Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 710/2016-T
Data da decisão: 2017-05-02  IRC  
Valor do pedido: € 292.211,18
Tema: IRC – Artigo 32.º do EBF; Circular 7/2004; Correcção oficiosa; Ónus da prova; Artigos 23.º e 29.º do CIRC; Encargos dedutíveis; Amortização de imóveis não utilizados.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Nuno Cunha Rodrigues e Luís Baptista, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 29 de Novembro de 2016, A…- Sociedade Gestora De Participações Sociais, S.A., Pessoa Colectiva n.º…, com sede na …, Lugar da …, …, …-… …, …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e acrescido com o n.º 2015…, de 05-11-2015, relativo ao exercício de 2013, no valor de € 292.211,18, e da decisão da reclamação graciosa n.º …2016…, que o teve como objecto.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que a liquidação referida:

                                                              i.      na parte relativa à correcção de € 548.555,18 na esfera da Requerente, e de €1.144.891,38 na esfera da “B… SGPS, S.A.”, relativas a “encargos financeiros não dedutíveis relativos a partes de capital”, em que aplicou o disposto na circular nº 7/2004, de 30 de Março, a qual consubstancia a interpretação da AT do disposto no artigo 32º nº 2 do EBF, é ilegal, por erro nos pressupostos de facto, erro de interpretação e aplicação da lei, violação do princípio do inquisitório, indevido recurso a avaliação indirecta e diversas preterições de formalidades essenciais, verificando-se, ainda a violação do princípio constitucional da legalidade;

                                                            ii.      na parte relativa à correcção de € 8.384,48, referente à “C…”, respeitante a «Gastos com amortizações e depreciações não aceites no apuramento do resultado fiscal de IRC», enferma de erro nos pressupostos de facto e errónea interpretação e aplicação da lei – mormente o disposto nos artigos 23.º n.º 1 e 29.º n.º 3 do CIRC.

 

  1. No dia 30-11-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 25-01-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 09-02-2017.

 

  1. No dia 10-03-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Atendendo aos princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações pelas partes, tendo sido fixado o prazo de 45 dias para a prolação de decisão final.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A Impugnante é sociedade dominante de um grupo de sociedades que se encontra enquadrado, em termos de IRC, no Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS).

2-      A Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva interna que teve como objecto a análise do regime especial de tributação do grupo de sociedades de que era dominante, quanto ao exercício de 2013.

3-      Desse procedimento resultou o relatório de inspecção tributária (RIT), onde a Administração Tributária, por referência ao referido exercício de 2013, efectuou as seguintes correcções:

a.       uma correcção meramente aritmética ao resultado fiscal individual em IRC da Impugnante, no valor de € 548.555,18;

b.      uma correcção meramente aritmética ao resultado fiscal individual em IRC da “B… SGPS, S.A.”, no valor de € 1.144.891,38;

c.       uma correcção ao resultado fiscal individual em IRC da sociedade “C… S.A.” no valor de € 8.384,48.

4-      As correcções referidas nas alíneas a) e b) do número anterior tiveram como fundamento no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, na redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30.12, interpretado de acordo com a Circular 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC.

5-      A correcção referida na al. c) do n.º 3 que antecede, é relativa a gastos com amortizações e depreciações não aceites no apuramento do resultado fiscal de IRC do ano de 2013, nos termos dos artigos 23.º e 29.º ambos do CIRC e teve como fundamento terem sido consideradas como perdas as amortizações dos imóveis registados como propriedades de investimento que não estavam a ser utilizados e que não geraram, à data, rendimentos sujeitos a IRC.

6-      Os referidos imóveis, no exercício referido, estavam disponíveis para arrendamento ou venda.

7-      As correcções referidas estão reflectidas no relatório inspectivo com a ordem de serviço n.º OI2015…, onde a AT procedeu, concomitantemente, à correcção do resultado fiscal do grupo de empresas encabeçado pela Requerente – no valor global de €1.701.831,04.

8-      A Requerente procedeu ao pagamento voluntário da liquidação objecto da presente acção arbitral.

9-      A Requerente apresentou reclamação graciosa, tramitada na Direcção de Finanças de … sob o n.º …2016…, que foi expressamente indeferida com base nos fundamentos constantes do projecto de decisão.

10-  No exercício de 2013 a Requerente não adquiriu nem alienou quaisquer participações sociais, nem contratou qualquer financiamento para aquisição de partes de capital.

11-  A “C…” tinha, à data do facto tributário, como actividade efectiva a "Compra e venda de imóveis e gestão dos que é proprietária, nomeadamente, através do seu arrendamento”.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

 

B. DO DIREITO

 

            Conforme se referiu atrás, está em causa nos presentes autos a apreciação da legalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e acrescido com o n.º 2015…, de 05-11-2015, relativo ao exercício de 2013, no valor de € 292.211,18, e da decisão da reclamação graciosa n.º …2016…, que o teve como objecto, relativamente às seguintes correcções, operadas na liquidação referida:

-                           correcção de € 548.555,18 na esfera da Requerente, e de €1.144.891,38 na esfera da “B… SGPS, S.A.”, relativas a “encargos financeiros não dedutíveis relativos a partes de capital”, em que foi aplicado o disposto na circular nº 7/2004, de 30 de Março, a qual consubstancia a interpretação da AT do disposto no artigo 32º nº 2 do EBF;

-                           correcção de € 8.384,48, referente à “C…”, respeitante a «Gastos com amortizações e depreciações não aceites no apuramento do resultado fiscal de IRC».

Vejamos, então.

 

***

i.

            O artigo 32.º/2 do EBF dispõe, para além do mais, que “os encargos financeiros suportados com a (...) aquisição [de participações sociais detidas por período não inferior a um ano] não concorrem para a formação do lucro tributável” das SGPS, SCR e ICR.

            Por sua vez o artigo 120.º do CIRC aplicável, impõe aos contribuintes de IRC que apresentem a sua declaração periódica de rendimentos, nos termos da lei, sendo essa declaração, por regra, a base da liquidação de imposto, conforme dispõe o artigo 90.º/1/a) do mesmo CIRC, sendo certo que o modelo de declaração disponibilizado contém campo próprio para fazer constar o valor referente à supra-referida previsão do artigo 32.º/2 do EBF, designadamente o Quadro 07, de resto, e no caso, preenchido pela Requerente.

            Assim, os contribuintes de IRC a quem a previsão do artigo em causa do EBF seja aplicável têm a obrigação de fazer constar da respectiva declaração periódica de IRC o valor dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais detidas por período não inferior a um ano, não podendo eximir-se de tal obrigação, alegando, por exemplo, que não lhes é possível estabelecer qualquer alocação directa dos encargos financeiros suportados às participações sociais detidas.

Com efeito, não só o princípio da legalidade não impõe que seja aceite um gasto por força da dificuldade ou impossibilidade subjectiva de demonstração dos pressupostos dos quais a lei faz depender a sua dedutibilidade (no caso, a não terem sido suportados com a aquisição de participações sociais detidas por período não inferior a um ano), como, em concreto, tal dificuldade será – exclusivamente e em primeira linha – sempre objectivamente imputável ao contribuinte que, por ser quem contrai os gastos com encargos financeiros e quem lhes dá destino, é quem poderá demonstrar, melhor que ninguém, se, e quais de tais gastos tiveram por finalidade a aquisição de partes de capital detidas por período não inferior a um ano.

Assim, independentemente da maior ou menor dificuldade – ou mesmo da impossibilidade – subjectiva em determinar o valor relevante para efeitos do artigo 32.º/2 do EBF, estarão os contribuintes abrangidos pela respectiva previsão, obrigados a fazer constar da respectiva declaração de imposto um valor para o efeito – ainda que seja zero – não se podendo eximir a tal obrigação sob pretexto que é difícil, ou impossível, concretizar tal valor.

O valor declarado, gozará, desde que verificados os respectivos pressupostos, da presunção de veracidade consagrada no artigo 75.º/1 da LGT, pelo que, declarado o valor que, no critério do contribuinte, é o adequado, competirá à AT, se dele discordar, produzir prova de que tal valor não é o correcto, seja demonstrando uma alocação directa dos encargos financeiros suportados à aquisição das participações sociais, seja utilizando um critério directo – avaliação directa - seja lançando mão dos métodos de tributação indirecta, nos termos gerais da LGT, desde que verificados os respectivos pressupostos, onde se inclui a “Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto” (artigo 87.º/1/b) da LGT).

Neste caso, estando em causa uma actuação correctiva da AT, assiste-lhe o ónus da prova de que se verificam os pressupostos legais da sua actuação, nos termos do artigo 74.º/1 da LGT[1].

            Assim, e estando em causa uma correcção meramente aritmética ao valor a considerar para efeitos do artigo 32.º/2 do EBF, considera-se que o ónus da prova que assiste à AT consiste em demonstrar qual o valor correcto para efeitos da referida norma, e não, meramente, que não lhe é possível indicar um valor, ou que é “extremamente difícil determinar com exactidão qual a aplicação específica dos capitais próprios obtidos através de um determinado empréstimo.[2].

            Ora, no caso, a referida demonstração não está, confessadamente e por qualquer modo feita, pelo que a liquidação objecto do presente processo arbitral, e a reclamação graciosa que o manteve na ordem jurídica, enfermam, desde logo, de erro nos respectivos pressupostos de facto.

            Efectivamente, nenhuma prova existe de que os valores suportados com encargos financeiros com a aquisição de participações sociais relevantes para efeitos da norma do artigo 32.º /2 do EBF em causa, seja, não o declarado pela Requerente, que, como se viu, se presume verdadeiro, mas o considerado pela liquidação em crise.

            Efectivamente, o que a AT diz é que não consegue determinar um valor para o efeito. Ora, assim, sendo, como a Requerida confessadamente reconhece, gera-se uma situação senão de insuficiência de prova, pelo menos, de fundada dúvida, que sempre teria de ser resolvida contra a parte onerada com o ónus da prova.

            Ou seja, e em suma: declarado, nos termos da lei, um valor pelo contribuinte, a liquidação far-se-á com base na declaração efectuada, como impõe o artigo 90.º/1/a) do CIRC, na redacção aplicável. Tal liquidação apenas poderá ser anulada, por erro de facto ou de direito, desde que a parte que pretende tal anulação, seja ela a AT ou o contribuinte, cumpra o ónus probatório que lhe assiste, demonstrando tal erro, o que, no caso, passa pela demonstração efectiva (para lá de qualquer dúvida razoável) do valor de imposto a liquidar, e não – como ocorre no caso com a Requerida – com a demonstração de uma dificuldade ou mesmo impossibilidade em indicar o valor correcto, e subsequente aplicação de um critério discricionariamente determinado, sem qualquer suporte legal para o efeito.

            Não relevará, assim, qual a motivação subjectiva para a indicação de um valor corrigido ou qual o método de cálculo utilizado para lá chegar. Em ordem a proceder à correcção de um valor declarado, em termos que impliquem a sua substituição por outro, por meio de uma correcção meramente aritmética torna-se necessário demonstrar, para lá de qualquer dúvida razoável que o novo valor a considerar é, efectivamente, o correcto.

            Ora, no caso, a AT não o faz; não demonstra, nem sequer alega, que o novo valor a considerar para efeitos da liquidação de imposto, na matéria que nos autos releva (encargos relevantes para a segunda parte do artigo 32.º/2 do EBF), que justificaria a correcção parcial da autoliquidação da Requerente, é o correcto.

            Aquilo que a AT fez, no caso, foi efectiva e confessadamente[3], e como aponta a Requerente, a aplicação de um método indirecto de determinação da matéria colectável, sem seguir os procedimentos legalmente impostos para o efeito.

            Com efeito, como se escreveu no recente Acórdão do STA de 08/03/2017, proferido no processo 0227/16[4], “O ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC, estabelece um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal.”.

            Ora, como se tinha escrito já no acórdão do TCA-Norte de 15-01-2015, proferido no processo 00946/09.0BEPRT[5]:

“1. Na vigência do n.º 2 do art. 31 do EBF na redação introduzida pela Lei n.º pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, as mais valias e as menos valias realizadas pelas SGPS mediante transmissão onerosa de partes de capital, desde que detidas por período não inferior a um ano e bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável das sociedades.

2. O método de apuramento de quais os encargos financeiros suportados com a aquisição daquelas partes sociais, deve visar um critério de imputação directa e real e não o critério indirecto ou presumido previsto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março.”.

Assim, como se escreveu no também recente acórdão do TCA-Norte de 25-05-2016, proferido no processo 00264/10.1BECBR[6]:

“IV. Por força do artigo 74.º n.º 1 LGT, compete à Administração Fiscal o ónus de suscitar e comprovar a dispensabilidade do custo visado, em ordem a exercer o seu direito de corrigir as pretendidas deduções dos montantes respetivos a título de custos fiscais.

V. É sobre a Administração Fiscal que incide o ónus de provar a existência de todos os pressupostos que a determinaram a efetuar correções ao declarado pelo contribuinte, incumbindo-lhe, por isso, indagar sobre a verificação do facto tributário que afirma ter existido, através da realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material.

VI. Assim, é à Administração Fiscal que cabe o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua atuação, isto é, o ónus de provar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso aos métodos indiretos se tornou a única forma de calcular o imposto a liquidar.

VII. E competindo-lhe, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria coletável, sabido que a Administração Fiscal atua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, não gozando de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (direto ou indireto) de avaliação da matéria tributável, e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou excesso na quantificação (artigo 74º, nº 3 da LGT).”

            Deste modo, para além de enfermar de erro nos pressupostos de facto, na medida em que procedeu à aplicação de correcções meramente técnicas, enferma a liquidação objecto da presente acção arbitral, na parte ora em apreço, de vício de procedimento e erro nos pressupostos de direito, ao aplicar um método indirecto de determinação da matéria colectável, sem seguir os procedimentos legalmente prescritos para tal, e com base nos pressupostos de avaliação directa.

            Face a todo o exposto, deverá, nesta parte, o pedido arbitral proceder.

 

***

ii.

            Em causa nos presente autos, está, igualmente, uma correcção de € 8.384,48, referente à “C…”, respeitante a «Gastos com amortizações e depreciações não aceites no apuramento do resultado fiscal de IRC».

            Esta correcção, conforme resulta da matéria de facto, é relativa a gastos com amortizações e depreciações não aceites no apuramento do resultado fiscal de IRC do ano de 2013, nos termos dos artigos 23.º e 29.º ambos do CIRC e teve como fundamento terem sido consideradas como perdas as amortizações dos imóveis registados como propriedades de investimento que não estavam a ser utilizados e que não geraram, à data, rendimentos sujeitos a IRC.

            Entende, em suma, a AT, conforme decorre do RIT, que tais gastos com amortizações não se enquadram no artigo 23.º do CIRC, porquanto, no juízo daquela autoridade, os mesmos não eram necessários à actividade da Requerente.

            A questão sub iudice prende-se então, em primeira linha e directamente, com a aplicação do artigo 23.º do CIRC.

De um ponto de vista geral, os traços essenciais do trajecto firmado pela doutrina e jurisprudência nacionais em matéria de indispensabilidade dos gastos, podem-se sintetizar da seguinte forma:

-          o juízo sobre a indispensabilidade dos gastos suportados implica que seja verificado o seu contributo para a obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro” e “a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, no processo n.º 0107/11[7]);

-          “os custos (...) não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.” (Ac. STA, proferido a 30-05-2012, no processo n.º 0171/11);

-          “um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a actividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respectivas actividades.” (Ac. STA, proferido a 04-09-2013, no processo n.º 0164/12);

-          o conceito de indispensabilidade é de preenchimento casuístico, e o nexo de causalidade económica não pode estar desligado da factualidade do caso concreto, sendo que “a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.” (Ac. TCA-Sul, proferido a 16-10-2014, processo n.º 06754/13);

-           “A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à actividade empresarial. Se o custo não é estranho à actividade da empresa, isto é, se se relaciona com a actividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.” (Ac. TCA-Norte, proferido a 20-12-2011, processo n.º 01747/06.3BEVIS);

-          “da noção legal de custo fornecida pelo art. 23.° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o art. 23.° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.

A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo n.º 0107/11);

-          “A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.

O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.

O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.

Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.” (Ac. STA, proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05).

            Densificados, deste modo, os critérios de apreciação da indispensabilidade dos gastos, à luz do artigo 23.º do CIRC, resta, então, a operação de aplicação de tais critérios ao caso concreto, apreciando-se, àquela luz, os argumentos da AT que sustentam a sua posição.

            Encetada tal operação, tem-se por meridianamente claro que não é susceptível de acolhimento o entendimento da AT subjacente à correcção ora em crise.

            Com efeito, e desde logo, integrando os imóveis a que se referem as amortizações desconsideradas o património da Requerente, e, como reconhece a própria AT e está provado, tendo aquela como como actividade efectiva, para além do mais, a “Compra e venda de imóveis”, não existirá margem para qualquer dúvida razoável de que a aquisição dos mesmos se enquadrou no âmbito da actividade empresarial da Requerente, e que encerrava, de um ponto de vista objectivo, o potencial de gerar rendimentos para aquela, existindo, por isso, “uma relação causal e justificada com a actividade da empresa.”.

            Não obsta a esta conclusão, a circunstância, fundamento da correcção operada, de, no exercício em causa, os imóveis em questão não terem gerado rendimento, já que, como é hoje, julga-se, consensualmente reconhecido, o juízo a que se reporta o artigo 23.º do CIRC não se afere em função dos resultados da opção empresarial subjacente ao gasto a deduzir.

            Com efeito, se, como se transcreveu acima, “os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.”, também os gastos com a aquisição de imóveis, por uma empresa que se dedica à compra e venda de imóveis, e que, no caso, até os tinha disponíveis para arrendamento ou venda, não poderão afirmar-se dispensáveis, apenas porque, num determinado exercício, não geraram rendimento.

            Como se escreveu no Ac. do STA de 24/09/2014, proferido no processo 0779/12[8], “não pode a AT desconsiderar os custos respeitantes à aquisição de dois prédios com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade, ainda que este negócio se venha a revelar economicamente não rentável”.

            Não se subscreve, pelo exposto, o entendimento sustentado pela Requerida, segundo o qual “apenas poderão ser aceites como custos dedutíveis as perdas com amortizações dos imóveis registados como propriedades de investimento que tenham sido utilizados e tenham gerado rendimentos sujeitos a IRC”, pelo que “as perdas com amortizações dos imóveis registados como propriedades de investimento que não tenham sido utilizado e não tenham gerado rendimentos sujeitos a IRC, não podem ser dedutíveis[9].

            Conclui-se, assim, que também esta correcção enferma de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, nesta parte também, proceder o pedido arbitral.

 

***

 

C. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)      Anular o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e acrescido com o n.º 2015…, de 05-11-2015, relativo ao exercício de 2013, no valor de € 292.211,18, e o acto de decisão da reclamação graciosa n.º …2016…, que teve aquele como objecto;

b)      Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 292.211,18, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 2 de Maio de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

O Árbitro Vogal

 

(Nuno Cunha Rodrigues)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Luís Baptista)

 



[1] Neste sentido, cfr, p. ex., Ac. TCA-Sul de 16-01-2007, proferido no processo 00911/03, disponível em www.dgsi.pt.

[2] Cfr. artigo 48.º da Resposta da Requerida.

[3] Cfr. artigo 49.º da Resposta.

[4] Disponível em www.dgsi.pt.

[5] Idem.

[6] Idem.

[7] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[8] Disponível em www.dgsi.pt.

[9] Artigos 63.º e 64.º da Resposta.