estavam na sua posse e de que tinha conhecimento, e como tal permitiam-lhe conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do ato.
40. Nestes termos o pedido da Requerente fundado na falta de fundamentação é improcedente.
41. Invoca ainda a requerente vícios do procedimento de declaração periódica oficiosa emitida pela AT, ora aqui em apreço, a violação do princípio do inquisitório e do princípio do ónus da prova.
42. O princípio do inquisitório situa-se a montante do ónus de prova.
43. Quanto ao ónus da prova, já se referiu que o mesmo cabe à Requerente; cabendo à Requerente o ónus da prova, conforme já se concluiu, cabe-lhe, na defesa do seu o interesse, entregar à AT toda a prova que considere relevante.
44. À AT incumbe cumprir com o princípio do inquisitório, da investigação ou da oficialidade, o qual lhe impõe de conformidade à estatuição do artigo 58º da LGT que: “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”. Conferindo-se ainda do artigo 6º do RCIPT que “o procedimento da inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo”- A “justificação do princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposto à actividade da administração tributária (arts. 266º, nº 1, da CRP e 55º da LGT) e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade (art.266º, nº 2, da CRP e 55º da LGT).
45. No domínio procedimental, esta obrigação impõe que a administração tributária não aguarde pela iniciativa do interessado que formulou o pedido que deu origem ao procedimento, devendo ela própria tomar a iniciativa de realizar as diligências que se afiguram como relevantes para correta averiguação da realidade factual em que deve assentar a sua decisão.
46. Por outro lado, aquele dever de imparcialidade, reclama que a administração tributária procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração.” […]” No entanto, a falta de realização pela administração tributária de diligências que lhe seja possível levar a cabo ou a falta de solicitação aos interessados de elementos probatórios necessários à instrução do procedimento, constitui vício deste susceptível de implicar a anulação da decisão nele tomada”.
47. Revertendo ao caso dos autos, constata-se que na verdade, e como decorre do processo administrativo anexo e prova documental junto pela Requerente com o seu pedido de constituição de Tribunal Arbitral, a AT notificou a Requerente, para apresentar os documentos comprovativos/justificativos.
48. Neste sentido “A violação do princípio da verdade material, na dimensão do princípio do inquisitório, traduzido na recusa por parte da Administração tributária de praticar diligências requeridas pela pessoa ou entidade inspeccionada ou abstenção de praticar diligências que tinha a obrigação de realizar e do qual resulte frustração do dever de apuramento da verdade material, constitui um vício procedimental susceptível de determinar a anulação do acto tributário final”( Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, Anotado e Comentado, Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, Coimbra Editora, Maio 2013, p.49.).
49. Perante o exposto, a AT realizou no procedimento todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não tendo violado o artigo 58º da Lei Geral Tributária.
50. Ainda de acordo com os mesmos autores, este princípio impõe à AT o dever de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, mesmo as que tenham como objetivo provar factos invocados pelos interessados.
51. Pese embora este dever geral de descoberta da verdade material, não pode olvidar-se que é sobre os contribuintes que impende o dever de fornecer à AT, a quem compete interpelar para o efeito, os elementos e argumentos que reputem necessários à justa composição do litígio, bem como requerer a realização das diligências de prova que entendam indispensáveis.
52. Disponibilizados os elementos pelos contribuintes, à AT impõe-se a sua cuidada análise, interpretando os elementos de acordo com as várias soluções plausíveis e não apenas de acordo com a solução que melhor sirva os seus interesses patrimoniais.
53. Efetuadas estas diligências por parte da AT, ao abrigo do princípio do inquisitório, mais nenhuma diligência lhe poderia ser exigida, tanto mais que não tem de proceder oficiosamente a diligências instrutórias não requeridas.
54. Daí que, sem necessidade de outras considerações, careça de fundamento e, consequentemente, improceda, a invocada violação do princípio do inquisitório suscitado pelos Requerentes.
6. QUANTO AOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Quanto ao pedido da Requerente de pagamento de juros indemnizatórios, o mesmo falece, face à improcedência do pedido principal. Não tendo havido lugar à cobrança de imposto indevido, não há que indemnizar a Requerente pelo respetivo desembolso.
7. DECISÃO
De harmonia com os fundamentos de facto e de direito expostos, decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedentes os pedidos de declaração de ilegalidade dos atos tributário de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 2015 … e de juros compensatórios n.º 2015 … e … e que fixou um imposto a pagar de 146.973,37 €.
b) Fixar o valor do processo em € 146.973,37, correspondentes ao valor da liquidação, já que o valor económico do processo é aferido pelo valor das liquidações de imposto impugnadas.
c) Fixar as custas, no montante de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), a cargo da Requerente, de acordo com os artigos 12.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, 4.º do RCPAT e Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do artigo 35º, e n.ºs 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, artigos 5.º, n.º 1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC.
Notifique.
Lisboa, 11 de maio de 2017
Os árbitros
(José Baeta de Queiroz)
(Rita Guerra Alves)
(Emanuel Augusto Vidal Lima)
[1] Como refere a Requerente, julga-se que por lapso, visto que a documentação junta ao processo evidencia que esse valor é de € 206.211,53.