Decisão Arbitral
Os árbitros Conselheiro José Baeta de Queiroz (árbitro-presidente), Professor Doutor Pedro Soares Martínez e Dr. Hélder Faustino (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 23-12-2016, acordam no seguinte:
I. Relatório
1. A A…, Lda. (doravante designada abreviadamente por “Requerente”), pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua …, n.º…, em Lisboa, tendo sido notificada do acto tributário de liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), formalizado pelo documento de liquidação n.º …, no montante de € 617.664,26, veio apresentar, em 28-09-2016, ao abrigo da alínea a), do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral com vista à anulação daquele acto.
2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
3. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na anulação daquele acto, a par da condenação da AT ao reembolso do imposto indevidamente pago e, bem assim, ao pagamento de juros indemnizatórios pelo pagamento indevido do referido acto tributário.
4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
4.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros Conselheiro José Baeta de Queiroz, Professor Doutor Pedro Soares Martínez e Dr. Hélder Faustino como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4.2. Em 07-12-2016, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento.
4.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 23-12-2016.
5. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
a) No contexto da actividade exercida, a Requerente adquiriu, no âmbito da liquidação da massa insolvente da B…, Lda., cujo processo de insolvência correu termos no … Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, com o n.º …/09… TYLSB, agindo na qualidade de credora da mesma, os bens imóveis que identificou no parágrafo 7.º do pedido de pronúncia arbitral.
b) A isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) foi automaticamente reconhecida à Requerente, não tendo assim sido liquidado imposto com referência àquela operação de liquidação.
c) Mais tarde, contudo, a Requerente foi notificada do entendimento da AT quanto à alegada incorrecta aplicação da referida isenção em IMT no âmbito daquela operação, nos termos do qual a Requerente teria beneficiado “indevidamente” da isenção em referência porquanto, nas aquisições dos imóveis em apreço, não estariam verificados os pressupostos necessários para a aplicação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.
d) Alega a Requerente que, tendo a aquisição dos prédios sido efectuada no âmbito da liquidação de determinada massa insolvente, a mesma está abrangida pela isenção de IMT prevista no n.º 2 do 270.º do CIRE.
6. A AT apresentou resposta, alegando, em síntese, o seguinte:
A isenção em apreço abrange todos os actos integrados no âmbito de planos de insolvência, ou de pagamentos, ou de liquidação da massa insolvente, com a reserva, no entanto, de o objecto da transmissão isenta ser a empresa ou o estabelecimento e não um ou dois bens do seu activo isoladamente considerados.
7. Não tendo sido requerida a produção de prova constituenda, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido designado o dia 02-05-2017 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
8. As partes prescindiram da apresentação de alegações.
II. Saneamento
9.1. O Tribunal Arbitral é competente e encontra-se regularmente constituído.
9.2 As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
9.3. O processo não enferma de nulidades.
9.4. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III. Mérito
III.1. Matéria de facto
10. Factos provados
10.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade que tem por objecto social a compra e venda de bens imóveis;
b) A Requerente foi notificada do acto tributário de liquidação do IMT n.º…, no montante global de € 617.664,26, referente aos imóveis abaixo identificados, que pagou em 29-06-2016:
c) A Requerente adquiriu os imóveis identificados na alínea anterior no âmbito da liquidação da massa insolvente da B…, Lda., de quem era credora, e cujo processo de insolvência correu termos no … Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa sob o n.º …/09…TYLSB.
10.2. Fundamentação da matéria de facto
A factualidade provada teve por base os documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.
10.3. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
III.2. Matéria de Direito
Do mérito
A questão central a decidir prende-se com a interpretação do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, designadamente, no que diz respeito a saber se todas as aquisições de imóveis no âmbito de processos de insolvência e recuperação de empresas estão isentas de IMT ou se apenas aquelas que ocorram no âmbito da aquisição de empresas ou estabelecimentos comerciais.
O actual n.º 2 do artigo 270.º do CIRE estabelece o seguinte:
“Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta, integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”. [1]
Ora, entende a Requerente que esta norma deve ser interpretada no sentido de a isenção de IMT ser concedida, por um lado, no âmbito de operações de aquisição integral ou parcial da empresa objecto do processo de insolvência, e, por outro, a meros actos de aquisição de bens imóveis isoladamente considerados realizados na fase de liquidação do activo da mesma.
E assim deverá ser, segundo a Requerente, porquanto o legislador, ao consagrar aquele benefício fiscal em sede de IMT no âmbito dos processos de insolvência, visou viabilizar a venda rápida e atractiva dos bens imóveis integrantes do património do devedor, por forma a satisfazer os interesses dos credores ou a promover a recuperação da empresa, razão pela qual seria incongruente excluir do âmbito da isenção os actos de alienação de bens imóveis compreendidos na massa insolvente da empresa quando se trate de uma venda isolada.
Alega, ainda, a Requerente, que a aprovação do CIRE, através do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, visou proceder a uma reforma estruturante do processo de recuperação de empresas e falência – contemplada no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF) – que promovesse a agilização e reestruturação dos procedimentos de liquidação de bens e pagamentos aos credores.
Em paralelo com a criação de medidas uniformizadoras dos diferentes procedimentos existentes, o novo diploma adoptou um modelo alicerçado, essencialmente, na primazia da vontade dos credores na tramitação do processo, opção que resulta evidente, desde logo, da redacção do artigo 1.º do CIRE, que determina como finalidade do processo de insolvência “ (…) a satisfação dos credores (…) ”.
Para concretização do referido objectivo, o legislador esclareceu que, caso não se afigure possível alcançar o mesmo através da recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, tal objectivo deverá ser obtido pela “ (…) liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores” – cfr. n.º 1 do artigo 1.º do CIRE.
Deste modo, e configurando o património dos devedores (insolventes) a garantia de satisfação dos créditos existentes, cumprirá aos credores decidir quanto à efectivação dessa garantia.
Tal efectivação poderá ser viabilizada seja por meio de liquidação integral do património dos devedores, seja através da manutenção da actividade e consequente reestruturação da empresa insolvente, sendo “(…) por essa via que, seguramente, melhor se satisfaz o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado” – cfr. ponto 3 do Preâmbulo que antecede o CIRE.
Já no que respeita à regulamentação da matéria tributária no âmbito do processo de insolvência, o princípio basilar da prevalência da vontade dos credores encontra-se patente nas disposições normativas relativas à atribuição dos “Benefícios emolumentares e fiscais”, previstas no Título XIII do CIRE.
Para a AT, a norma em causa apenas consagra a isenção de IMT para os casos em que os imóveis são adquiridos no âmbito de uma empresa ou estabelecimento comercial, sendo que a venda de imóveis da empresa, isoladamente, não está abrangida pela isenção, estando, por consequência, sujeita a IMT nos termos gerais.
Impõe-se, portanto, decidir.
A norma prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE consagra um benefício fiscal.
Esta qualificação decorre do n.º 2 do artigo 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), o qual estabelece que são “benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem” (n.º 1) e que “são benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior” (n.º 2).
À interpretação das normas tributárias são aplicáveis, de acordo com o n.º 1 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), as regras e princípios gerais de interpretação das leis, designadamente, o artigo 9.º do Código Civil (CC), com uma tónica especial, quando persista “a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar”, na “substância económica dos factos tributários” (cfr. o n.º 3 do artigo 11.º da LGT).
Importa, ainda, fazer referência ao artigo 10.º do EBF, nos termos do qual “as normas que estabeleçam benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva.”.
Ora, nos termos gerais da hermenêutica jurídica, a letra da lei é o limite mínimo da tarefa interpretativa (no sentido de que é do texto legislativo que tem que se partir para determinar o sentido da norma), mas também o seu limite máximo (no sentido de que não é possível atribuir à norma um sentido que não esteja minimamente previsto na sua letra).
No presente caso, partindo do elemento literal, o resultado da interpretação não é unívoco.
Senão vejamos.
Por um lado, se o preceito em causa se refere aos actos de venda de “empresa” e de “estabelecimento”, também é certo que inclui ainda as operações de “permuta” ou “cessão”, que parecem abrir a porta a transmissões de outra coisa que não de uma empresa ou estabelecimento - na medida em que não se conhecem permutas de empresas ou estabelecimentos - e que a cessão, sendo onerosa porque só assim poderá estar em causa a aplicação do IMT, não tem autonomia conceptual face à venda.
Nesta medida, o elemento literal não nos permite tirar conclusões firmes acerca de quais as operações que o legislador quis incluir na norma de isenção, pelo que, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 9.º do CC deverão ser atendidos os elementos teleológico, sistemático e histórico da norma em questão como auxiliares da tarefa interpretativa.
No que ao elemento histórico diz respeito, o CPEREF, diploma que antecedeu o CIRE, previa, no n.º 2 do artigo 121.º, uma isenção de sisa para “as transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer das providências de recuperação de empresa, que decorram (…) da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa (…) ”.
Não restavam, portanto, dúvidas de que a isenção se aplicava à venda isolada de imóveis ocorrida no âmbito de processos de recuperação de empresa.
Mais tarde, a Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, autorizou o Governo a legislar sobre a insolvência de pessoas singulares e colectivas, revogando o CPEREF.
O novo regime jurídico deveria colocar a tónica na satisfação dos credores, fosse pela via da liquidação do património, fosse pela via de um plano de insolvência (cfr. o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto).
Em matéria de benefícios fiscais, o n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto autorizava o Governo “a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente: (…) as que decorram (…) da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimentos ou elementos dos seus activos (…) ”.
Nesta medida, a Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto era ainda mais favorável à transmissão de imóveis incluídos na massa insolvente do que o CPEREF, porquanto não restringia a isenção de tributação às transmissões de imóveis que pudessem ter lugar num contexto de recuperação de empresa, estendendo-a também às transmissões que tivessem lugar num contexto de liquidação da empresa insolvente ou dos seus estabelecimentos.
Já quanto ao elemento teleológico, importa apurar a razão de ser da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE e, nomeadamente, se essa razão de ser justifica a isenção das operações de transmissão isolada de imóveis ou apenas aquelas que tenham lugar no contexto mais amplo da transmissão da empresa ou do estabelecimento.
Ora, quanto a este aspecto, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) já teve oportunidade de esclarecer, citando-se aqui, a título exemplificativo, o Acórdão de 17 de Dezembro de 2014, no âmbito do recurso n.º 01085/13, onde se conclui que haverá que “ (…) ter em conta o fim que o legislador pretende alcançar com a concessão de tal isenção, - fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas, também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador (…) ”, atribuindo incentivos fiscais a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente e que serão vendidos em fase de liquidação.
Não havendo, pois, que diferenciar, para tal fim, as situações em que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu activo e o seu passivo, das situações em que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, ou em que se estejam a vender bens imóveis que integravam o seu activo.
De facto, o objectivo que preside à teleologia da norma será, igualmente, prosseguido quando a aquisição tem por objecto elementos do activo da empresa, não se tornando necessário que o objecto seja a empresa ou estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência.
Por último, importa, ainda, atender ao elemento sistemático para determinar o sentido da norma em causa, desde logo porque a isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE não é a única prevista para as operações de transmissão onerosa de imóveis que tenham lugar no âmbito do processo de insolvência, sendo acompanhada pela isenção também de IMT prevista no n.º 1 do artigo 270.º do CIRE e pela isenção de Imposto do Selo consagrada nas alíneas d) e e) do artigo 269.º do mesmo diploma.
Sucede que tanto uma como a outra se aplicam, de forma clara, quer à transmissão de imóveis efectuada em conjunto com a empresa ou o estabelecimento de que fazem parte, quer à transmissão isolada de imóveis.
Também deste ponto de vista parece, portanto, que a interpretação segundo a qual a isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE abrange a transmissão de imóveis quando efectuada em conjunto com a empresa ou estabelecimento de que fazem parte ou quanto efectuada isoladamente é a mais consentânea com o espírito global do ordenamento jurídico.
Em conclusão, e perante as dúvidas suscitadas pela falta de clareza do enunciado verbal da disposição em causa, o recurso aos elementos histórico, teleológico e sistemático permitem concluir com segurança que a isenção de IMT prevista no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE se aplica, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também vendas e permutas de imóveis (enquanto elementos do seu activo), desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
Este tem sido também o sentido da jurisprudência maioritária dos tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD, de que é exemplo a decisão proferida no processo n.º 123/2015-T, de 01-09-2015, nos termos da qual, “Para além de esta interpretação, permitida pelo teor literal do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, ser manifestamente a que se sintoniza com a teleologia da modalidade de isenção identificada, que é incentivar as aquisições de bens da empresa insolvente, no caso em apreço a venda foi efectuada a credores da empresa insolvente, pelo que se está perante uma situação cuja substância económica é essencialmente idêntica à das situações de dação em cumprimento de bens da empresa ou de cessão de bens aos credores, que estão expressamente previstas na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 270.º, como casos de isenção de IMT. Por isso, nos casos em que a venda é efectuada a credores da empresa insolvente, a substância económica, a que o artigo 11.º, n.º 3, da LGT manda atender na interpretação das normas de incidência tributária, sempre imporia que se entendesse se trata de situações abrangidas pela isenção, pelo que, a não se enquadrar a situação no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, ela sempre caberia, por interpretação extensiva no n.º 1 do mesmo artigo.”.
Conclui-se, assim, no mesmo sentido da jurisprudência maioritária do STA e dos tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD, ou seja, de que a norma prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE abrange as operações de transmissão de imóveis da massa insolvente que tenham lugar de forma isolada, isto é, não integrada na transmissão da empresa ou de um estabelecimento comercial, assim como aquelas que tenham lugar no contexto destas transmissões mais abrangentes.
A “nova” interpretação da AT
Após a apresentação do pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo, foi publicada, no dia 10 de Fevereiro de 2017, a Circular n.º 4/2017, emitida pela DSIMT – Direcção de Serviços do IMT, do Imposto do Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais, a qual, em cumprimento do Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 14/2017-XXI, de 26 de Janeiro de 2017, procedeu à revisão da interpretação ao disposto no CIRE no que diz respeito à isenção de IMT na aquisição de imóveis efectuada no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação. [2]
Ora, a AT vem reconhecer que a isenção de IMT não depende da coisa vendida, permutada ou cedida abranger a universalidade da empresa insolvente ou um seu estabelecimento.
Nesta medida, os actos de venda, permuta ou cessão, de forma isolada, de bens imóveis da empresa insolvente ou de estabelecimentos desta estão isentos de IMT, desde que integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
Este novo entendimento reflecte, aliás, a jurisprudência reiterada e uniforme do
STA sobre esta matéria. [3]
Pelo exposto, a liquidação impugnada enferma de vício de erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado em violação do no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, que justifica a sua anulação nos termos do disposto no artigo 163.º do novo Código do Procedimento Administrativo. [4]
Dos juros indemnizatórios
O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
No caso em apreço, encontra-se provado o pagamento de imposto no montante total de € 617.664,26.
Por outro lado, o erro que afecta a liquidação é imputável à AT, que praticou o acto de liquidação por sua iniciativa.
Da conjugação dos dois factos resulta que a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia que pagou, nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido mediante juros indemnizatórios, pela AT, desde a data do pagamento da quantia, 29-06-2016, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 e n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
IV. Decisão
Termos em que acorda o presente Tribunal Arbitral em:
a) Julgar totalmente procedente o pedido formulado pela Requerente, declarando a ilegalidade e anulando o acto de liquidação de IMT n.º…, no montante de € 617.664,26 (com o consequente direito ao reembolso do valor indevidamente pago);
b) Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento do imposto até o reembolso integral da quantia paga;
c) Condenar a AT nas custas deste processo.
V. Valor do Processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º e no n.º 2 do artigo 297.º, ambos do Código do Processo Civil, da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 617.664,26 (seiscentos e dezassete mil, seiscentos e sessenta e quatro euros e vinte e seis cêntimos).
VI. Custas
De acordo com o previsto no n.º 4 do artigo 22.º, no n.º 2 do artigo 12.º, ambos do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 9.180,00 (nove mil, cento e oitenta euros).
Lisboa, 13 de Abril de 2017.
Os árbitros,
José Baeta de Queiroz (Árbitro Presidente)
Pedro Soares Martínez (Árbitro Vogal)
Hélder Faustino (Árbitro Vogal - Relator)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Redacção do artigo 234.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
[3] Cfr., a título de exemplo, os Acórdãos de 11 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 968/13,
de 18 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 0575/15, proferido no processo n.º 1076/15, de 25 de Setembro de 2013, proferido no processo n.º 866/13, de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 1345/15 e, ainda, o Acórdão de 20 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 01350/15.
[4] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro.