Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
1 – A..., contribuinte …, residente na … em …, na qualidade de cabeça de Casal, em representação da herança da falecida B…, contribuinte …, à data do óbito residente no …, apresentou em 02/09/2013 pedido de constituição de Tribunal Arbitral com vista à apreciação e declaração de ilegalidade da liquidação de IRS e juros compensatórios conforme nota de liquidação nº … referente a 2011 no valor de 19149,41€, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, do nº1 do artº 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10, todos do DL 10/2011 de 20 de Janeiro (RJAT)[1] em que é requerida a AT[2].
2 - O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[3] e automaticamente notificado à AT em 03/09/2013.
Nos termos e para efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
3 - O Tribunal foi constituído em 07/11/2013 e, na mesma data, foi proferido o Despacho a que alude o artigo 17ºnº1 do RJAT.
4 – Invoca a requerente que tendo sido notificada da referida liquidação apresentou reclamação graciosa contra a mesma, que veio a ser indeferida pelo que a presente acção é interposta em consequência de tal decisão.
5 – Alega a ainda que em 29/09/2010 apresentou no Serviço de Finanças de … uma declaração de inscrição/inicio de actividade, na qual declarou estimar um volume de negócios para o ano de 2010 de 60000,00€ e que apesar de reunir os pressupostos para a inclusão no regime simplificado de tributação, optava em sede de IRS, pelo regime de contabilidade organizada onde ficou enquadrada;
6 – Em 2010 obteve rendimentos de 118963,29€,tendo em 2012 tentado apresentar a respectiva declaração de rendimentos do exercício de 2011, com o anexo C, respeitantes aos rendimentos categoria B, apurados com base na contabilidade, não tendo o sistema informático permitido tal entrega;
7 – Até então desconhecia a requerente que o sistema não permitia a apresentação nos termos pretendidos e não lhe foi notifica pela AT qualquer mudança de regime de tributação em sede de IRS.
8 – Face a esta impossibilidade, optou por os declarar conforme o sistema informático permitia, isto é, no regime simplificado, vindo a reclamar da respectiva liquidação que a AT indeferiu com os fundamentos de que no ano de 2010 foi enquadrada no regime de contabilidade organizada por opção na declaração de início de actividade, mas como nesse exercício apenas obteve rendimentos de 118963,29€, foi no exercício de 2011 enquadrada no regime simplificado de tributação, conforme nº2 do artº 28º do CIRS[4] e, caso pretendesse optar pelo regime de contabilidade organizada deveria ter feita a opção até final de Março de 2011 prevista no nº 3 e do nº 4 alínea b) do artº 28º do CIRS, salientando ainda que a permanência e período de opção são coisas distintas.
9 – Na resposta apresentada ao abrigo do artº 17º nº1 do RJAT a AT entende que à requerente não assiste razão, começando por suscitar a incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria e da hierarquia, sustentando o seu ponto de vista invocando que a solicitação da constituição do Tribunal Arbitral Singular visa a declaração de ilegalidade do acto de fixação da matéria tributável através do regime simplificado de tributação, pretendendo-se que a liquidação do IRS de 2011 seja feita através da contabilidade organizada, conforme opção feita na declaração de início de actividade apresentada em 29 de Outubro de 2010.
10 – Mais diz a AT que a requerente pretende que o Tribunal decida que em 29 de Outubro de 2010 esta alterou o regime simplificado para o regime de contabilidade organizada e que a declaração modelo 3 de IRS de 2011 deverá ter o enquadramento fiscal de acordo com este regime.
11 – Na perspectiva da requerida o que está aqui em causa é o regime de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais que o artº 28º do CIRS estabelece que seja feita obedecendo às regras do regime simplificado ou da contabilidade organizada, normativo que fixa as condições em que deve ser aplicado, mantido, renovado ou prorrogado o enquadramento em cada um deles fixando os pressupostos de aplicação ou cessação dos mesmos na determinação de rendimentos da categoria B de IRS.
12 – Segundo a AT a requerente, no seu pedido apenas concretiza a declaração de erro da requerida nos pressupostos de aplicação do regime de tributação dos rendimentos empresariais e profissionais, matéria que não é susceptível de ser apreciada por via arbitral, na medida em que o artº 2º do RJAT restringe a competência dos tribunais arbitrais à :
- declaração de ilegalidade de actos tributários de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
- declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de determinação da matéria colectável e de fixação de valores patrimoniais.
13 – Alega a AT que a verificar-se a excepção suscitada fica prejudicado o conhecimento material das restantes questões e que o meio próprio para impugnar estes actos será a acção administrativa especial prevista na alínea p) do nº 1 do artº 97º do CPPT[5] e artº 46º e seguintes do CPTA[6].
14 – Em 15/04/2014 teve lugar a primeira reunião do tribunal arbitral nos termos e efeitos do artº 18º do RJAT e nela foi concedido o prazo simultâneo de 15 dias para as partes alegarem por escrito.
15 – Vistas as alegações das partes as mesmas, no essencial, mantiveram as posições, respectivamente, assumidas na petição e na resposta.
II- SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas (artºs 4º e 10, nº2 do RJAT e artº1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Foi suscitada pela requerida, a incompetência do Tribunal em razão da matéria e da hierarquia o que a verificar-se determina a incompetência absoluta do Tribunal, questão central para se aquilatar da viabilidade processual da pretensão, pelo que se impõe, em primeira linha, proceder à apreciação da excepção suscitada pela requerida referente à incompetência material deste Tribunal.
A esfera da jurisdição arbitral tributária é delimitada pelo disposto no artº 2º do RJAT, (com redacção que lhe foi dada pela Lei 64-B/2011, de 30 de Dezembro) que no seu nº1 determina as matérias que lhe cabe apreciar, que são:
“a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.
Atendendo ainda à voluntariedade da sujeição à jurisdição arbitral, dispõe o artº 4º nº 1 do RJAT que a vinculação da AT depende de regulamentação. Esta veio a ser estabelecida pela portaria 112-A/2011 de 22 de Março, que no seu artº 1º vincula, a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do DL 10/2011 de Janeiro, no CAAD, e no seu artº 2º objectivamente vincula os referidos organismos à jurisdição desses tribunais, quando esteja em causa a apreciação das pretensões relativos a impostos cuja administração lhes esteja cometida, conforme nº 1 do artº 2º do RJAT. Ficam excluídas desta vinculação nos termos das alíneas a), b), c) e d) as pretensões nelas referidas.
Vamos agora analisar os actos administrativos tributários que são objecto do presente processo arbitral ou qual é a declaração de ilegalidade pretendida e se os mesmos estão dentro da vinculação ou dela excluídos.
Vamos apreciar a petição inicial, fazer a sua avaliação e tirar conclusões:
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Logo no artigo 1º do articulado se diz “o presente processo tem por objecto a legalidade da liquidação de IRS nº ... de 03/06/212, relativa ao exercício de 2011…” , no seu artº 2º diz que “ após ter sido notificada da mencionada liquidação, a ora requerente apresentou reclamação graciosa contra a mesma, tendo a mencionada reclamação sido indeferida” , no artº 3º é referido:” a presente acção é interposta na sequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa” e no artº 4º “…tal liquidação é claramente ilegal, por violação do disposto no artº28º do CIRS”;
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Daqui se conclui que a requerente pretende atacar a liquidação, só que a montante do acto de liquidação existe o acto de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, previsto no artº 28º do CIRS que também, segundo a requerente, terá sido violado;
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Apesar do pedido de constituição de tribunal arbitral ter sido formulado ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 2º do RJAT, o que a requerente, na verdade, pretende ver dirimido é a forma de determinação dos seus rendimentos empresariais no exercício de 2011, a que alude o artº 28º do CIRS, isto é; se tal determinação deveria ocorrer pela aplicação do regime simplificado como a AT a enquadrou, ou se a mesma deveria ocorrer com base na contabilidade pela qual optou no início de actividade em Outubro de 2010 ;
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Dos factos elencados pela requerente todos se reconduzem à declaração de início de actividade onde, apesar de reunir os pressupostos para a inclusão no regime simplificado, optou pelo regime de contabilidade organizada e onde foi enquadrada pela AT no exercício de 2010 obtendo 118963,29 de rendimentos;
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Só em 2012 quando tentou apresentar a declaração referente ao exercício de 2011,com o anexo C com os rendimentos apurados com base na contabilidade, verificou da impossibilidade de assim proceder, uma vez que foi enquadrada pela AT no regime simplificado, facto que levou a requerente a apresentar reclamação que veio a ser indeferida e, só através do projecto de decisão, veio a saber os motivos do seu enquadramento no regime simplificado.
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Sobre a liquidação nem um único facto é elencado apesar de a considerar ilegal, optou pelo pagamento com vista a evitar processo de execução fiscal.
Aqui chegados, o Tribunal entende que, apesar de a requerente ter formulado, o seu pedido ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 2º do RJAT pretendendo a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, o que na realidade pretende é que o Tribunal declare que o seu enquadramento no regime de contabilidade organizada conforme declarou no início de actividade e assim foi considerado no exercício de 2010 deverá vigorar entre 2010 e 2012, ao abrigo do nº 5 do artº 28º do CIRS e a partir daqui decida pela ilegalidade da liquidação.
Dito de outro modo, o que a requerente pretende é que o Tribunal declare a ilegalidade do enquadramento jurídico-tributário feito pela AT, no regime simplificado de tributação, para o exercício de 2011, não tendo em conta a vontade expressa pelo sujeito passivo na declaração de início de actividade apresentada em 29/09/2010 no Serviço de Finanças de ….
Só que a haver erro da AT nos pressupostos de aplicação do regime de tributação, tal matéria não é susceptível de sindicância pela via arbitrária, pois, como é bem visível não se enquadra
na alínea a) do nº1 do artº 2º do RJAT, termos em que a pretensão da requerente foi formulada.
Entende o Tribunal que apesar da requerente, no seu pedido, pretender a declaração de ilegalidade de um acto tributário de liquidação, na verdade tal pedido concretiza-se na apreciação da legalidade de um acto que fica a montante desta e para o qual, como já se disse, a via arbitral não é competente nem a AT se encontra vinculada pela já referida Portaria 112-A/2011 de 22 de Março.
Também o referido acto de enquadramento não é susceptível de ser apreciado ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 2º do RJAT, nem tal foi solicitado pela requerente, carecendo, deste modo, competência ao Tribunal Arbitral para se pronunciar sobre o acto de enquadramento feito pela AT ao abrigo do artº 28º do CIRS.
E ao ser-lhe vedado a apreciação da legalidade do enquadramento, fica impossibilitado de apreciar qualquer eventual ilegalidade cometida no acto tributário de liquidação.
III- DISPOSITIVO
Visto o exposto, julga-se procedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e, em consequência, rejeita-se o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a requerida da instância
Valor da Causa: 19149,41, de acordo com o disposto no artº 299º nº1 do CPC[7], 97º-A do CPPT e artº 3º,nº2 do RCPAT[8].
Custas a cargo da Requerente, fixando-se o seu montante em 1224,00€ de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto no artº12º nº 2 do RJAT.
Notifique.
Lisboa,20 de Fevereiro de 2014
Texto elaborado em computador, nos termos do artº 131º,nº5 do CPC, aplicável por remissão do artº 29,nº1,alínea e) do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao acordo ortográfico.
O árbitro,
Arlindo José Francisco
[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária
[2] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira
[3] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa
[4] Acrónimo de Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
[5] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário
[6] Acrónimo de Código de Processo nos Tribunais Administrativos
[7] Acrónimo de Código de Processo Civil
[8] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de arbitragem Tributária