DECISÃO ARBITRAL
A – RELATÓRIO
1. A…, com o NIF …, com residência fiscal na Rua…, n.º…, …, …-… Lisboa, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos art. 2º, n.º 1, a) e 10º, n.º 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no DL 10/2011, de 20 Janeiro, doravante designado “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”).
2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, relativas ao ano de 2015, referentes ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia … .
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 05-09-2016.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, que comunicou a aceitação da designação dentro do prazo.
3.2. Em 19-10-2016 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 11-11-2016.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
Correu termos no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa Tributária o processo Proc. 335/2015-T, para pronúncia sobre a ilegalidade do critério que determinou os actos de liquidação de imposto de selo, verba 28.1 da TGIS, sobre as 10 unidades do prédio urbano dos autos, relativo aos anos de imposto de 2012 e 2014, tendo sido proferida decisão, já transitada em julgado, que julgou procedente a impugnação, declarando a ilegalidade e consequente anulação das liquidações impugnadas e restituição dos montantes pagos acrescidos de juros, tendo a AT já cumprido parcialmente essa decisão.
Apesar de o tribunal arbitral ter declarado a ilegalidade das liquidações da verba 28.1 da TGIS referentes aos anos de 2012 e 2014 do prédio dos autos, em Abril de 2016, com referência ao ano de imposto 2015, a AT procedeu aos actos de liquidação de imposto de selo sobre as 10 unidades independentes do prédio dos presentes autos.
Os actos impugnados nos presentes autos são as liquidações de imposto de selo relativas ao ano de imposto de 2015, liquidações de 05 de Abril de 2016, relativas aos 10 andares do prédio dos autos, com a colecta no valor global de 12.374,00€ (doze mil, trezentos e setenta e quatro euros), cada liquidação para pagamento voluntário em três prestações anuais, vencendo-se a 1.ª em Abril, a 2.ª em Julho e a 3.ª em Novembro do corrente ano de 2016, tendo na presente data já sido notificadas à requerente as 1.ªs e 2.ªs prestações, que já as pagou.
A Autora é proprietária do prédio urbano em regime de propriedade total sito na Rua … …-…, tornejando com a Rua …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia das … sob o art … e descrito na conservatória de registo predial de Lisboa.
O identificado prédio é anterior a 1951 e é constituído por cinco pisos com dez fracções de utilização.
A autonomia física e económica das 10 unidades que compõem o edifício determinou que estas fossem, desde a data da sua construção, dadas de arrendamento, sendo que duas – as correspondentes ao 1º andar direito e ao 1º andar esquerdo - estão arrendadas para fins não habitacionais – comerciais.
Embora tivesse condições para tal, certo é que até ao presente o prédio não foi constituído em propriedade horizontal, encontrando-se matricialmente descrito com cada andar considerado separadamente.
As características físicas do prédio e consequente autonomia económica de todos os seus fogos implica que, para efeitos fiscais, o mesmo não seja avaliado como um todo, sendo objecto de avaliação patrimonial tributária, conforme decorre da lei, apenas as unidades físicas e económicas que o compõem, separadamente, andar a andar.
Não obstante, a AT entendeu que o prédio está sob a incidência objectiva da verba n.º 28.1 da TGIS, uma vez que a soma do valor patrimonial de cada uma das suas aludidas unidades física e economicamente independentes ultrapassa a quantia de €1.000.000,00 (um milhão de euros).
O prédio dos autos encontra-se matricialmente descrito nos termos do disposto no n.º 3 do art. 12.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante CIMI), nos termos do qual: “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.
Face aos factos expostos e ao seu enquadramento legal, entende a requerente que as liquidações dos autos estão inquinadas pelo vício de violação de lei, impondo-se, por isso, a sua anulação, à semelhança do que foi decidido nos autos º 335/2015-T.
As liquidações efectuadas violam os princípios da legalidade, da igualdade fiscal e da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.
Acresce o argumento da impossibilidade legal de classificação do prédio dos autos como prédio habitacional.
Conclui, assim, a Requerente pela ilegalidade das liquidações objecto do pedido arbitral.
5. Por seu turno a requerida veio em resposta alegar, em síntese:
A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS resulta da conjugação de dois factos: a afectação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00.
Os prédios urbanos podem ser, entre outros, habitacionais ou serviços, nos termos das alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 6.° do CIMI.
O imóvel encontra-se descrito na matriz no regime de propriedade total, constituído por divisões ou andares susceptíveis de utilização independente.
Tendo em conta a informação matricial constante da caderneta predial, não logra, a Requerente com os documentos que presentemente junta aos autos, fazer prova que contrarie a natureza das divisões com carácter habitacional.
Decorre da análise do artigo 2º, n.º 1 do CIMI que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por fracções autónomas, ou seja, vários prédios.
O artigo 12º do CIMI estatui o conceito de matriz predial, sendo que o seu n.º 3 respeita, exclusivamente, à forma de registar os dados matriciais.
Encontrando-se os prédios em regime de propriedade total, não possuindo fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do artigo 2º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2º do CIMI.
A propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.
A constituição da propriedade horizontal implica, é um facto, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma avaliação (ofício – circulado n.º 40.025, de 11.08.200, da DSCA), mas o legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.
A inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta de uma discrição na matriz do prédio na sua totalidade.
É assim consequência, de o facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. consistir na propriedade, de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto ser, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente.
Deste modo, não se pode concluir por uma alegada discriminação em violação do princípio da igualdade quando, na verdade, estamos perante realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente.
Conclui, por isso, a Requerida pela legalidade dos actos de liquidação de imposto do selo contestados pela Requerente que deverão, assim, ser mantidos.
6. Por despacho de 12-01-2017, foi, com a anuência das partes, dispensada a reunião do artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações.
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B – Saneamento
7.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
7.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
7.3. O processo não enferma de nulidades, não tendo sido suscitadas quaisquer excepções.
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C. DECISÃO
1. MATÉRIA DE FACTO
1.1. FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A requerente é proprietária Autora é proprietária do prédio urbano em regime de propriedade total sito na Rua … …-…, tornejando com a Rua … …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia das … sob o art … .
b) O prédio, não constituído em regime de propriedade horizontal, é anterior a 1951, sendo constituído por cinco pisos e compreende um total de dez unidades com utilização independente, sendo oito afectos a habitação e duas a comércio.
c) A soma dos valores patrimoniais de todos os andares e divisões com afectação habitacional perfaz o total de 1.237.400,00 €.
d) Nenhum dos andares, considerado isoladamente, tem um valor patrimonial superior a 1.000.000,00 €.
e) A AT liquidou imposto do selo individualmente sobre os valores patrimoniais tributários dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente, à taxa de 1%, por aplicação do disposto na verba 28.1 da TGIS, relativamente ao ano de 2015.
f) Por decisão arbitral proferida no processo n.º 335/2015-T, foi declarada a ilegalidade das liquidações de imposto do selo referentes aos anos de 2012 e 2014, relativamente ao mesmo prédio;
g) A Requerente procedeu ao pagamento das duas primeiras prestações do imposto.
1.2 Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos ao processo.
1.3 FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos dados como não provados com relevância para a apreciação do pedido.
2. O DIREITO
A questão de fundo a apreciar neste processo reside na interpretação a dar à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, no sentido de apurar se, relativamente a prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal que integrem andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de aplicação do imposto é o atribuído individualmente a cada um deles ou, pelo contrário, é o correspondente à soma de todos eles.
Dispõe a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo:
- ”Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto sobre Imoóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos o Código do IMI – 1%
(…)”.
O art. 6º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, dispõe que o valor patrimonial tributário a considerar na liquidação do imposto do selo corresponde ao que resultar das regras do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), acrescentando o n.º 2 do art. 67º do Código do Imposto do Selo (CIS) que “as matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral, aplica-se subsidiariamente, o disposto no CIMI”.
Por seu turno, o art. 2º do CIMI dá-nos o conceito de prédio, estabelecendo o art. 6º do mesmo código, no seu n.º 2, que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.
É com recurso a estas disposições que terá de ser encontrada a resposta à questão decidenda.
Sendo certo que o único confronto que o CIMI faz entre prédios em regime de propriedade horizontal ou total, se pode encontrar no n.º 4 do art. 2º quando prescreve que “cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.
Em cumprimento do que, na definição do conceito de matrizes prediais, o n.º 3 do art. 12º do CIMI, determina que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.
Nenhuma relevância é, pois, dada pelo legislador fiscal ao facto de um prédio estar constituído em regime de propriedade horizontal ou vertical, relevando apenas a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.
Quer dizer, nada há na lei que permita concluir no sentido de se obter o valor patrimonial tributário de prédio em regime de propriedade total, pela soma dos que foram atribuídos isoladamente às partes que o constituem, conforme entendimento que tem vindo a ser acolhido por várias decisões arbitrais[1] a que aderimos inteiramente e, por isso, subscrevemos.
Igual tem sido o entendimento do STA, designadamente nos Ac. de 27-04-2016 – Proc. 01534, de 02-03-2016 – Proc. 01354 e de 09-09-2015 – Proc. 047/15.
Por esclarecedor, transcreve-se o que se diz no acórdão de 02-03-2016: “relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o valor patrimonial tributário constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000. Assim tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo valor patrimonial tributário resultante do somatório do valor patrimonial tributário de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo valor patrimonial tributário atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação”.
Acresce que, no caso, o prédio não é exclusivamente afecto a habitação.
Entendemos, pois, não poder merecer acolhimento a posição da AT, ao pretender fixar como valor de referência para a incidência do imposto do selo, o valor global do prédio em causa, por não o admitir o CIMI que é, como já se referiu, a base legal remissiva de suporte daquele.
Não tendo nenhum das divisões susceptíveis de utilização independente, valor patrimonial superior a um milhão de euros, não há lugar a incidência da verba 28.1 prevista na TGIS.
Donde se conclui padecerem as liquidações objecto do presente pedido arbitral de ilegalidade, pelo que se impõe a sua anulação, devendo ser restituído à requerente do imposto pago, aí não se incluindo os juros de mora e custas da execução fiscal, como pretendia a requerente.
juros indemnizatórios
Além da restituição do imposto indevidamente pago, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
Tal direito vem consagrado no art. 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.
O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no art. 24º, n.º 5 do RJAT.
No caso em apreço, ocorreu, de facto, erro imputável à AT na liquidação em crise.
Pelo que assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios.
3. DECISÃO
Face ao exposto, decide-se:
a) julgar procedente, por vício de violação de lei, o pedido de anulação dos actos tributários objecto do pedido arbitral correspondentes às liquidações de Imposto do Selo referente ao ano de 2015 respeitante ao artigo urbano … da freguesia das …, Lisboa, bem como o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
b) condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir à requerente o montante de imposto pago, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios;
c) condenar a requerida no pagamento das custas do processo.
VALOR DO PROCESSO: De acordo com o disposto nos art. 306º, n.º 2 do Código de Processo Civil, art. 97º-A, n.º 1, a) do Código do Processo e de Procedimento Tributário e art. 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 12.374,00 € (doze mil trezentos e setenta e quatro euros).
CUSTAS: Nos termos do disposto no art. 22.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 918,00 € (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 07-05-2017
O árbitro
António Alberto Franco
[1] Entre outras, as proferidas nos Proc. 50/2013-T, 131/2013-T, 181/2013-T, 185-2013-T, 177/2014, 206/2014-T e 479/2014.