DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. Em 23 de Agosto de 2016 os contribuintes A… e B…, residentes na Rua…, n.º …-…, …-… Lisboa, com os números de identificação fiscal … e …, respectivamente, (doravante designados por os “Requerentes”), submeteram ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à obtenção de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 3.º, n.º 1 e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante designado RJAT), na sequência dos actos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.ºs 2016 … e 2016 …, respeitantes ao ano de 2014, datados de 20 de Fevereiro de 2016.
2. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro.
3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro único o signatário, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
4. O tribunal arbitral ficou constituído em 18 de Novembro de 2016.
5. Em 03 de Janeiro de 2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou resposta.
6. Na mesma data da resposta a Requerida informou que o processo administrativo foi directamente introduzido na plataforma do CAAD.
7. A reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi realizada no dia 2 de Fevereiro de 2017, pelas 15H00, à qual as Partes compareceram, tendo sido ouvidas as testemunhas arroladas pelos Requerentes.
8. Notificadas para o efeito, Requerentes e Requerida apresentaram alegações escritas em 14 de Fevereiro de 2017 e 21 de Fevereiro de 2017, respectivamente.
9. A posição dos Requerentes, expressa no pedido de pronúncia arbitral e nas alegações escritas é, em resumo, a seguinte:
9.1. Os actos de liquidação objecto da presente pronúncia arbitral estão feridos de vício de erro sobre os pressupostos de direito, erro sobre os pressupostos de facto e vício de violação da lei.
9.2. Efectivamente, tendo os Requerentes e correspondente agregado familiar residido juntos, não podem aqueles aceitar, como fundamentação das liquidações adicionais de IRS do ano de 2014, o facto de não terem cumprido os requisitos legais da união de facto, nomeadamente porque entre 27.05.2013 e 17.08.2014 a AT verificou no sistema interno uma divergência nos domicílios fiscais.
9.3. Tal hiato temporal invocado pela AT, deveu-se apenas ao facto de não ter sido requerido simultaneamente o Cartão do Cidadão e consequente alteração de morada, aquando da ocupação, no decurso do ano de 2013, como habitação permanente, do prédio urbano sito na Rua …, n.º … – …, …-… Lisboa, aquele adquirido no decurso do ano de 2012 para efeitos de reabilitação urbana.
9.4. A AT não pode exclusivamente basear-se na informação do domicílio fiscal constante do “cadastro” de contribuintes para fundamentar a emissão das liquidações adicionais.
9.5. Alias, tal informação, naturalmente, não tem qualquer efeito de dissolução da união de facto, conforme nos descreve o artigo 8.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio (com as alterações da Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto), nem tão pouco para efeitos fiscais, quando o próprio artigo 14.º, n.º 1 do Código do IRS remete para a Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio.
9.6. O próprio Tribunal Central Administrativo, no processo n.º 5659/01 concluiu que “(…) os critérios definidores do que são pessoas residentes em território Português para efeitos de incidência pessoal de IRS não passa nem pelo requisito da nacionalidade nem pela existência de cadastro e domicílio fiscal em Portugal, circunstâncias que se mostram completamente irrelevantes para o caso (…).”. Também é entendimento do Tribunal Arbitral que “(…) Parece claro que o legislador quis atribuir às pessoas que vivem em condições análogas às dos cônjuges o acesso ao regime de tributação destas. E viver em condições análogas ás dos cônjuges é partilharem a respectiva residência habitual e não a comunicarem ambos aos serviços tributários a mesma morada como sendo sua. (…)”. (cfr. Processo 304/2015-T).
9.7. Por todo o exposto, as liquidações de IRS, referentes ao ano de 2014, correspondentes ao facto de os Requerentes, no entendimento da AT, não terem cumprido os requisitos legais da união de facto, devem ser anuladas, com todas as consequências legais, nomeadamente, o pagamento de juros indemnizatórios.
10. A posição da Requerida expressa na resposta e nas contra-alegações é, em síntese abreviada, a seguinte:
10.1. As liquidações adicionais de IRS do ano de 2014 resultaram da falta de verificação dos pressupostos do exercício da opção pela tributação conjunta dos rendimentos auferidos por sujeitos passivos que vivessem em união de facto, uma vez que essa opção, de acordo com a legislação fiscal vigente para o exercício de 2014, se encontrava condicionada “pela obrigação de identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante aquele período de tempo e durante o período de tributação”, o que no caso concreto não aconteceu.
10.2. A verdade é que se verificou uma divergência nos domicílios fiscais dos Requerentes que se manteve durante mais de um ano, isto é, desde 27.05.2013 a 17.08.2014.
10.3. De acordo com o artigo 14.º do Código do IRS, exige-se, para aplicação do regime dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, que se confirme a identidade do domicílio fiscal dos sujeitos passivos que alegam ser unidos de facto. Pelo que, o acto sub judice não merece qualquer censura.
10.4. Apenas em 17.08.2014 é que os Requerentes passaram a deter identidade de domicílio fiscal, de acordo com o disposto no artigo 19.º, n.º 3 e 4 da LGT.
10.5. Como tal, a aplicação do regime de tributação previsto no n.º 2 do artigo 14.º do Código do IRS depende da identidade de domicílio fiscal há mais de dois anos e durante o período de tributação, efectuada atempadamente nos termos do artigo 19.º da LGT.
10.6. Em causa está o dever fundamental de actualizar o domicílio no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, de acordo com o disposto no artigo 19.º da LGT, e os imperativos de combate à fraude e evasão fiscais que lhe estão associados.
10.7. Está em causa a aplicação de um desagravamento fiscal, cabendo ao legislador os devidos critérios de controlo e prevenção destinados a evitar a apropriação indevida do correspondente estatuto tributário. Razão pela qual se compreende que os pressupostos aquisitivos do desagravamento fiscal previstos no artigo 14.º do Código do IRS incorporem uma obrigação declarativa relativa à comunicação atempada do domicílio para efeitos fiscais, a qual se considera adequada e em conformidade com os princípios de direito aplicáveis.
10.8. Tal entendimento é perfilhado pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo de 22.01.2015, processo n.º 6655/13.
10.9. Nesta cadência, a Requerida conclui pela improcedência total do pedido de pronúncia arbitral formulado, sendo evidente a conformidade legal do acto objecto dos presentes autos.
11. Por requerimento apresentado em 13 de Outubro de 2016, os Requerentes comunicaram que foram notificados das decisões dos Recursos Hierárquicos apresentados relativamente ao ano de 2013, nas quais se concluiu que “(…) os recorrentes cumpriram as condições legais para beneficiarem do regime de tributação dos sujeitos passivos casados, prevista no artigo 14.º (…)”, conforme despacho de 14.08.2016 do Chefe de Divisão da Direcção de Serviços do IRS, por subdelegação. Requerendo a revogação dos actos tributários de liquidação impugnados, dada a similitude dos factos e questão de direito do ano de 2013 extensível ao ano de 2014.
12. Ainda que o procedimento utilizado pelos Requerentes em 27.03.2017 não tenha sido o correcto, porquanto a acção do Tribunal deve limitar-se a apreciar todo o impulso processual dado pelas Partes no contexto do próprio processo e da utilização do Sistema de Gestão Processual do CAAD, comunicaram aqueles que, por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa … de 14.03.2017, foi deferido o pedido de rectificação do IRS do ano de 2014, nomeadamente no que se refere à consideração do estatuto de “união de facto”, desencadeando aquele serviço os procedimentos destinados à concretização daquele despacho.
13. Notificada para se pronunciar sobre estes requerimentos dos Requerentes (cfr. supra n.ºs 11 e 12), a Requerida nada disse.
II – QUESTÃO DECIDENDA
14. Em face do exposto nos números anteriores, a principal questão a decidir é a seguinte:
− Tento em conta os desenvolvimenros ocorridos nos autos de que acima se deu conta (cfr. supra n.ºs 11, 12 e 13), as questões específicas que presentemente importa apreciar e decidir no âmbito do presente processo arbitral, tendo em conta os pedidos formulados pelos Requerentes são as seguintes:
a) Ocorrência de inutilidade superveniente da lide relativamente à instância concernente ao pedido de declaração de ilegalidade e anulação das liquidações adicionais de IRS do ano de 2014;
b) Verificação do invocado direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.
III – SANEAMENTO
15. O Tribunal encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, de acordo com o n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Tendo em conta a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito, a ora coligação de autores e cumulação de pedidos são admissíveis, nos termos do artigo 3.º do RJAT.
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
Tudo visto, cumpre proferir decisão.
IV – FUNDAMENTOS DE FACTO
16. Tendo em conta o processo administrativo tributário e a prova documental junta aos autos cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como se segue:
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Os Requerentes são progenitores de C… e D… (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 2 anexo à Petição Arbitral)
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No ano de 2007 e 2008, os Requerentes residiam na Rua … …, …, …, Lisboa (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 3 anexo à Petição Arbitral).
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Os Requerentes no ano de 2014 apresentaram a Declaração de Rendimentos de IRS na qualidade de “união de facto”, tendo dado origem à liquidação de IRS n.º 2015 …(cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 4 anexo à Petição Arbitral).
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Uma vez que ocorreu um lapso no reporte dos rendimentos obtidos, a mencionada liquidação foi objecto de Reclamação Graciosa, a que foi atribuída o n.º …2015…, entretanto deferida (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 5 anexo à Petição Arbitral).
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Em 2 de Fevereiro de 2016, a AT notifica os Requerentes para apresentarem alegações, no âmbito de audição prévia, ao projecto de correcção da declaração de rendimentos de IRS – Modelo 3 – do ano de 2014, identificada pelo Lote n.º …/…, por não preencher, à data, os requisitos de união de facto, sendo que a mesma seria eliminada e apresentada novas declarações para cada sujeito passivo atendendo ao disposto no artigo 57.º do Código do IRS (cfr. pág. 49 do Processo Administrativo).
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Em 11 de Fevereiro de 2016, os Requerentes exerceram a devida audição prévia por escrito (cfr. pág. 48 do Processo Administrativo).
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Com efeito, os Requerentes foram notificados das liquidações adicionais de IRS n.ºs 2016… e 2016…, respeitantes ao ano de 2014, datadas de 20 de Fevereiro de 2016 (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 1 anexo à Petição Arbitral).
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As referidas liquidações adicionais emitidas pela AT tiveram origem na falta de cumprimento pelos Requerentes dos requisitos legais da união de facto, dado que entre 27.05.2013 e 17.08.2014 verificou-se uma divergência nos domicílios fiscais (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 6 anexo à Petição Arbitral).
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No ano de 2012 os Requerentes adquiriram um prédio urbano na Rua …, n.º …-…, …-… Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, do concelho de Lisboa, sob o artigo … (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 7 anexo à Petição Arbitral).
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Em conformidade com o prédio adquirido como habitação própria e permanente, os Requerentes, juntamente com os seus filhos, nos anos de 2013 e 2014, comprovam com extratos bancários e despesa geral (…) que possuem morada na Rua … n.º …-…, …-… Lisboa (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 8 anexo à Petição Arbitral).
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A Junta de Freguesia de …, através de atestado, confirma que os Requerentes e o seu agregado familiar residem naquela freguesia, mais concretamente na Rua … n.º …-…, …-… Lisboa, desde Setembro de 2013 (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 9 anexo à Petição Arbitral).
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No Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, o Requerente A… em 22.05.2013, tinha o domicílio fiscal na Rua …, n.º…, …, …, …-… Lisboa (cfr. págs. 56 a 58 do Processo Administrativo).
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O Requerente A… e a Requerente B… têm como domicílio fiscal a Rua …, n.º …-…, …-… Lisboa, produzindo os devidos efeitos, em 30.09.2013 e 17.08.2014, respectivamente (cfr. págs. 50 a 55 e 59 a 64, respectivamente, do Processo Administrativo)
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No decurso do presente processo, conforme acima referido nos n.ºs 11 e 12 do Relatório, os Requerentes comunicaram que foram notificados das decisões dos Recursos Hierárquicos apresentados relativamente ao ano de 2013, nas quais se concluiu que “(…) os recorrentes cumpriram as condições legais para beneficiarem do regime de tributação dos sujeitos passivos casados, prevista no artigo 14.º (…)”, conforme despacho de 14.08.2016 do Chefe de Divisão da Direcção de Serviços do IRS, por subdelegação. Requerendo a revogação dos actos tributários de liquidação impugnados, dada a similitude dos factos e da questão de direito do ano de 2013 ser extensível ao ano de 2014.
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Acresce ainda o despacho de deferimento do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa … de 14.03.2017, respeitante ao pedido de rectificação do IRS do ano de 2014, nomeadamente no que se refere à consideração do estatuto de “união de facto”, desencadeando aquele serviço os procedimentos destinados à concretização daquele despacho.
17. Os factos enunciados no n.º anterior integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
18. Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
V – FUNDAMENTOS DE DIREITO
19. Vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a questão já enunciada (vd., supra n.º 14).
20. Como referimos anteriormente no Relatório (n.º 12), por requerimento de 27.03.2017, ainda que por erróneo procedimento (via mensagem de correio electrónico) em contraposição com a utilização dos Sistema de Gestão Processual deste Tribunal, conforme despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa … de 14.03.2017, foi deferido o pedido de rectificação do IRS do ano de 2014, nomeadamente no que se refere à consideração do estatuto de “união de facto”, ordenando aquele que os serviços dessem o devido seguimento no sentido de concretização daquele despacho.
21. Impõe-se, então, a este Tribunal verificar a utilidade da apreciação do pedido, formulado pelos Requerente na sua petição inicial, de declaração de ilegalidade e anulação das liquidações adicionais de IRS sindicadas nos presentes autos.
22. Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto observam que a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio” (Cfr. Código de Processo Civil anotado, volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 555).
Ou seja, verifica-se a inutilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da causa, a solução do litígio deixe de ter interesse e utilidade, o que justifica a extinção da instância (Cfr. artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC)).
23. Assim, se, por virtude de factos novos ocorridos na pendência do processo, o escopo visado com a pretensão deduzida em juízo já foi atingido por outro meio, então a decisão a proferir não envolve efeito útil, pelo que ocorre, nesse âmbito, inutilidade superveniente da lide.
24. Ora, conforme resulta das circunstâncias anteriormente referidas (vide ponto 11 e 12 dos facto provados), por despacho do Chefe de Finanças de Lisboa … o pedido dos Requerentes quanto à rectificação do IRS do ano de 2014, nomeadamente no que se refere à consideração do estatuto de “união de facto”, conforme aliás aconteceu também para o ano de 2013, foi deferido, e consequentemente, sido desencadeado os procedimentos destinados à concretização de tal despacho, nomeadamente, à anulação dos actos tributários por erro de direito quanto à interpretação e aplicação do artigo 14.º do Código do IRS, tendo estes fixado uma prestação tributária superior à legalmente devida.
25. Decorre, então, desta actuação administrativa que a pretensão formulada pelos Requerentes, que tinha como finalidade a declaração de ilegalidade e anulação por este Tribunal dos actos sindicados, ficou prejudicada, porquanto a supressão desses atos e seus efeitos da ordem jurídica foi conseguida por outra via depois de iniciada a instância.
26. Na verdade, conforme este Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar, através do acórdão arbitral referente ao Processo n.º 220/2016-T, “a prática posterior do acto expresso de revogação das liquidações impugnadas (cfr. art. 79.º, n.º 1 da LGT) implica que a instância atinente à apreciação da legalidade dessas liquidações se extingue por inutilidade superveniente da lide, dado que, por terem sido eliminados os seus efeitos pela revogação anulatória, perde utilidade a apreciação, em relação a tais liquidações, dos vícios alegados em ordem à sua invalidade, ficando sem objecto a pretensão impugnatória contra elas deduzida.”.
27. Nesta cadência, este Tribunal decide verificar-se a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de anulação dos actos tributários objecto do presente processo, o que implica a extinção da correspondente instância nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
28. Por fim, os Requerentes peticionam ainda o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.
29. Nos termos do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”. Esta norma permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais. Assim, se conhece do pedido.
30. De acordo com o artigo 43.º, n.º 1 da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
O direito a juros indemnizatórios a que alude a mencionada norma da LGT pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Proc. n.º 01215/12, de 10.04.2013).
31. No presente caso, mostram-se preenchidas ambas as condições, constituindo-se, pois, a obrigação de juros indemnizatórios a favor dos Requerentes, que assim se declara.
VI – DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar extinta a instância no que concerne ao pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação ora impugnados por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT;
b) Condenar a Requerida a restituir as quantias indevidamente liquidadas e que tiverem sido pagas pelos Requerentes.
c) Condenar ainda a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na Lei (cfr. artigos 43.º e 100.º da LGT e artigo 61.º do CPPT).
Fixa-se o valor do processo em € 5.599,51, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 17 de Maio de 2017.
O Árbitro
(Jorge Carita)